Antes que novembro acabe... escrita por OmegaKim


Capítulo 5
Cinco - A sentença


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!
Vim aqui postar rapidinho e agradecer pelos acompanhamentos e as favoritações e a Whit Allgood por comentar em todos os capítulos!!! Obrigada!!!
Bem vindos leitores novos.
Boa leitura!



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Cinco – A sentença.

Já passava das quatro da manhã quando finalmente, fui liberado da delegacia. Eu havia sido fichado e tinham tirado um retrato meu e colocado no álbum de criminosos deles. Respondi todas as perguntas do interrogatório com maior sinceridade, apenas escondi o fato de que não estava sozinho já que Liz não tinha sido levada para a delegacia, e por isso presumi que não sabiam que era ela quem estava por trás do plano inteiro. Então apenas deixei isso quieto, eu não contei nada sobre ela a polícia por dois motivos: 1. Eu nunca fui de dedurar companheiros e não era agora que eu ia começar e 2. Nunca se sabe quando você vai precisar de alguém, e agora Liz me devia uma – e das grandes.

– Você enlouqueceu?! – ele vociferou assim que entramos em casa, ele até mesmo tinha batido a porta como que para mostrar o tamanho da sua raiva.

Abaixei a cabeça com o repentino surto do meu pai. Tudo bem, eu já sabia que ele ia surtar em algum momento. Mas esperei por isso na delegacia durante o interrogatório onde eu confessava tudo. No entanto, o homem apenas tinha se limitado a ficar inexpressivo ao meu lado enquanto eu falava. E por isso me sentia muito miserável, porque no momento em que eu estava cometendo o ato, tudo parecia tão mais emocionante e certo. Mas no momento em que a história saia da minha boca, tudo parecia tão bobo e cruel que fiquei envergonhado por ter deixado Liz me manipular até isso.

– Destruir uma loja de conveniência por diversão?! É sério, Noah?! – eu não queria olha-lo, porque sabia que ia encontrar o Olhar de Tristeza Suprema sobre mim como um manto pesado e abafado. Além, é claro, de muita raiva estampada ali. – O que você tem na cabeça?

Continuei calado e de cabeça baixa na esperança de que ele me mandasse subir para o meu quarto ou dissesse logo que eu ficaria de castigo pelo resto da minha vida e que ele ia me condenar a outra cidade do interior, bem mais isolada do que essa. Mas papai não o fez. Na verdade, ele ficou bem calado depois de soltar essa pergunta e por isso presumi que não era uma pergunta retórica, ele queria, no fim, uma resposta.

Enfiei as mãos nos bolsos da frente da minha calça jeans e tentei dizer alguma coisa. Meus tênis parecendo tão interessantes agora.

– Noah, por que fez isso? – papai tentou mais uma vez quando eu não disse nada, quando eu percebi que não havia uma justificativa para isso. Mas ele precisava de algo, por isso tentei:

– Eu... – e soltei o ar pela boca, meio impaciente comigo mesmo por ter sido tão fácil de manipular e ter feito aquilo porque Liz estava com raiva de Will. – eu só achei que seria divertido. – optei por dizer, mais uma vez, a mesma frase que usei no interrogatório quando me perguntaram isso.

Escutei meu pai suspirar audivelmente e logo depois se sentar no sofá. Levantei meu rosto para olha-lo e o que vi me despedaçou mais um pouco, porque ele parecia tão desolado e bem mais decepcionado consigo mesmo do que comigo, como se ele tivesse entrado naquela loja e destruído tudo.

– Pai... – tentei começar, mas ele apenas enterrou o rosto entre as mãos e ficou quieto. E eu desisti.

Não tinha nada que eu pudesse dizer que não estragasse a cobertura que eu estava dando para Liz. Não tinha nada que eu pudesse dizer que tornasse aquilo melhor, tudo que eu tinha para dizer não era nada que ele quisesse escutar.

– Eu não entendo, Noah. – ele disse levantando o rosto para me encontrar ainda parado entre a escada e a sala. – Você sempre teve tudo que quis. Estudava numa das melhores escolas de LA, tinha amigos exemplares e uma namorada legal. Mas então você começou a andar com aquele tipo de gente, suas notas que sempre foram tão boas, caíram... Eu não entendo, Noah. – ele parecia tão triste com esse fato de não poder mais reconhecer o próprio filho nesse adolescente inconsequente que eu tinha me transformado, que... não sei. Era apenas muito triste. – O que aconteceu com você?

