Antes que novembro acabe... escrita por OmegaKim


Capítulo 27
Vinte e seis – Ele sempre deixa rosas.




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Vinte e seis – Ele sempre deixa rosas.

Will

Estava parado em frente ao meu guarda-roupa. Eu tinha levantado cedo determinado a sair de casa antes que meus pais acordassem para me impedir, mas alguma coisa deu errado entre o tempo do banho e o tempo de escolher uma roupa porque agora, eu me encontrava parado em frente ao guarda-roupa tentando desviar os meus olhos da pequena caixinha embrulhada em vermelho sobre as minhas roupas. Já íamos fazer um mês de namoro e eu tinha achado que seria uma boa ideia lhe dar algo em comemoração a isso. Mas agora parecia apenas uma grande piada de mau gosto.

Ainda fitei aquilo e me perguntei se teria a chance de lhe entregar aquilo algum dia ou não. Suspirei e vasculhei ali atrás da coisa mais próxima que eu tinha dele.

Quando voltei para Dickson acabei trazendo todas as coisas de Noah, porque já estavam no meu carro. No entanto tive que devolve-las ao pai dele, mas acabei ficando com uma coisa. A jaqueta que ele tinha usado no dia anterior ao seu desaparecimento. A segurei entre meus dedos, aproximei do nariz e senti o seu cheiro.

Meu Deus, Noah. Onde você se meteu?

Abracei a jaqueta.

— Vou te encontrar. – prometi e guardei a jaqueta de volta, peguei uma roupa qualquer e tratei de me vestir.

O meu plano consistia em acordar mais cedo que toda a minha família, arrumar minhas coisas e ir embora dali, voltar para Madill. Eu precisava ver com meus próprios olhos como estava o andamento do caso do Noah, precisava ver o que eles já tinham achado e se tinham alguma pista de onde ele poderia estar. Por isso depois que arrumei tudo e escrevi um bilhete para minha mãe contando sobre os meus motivos, desci a escada e fui até a cozinha. Em parte para fazer alguma coisa para a viagem e em parte para deixar o bilhete. Karine era sempre a primeira a acordar, então ela acharia o bilhete primeiro e conversaria com meu pai.

Assim que apareci na porta da cozinha avistei meu pai sentado à mesa, sozinho e com uma garrafa de uísque à sua frente, um copo de vidro na mão.

— Oi. – ele disse assim que me viu, sem me dar tempo de dar meia volta e ir embora.

— Oi. – me obriguei a responder. – O que aconteceu? – perguntei.

Meu pai nunca foi de beber.

Luke baixou os olhos para o uísque e depois voltou a olhar pra mim, me avaliou.

— Onde está indo? – ignorou minha pergunta.

Engoli em seco, mas resolvi responder.

— Estou voltando para Madill.

— Imaginei que você fosse querer voltar. – falou e bebeu um gole da sua bebida. – Ainda mais depois da ligação do Dr. Grace. – me preparei para as possíveis coisas que ele fosse dizer para me fazer ficar. – Sua mãe está preocupada com você, sabia? – assenti. – E eu também estou.

Caímos em silêncio. Não havia nada que eu pudesse dizer quanto a isso.

— Gosta mesmo desse garoto? – acabou perguntando e eu dei um passo em sua direção, o bilhete na mão.

— Eu o amo. – declarei e meu pai assentiu e me deu um sorriso triste.

— Imaginei que essa fosse a resposta. – voltou a beber.

Coloquei o bilhete sobre a mesa.

— Entregue para mamãe. – pedi.

Luke pegou o bilhete.

— Você vai ficar bem? – perguntou enquanto guardava o bilhete no bolso do seu pijama.

Assenti. E ele assentiu e então lhe dei as costas e sai de casa.

—--

— O que tanto você escreve nesse caderno? – Noah perguntou meio irritado por eu estar dando mais atenção a minha agenda do que a ele.

Ele tinha vindo a minha casa de surpresa, contando que poderíamos sair e passear pela cidade. Mas ele me pegou em um momento de total ocupação. Eu tinha que estudar para as últimas provas do bimestre antes que entrássemos de férias e por isso não poderia sair com ele, então o garoto concordou em ficar comigo no quarto enquanto eu adiantava alguns trabalhos depois que eu prometi que poderíamos sair e nos divertir. Entretanto, no momento eu estava apenas verificando na minha agenda as coisas que tinha que fazer, tentando encaixar o Noah em algum momento.

