Pan-demonio escrita por GreeneMoon


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Demorou, mas saiu. [fogos de artificio estourando aqui]

Desculpem pela demora de uns mil anos, acho?! hahahaha
Eu estava com a vida super corrida e sem inspiração :( mas espero que alguns de vocês não tenham desistido de mim e continuem acompanhando Peter e Wendy. ♥



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— Sininho –

 Estava parada ali já fazia algum tempo. Não tinha a mínima ideia do que esperava olhando para o mar congelado que se estendia pelo horizonte a sua frente, mas permanecera ali durante uma hora inteira. Sabia que quem ela esperava nunca fora pontual, e aquilo provavelmente a irritaria se não estivesse tão dentro de sua mente, tão absorta em seus próprios pensamentos. Pensamentos esses que sempre a rodeavam quando baixava a guarda e nunca a levavam para lugar nenhum.

Suspirou, tentando livrar-se do que quer que fosse aquele sentimento desenrolando-se em seu peito. Não tinha tempo para aquilo e nem paciência. A época em que a fada preocupava-se com sentimentos tolos como aquele tinha passado, e ela não poderia estar mais feliz por isso. Linhas de pensamentos como aquela só serviam para atrasá-la e tudo que ela não precisava naquele momento era de mais um obstáculo em seu caminho. Já tinha o suficiente para uma vida inteira, o que não a deixava satisfeita.

Bateu a sola de seu salto em uma mania ansiosa. Estava começando a se enfurecer com a demora. Não era como se Sininho dispusesse de um tempo infinito para esperar que o universo conspirasse ao seu favor, afinal, nem mesmo o relógio conspirava para o seu lado da história. A fada tinha uma agenda regrada e seus horários eram bastante curtos para se prestar aquele papel. Fora o fato de que aquele lugar estava sempre debaixo de gelo e a brisa que vinha do horizonte a abraçava com o calor de uma estátua congelada.

Fechou os olhos, contando até dez lentamente. Precisava manter um pouco da paciência que lhe restava a todo custo e não render-se à sua mente novamente. Não gostava nem um pouco quando o teletransporte ligado aos seus neurônios a mandava de volta para o passado do qual odiava se lembrar. Não tinha o menor interesse em remoer histórias que estavam mortas e enterradas para ela, mas, por mais que repetisse isso inúmeras vezes, silenciosamente, sua mente ainda trabalhava contra seus protestos. Bastava um momento de dispersão para que ela voltasse para o dia em que decidiu nunca mais ficar em segundo plano. Seguidas disso, vinham às memórias do incêndio, dos pedidos de socorro e daqueles que lhe suplicavam para que parasse com o que estava fazendo. Ainda se lembrava dos olhares assustados de suas irmãs, da confusão que suas mentes tentavam organizar para que elas pudessem entender o que estava acontecendo. Ela não havia dado muitas opções para nenhuma delas: ou estavam com ela, ou estavam contra ela. O que era fácil de decidir quando todo o poder estava nas mãos de Sininho, mas o que ia contra todos os princípios que lhes foram ensinados desde quando eram apenas sementes. Fora por isso que muitas de suas irmãs foram tiradas daquele mundo de maneira brutal. Ninguém poderia ficar no caminho de Sininho quando ela desejava algo tão incondicionalmente. Ela sempre passava por cima de tudo e todos que a desafiavam a ter aquilo que queria.

Pobres almas perdidas no limbo, pensou em um de seus momentos de fraqueza. Tomara que estejam sofrendo no calor do inferno, completou sua alma tão negra quanto os dias na Terra-do-Nunca. Um sorriso desabrochou em seus lábios rosados quando a certeza de que seu arrependimento era mínimo perto de sua satisfação a inundou por inteira. Não se arrependia de nada. Nunca. Tudo que havia feito era por um bem maior. O dela. E ela estava sempre acima de tudo que consideraria importante em sua vida, perdendo espaço apenas para Peter. E era por ele sempre estar acima dela que Sininho se via no local onde o Jolly Roge estava eternamente atracado.

— Bela visão para uma manhã ensolarada – a ironia no tom daquela voz era familiar aos seus ouvidos. Ela virou-se para ele lentamente e observou a figura limpa de James P. Hook caminhar distraidamente em sua direção. – Deveria colorir mais os meus dias dessa maneira, Sininho.

— E você deveria parar de ser tão galante, James, podem interpretar errado essa sua atitude cortês. – um sorriso esperto repuxou os lábios de Sininho enquanto sua mente lhe jogava doces lembranças do corpo nu do temido capitão Gancho. – Já pensou se alguém pensa que é realmente gentil?