O que aconteceu comigo?

Eu não sei. Não tenho a menor ideia do que aconteceu comigo ou do que acontece comigo. É apenas que nada parece suficiente, nada parece forte o bastante para mim, porque nada preenche esse vazio que existe no meu peito. E mesmo antes que mamãe morresse, na época em que ela vivia naquela clínica psiquiátrica e na época em que meus avôs decidiram querer a guarda da minha irmã e a minha, essa coisa já existia em mim. Eu tinha seis anos de idade, mas já sabia que era diferente, já sabia que nada do que eu sentia ou tinha parecia suficiente. Eu pedia brinquedos da moda para o meu pai e ele comprava, eu gostava de uma roupa numa vitrine de loja e o meu pai comprava. Mas nada disso durava, eram sentimentos passageiros, a sensação de bem-estar nunca durava muito tempo. E com o passar do tempo, apenas me tornei mais consciente disso.

Eu visitava minha mãe, Erica, na clínica e... nada. Ela nunca me recebia e quando o fazia, não falava comigo. Uma vez escutei por trás da porta uma conversa entre meu pai e ela. Onde ela pedia a ele que me levasse embora dali, que ela não podia olhar para mim, que ela não me queria ali. Eu tinha 12 anos quando escutei isso e não foi bem um incentivo para que eu tivesse uma vida feliz.

Tudo que eu sabia sobre minha mãe era o que papai me contava. “Ela te ama, Noah”. “Foi ela quem escolheu seu nome”. Eram só mentiras. Talvez meu pai quisesse me proteger, me poupar da dor que a verdade me causaria, contudo acabei descobrindo. Depois que escutei essa conversa, fiquei desconfiado sobre todo o resto e quem me contou toda a verdade foi Maya, minha irmã. E eu confesso que dei uma surtada e depois que Erica morreu, apenas surtei mais um pouco.

Minha vida de boemia começou quando eu tinha 14 anos, conheci algumas pessoas, conheci o mundo louco de Los Angeles que acabou por me levar a ficar bêbado numa festa, roubar um carro e bater num poste.

Mas o que realmente aconteceu comigo? Me perguntei mais uma vez.

– Você mentiu para mim. – acabei dizendo, respondendo minha pergunta interior.

Papai aumentou a pressão do seu olhar sobre mim, uma certa confusão estampada ali no castanho dos olhos. O encarei de volta, com um pouco mais de presença de espirito. Relembrar tudo isso acabou me trazendo não só a dor de volta, mas a raiva também.

– Você disse que ela me amava, mas era mentira. – falei e me surpreendi com o quão frágil minha voz soou, era como se eu estivesse segurando o choro. E com o quão raivosa também.

As sobrancelhas dele se arquearam ainda em dúvida, mas logo ele entendeu do que eu estava falando. Eu estava falando de Erica, minha mãe.

– Noah, isso não é verdade. – falou, a voz mansa como se eu fosse um animal raivoso prestes a atacar. E isso me deu vontade de rir. Quando foi que trocamos de lugar? – Sua mãe te amava.

Balancei a cabeça e sorri amargo, ainda sem acreditar que ele pudesse estar repetindo a mesma coisa de sempre, a mesma mentira.

– Ela nunca me quis. – declarei. – Ela nem ao menos tentou me querer...

E ficamos calados. Ambos sentindo o peso dessa história toda nas costas, sentindo o peso da verdade absoluta daquilo que eu falava. Papai não disse nada, ele não tentou me confrontar quanto a isso. Não tentou dizer o contrário, não tentou argumentar e o principal, ele não tentou mentir. Ele não disse absolutamente nada naquele meio tempo que ficamos nos encarando. Mas então, ele se cansou. Virou o rosto pro lado como se não suportasse saber que a mentira tinha sido descoberta. Eu apenas umedeci meus lábios e sai dali. Subi a escada em silêncio e me tranquei em meu quarto.