— Não é um caderno. – falei e apaguei o item “geografia” que era a última matéria que eu tinha que estudar e escrevi “Noah” – É uma agenda.

Pelo canto de olho o vi torcer os lábios em desagrado, revirei os olhos. Ele ficava irritado com tanta facilidade que me surpreendia. E por mais que eu quisesse me aproximar dele agora, não o fiz. Ainda estávamos no começo de alguma coisa. Não havia compromisso algum, apenas beijos. E por isso eu me sentia inseguro.

— Por que tem uma agenda? – o moreno perguntou e veio para o meu lado, olhou por sobre o meu ombro para ver o que eu estava escrevendo, fechei a agenda. Apenas para irrita-lo mesmo, gostava do modo como seus olhos ficavam bem mais escuros quando estava irritado e gostava do modo como ele mordia o lábio quando isso acontecia, como que para se impedir de dizer um palavrão.

— Hum. – respondi e me sentei na beira da cama. – Para anotar coisas importantes.

Noah veio pra cima de mim e simplesmente puxou a agenda da minha mão.

— Ei! – protestei e me pus de pé. Ele se esquivou de mim enquanto eu tentava pegar a agenda, um sorriso brincalhão nos lábios.

— Vamos ver o que você escreve aqui. – ele abriu a agenda e cruzei os braços a sua frente. Não tinha nada lá que me incriminasse, não que houvesse algo que me incriminasse em algum lugar.

Observei os olhos dele passearem pelas coisas que escrevi e logo ele os tinha meio arregalados.

— Escreveu meu nome aqui. – constatou, abaixando a agenda.

— Mas é claro. – falei como se fosse óbvio, o que achei que era. – Você é importante.

E vi, com prazer, suas bochechas ficarem vermelhas e mais rápido do que eu podia prever, Noah veio em minha direção e me beijou. Impulsivo, pensei. Ainda escutei o barulho que a agenda fez ao cair no chão, mas não me importei muito porque os lábios dele tinham um gosto doce demais para que eu quisesse parar agora.

—--

A viagem até Madill foi tranquila apesar da chuva fina que começou assim que sai de Dickson. Era uma daquelas chuvinhas chatas que começavam do nada e não paravam até que a noite chegasse. Mas apesar de a estrada ter ficado um pouco escorregadia, não tive nenhum problema maior. Havia gasolina suficiente no tanque, eu tinha me alimentado bem e apesar de estar com sono, por não ter conseguido dormir à noite, estava desperto o suficiente.

Já era fim de tarde quando cheguei em Madill e segui direto para a delegacia, onde Mike – o pai de Noah – estaria. Eu tinha ligado para ele, dizendo que estava na cidade e que precisava de notícias concretas e certas. Nada de meio termo. O homem se mostrou surpreso com meu tom sério e até mesmo eu me surpreendi com meu autocontrole, mas não havia nada que eu pudesse fazer. Fui criado desse jeito, aprendi a agir desse jeito.

Era o que Madame Sam sempre dizia pra mim durante nossas aulas de etiqueta: “Sempre sorria, só fale com quem fala com você. Seja educado. Mantenha o autocontrole. Ninguém quer ficar perto de alguém que se perde em emoções tão rápido”. E como um bom menino, apenas assentia e obedecia.

Ergui o capuz quando sai do carro por causa da chuva, enfiei as mãos nos bolsos do meu casaco e segui em frente até a entrada da delegacia. O chão estava lamacento por isso tive que andar devagar para que não escorregasse. Mas assim que entrei no recinto, abaixei o capuz e ajeitei meus óculos, então olhei em volta. Avistei Mike sentado no mesmo lugar que há um mês atrás eu estava quando ele próprio veio até mim perguntando sobre o filho. Agora estávamos em posições diferentes. Abri o zíper do meu casaco e fui até lá. E quanto mais chegava perto percebia que ele não estava sozinho. Havia ao seu lado uma garota, de cabeça baixa e cabelo escuro. Tinha alguma coisa de extremamente familiar nela, mas eu tinha certeza que lembraria dela se eu a conhecesse. E ao lado da moça, havia um casal de idosos. Um homem com uma jaqueta de couro e o cabelo meio loiro meio branco bem penteado, e uma mulher de nariz em pé, o rosto sério e os olhos âmbar misturados com cinza mais bonitos que já vi. E mais uma vez percebi o quanto aquele grupo era familiar, no entanto minha mente insistia em dizer que eu não os conhecia.

Mike levantou o rosto na minha direção ao escutar o som dos meus passos molhados.

