Entropia escrita por Reyna Voronova


Capítulo 3
II - Sozinho




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II

Sozinho


O primeiro pingente que usava era, na verdade, uma dog tag com seu nome escrito na língua incomum, A'dǎm. Os dois últimos eram uma lembrança claustrofóbica e que fedia a mofo, porque estava impregnada no ar que respirava desde que acordou pela última vez.

Um deles era uma bala que um dia esteve alojada no mesmo tambor da mesma arma que atirou nele. O outro era uma dog tag com outro nome.

Com um pesadelo inscrito em ferro.

Pelo menos não estava inscrito em sua pele, como ele não duvidava de que aquele pesadelo fosse capaz de fazer. Imagine, marcá-lo como um gado prestes a ser abatido? Mas não, jamais faria isso. Jamais até aquele momento.

Porque antes daquele momento que ainda persistia em ficar no ar que Adam respirava, o pesadelo tinha sido uma utopia.

Viajar pelo Mundo, com as areias do deserto voando ao seu redor, sentindo o calor infernal com o vento seco e abrasador pungindo-os, queimando as narinas e fazendo os olhos arderem. Eles compartilharam sonhos, dremva e palavras, kra'vstanva.

Mas ele já não tinha kra'vstan depois que o sonho tornou-se pesadelo. Antes, tinha vários nomes e palavras, uma honraria invejável a qualquer um. Entretanto, pouco a pouco elas foram se perdendo nas areias do deserto. Hoje uma palavra sumia numa tempestade de areia. Mas não tem problema, ainda tem muitas palavras. Amanhã, outra palavra sumia com o vento cortante. Ainda tem mais. É só uma palavra. E quando deu por si, já havia perdido quase todas. No final, ele era apenas Adam, o seu nome comum, pelo qual todos lhe chamavam e reconheciam, e sua palavra que carregava consigo seu significado, Vütergutt. Porém, ele já estava desvanecendo no horizonte. Já não era nada além de Adam. Só Adam. O significado da sua palavra já parecia ser só uma miragem no meio do deserto: inalcançável. Parecia ser um sonho: inexistente. Parecia ser como seus outros kra'vstanva: esquecido.

Sua palavra, outrora respeitável e temida, era agora sem significado, inútil. Era uma palavra morta como ele.

Contudo, ele não estava mais morto, estava? Ele havia acordado.

Ele e, com ele, seu pesadelo. Sentia a dog tag queimando-lhe o pescoço, enquanto ele passava os dedos sujos de areia carinhosamente — porque ele ainda não conseguia acreditar que algo que era perfeito pudera fazer algo tão… vil —, sentindo as letrinhas marcadas no ferro rasparem levemente no seu polegar.

E ele sentia cada letra e reconhecia cada uma delas.

Ǎ.

n.

j.

q.

Annik.


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