Não chorei como esperava, não gritei como esperava, não fiz nenhuma das coisas que esperava. Apenas deixei meu corpo escorregar até o chão, me sentei ali. Abracei meus joelhos e fiquei, simplesmente fiquei. Fiquei ali à espera de alguma coisa, de alguma emoção. Mas não havia nada, era só o mesmo vazio de sempre. Por isso levantei, fui até minha cômoda, peguei os cigarros que não estavam tão escondidos assim e fumei deitado na cama, sem me importar se meu pai brigaria comigo ou não. Eu já estava ferrado, mais uma coisa ali ou aqui não ia mudar em nada minha situação. Eu já estava na merda total.

###

Não fui a escola no dia seguinte.

Quando acordei já passava das 14hs da tarde e tinham várias ligações perdidas de Liz, Matt e Maya no meu celular, além – é claro – de muitas mensagens. Não respondi a nenhuma das mensagens nem retornei as ligações. Apenas deixei meu celular descansar em cima do criado mudo do lado direito da minha cama. Me levantei meio grogue de sono, um gosto amargo na língua. Driblei as várias bitucas de cigarro que adornavam o piso do meu quarto, eram tantas que me surpreendi por não ter tido uma overdose de nicotina ou que meu pai não tivesse derrubado a porta e me dado uma bronca daquelas. Encarei meu reflexo no espelho do banheiro. E a pessoa que eu via ali, não se parecia em nada comigo. O cabelo castanho estava desgrenhado e grande, quase cobrindo meus olhos e as olheiras no meu rosto me deixavam pálido e com aspecto de doente. Dei um sorriso amarelo para meu reflexo, que ele prontamente imitou e ainda assim não me parecia comigo mesmo. Tratei de tomar um banho bem demorado numa tentativa de lavar todo o vazio, toda a besteira que eu tinha feito.

Meu pai estava na cozinha. O que foi uma surpresa, pois eu realmente esperava que ele não estivesse em casa. Esperava que ele estivesse no hospital costurando pessoas e me deixando sozinho – como sempre. Mas passei direto por ele, de qualquer forma. Segui até a geladeira, abri-a e peguei a caixa de leite e só para implicar com ele, bebi direto da caixa com a lateral do corpo encostada na bancada que havia ali. Pelo canto de olho peguei seu olhar irritado sobre mim.

Mike – meu pai – estava com os cotovelos apoiados na mesma bancada em que eu me encontrava, uma xícara de café a sua frente. Pelo visto não foi só eu quem teve um sono conturbado, pois ele também apresentava olheiras embaixo dos olhos.

Depositei a caixa de leite no balcão e virei de frente para ele. Acho que no fim, não tinha porque adiar isso, esse nosso embate. Moramos na mesma casa, uma hora íamos nos encontrar. Melhor que isso aconteça logo. Ficamos nos encaramos por um tempo e em nenhum momento, desviei os olhos dele. Castanho no castanho. No entanto, o castanho dos olhos do meu pai era mais claro, algo parecido com mel enquanto o dos meus olhos, era mais um marrom escuro salpicado de dourado como uma imitação fajuta dos olhos da minha mãe, que eram uma mistura inusitada de castanho com verde, e por isso pareciam quase azuis mas nunca foram. Muita coisa sobre ela não era o que pareciam.

– Quando ia me contar que não está indo as aulas a mais de um mês? – papai soltou que se cansou do silêncio.

Dei de ombros e abaixei o olhar, em reposta.

Quando eu ia contar? Provavelmente nunca, mas eu esperava consegui recuperar o ano. Fazer algum acordo com a diretora pelas costas do meu pai ou algo do tipo.

– Recebi uma ligação da sua escola. – e suspirou, parecia terrivelmente cansado. – Você estava quase reprovando por faltas e suas notas estão horríveis. Desde quando você é ruim em Cálculo? Noah, suas notas sempre foram ótimas em matemática.

– Talvez eu tenha cansado de números. – respondi e bebi um gole do leite.

– Eu, quem está cansado Noah. – agora papai parecia bem irritado. – Cansei desse seu comportamento, se você está fazendo isso porque acha que assim voltaremos para Los Angeles, pode esquecer. Não existe mais nada nosso lá, aquela vida não existe mais. Tudo o que temos agora está aqui.

– Eu não gosto daqui. – rebati com raiva. – Odeio esse lugar. Quero minha vida de volta, quero Los Angeles de volta!