— William. – ele disse se pondo de pé, parecia tão cansado com olheiras embaixo dos olhos e os ombros baixos, como se estivesse carregando o peso do mundo.

— Senhor Grace. – cumprimentei.

Então a garota de cabelo escuro levantou o rosto e pelo canto de olho apreciei a forma do seu rosto. Tinha as maçãs do rosto bem formadas, o rosto sem maquiagem lhe dava um ar inocente e a fazia parecer mais nova, mas os olhos eram intrigantes. Eram da mesma cor que os da mulher mais velha sentada ao seu lado. Uma mistura de dourado com cinza, todavia estavam inchados denunciando que deveria ter chorado.

— Eu precisava vir para saber sobre... – comecei me dirigindo a Mike, sem saber ao certo como terminar a frase. – Sobre o Noah. – acabei terminando e a garota de cabelo escuro ergueu os olhos bonitos na minha direção, franziu a testa e me encarou. Encarei de volta.

O Senhor Grace vendo o que estava acontecendo, olhou para a garota e depois voltou a olhar pra mim. Suspirou e então disse:

— Essa é minha filha, Maya. – ele apresentou e então olhou para a garota. – Este é o William, o...

— O cara que deixou meu irmão desaparecer. – interrompeu o pai e se pôs de pé.

Fiquei parado, muito surpreso com o que ela tinha dito para dizer qualquer coisa em resposta.

— Maya... – Mike tentou.

— O quê?! – ela soltou para o pai, a voz cheia de raiva. Mas os seus olhos estavam em mim. Ela veio até onde eu estava, se pôs na minha frente. – É você, não é?! Era com você que ele estava quando desapareceu, não é?! – e mais uma vez não respondi. – Como pôde deixar que ele saísse daquele maldito quarto?! – ela gritou.

— E-eu... – gaguejei, queria dizer alguma. Queria me defender, queria contar como já me sentia culpado o suficiente e que não precisava que ela me lembrasse disso. Mas as palavras se embolaram na minha garganta.

— Ele estava sobre a sua responsabilidade! – ela gritou, as lágrimas brotando no canto dos olhos. O casal de idosos se levantou. – Como você pôde deixa-lo sair?! – a senhora mais velha tocou o ombro de Maya.

— Maya, querida. – a senhora falou suavemente, a mensagem implícita dizia “pare”.

Mas ela não parou. A garota voltou sua atenção para o pai.

— A culpa é sua! – gritou. – Você ficou louco? Como pôde deixar ele viajar sozinho? Ele só tem dezesseis anos! – e havia tantas lágrimas nos seus olhos, tanta dor nas suas palavras. No entanto essas palavras acertaram Mike como um tapa.

Observei o homem ficar pálido, engolir em seco e depois baixar os olhos. Eu continuava parado, absorvendo as palavras que Maya tinha dito. Sentido a culpa. Noah estava sobre a minha responsabilidade, eu sabia. Eu penso nisso todos os dias. Eu repasso na minha mente todos os nossos momentos antes dele desaparecer, eu procuro na minha mente pistas... eu me sinto tão culpado!

— Vem, querida. – O senhor mais velho disse e passou os braços sobre os ombros dela e a levou dali.

Ainda fiquei parado, no mesmo lugar. Mike me fitou e eu o fitei de volta, cada um com a sua vergonha. Com a sua parcela de culpa no desaparecimento do Noah. Então eu lhe dei as costas, as palavras de Madame Sam voltando a minha mente “se controle, mantenha o controle sobre suas emoções”.

— Will. – o pai de Noah ainda me chamou, mas eu já estava longe.

Entrei no meu carro e dirigi para longe dali. Não sabia ao certo para onde estava indo, mas sabia que não estava voltando para Dickson. Em algum momento me dei conta de que estava na pracinha, no centro da cidade de Madill. Estacionei o carro ali, a chuva ainda estava caindo. Encostei minha testa no volante e esperei. Não sabia ao certo o quê, mas seja o que for, não veio. Apenas fiquei ali, durante um tempo indeterminado de olhos abertos, fitando o carpete do carro, sentindo meu coração vazio, respirando fundo algumas vezes quando achava que as lágrimas viriam. Não queria chorar. Estava cansado de chorar.

—--

— Will. – escutei e abri os olhos imediatamente.

Grande erro. A luz me cegou, me pegou desprevenido e por isso tive que fechar os olhos ao mesmo tempo que escutava a risada dele. Quando finalmente consegui enxergar, encontrei Noah deitado a minha frente. Estávamos os dois deitados em uma cama, de lado, um de frente para o outro. E ele estava sorrindo. Parecia bem e saudável.

