Antes que novembro acabe... escrita por OmegaKim


Capítulo 26
Vinte e cinco – As pistas apontam para um grande Nada.


Notas iniciais do capítulo

AVISO: O capitulo a seguir é altamente depressivo, então peço que prepare seu lenço de papel.
Boa leitura.



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Vinte e cinco – As pistas apontam para um grande Nada.

Will

Ele não estava na cama quando acordei, mas o seu lado da cama ainda estava quente e o cheiro dele estava impregnado nos lençóis e na minha pele. Ainda pisquei algumas vezes antes de acordar de vez, esfreguei os olhos enquanto me punha sentado na beira da cama. Procurei meus óculos e assim que os achei, coloquei e tudo a minha volta começou a fazer sentido. Ficar sem os óculos era a mesma coisa que tentar enxergar através de uma janela embaçada. Tudo ficava desfocado e eu era apenas capaz de distinguir cores.

Passei a mão pelo cabelo e olhei em volta, esperando ver o Noah em algum lugar. Mas não havia nada. Pensei que ele pudesse estar no banho, mas não havia o barulho característico do chuveiro. Franzi a testa pra isso, mas acabei deixando de lado. Tratei de me levantar pensando que ele havia apenas saído e que logo voltaria. Pelo menos foi nisso que pensei nos primeiros minutos e nas horas que se seguiram.

Me ocupei em arrumar as nossas coisas para que quando ele voltasse nós apenas pudéssemos entrar me meu carro e ir embora daqui. Todavia, eu sempre me pegava olhando para o relógio e suspirando preocupado. Aonde ele foi, afinal?

Noah tinha levando o casaco que ganhara da sua irmã, mas tirando isso e a roupa que ele estaria usando, suas coisas estavam no nosso quarto. Então, isso era o suficiente para que ele voltasse. Tentei imaginar o que ele teria ido fazer, provavelmente comprar doces para a viagem e achou que saindo antes que eu acordasse seria melhor, já que se eu estivesse acordado não o deixaria ir. Imaginei um Noah se distraindo com alguma coisa e perdendo a noção do tempo, acabei balançando a cabeça com isso e sorrindo involuntariamente, parecia algo que Noah faria.

Entretanto nas duas horas que se passaram, ele não voltou e quando tentei ligar para o seu celular, descobri que ele o tinha deixado. Ainda esperei mais um pouco, meio nervoso andei de um lado para o outro no quarto. Fiquei em pé, em frente à janela esperando que ele aparecesse. Mas nada.

Desci até a recepção e conversei com a moça que ficava ali. Ela me dissera que ele tinha passado mais cedo por ali, tinha dito que ia no mercadinho ali perto. Corri até o mercadinho, perguntei por ele ao proprietário mas ele não soube me dizer nada de relevante.

Ainda voltei para o motel e o esperei mais um pouco. Perguntei outra vez a moça se existia outro lugar para fazer compras ali perto, talvez Noah tenha ido em outro lugar. Mas não havia. A loja de conveniência mais próxima depois daquela ficava no centro da cidade e Noah não iria tão longe em um lugar que mal conhecia.

Quando o pôr do sol chegou, eu soube que havia algo de errado. E nas horas que se seguiram... Foram as piores horas da minha vida.

###

— William, onde ele está? – Mike perguntou assim que me viu.

Eu estava sentado no banco da delegacia, com a cabeça baixa e todos os piores pensamentos passando por minha cabeça e apenas um nome rodando na minha mente. Noah.

Levantei o rosto para o mais velho. Ele compartilhava do mesmo tom de chocolate no cabelo e nos olhos como Noah, mas ao contrário do filho, Mike era mais sério e seus olhos eram mais claros, como mel. Mike estava com o cabelo bagunçado e todo o seu rosto estava contorcido de preocupação.

— Eu... Eu não sei. – respondi me pondo de pé. Passei a mão pelo cabelo. Estava irritado comigo mesmo por ter dormido demais e não oter visto sair. – Eu acordei e ele não estava mais lá. – continuei e senti meus olhos arderem. Não podia chorar agora.

Fazia tanto tempo desde a última vez que chorei que achei que não era mais capaz disso, mas aqui estava eu, prestes a deixar as lágrimas caírem tamanho era o meu desespero.

Observei Mike respirar fundo. Ele devia ter vindo pra cá assim que encerramos a ligação. Depois que Noah não apareceu, fui obrigado a ligar para o seu pai e contar o que estava acontecendo e nas nove horas que se seguiram desde o encerramento da ligação, vim até a delegacia de polícia registrar um Boletim de Ocorrência. É claro que eu sabia que eles não podiam fazer nada enquanto não se completasse vinte e quatro horas de desaparecimento, mas eu não podia ficar sentado naquele quarto de motel sem fazer nada. Não dava para ficar ali esperando, olhando em volta e lembrando dele. Não dava. Por isso tive que vir pra cá e foi aqui que Mike me encontrou quando chegou em Madill, por volta das duas horas da madrugada.