– Não vai ter! – ele bateu a palma de ambas as mãos na bancada, eu me encolhi com isso. Papai nunca tinha perdido o controle antes. – Eu cansei, você ouviu? Cansei desse teu comportamento de garoto mimado! Eu te dei tudo, Noah. As melhores escolas, as melhores coisas. Tenho me acabado naquele hospital para que não falte nada a você. Mas como você retribuiu isso?! Se envolveu com más companhias, começou a beber e a fumar, vandalizou uma loja... Chega! Isso acabou! A parti de hoje as coisas vão se diferentes. – seus olhos estavam cravados em mim e na minha vergonha, nem tive coragem de encara-lo de volta.

Fiquei parado onde estava enquanto meu pai se afastava do balcão com a xícara em mãos, ele andou até a pia. Jogou o café não tomado no ralo da mesma e logo depois, jogou a xícara ali na pia. De costas para mim, apenas pude me limitar a imaginar o Olhar de Tristeza Suprema estampado em seu rosto e isso só serviu para fazer eu me sentir um lixo total. Vi seus ombros abaixarem e então o escutei dizer:

– A parti de amanhã, eu vou te deixar e te buscar na escola.

– Mas... – comecei.

– E quanto as suas notas, fiz um acordo com a Diretora Mary. – ele me ignorou como se eu não tivesse falado nada. Doeu. – Ela concordou que você frequentasse as aulas de reforço da escola, quatro horas por semana, duas vezes por semana. E a cada semana cumprida, se suas notas melhorarem nas provas, ela vai retirar algumas faltas para que você passe de ano.

Cruzei meus braços, trinquei minha mandíbula e esperei.

– Você vai frequentar o psicólogo da escola todas as quintas depois das aulas.

– O que?! – exclamei. Isso já era demais!

Papai se virou de frente para mim. Seu rosto estava sério, liso de qualquer emoção. Engoli em seco e fiquei calado.

– E não vai mais andar com Elizabeth ou Matt.

– Mas... mas... – tentei mais uma vez. Ele não podia me tirar meus únicos amigos nessa joça de cidade.

– Não, Noah! Eu não quero saber. Você não vai mais sair por ai na companhia desses dois, não quero mais saber dessa amizade. Entendeu? – assenti a contragosto já que pelo visto contesta-lo não ia trazer benefício algum. – Ah, e me dá o celular. – então estendeu a mão.

Encarei-o interrogativamente. O que raios ele queria dizer com “me dá o celular”?

– Me dá o celular, Noah. – repetiu, a voz controlada.

– Pra que você quer meu celular?

– Você vão ficar sem celular por um mês. – explicou ainda com a mesma carranca no rosto.

– Mas...

– Mas nada, Noah. Você está de castigo. Um mês sem celular e três meses sem mesada.

Meu queixo caiu. Como assim? O que ele está dizendo? Alguém pode traduzir? Eu não fico de castigo desde quando tinha 10 anos e quebrei o vaso predileto da vovó. Esperei que ele fosse rir ou dizer que estava só me dando um susto por ter sido um mau menino esse tempo todo, mas não. Papai estava falando muito sério.

Oh, merda!

###

– O que aconteceu com você? – Liz me sussurrou durante a aula de Inglês, ela estava sentada na carteira atrás de mim o que facilitava esse gesto. – Eu vi o carro de polícia em frente à sua casa.

Respirei fundo. Uma das condições que meu pai me impôs, foi não falar mais com Liz. No entanto, ele não está aqui agora e eu nunca fui muito de cumprir imposições. Uma das minhas características mais irritantes era a da teimosia, além da impulsividade. Mas ela não estava em questão no momento. O fato era que eu estava me sentindo particularmente irritado com as coisas que meu pai me impôs, além dele ter ficado com meu celular e agora estar me vigiando vinte e quatro horas por dia. Era sufocante. Extremamente sufocante. Por isso, da minha maneira, me rebelei contra as malditas condições de Mike.

– Fui preso por causa do que nós fizemos na loja do pai do Will. – respondi sem me virar para ela, eu continuava olhando para frente tentando entender a explicação do professor.

– Você não disse a eles que... eu e você...

– Relaxa. Ninguém sabe do seu envolvimento. – escutei ela suspirar aliviada. Tá me devendo uma, e das grandes.