— Oi. – falei e ergui a mão para toca-lhe o rosto, queria saber se era real. Talvez eu estivesse tendo um sonho ruim e agora estivesse acordado. Talvez nunca tenhamos saído do motel, ainda estávamos no quarto e ainda era terça-feira de junho.

— Oi. – ele me sussurrou de volta, segurou a palma da minha mão contra a sua bochecha e fechou os olhos.

— Estava tendo um sonho ruim. – contei e me aproximei dele, precisava sentir seu calor, seu cheiro. Precisava ficar perto dele e provar para mim mesmo que aquilo tudo foi um sonho ruim.

— Sonho ruim? – perguntou e abriu os olhos, muito castanhos e cheios de pingos dourados na íris. Era uma combinação engraçada, diferente e muito bonita.

— É. – continuei e encostei minha testa na sua. – sonhei que você desaparecia. – falei muito baixo, de olhos fechados.

— Não era um sonho. – Noah disse, mas não tive coragem de abrir os olhos. Pois sabia que começaria a chorar. – Não é um sonho, Will. – repetiu, a voz mais firme e mais raivosa.

Passei os braços em volta dele e o trouxe para mais perto. Conseguia sentir sua textura sobre meus dedos, conseguia sentir seu calor, conseguia sentir seu cheiro...

— Onde você está? – perguntei para o Noah do meu sonho, nossas testas juntas e meus olhos ainda fechados. Não tinha coragem de olhar pra ele e constatar que estava sonhando.

— Estou morto, Will.

—--

Abri os olhos num rompante. Me pus sentado muito ereto no banco do carro, a respiração descompassada e os olhos molhados. Enxuguei as lágrimas furioso comigo mesmo, furioso com Noah por ter saído daquele quarto sem me acordar.

— Você não está morto. – falei para mim mesmo.

Tirei meus óculos e enxuguei as lentes na barra da minha camisa e depois que os coloquei foi que notei que o já era noite e que eu provavelmente estava dormindo, tendo um pesadelo. Passei a mão pelo cabelo e suspirei. Precisava arranjar um lugar para ficar. Girei a chave do carro e liguei o motor, mas quando me preparava para ir atrás de um hotel, alguém bateu na minha janela. Assustado, não baixei o vidro. Mas assim que meus olhos se acostumaram com a luz precária da praça notei que quem estava a minha janela era Maya. Baixei o vidro.

— Oi. – ela sorriu sem realmente querer e quando me mantive sério, ela tratou de continuar. – Quero me desculpar pelo meu surto de mais cedo. – falou. – Então pensei que poderíamos tomar alguma coisa, que tal?

A garota parecia envergonhada ao mesmo tempo que parecia um pouquinho irritada. Será que a irritação é hereditária?

— Como me encontrou? – ignorei seu convite.

— Estava passando por aqui e acabei te reconhecendo dormindo dentro do carro. – e corou enquanto eu franzia a testa e a fitava meio confuso com a sua história.

Mas acabei suspirando. Ela era a irmã de Noah. Ele ia gostar que eu me desse bem com ela, apesar de termos começado com pé esquerdo. No entanto, acho que podemos apagar aquele começo e tentar de novo.

— Tudo bem. – concordei e sai do carro.

A acompanhei até uma lanchonete que havia ali perto, nos sentamos numa mesa dentro da lanchonete apesar de ter algumas mesas vazias do lado de fora. Maya pediu um suco enquanto eu pedi um chocolate-quente, mais porque chocolate me fazia lembrar de Noah do que por gostar mesmo. E assim que o garçom trouxe nossos pedidos, ela começou a falar.

— Eu realmente sinto muito por ter falado com você daquele jeito. - mexeu com o canudo o seu suco de maracujá. – Ando tão estressada ultimamente e... – suspirou e enxugou uma lágrima. – sinto tanta falta dele.

— Também sinto falta dele. – falei e bebi um pouco do chocolate-quente.

— Eu sei que a culpa não foi sua. – bebeu um gole do seu suco, os olhos continuavam baixos. – É a cara do Noah sair assim sem avisar ninguém... – então olhou pra mim, os olhos muito brilhantes. – quando éramos crianças ele fugiu de casa. Noah te contou isso? – neguei e ela riu, triste. – Ele tinha oito anos e achava que podia ir de Los Angeles a Disney em apenas algumas horas e que ninguém ia perceber.