A risada alta e gutural do capitão preencheu o eco do espaço vazio em que se encontravam. Os passos dele o aproximaram consideravelmente da fada antes que parassem e deixasse que seus olhos negros avaliassem todo o seu corpo. Daquela mínima distância que seus corpos mantinham, Sininho podia sentir a respiração quente de Gancho acariciar com leveza suas bochechas pálidas. Em outra ocasião, ela sentiria desejo. Um desejo tão cru e animalesco que a levaria diretamente para a cabine majestosa no centro do navio e só sairia quando a noite se mostrasse presente. Mas, no entanto, aquela era uma reunião importante na qual Sininho precisava manter o foco e não perdê-lo por nada. Nem mesmo por um pedaço de homem tão incrivelmente bonito quanto James P. Hook.

— Então, o que devo a honra de sua visita? – Gancho iniciou parecendo perceber que Sininho não tinha a mínima intenção de se deixar levar por suas provocações.

— Tenho novidades para você. – a fada pronunciou as palavras com maldade pingando em cada sílaba. Sabia o rumo que estava tomando e o que provocaria quando contasse a ele. Não havia como voltar atrás e nem queria. Gostava de sentir o poder de destruição que tinha em suas mãos. Gostava mais ainda quando podia usá-lo a seu favor. – Novidades que irão dar a sua vida medíocre um pouco de luz, se assim posso dizer.

— Não me diga?! – as sobrancelhas do capitão uniram-se sobre sua testa em desconfiança. Sabia que ele nunca confiaria abertamente nas novidades que Sininho poderia lhe trazer. Ele sabia bem para que lado ela jogava. – Eu poderia arriscar o palpite de que alguém finalmente acertou uma adaga no coração de Pan? Seria uma novidade maravilhosa para se receber.

O sorriso maldoso que repuxou os lábios carnudos do capitão irritou até o ultimo fio de cabelo da fada a sua frente. Ele sabia o poder que tinha de deixá-la desestabilizada quando desejava a morte de seu amado protegido. Observou como uma serpente satisfeita com o bote a fada recompor sua postura e puxar o ar para seus pulmões com paciência. Só depois de estar completamente estável, Sininho voltou a falar:

— Sabe que esse é um jogo que não deve jogar comigo, James. – a frase saiu cortante dos seus lábios falsamente inocentes. – Não queira me irritar quando sabe que estou com uma notícia que irá lhe interessar.

— Ameaças, ameaças... – zombou ele, enquanto aumentava a distância de seus corpos. – Precisará de mais quanto tempo para entender que eu não tenho medo de você? Não sou um dos monstrinhos que pode manipular, então diga logo o que tem para dizer, existem outras coisas que precisam do meu tempo.

Sininho não se deixou abalar com todo o teatro de Gancho. Sabia que ele estava tão curioso para obter a informação que carregava que seria incapaz de deixá-la até saber o motivo de sua visita. Fora por isso que ela caminhou em sua direção a passos lentos, com um sorriso travesso estampado em seus lábios. Observou bem todas as reações positivas do corpo do homem a sua frente e soube exatamente o que precisava fazer para tê-lo aos seus pés.

— Sente saudade da sua bucaneira, James? – fez a pergunta soar docemente pelo espaço que os separava e observou atentamente quando a mesma atingiu tão forte o corpo do capitão que o fez cambalear miseravelmente.

— Do que está falando? – a voz dele soava trêmula aos seus ouvidos aguçados. Anos de prática havia lhe dado certa vantagem sobre seus inimigos e até mesmo sobre seus aliados. – Sabe que esse é um assunto proibido entre nós, Sininho.

A resposta de Gancho fez a fada bufar audivelmente. Estava farta de todos recusarem-se a tocar no assunto Wendy. Qual era o problema em admitirem que ela havia os abandonado e ponto final? Por que insistiam em ver nela algo que ela não era? Sininho não compreendia o poder que Wendy tinha sobre aqueles homens, mas não suportava nem um segundo na presença de qualquer um deles quando estavam envoltos por aquela atmosfera. Simplesmente não tinha paciência para lidar com o amor doentio que a maldita mulher era capaz de despertar no coração fraco dos dois homens mais importantes da história da Terra-do-Nunca.