– Não tão grande assim. – respondeu, uma ponta de irritação na voz por causa desse fato.

– Bem grande. – falei com um sorriso que ela não podia ver.

– Tudo bem. – disse e eu podia imaginar que ela estava revirando os olhos verdes. – Bem grande.

O resto das aulas passou mais rápido que eu esperava, e quando dei por mim já estava no refeitório aproveitando meu lanche ao lado de Matt e Liz.

– Ainda não acredito que fizeram mesmo isso. – Matt comentou e logo depois comeu um pedaço do seu empanado.

Estávamos falando sobre o vandalismo na loja, minha prisão e meu castigo.

– Eu não acredito que fui pego. – resmunguei e bebi um gole do meu suco, fiz cara feia para o conteúdo. Achei que era sabor laranja quando peguei, mas não era bem esse gosto que eu sentia. Deixei o copo em cima da mesa. Cancela o suco, comi um pedaço do empanado e me surpreendi com o gosto. Estava uma delícia. – Humm... Isso é bom. – falei de boca cheia.

– Isso é o melhor empanado do mundo! – Matt disse erguendo o empanado dele como se fosse algo mágico, Liz revirou os olhos.

– Então seu pai não quer mais que você ande conosco? – assenti para ela. – Mas que absurdo!

– Não vou mais poder ir na sua casa depois das aulas jogar Xbox? – Matt perguntou, os olhos escuros meio tristes.

– Vamos ter que dá um tempo nisso. Uma hora papai esquece, mas por enquanto devíamos limitar nossa amizade apenas a escola.

– Que saco, hein. – Liz reclamou e mordeu um pedacinho do seu empanado. Mastigou e engoliu. – Mas ainda não entendi por que você tem que frequentar essas malditas aulas de reforço, você é o cara mais nerd que eu conheço. Depois do Matt, é claro.

– Ei. Eu não sou nerd. – ele se manifestou, o canto da boca sujo. – Apenas me esforço e o Noah, já explicou porque vai ter que fazer as aulas. Foi um acordo, não é? – se dirigiu a mim.

Assenti, pois estava de boca cheia. E ao longe, na segunda mesa atrás de Liz, meus olhos captaram alguém me olhando. Will. Por algum motivo ele fazia isso. Ficava me observando como se eu fosse um animal exótico. Liz dizia que ele fazia isso numa tentativa de descobrir meus segredos para publicar no jornal, eu não duvidava. Nesses dois meses em que estou aqui nessa cidade e nessa escola, descobri que todos parecem idolatrar Will e sua turminha, mas sem dúvida, todos idolatram mais Will. O loiro é mais bem visto por aqui do que o próprio presidente dos Estados Unidos. Ergui uma sobrancelha em resposta ao seu olhar, como que dizendo: “O que foi?” Ele se limitou a voltar a falar com Mark e Roderick, me ignorando completamente.

Continuei a conversar com Liz e Matt. Ambos estavam infelizes com o fato de eu estar de castigo e não poder mais falar com eles. Por um tempo, ambos iam ter que voltar a ser uma dupla já que não existia mais possibilidade de eu sair com os dois pela noite. Mas Liz disse que podia me arranjar um celular por um mês para que eu não me sentisse tão sozinho, deixei que ela fizesse o que quisesse. No fim das aulas me despedi de Matt e Liz, e segui para a sala de reforço que ficava na biblioteca da escola.

Assim que entrei na mesma. A biblioteca não era exatamente grande, mas era grande o suficiente para ser dividida ao meio, sendo que de um lado ficava a ‘sala de reforço’ e do outro havia prateleiras de livros, todos arrumados por temas. Andei para o lado direito, que era onde a aula ia acontecer. Parei em frente a mesa de um cara que parecia o responsável pelas aulas. Ele tinha o cabelo cacheado bagunçado e grandes olhos azuis sonolentos.

– Oi? – soltei, ele levantou os olhos do livro que estava lendo e me encarou. – Eu vim para a aula de reforço.

– Ah, sim. – ele olhou o horário no seu relógio de pulso e balançou a cabeça como se não gostasse de algo. – Atrasado. – resmungou, mas percebi que ele não falava comigo. - Você pode se sentar em uma das mesas vazias, quando alguém chegar mando ir até lá, ok? Você é o...