— Impulsivo. – falei e meio sorrir.

Era o tipo de coisa que ele com certeza faria. Sairia por aí achando que era a melhor escolha e que tudo ficaria bem no final. Nunca pensando nos pros e nos contras, apenas sentindo e se deixando levar pelas emoções.

— Impulsivo como nossa mãe. – falou, fiquei calado crente de que Noah não ia gostar da comparação.

Ele tinha alguns problemas com a mãe. Eu podia ver isso toda vez que ele olhava para a foto dela ou quando tentava dizer algo sobre ela. Era o seu eterno dilema: Amo ou não amo minha mãe? Noah nem mesmo a chamava de mãe. Pra ele era apenas Erika e acho que vai ser assim para sempre.

— Noah não gosta muito da mãe. – acabei comentando.

— Não posso culpa-lo por isso. – concordou. – Não era como se ela estivesse se esforçado para ganhar o afeto dele de qualquer jeito.

Silêncio.

Ambos sabíamos a que essa conversa ia levar e de repente, eu não quis continuar. Odiava lembrar que Erika já o havia machucado e que por causa dela, ele não podia ter uma vida normal, já que tinha desenvolvido hematofobia. E além do mais esse não era um assunto meu, não eram os meus fantasmas.

— Há quanto tempo vocês estão juntos? – optou por perguntar quando o silêncio durou tempo demais.

— Quase um mês. – respondi e fitei a xicara de chocolate-quente. Tinha perdido a vontade beber o resto que havia ali.

— Como se conheceram? – ela parecia realmente interessada.

— Nos esbarramos um no outro na rua. – optei por dizer, não estava com vontade de dizer a ela como eu estava apanhando do meu melhor amigo quando Noah apareceu e tentou me salvar.

— Ah.

— Brigávamos o tempo todo. – comentei e sorri, ainda estava olhando para a xicara.

— Noah sempre teve o pavio curto. – ela riu. – É muito fácil tira-lo do sério.

— Nem me diga. – ri ao lembrar do jeito rápido que ele ficava irritado, o modo como ele estreitava os olhos pra cima de mim e a vontade que eu tinha de beijá-lo quando isso acontecia.

— Você gosta mesmo dele, não é? – levantei o rosto para vê-la, seus olhos estavam sobre mim cheios de uma compreensão triste.

Assenti. Não podia falar agora. O sonho que eu tinha tido no carro estava voltando a minha mente, o modo como ele parecia tão perto ao mesmo tempo que parecia tão longe.

— Está hospedado aonde? – Maya bebeu o resto do seu suco.

— Em um hotel perto daqui. – menti, precisava arranjar um lugar ainda.

A garota assentiu e se levantou.

— Eu preciso ir. – disse e eu a fitei mais um pouco.

Ela não se parecia com Mike. O cabelo escuro e os olhos provavelmente eram da mãe, assim como o tom de pele. No entanto, o modo de agir era do pai. Me surpreendi com a decepção que senti quando me dei conta de que estava procurando pedaços de Noah nela. Mas não havia semelhança alguma, seja na aparência ou na personalidade.

— Tudo bem. – falei. – Também preciso ir.

Maya sorriu pra mim.

— Desculpa por mais cedo. – pediu. – Andam acontecendo tantas coisas... – suspirou, colocou a mão na nuca, parecia realmente cansada. – Eu sei que a culpa não foi sua.

— Tudo bem. – ecoei e me pus de pé também.

Chamei o garçom e pagamos a conta, então saímos juntos da lanchonete.

— Sabe, - me ouvi começar, sem saber ao certo porquê. Mas acho que devia isso ao Mike. – não é culpa do Dr. Grace. A ideia de vim pra cá foi minha – confessei e Maya apertou o seu sobretudo em volta do corpo, os cabelos escuros caindo sobre os ombros. – E Noah concordou. Eu disse a Mike que cuidaria dele. – seus olhos estavam muito dourados sobre mim. – No fim, você estava certa, a responsabilidade era minha.

— Isso não diminui a parcela de culpa do Mike. – falou e notei que ela parecia realmente com raiva do pai e modo como ela o chamou pelo nome parecia o modo como ela o tinha chamado desde sempre. – Ele ainda não devia o ter deixado viajar. Se ele estivesse em Los Angeles, conosco, nada disso teria acontecido.

— Noah não queria ir para Los Angeles. – informei.