— Não banque o apaixonado incurável para cima de mim, James. Sabe o quanto isso me irrita. – cruzou os braços em seu peito e esperou que ele abandonasse a enjoativa expressão dolorida. Quantas vezes precisaria ver aquilo no rosto de Peter e James? Por mais quanto tempo teria que suportar ser sempre superada por Wendy? Até mesmo o fantasma dela tinha mais poder de impor sua presença do que a forma física constantemente presente de Sininho.

— Por que trouxe esse assunto, Sininho? O que quer com isso? – perguntou ele, assim que recuperou sua compostura.

— É incrível como você realmente não se da ao trabalho de acompanhar os rumores que atravessam essas terras. – a fada revirou os olhos para toda a ridícula situação do capitão. – Não me admira que não tenha ganhado a guerra contra Peter.

E não a surpreendia mesmo. Sininho podia assistir a todo o episódio do final da guerra de Gancho e Peter como se ainda estivesse lá. Lembrava-se de cada detalhe meticulosamente arquitetado pelo seu menino-perdido e do quanto foi fácil para ele dominar cada centímetro de terra que havia pelos arredores, assim como suas criaturas. Cada resquício de vida que existia ali se curvava na presença do rei de todo aquele mundo. Gancho nunca tivera chance depois que Sininho mostrou a Peter como ele poderia ser invencível. E era por isso que o capitão estava fadado a uma vida medíocre, atracado em um lugar de onde nunca poderia sair.

— Não perco meu tempo com futilidades que não irão me mover para lugar algum nesse jogo. – sentiu a fúria de Gancho fluir junto com suas palavras pronta para acertá-la com força. Sininho deixou-se rir da maneira como conseguia manipular os sentimentos dele com tanta maestria. Ela sempre fora boa com aquilo. – Seu tempo está acabando.

Não se intimidou com o aviso. Sabia que tinha Gancho na palma de sua mão desde quando tocara em sua ferida. Ele certamente estava curioso para saber o que sua visita tinha a ver com Wendy Darling, e se tinha algo com que a fada se divertia era o sofrimento de corações alheios. Ainda mais aqueles que estavam irremediavelmente apaixonados.

— Vou direto ao ponto. – começou Sininho sem hesitar. – Wendy está de volta a Terra-do-Nunca.

Dito e feito, sem um pingo de remorso. A fada manteve-se calada enquanto observava a imagem paralisada do capitão. Não havia espaço para sua ironia naquele momento. Até mesmo sua alma negra sabia o quanto a alma tão mais negra de James poderia ser uma bomba relógio quando ele se encontrava naquele estado de choque. Ele poderia esperar qualquer notícia, menos aquela. Era como um balde de água fria sendo jogado em seu corpo quente, ela sabia disso. Tinha sido da mesma forma para ela.

O silêncio arrastou-se por grandes e interruptos minutos antes de Gancho recompor sua postura e fixar seus olhos negros nos olhos verdes de Sininho. Ele manteve-se assim, em contato visual com ela, sem nem mesmo piscar, até que toda a situação se ajeitasse em sua cabeça. Sininho estava preparada para todas as desconfianças dele. Tinha todas as provas guardadas em sua manga e um plano muito bem arquitetado em sua mente.

Ela queria Wendy fora. E Wendy estaria fora, mesmo que ela tivesse que pagar um preço bem alto por isso.

— Se é realmente verdade o que está me dizendo, então me mostre. – a voz do capitão soou forte e decidida. Seu tom estava elevado, carregado de tensão e ódio. Sininho podia sentir toda a sua energia negra pulsando em excitação em suas veias. – Eu quero vê-la.

Foi com o pedido de Gancho que Sininho utilizou de sua magia, concentrando-se na imagem de Wendy Darling, mesmo a contragosto. Estalou seus dedos enquanto sentia a pedra que carregava em seu pescoço queimar sua pele na medida em que usava sua força para canalizar sua energia para fora. Segundos depois, o rosto de Wendy pairava entre eles, imerso em um sono profundo na grande cama de Peter Pan. Sininho sentiu seu rosto esquentar em raiva ao lembrar que aquele tinha sido seu lugar algumas semanas atrás. Era ela quem dormia tranquilamente naquela cama, enquanto sentia o calor do corpo do homem que amava. Aquele era o lugar dela por direito. Fora ela a grande responsável por todo aquele luxo em que Peter vivia. Ela havia mostrado a ele como ele merecia viver, em meio ao ouro e ao poder. Nada era mais justo do que ela viver toda aquela experiência ao lado dele. Wendy não deveria estar ali. Ela quem deveria, ninguém mais.