– Noah. – disse e ele mexeu em alguns papeis que estavam em cima da sua mesa. – Noah Grace.

– Aqui. – ele pegou minha ficha, que meu pai tinha feito questão de preencher. Lá dizia em que matérias eu estava com notas baixas. – Sua ficha está aqui, então quando um dos monitores chegar mando ir até você.

– Tudo bem. – assenti. E sai dali.

Percebi que existiam apenas três mesas ocupadas de seis. Numa um garoto ensinava algo a uma garota de cabelo curto e olhos contornados de preto. Numa outra, uma garota gordinha de olhos verdes entediados, estava sentada sozinha. Me dirigi a uma mesa vazia perto da janela, coloquei minha mochila encostada no pé da mesa e me sentei. Apoiei meu queixo sobre minha mão e fiquei a observar o mundo lá fora, as árvores, as nuvens no céu, observei todo o inverno que eu estava perdendo. Pensei em mim, em Los Angeles andando pelas ruas sem rumo algum com meu grupo de amigos. Rindo de piadas malucas, fumando em becos ou jogado em uma sala de cinema com Bianca ao meu lado, chorando por causa de um filme romântico qualquer. Parecia que isso tinha acontecido há zilhões de anos atrás, num tipo de vida a parte ou outra dimensão.

O rangido da porta sendo aberta foi o que me tirou do passado, voltei meus olhos para a entrada e quem eu vi lá me surpreendeu. Era Will, o cabelo loiro bagunçado e óculos de lentes arredondadas meio torto no rosto, ele ajeitou o mesmo e então andou até a mesa do responsável pelas aulas.

– Atrasado, Will. – o homem falou. – de novo.

Will bufou, de costas para mim. Ele ainda não tinha me visto.

– Foi sem querer. Aconteceu alguns problemas no Jornal. – ele explicou.

– Tudo bem, tudo bem. – o cacheado balançou a mão com desdém, dispensando a explicação do loiro. – Aqui. – deu a ele duas fichas. – Você tem duas opções hoje.

Observei Will pegar as duas fichas. Leu uma, e olhou de lado para a garota gordinha, que tinha arrumado a postura na cadeira. Assim que olhar azul de Will caiu sobre ela, a garota enrubesceu e abaixou os olhos. Ele voltou os olhos para a segunda ficha, e eu sabia que ele estava lendo o meu nome ali. Ficou um tempo parado de costas para mim, então deu uma das fichas para o cara da mesa e pensei que o loiro fosse em direção a garota gordinha, mas não. Ele se virou para mim, cravou seus olhos em mim e sorriu. Um sorriso irritantemente torto e veio em minha direção. A garota fez uma cara de decepção quando percebeu em que direção ele vinha. E por algum motivo prendi a respiração com isso. Tinha alguma coisa ali, estampada no modo como ele andava, no sorriso que ele me oferecia ou no brilho dos olhos azuis. Algo malicioso e perigoso.

Will puxou a cadeira e sentou à minha frente, sua mochila largada ao pé da mesa.

– Que surpresa encontrar você aqui. – ele disse, e existia ali um tom de diversão na voz.

– Eu tive alguns problemas. – disse.

Ele balançou a cabeça e voltou a ler minha ficha.

– Você tá bem ferrado, hein.

– Na verdade, ignore tudo isso. Não preciso de ajuda.

– Então por que está aqui? – ele arqueou a sobrancelha direita.

– Meu pai fez um acordo com a Diretora Mary, preciso comparecer aqui duas vezes por semana durante duas horas para que ela retire minhas faltas.

– Hum... – ele deixou a minha ficha sobre a mesa e entrelaçou os dedos, reparei que eram longos e magros, com unhas bem aparadas. – Mas eu preciso te ensinar alguma coisa, tenho que entregar um relatório todo fim de semana sobre as aulas de reforço.

– Você pode ensinar para ela. – e apontei com o queixo para a garota gordinha, ainda sozinha na mesa. Will a olhou e sorriu, o que só fez a garota ficar bem mais vermelha.

– Eu posso. – ele disse. Mas bem nesse momento a porta foi aberta e uma garota com cabelo liso preto entrou, ela foi até a mesa e pegou a ficha da garota gordinha e logo estava lá, sentada a frente dela se apresentando e perguntando por qual matéria ela gostaria de começar. – Mas acho que não vai dá. – ele não parecia nenhum pouco decepcionado. – Fabi, já está ajudando.