— É claro que queria. – insistiu, a voz irritada. Estreitei os olhos pra cima dela. – Era sobre isso que conversávamos – explicou quando viu meus olhos sobre si e eu tinha certeza minha expressão estava igualmente irritada. – Ele sempre me dizia o quanto odiava Dickson e que preferia morar com vovó e vovô do que ficar com o Mike.

— Isso foi antes. – falei. – Você não estava lá, não sabe como a vida dele mudou. – me ouvi dizer, agora era eu quem estava ficando irritado. – E Noah nunca ia preferir morar com os avós do que com pai. Ele ama o pai.

Maya franziu a testa em raiva e simplesmente me deu as costas, fazendo questão de esbarrar em mim enquanto ia embora. Estava na cara que ela tinha problemas com o pai e que eles não se davam nenhum pouco bem. O modo como ela o estava atacando e endeusando os avós me dizia isso.

Suspirei e voltei até o meu carro, entrei e tratei de sair dali. Precisava encontrar um hotel para ficar hospedado.

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Mark

O cabelo loiro dela estava espalhado sobre o travesseiro ao meu lado. Ela tinha cheiro de lavanda e estava fitando o teto com os olhos âmbar.

— Will precisa de você. – Emma disse e eu me virei de lado para olhá-la. – Noah desapareceu.

— Não tenho nada a ver com isso. – me defendi.

— Eu sei, mas Will precisa do nosso apoio. – ela deitou de lado e me fitou.

Era tão bonita com o cabelo loiro liso e os olhos claros e estava tão séria. Eu tinha ligado pra ela mais cedo e ela tinha concordado em se encontrar comigo, mesmo que tenha parecido desconfiada. Mas Emma sabia que eu nunca seria capaz de machuca-la.

— Se eu aparecer em Dickson serei preso. – falei.

— Está agindo como se não tivesse feito nada de grave. – e voltou a olhar pro teto, o rosto emburrado.

— Tudo bem, eu sou culpado mesmo. – afirmei. – Bati mesmo em Will e Noah, e teria feito de novo e de novo. É isso que quer escutar?! – me sentei na cama.

A loira se sentou, os olhos marejados.

— Está se escutando?! Ele é seu melhor amigo!

— Não posso ser amigo de um anormal. – e antes que eu pudesse prever, Emma me acertou um tapa no rosto.

— Ele enfrentou seu maldito pai! Ele te defendeu quando a cidade inteira começou a falar do seu pai! Will ficou em coma por sua causa! – gritou, as lágrimas caindo pelo rosto e minha bochecha ardendo. – E foi esse anormal que te ajudou em todas as tuas traquinagens até hoje. E agora quando ele mais precisa, você fica aí sendo esse homofobico filho da puta?! – então se levantou, enxugou as lágrimas furiosamente. – Vá se danar, Mark.

A vi sair do quarto e tratei de ir atrás dela. Emma sempre foi cabeça quente, sempre disse o que vinha primeiro em sua mente. Mas infelizmente, eu sabia que ela estava certa. No entanto como eu podia lutar contra as coisas que fui ensinado a acreditar desde criança? São as coisas que aprendi, não dá para jogar tudo isso fora de um dia pra noite. E por mais amizade que exista entre eu e Will, eu simplesmente não posso aceitar o que ele é.

— Espera! – gritei, mas ela não parou. Por isso segurei no seu braço. – Não vai, Emma. Você foi a única amiga que me restou.

Ela piscou os olhos pra cima de mim, suspirou e eu soltei seu braço.

— Vai se livrar das fotos? – perguntou.

— Vou. – assenti.

Era hora de seguir em frente. Eu e Will crescemos juntos, tivemos bons momentos juntos. E em nome disso, era preciso o libertar. Era nisso ao menos, que eu estava me forçando a acreditar. Emma tinha me convencido de que as coisas podiam ser como antes, quando éramos apenas amigos, sem a magoa que ficou e vontade de ficar longe que Will sempre exibia quando estava na minha presença. Nas minhas memórias eu ainda via o garoto loirinho com os óculos grandes demais e que tinha um sorriso matador e a garota de cabelo curto como de um menino, e janelinhas no sorriso. Eu bem sabia que não podíamos voltar no tempo e viver tudo aquilo de novo e sabia que eu tinha estragado tudo, mas deixá-los ir embora era mil vezes pior.

— Fale com Will. – ela pediu ao me abraçar.

— Tudo bem. – concordei.

###

Will

Acordei com meu celular tocando, sem abrir os olhos, atendi.

Até que enfim!— alguém exclamou.