Sentiu o silêncio de Gancho lhe dizer o mesmo. Sininho aprendera ao longo dos anos a desvendar todos os momentos em que a falta de palavras dizia muito por James, e o quanto aqueles curtos espaços de tempo poderiam revelar o que ele sentia. E ele sentia raiva. Tanta raiva que a fada podia sentir os pelos dos seus braços eriçados, enquanto uma corrente gelada corria pelos seus ossos. Deixou que a imagem da mulher adormecida fosse levada pela brisa invernal até que sumisse completamente de suas vistas, e voltou sua total atenção para o capitão, esperando seu próximo passo.

Mas, no entanto, ele não moveu nem um músculo. Permaneceu com os olhos fixados em um ponto escuro durante apenas mais alguns segundos até voltar suas grandes órbitas negras na direção da fada e encará-la com toda a sua alma exposta. Fora ali então que Sininho pode ver a obsessão de Gancho criar vida. E, naquele momento, ela soube: James P. Hook nunca descansaria até ter Wendy Darling para ele.

Sentiu seu costumeiro sorriso travesso repuxar o canto dos seus lábios rosados, enquanto constatava que tudo que ela viera buscar ali, tinha conseguido. Piscou lentamente, recuperando todo o movimento de seu corpo antes paralisado e se pôs a caminhar lentamente de volta para a carruagem que a esperava no fim do gelo. Assim que teve certeza que as engrenagens do capitão voltaram a funcionar com maestria, voltou a falar:

— Acho que não preciso dizer o que quero de você, James. – a voz da fada soava doce e tranquila, mas o capitão sabia quanto veneno existia ali. – Você também quer o mesmo, então vamos trabalhar juntos para que isso aconteça.

Com todos os pontos esclarecidos por agora, Sininho tomou o seu caminho e continuou seguindo para a carruagem que a levaria de volta para o castelo.

— Sininho. – a voz de Gancho soou alto para que ela parasse. – Sabe que não deixarei pedra sobre pedra até tê-la em meus braços.

A fada tomou seu tempo para ponderar sobre todo o estrago que acabara de provocar. Nada importava para ela, se ela tivesse Peter no final das contas. Tudo aquilo valia a pena. Ela trocaria tudo por sua felicidade, até mesmo o reino que ela havia lutado para obter. Se Gancho pretendia destruir cada pedaço de terra e criatura para tirar Wendy de seu caminho, ela o apoiava sem mesmo pestanejar. Suspirou, deixando seu sorriso crescer ainda mais.

— Essa é a intenção, James. – estava feliz por ter fechado mais um acordo de sucesso. – Essa é a intenção.

E foi embora. Assim como a sanidade de ambos os negociantes irremediavelmente apaixonados.

Wendy Darling

Wendy olhava para o seu reflexo no espelho sem muita atenção. Aquele era, provavelmente, o centésimo vestido de gala que provava e carimbava um grande ‘não’. Estava ali há horas experimentando vestido atrás de vestido, apenas para encontrar um que fosse perfeito para o baile de coroação que aconteceria aquela noite. Era péssima naquilo, mas eram ordens de Peter e ela não poderia se considerar a pessoa mais qualificada para quebrar regras naquele momento. Estava de mãos e pés atados, e nada deixava o humor da doutora tão negro quanto não poder satisfazer suas vontades.

Revirou os olhos para a peça de roupa de um tecido tão brilhoso que provocava ânsia em seu estômago. Era tão horrível que seus olhos ardiam apenas por olhar fixamente para aquilo. Respirou fundo, acenando negativamente para a elfa que estava ao seu lado. Ela suspirou, sem muita alternativa além de mandar que tirassem o vestido do corpo de Wendy, e pular para outra opção na grande arara cheia de outros cem vestidos tão horrendos quanto aquele.

Wendy fechou os olhos com força, amaldiçoando toda aquela reforma que Peter havia feito na Terra-do-Nunca. Se tudo aquilo estivesse acontecendo dentro da normalidade que ela havia deixado intacta quando foi embora, não estaria precisando provar vestidos sem um pingo de qualidade para um baile – no qual o propósito era exibi-la para a corja bajuladora do reino. Sentiu a raiva esquentar seu sangue quando sua mais nova estilista chamou sua atenção para a próxima prova da lista. A doutora abriu os olhos para um tecido cravejado de pedras verdes tão assustadoramente feias que seu cérebro demorou a entender que aquilo se tratava de uma opção.