Soltei o ar pela boca.

Essa era a primeira vez em que eu conversava com Will desde o episódio do beco, onde ele tinha levado uma surra. Eu não sabia se ele sabia que eu fora o responsável pela destruição da loja do seu pai, quer dizer, eu e Liz. Mas ninguém sabia que ela estava envolvida nisso além de nós três – Eu, Matt e Liz. E agora quando o loiro me encarava com os irritantes olhos azuis, só pude ter certeza que sim, ele sabia.

– Tudo bem. – falei. Ia acabar logo com aquilo. – Fui eu quem destruiu a loja do seu pai. Me desculpe, ok? Mas já estou pagando por isso. E preciso cumprir duas horas aqui, duas vezes por semana para que minhas faltas sejam retiradas. Não preciso que me ajude a estudar, posso me virar muito bem sozinho. Então sugiro que me deixe me paz, eu prometo que fico quieto aqui nessa mesa e não incomodar ninguém.

Ele passou a língua pelos lábios e deu mais um daqueles sorrisos tortos irritantes. Tudo em Will era extremamente irritante, pois parecia tudo artificial como se ele fosse um boneco sendo manipulado por alguém maior e mais forte. E essa superficialidade me irritava profundamente. Ele se inclinou em minha direção e disse:

– Escuta, não to nem aí se foi você quem destruiu a loja do meu pai. Eu sei que a ideia não foi sua, sei que toda a culpa foi de Liz assim como o plano. Você só teve a má sorte de ter sido pego. – reparei que a cor do azul em seus olhos por trás das lentes do óculos era de azul escuro, parecido demais com o céu nas primeiras horas do dia. – Sou monitor de aulas de reforço, se você não quer ser ensinado posso informar isso para a Diretora e então seu acordozinho já era.

O problema no fim das contas, não era que eu não queria ser ensinado. Era que eu não queria ser ensinado por Will. Ele me causava incomodo e depois das coisas que Liz me contava sobre ele, eu esperava que ele tirasse uma arma da sua mochila e me obrigasse a contar tudo e então publicaria no Jornal da Escola.

– Preciso entregar um relatório toda sexta-feira sobre as aulas que dei, então sugiro que você queira aprender algo senão vou ser obrigado a escrever no meu relatório, que Noah Grace não está frequentando as aulas de reforço.

Trinquei os dentes. Ele está me ameaçando? Isso é sério? Pelo jeito que ele estava me olhando, parecia bem sério tudo o que ele estava dizendo. E pelo visto eu não tinha escolha se quisesse recuperar minhas notas e passar de ano. Fechei as mãos em punho sob a mesa, queria tanto socar o belo rosto daquele garoto agora. Por que ele não podia me deixar em paz enquanto eu o deixava em paz? Não seria um acordo melhor? Na visão de Will, não.

– Ok.

O loiro sorriu mais uma vez e se abaixou para pegar sua mochila, abriu-a e vasculhou ali. Daqui, onde eu estava, pude ver vários papeis. Folhas de caderno soltas e fotos, muitas fotos ali dentro.

– Você tem dificuldade em qual matéria? – a sua voz estava simpática agora, como se ele não tivesse me ameaçado minutos atrás.

Baixei os ombros, derrotado.

– Sou péssimo em Inglês.

– Ótimo. – ele colocou seu caderno em cima da mesa, o abriu em algumas anotações da matéria. – Então vamos começar por Inglês.


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Notas finais do capítulo

Hey, o que acharam? O pai do Noah, Mike, pegou pesado com ele? Ou Noah mereceu?
Então, Will e Noah finalmente tiveram uma 'conversa' kkkk... esse é só o primeiro passo para algo maior.. Mas cês viram, ne? O Noah tá de castigo agora, não pode mais falar com a Liz nem com Matt e acho que vcs já sabem o que essas proibições vão dá, ne? Nada de bom kkkk... O Noah é alguém que não gosta de seguir regras. Ele é teimoso e impulsivo, uma combinação nada boa. Mas parece que agora ele vai ter que conviver com o Will...
Comentem.
bjs



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