— O-o que? – soltei sonolento, não conseguia dizer de quem era a voz, apesar de reconhece-la.

Oh, você estava dormindo. Foi mal.— se desculpou e eu resolvi olhar o visor do celular pra saber quem era.

Maya.

Franzi a testa pra isso, do jeito que eu estava cansado nem ao menos tive forças para me perguntar como ela tinha conseguido meu número.

— O que aconteceu? – perguntei entre um bocejo e outro, meus olhos fechados. Eu até mesmo tinha colocado o lençol sobre minha cabeça.

Acho que o remédio para dormir que eu tomei ontem ainda está fazendo efeito, porque nunca senti meu corpo tão mole. Normalmente eu não tomo remédios para dormir, mas já fazia dias que meu corpo pedia por uma boa noite de sono que acabava sendo negada pelo meu lado emocional conturbado. E os pesadelos também não ajudavam muito. Por isso acabei cogitando a ideia de tomar um remédio e descansar um pouco.

Os policiais encontraram uma pista.— abri meus olhos imediatamente, me pus sentado.

— Eu estou indo. – falei, ignorando meu cansaço.

Me levantei da cama ainda com o celular na orelha.

Ok. Estamos te esperando.— e desligou.

Joguei o celular sobre a cama e corri para o banheiro. Tomei um banho rápido e logo estava no meu carro a caminho da delegacia. Estava chovendo como ontem, era uma chuvinha fina como se alguém lá em cima estivesse triste por Noah ter desaparecido.

A delegacia estava quase vazia quando cheguei lá. Mas assim que entrei avistei Maya e o resto da família do Noah. Eu realmente não achava que ela pudesse me ligar depois da mini briga que tivemos ontem. No entanto a garota estava até mesmo vindo em minha direção, com o rosto limpo de qualquer coisa que denunciasse que ela ficara chateada com nossa discussão.

— O que disseram? – fui logo perguntando. – O que encontraram? – mas ela não respondeu.

Maya ignorou minhas perguntas e simplesmente me abraçou, assustado de mais para retribuir apenas me limitei a ficar parado. Os braços parados ao lado do meu corpo. Mas então ela começou a chorar. E meu coração se apertou. O que encontraram? E minha mente já estava começando a prever o pior. Me afastei dela com delicadeza.

— O que aconteceu? – tornei a perguntar a garota.

— Eles... – ela enxugou as lágrimas. – Eles disseram que Noah pode estar morto.

Um tapa teria o mesmo efeito que essas palavras. Tive que me segurar na parede ali perto, se não cairia. Olhei para Maya que tinha voltado a chorar, olhei em volta atrás de alguém que pudesse me explicar porque doía tanto escutar isso. E meus olhos encontraram Mike. Ele me viu logo em seguida e vendo minha confusão, veio em minha direção.

— O que está acontecendo? – perguntei a ele.

Vi seus olhos castanhos passarem sobre Maya, mas ela não o encarou de volta.

— Eles sabem quem pegou o meu filho.

— Como? Quem? – as perguntas se embolavam na minha boca, todas querendo sair ao mesmo tempo.

— Vem, William. – Mike disse e Maya deu passagem pra mim. – É melhor você se sentar.

O mais velho me guiou até um dos muitos assentos que havia na sala de espera da delegacia. Eu me sentei ali e ele ficou em pé, parado a minha frente. E parada no corredor, as costas encostadas na parede enquanto os ombros tremiam, lágrimas manchando o seu belo rosto, estava Maya. Encarei o Dr. Grace. Então ele começou a falar, muito sério como se estivesse dizendo a um dos seus pacientes que o seu parente morreu durante a cirurgia por causa de complicações. No começo as palavras até mesmo faziam algum sentido, mas depois viraram apenas sons no meu ouvido.

Como assim ele foi escolhido? Não fui capaz de perguntar.

— Ele tem o mesmo perfil que o de todas as vítimas. Até onde os policiais sabem, Noah pode ter sido observado e quando ele saiu sozinho do hotel onde vocês estavam, esse homem viu a oportunidade certa para pega-lo. – Mike estava dizendo.

— O que? – perguntei como um demente.

As palavras ainda não estavam fazendo sentido algum na minha mente.

— Eles o chamam de ‘O Florista’.

Mas eu ainda não estava escutando. Por isso simplesmente levantei e dei as costas ao Mike mesmo sobre os seus protestos, eu saí na chuva. Não fui em direção ao meu carro, acabei o deixando ali mesmo. Deixei a escolha do caminho para minhas pernas, elas pareciam estar com mais noção do que eu próprio. As coisas que Mike tinha dito ficavam voltando a minha mente juntamente com o sonho que eu tivera com Noah.