A loira deixou escapar um choramingo baixo, enquanto carimbava outro ‘não’ na testa da pequena elfa de cabelos tão brancos quanto o brilho da lua. A mulher captou o descontentamento de Wendy tão rápido quanto a negativa que recebera segundos atrás. Seus olhos âmbar fixaram-se nos olhos azuis da doutora lhe passando um pouco de conforto silencioso.

— Não se preocupe majestade. – a voz da elfa era como um soar de pequenos sinos de igreja. Tão linda quanto à própria criatura. – Acharemos alguma coisa para você até a noite.

— Não sei se aguento mais provar vestidos. – a doutora disse com toda a sua sinceridade. Não podia continuar insistindo em algo que ela sabia que não daria certo nem agora, nem nunca. – Não há nada que eu goste nessa arara. Sinto muito.

Wendy realmente sentia muito por aquilo. Sabia que se não encontrasse um vestido a tempo para o baile, Peter levaria aquilo como um desafio, mesmo que não fosse. Ela pagaria por aquilo a noite inteira, e a primeira coisa que ele faria seria escolher ele mesmo um dos vestidos que se encontravam a sua disposição. A loira realmente não gostaria de ser apresentada a sua futura corte em uma fantasia de carnaval. Ela podia ser tudo, menos brega. Puxou o máximo de oxigênio para dentro de seus pulmões e direcionou seu olhar para a pequena estilista descabelada pelo dia mal sucedido de trabalho.

— Não há nada mais discreto nas suas opções? – perguntou, tentando soar o máximo amigável possível. Estava simpatizando com a frustração da mulher tanto quanto ela simpatizava com a sua infelicidade.

— Posso lhe mostrar algumas opções, mas eles não são vestidos adequados para um baile desse porte, majestade.

— Me mostre mesmo assim.

A elfa acenou afirmativamente com a cabeça, imediatamente lançando ordens para seus assistentes trazerem uma nova arara de vestidos para sua rainha. Wendy esperou pacientemente até que voltassem com as novas opções e analisou uma por uma que lhe eram apresentadas. Um sopro de ânimo revigorou as forças da doutora quando ela aprovou as novas peças. Aqueles eram vestidos discretos de variados tons, dos mais claros, aos mais escuros. Wendy sentia que no meio daqueles, ela poderia encontrar o ideal para sua coroação que não agradasse apenas ela, mas também a Peter.

Escolheu um longo vermelho-vinho de um ombro só, com diamantes cravejados na cintura, formando um cinto discreto e elegante. Wendy estava abismada com os valores que a Terra-do-Nunca tinha adquirido durante aquele tempo. Nunca, em toda a sua vida, ela poderia imaginar que estaria em frente a um espelho ornado por ouro puro, provando vestidos de tecidos tão finos e costurados com pedras tão preciosas quanto aquelas. Era como uma realidade paralela ao que ela havia vivido em sua infância. Ela apenas não sabia se era todo aquele luxo ou a escuridão que a assustavam mais.

Estava acertando os últimos detalhes de sua roupa com a estilista quando seus filhos apareceram na porta, arrumados impecavelmente em suas fardas. Todos eram generais de uma parte do exercito de gárgulas de Peter, exercendo, cada um, uma função diferente para manter o reino em equilíbrio e segurança. Wendy lamentava por aquilo. Ela sabia o quanto aquele dever havia endurecido os corações de seus meninos-perdidos, tal como o de seu pai. Todos estavam vivendo sob uma nuvem negra que parecia não dar espaço para mais nada além de solidão. Aquilo era uma coisa que ela pretendia mudar naquele lugar.

— Vejam só se não são os meus meninos. – a doutora abriu um sorriso doce na direção dos homens a sua frente, recebendo a falta de jeito deles em troca. – Souberam que estou morrendo de tédio, não é? Vieram se despedir?

O drama de Wendy fora o suficiente para fazer com que ambos saíssem de suas cascas frias e revirassem os olhos em sua direção. Eles sabiam o quanto sua mãe poderia ser extremamente inquieta quando era proibida de fazer alguma coisa. Ela não era famosa por arranjar problemas em cada esquina atoa. Wendy observou cada um deles espalhar-se em algum local de seu quarto e sentiu seu coração aquecer com a visão. Ela sentira saudades do quanto aquilo poderia lhe provocar sensações boas. Ser mãe era uma das coisas que a mulher mais gostava em toda a sua vida, e era por isso que ela agradecia mentalmente a Lily por tê-la trago de volta para os braços de seus filhos.

— Não sei por que está reclamando, mãe. – Hector, um dos gêmeos finalmente falou. – Não está tendo que fazer nada além de comer e dormir.

— Vida de rainha. – Heitor completou com um sorriso zombeteiro pairando em seus lábios. Wendy estreitou seus olhos na direção do garoto insolente, enquanto esperava que sua estilista terminasse os ajustes em seu vestido.

— Obviamente vocês não me conhecem como dizem. – a doutora respondeu as provocações com falso ar superior. Não poderia negar que adorava quando seus filhos a rodeavam daquela forma, achando desculpas esfarrapadas para visita-la apenas para ficar um tempo em baixo de suas asas. – Mas, o que eu poderia esperar de péssimos filhos como esses.

— Eu vou me lembrar disso quando você precisar de um lanche noturno. – Henrique, seu estrategista comilão, respondeu com a boca cheia de um bolinho recheado com geleia de cereja. Ele era o mais doce de todos os seus filhos, e aquilo não se deveria ao fato de Henri ser maníaco por açúcar. A sua personalidade era aquela, apesar das circunstâncias terem o obrigado a se tornar um homem mais duro.

— Pensando bem, os lanches noturnos são de grande importância, eu retiro o que eu disse. – a doutora retratou com um sorriso divertido no rosto. O homem acenou afirmativamente com a cabeça, concordando com o ponto de vista da mãe.

Wendy gostava daquela energia e de como se sentia segura estando ali. Apesar de todas as mudanças e de não reconhecer a maioria das coisas, seu coração sabia que estava em casa. Conseguiria se adaptar a tudo aquilo se apenas tivesse seus meninos ao seu lado e Peter de volta. Daria tudo de si para que isso acontecesse, mesmo que o trabalho fosse árduo e lhe rendesse algumas feridas.

— Está linda nesse vestido. – Deleve apareceu em seu campo de visão, com os olhos tristes e abatidos. O coração da doutora apertou dolorosamente. – Ele não terá do que reclamar.

— Não me importo com isso. – respondeu, virando-se para o seu menino e o envolvendo com os braços. Apertou-o em um abraço forte, tentando lhe passar algum conforto. – Me preocupo com você.

— Eu estou bem. – confirmou, mas não parecia certo daquilo. Soava como se estivesse programado para dar aquela resposta sempre que alguém lhe perguntasse sobre seu estado.

— Sei que não está. Não precisa fingir pra mim.

Deleve levantou o olhar e encarou a mulher a sua frente. Ele sabia que seus segredos estavam seguros com ela, não importava o que ele lhe contasse. Ela era sua mãe, mesmo com os anos de ausência e com as cicatrizes ocasionadas por isso. E estava ali por ele, lhe dando o conforto que há muito tempo não tinha. Foi então que se deixou ser o menino que era anos atrás e lhe confessou:

— Ela não me perdoa pelo que aconteceu. Não sei mais o que fazer para reparar os danos entre a gente.

 

Wendy entendia bem o sofrimento do filho, estava passando pela mesma coisa com Peter. Por mais que pedisse perdão por tê-lo deixado, ele não conseguia olhá-la da mesma forma. Estava sempre julgando e controlando todos os seus passos, mantendo-a presa em seu mundo só pelo capricho de lhe castigar. O que antes era vivido da melhor maneira possível pelos dois, agora era tóxico o suficiente para embriagá-los até a morte. 

 

— Ela vai te perdoar. – tentou confortar seu menino-perdido. Sabia que Lily nunca se recuperaria da execução de seu pai, mas não podia atribuir aquela dor a Deleve. Ele só queria protegê-la. – Aquela mulher pode ser dura na queda, mas ela tem um coração enorme e sei que te ama verdadeiramente. – Wendy acariciou o rosto masculino, agora com traços tão fortes, e lhe sorriu. – Lembra do que eu sempre dizia a todos vocês?

— O amor sempre vence. – Deleve respondeu, deixando um pequeno sorriso escapar pelos lábios. 

— Sim, o amor sempre vence. – a mulher concordou, esperando que dessa vez não estivesse tão errada quanto estava sobre sua situação com o menino-que-sabia-voar.


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Notas finais do capítulo

Como vocês puderam perceber, eu quis deixar esse espaço entre os acontecimentos de agora e o baile que está por vir! Teremos muitas emoções e se eu colocasse tudo aqui, o capítulo ia ficar muito grande :)

Espero que tenham gostado. Prometo não demorar tanto para atualizar o próximo ♥