“Estou morto, Will”. Ele continuava e continuava sussurrando no meu ouvido.

— Não, você não está! – gritei para mim mesmo, no meio da pracinha da cidade.

Ninguém podia me ouvir. Estavam todos escondidos da chuva em algum lugar, eu era a única pessoa naquela praça idiota, gritando comigo mesmo com a chuva caindo sobre mim, disfarçando minhas lágrimas.

Me sentei em um dos bancos ali, escondi meu rosto entre minhas mãos.

— Eu prometi que ia te proteger. – sussurrei.

###

Tinha ignorado todas as ligações do meu celular. Tinha ficado com raiva de mim mesmo e depois de Noah e depois do mundo, e por fim fiquei com raiva do tal cara, O Florista.

Me forcei a voltar para delegacia e pegar meu carro e depois segui para a biblioteca mais próxima. Os policiais não tinham me dado muitas informações, na verdade eles tinham mandado que eu voltasse para casa e descansasse, no entanto a raiva estava me consumindo. Precisava fazer alguma coisa, não podia deixar Noah nas mãos daquele maníaco. Então eu fiz o que sabia fazer de melhor, eu investiguei. Puxei a ficha completa do tal cara.

Os policiais o chamavam de O Florista porque em todos os lugares onde tinham acontecido desaparecimentos, era sempre encontrado uma flor. Uma rosa vermelha, para ser mais especifico. E por isso os policiais tinha lhe dado esse nome. Entretanto apesar de o nome estar no masculino, ninguém sabia dizer se era um homem ou uma mulher. Mas de uma coisa era certa: O Florista era responsável pelo desaparecimento de no máximo 12 crianças em dois anos.

O Florista escolhia as vítimas baseado em sua aparência e idade. Tinha uma preferência por garotos entre 10 a 16 anos, com cabelos castanhos e olhos da mesma cor. Havia apenas um caso registrado de desaparecimento de uma garota. Annabelle Rivers, 12 anos. Ela nunca foi encontrada assim como todos os outros garotos.

Pelas várias manchetes de jornais que li. O Florista agia sutilmente e costumava dá uma parada de dois meses entre os raptos. Era por esse motivo que o detetive responsável pelo caso, disse a família de Noah que ele já poderia estar morto. Não havia pistas de que ele estava vivo e como já estávamos no segundo mês de desaparecimento dele, já era provável que O Florista já estivesse escolhendo outra vítima.

Fechei o jornal que estava lendo, retirei meus óculos e massageei minhas têmporas. Estava cansado e minha cabeça estava doendo.

No artigo que li sobre assassinos em série, havia uma parte que dizia que os assassinos em série estudavam a vítima. Eles escolhiam a presa certa antes de atacar, o que não era muito diferente de um leão sondando um cervo. Quando o cervo baixava a guarda ou seja, se afastava do bando, o leão atacava.

Respirei fundo. De tudo que eu já tinha lido sobre perfil de assassinos, os que mais se encaixavam com as coisas que eu tinha conseguido reunir do Florista eram os perfis de assassinos seriais. Ele estava constantemente agindo, tinha uma preferência por certo perfil de vítima, era extremamente organizado e sempre deixava uma rosa no lugar de desaparecimento das crianças. Rosa esta, que os policiais encontraram junto com o capuz sujo de sangue de Noah.

No entanto, havia uma coisa diferente no caso do Noah. Havia sangue. Nos outros desaparecimentos não havia nada, apenas uma maldita rosa. O que me faz crer que o moreno lutou. Ele soube que tinha algo de errado e lutou, mas acabou ferido. Essa constatação fez meu peito se apertar.

“Estou morto, Will”.

Abri os olhos, levantei a cabeça e coloquei os óculos de volta no rosto, então voltei a fitar os papeis a minha frente. Peguei o próximo jornal e comecei a ler a manchete. Eu ia pegar esse desgraçado.


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Notas finais do capítulo

Gente, não posso falar muito hoje. Mas tenho duas coisas pra dizer, a primeira é que eu não revisei o cap então tem uns erros aí. Relevem, ok?
A segunda é que a fic já está no final, vai ter 30 caps e vai ter segunda temporada!!! o/ isso aí galera!!
Vai ter segunda temporada. Mas vai ser pequena, uns dez caps só.
Bom, é isso.
bjs e comentem.



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