O mais velho se sentou no lugar onde eu estava antes, enterrou o rosto entre as mãos e respirou fundo. Devia estar cansado após dirigir nove horas direto até aqui, com a preocupação embaçando os olhos e deixando os músculos dormentes.

— O que a polícia disse? – soltou, seus olhos se focaram em mim. Mas não fui capaz de encarar de volta, por isso desviei meus olhos para o bebedouro ali perto.

— Não podem fazer nada enquanto não se completarem vinte e quatro horas. – repeti o que o delegado tinha me dito depois que gritei com o policial que ficava na recepção da delegacia quando ele não quis registar o B.O.

— Inúteis. – o senhor Grace resmungou irritado de um jeito tão familiar. Então lembrei que era o mesmo jeito que Noah falava quando ficava irritado com algo, os olhos estreitados e os braços cruzados.

Fechei os olhos ao lembrar disso, pois meu peito começou a doer. Onde você está? Me perguntei silenciosamente. Mas não havia resposta.

Ainda sentei ao lado de Mike e ele me fez perguntas. Onde estávamos hospedados, se alguém o viu sair, se o dono do mercadinho o viu lá, se mais alguém na rua o viu, se ele levou alguma coisa... E eu respondi todas. Lhe contei tudo o que sabia, lhe falei como no começo achei que ele voltaria logo, que achava que ele tinha saído para comprar doces, contei como sabia que ele estava usando o casaco que Maya lhe dera e seus jeans desgastados. E mais tarde, quando não havia mais o que dizer, fiquei calado. Apreciei o silêncio que veio, me recolhi em mim mesmo e tratei de pensar. Devia existir alguma coisa que eu não estava vendo, devia existir alguma pista em algum lugar. Noah nunca sumiria assim. Ele não tinha motivos pra isso. Nós já íamos embora no dia seguinte e o moreno nem ao menos queria voltar para Dickson. Era o que tínhamos conversado na noite anterior, no escuro do quarto de motel depois que tínhamos feito amor.

—--

— Podíamos ficar aqui pra sempre - ele tinha me sussurrado e eu me limitei a beijar sua testa, meio rindo meio sério. – É sério, não ria.– ele me deu um tapinha no peito. – Madill é um bom lugar e aqui poderíamos ficar juntos. –o abracei mais forte.

— É uma boa ideia. –sussurrei de volta, como se essa ideia tão delicada e ingênua pudesse se quebrar se dita muito alto.

—--

Quando o delegado, finalmente, nos chamou para poder registrar o Boletim de Ocorrência, tive que lhe contar a mesma coisa que disse ao pai de Noah. Repeti como tínhamos vindo para o Festival e que iriamos embora no terceiro dia de manhã porque a estrada seria menos perigosa. Falei como acordei naquele dia e ele não estava comigo no quarto e como a recepcionista tinha me dito que ele sairá para ir ao mercado que há ali perto e como as horas passaram e ele não voltou. Contei-lhe tudo que sabia com a voz arrastada e os ombros baixos, nem todos os cinco copos de café que eu tinha tomado estavam sendo capazes de me deixar desperto. Era como se cafeína estivesse tendo o efeito reverso e em vez de me despertar, estava apenas me deixando dormente, levemente desorientado e cada vez mais culpado.

Mas o Boletim foi registrado e era isso que importava. Iriam procura-lo. E se Deus quisesse, iriam encontra-lo.

— Você devia descansar. – Mike disse pra mim, sua mão sobre meu ombro.

Eu sabia que ele estava apenas tentando me ajudar, o seu lado paternal aflorando. Mas não havia jeito de me fazer descansar. Não quando não encontrassem o Noah e eu lhe desse uma bronca por me fazer sentir essa coisa ruim no peito. Não dava pra que eu simplesmente fosse deitar e dormir enquanto aquele garoto teimoso estivesse desaparecido.

— Estou bem. – falei e tentei um sorriso tranquilizador. – Estou bem.

Mike apertou meu ombro e assentiu. Deve ter percebido que eu não ia fazer esforço algum para sair daqui enquanto não encontrassem o Noah. O que de fato não fiz. Tomei várias e várias xicaras de café seguidas, fiz questão de acompanhar o caso de perto. Eles não podiam me negar isso, porque eu precisava aliviar essa culpa em mim. Noah estava sobre a minha responsabilidade, eu não podia ter dormido tanto e o deixado sair.

Nunca quis tanto voltar no tempo quanto naquele momento.

Mas não havia nada. Ninguém o tinha visto na cidade inteira, a não ser eu e a recepcionista. Ninguém o tinha visto entrar em alguma lojinha de conveniência, ninguém o tinha visto em lugar nenhum. Era como uma brincadeira de esconde-esconde de mau gosto, em que eu não tinha concordado em participar. Era preciso juntar as pistas olhar nos lugares mais óbvios. Mas não havia pistas, não havia lugares óbvios... Não havia nada.

Noah tinha desaparecido.

###

As duas primeiras semanas foram as piores. Foram duas semanas sem dormir direito, sem comer direito, sem pensar direito. Eu tinha feito questão de ficar na cola dos policias, para lembra-los de procurar por Noah. Mas mesmo com minha insistência, não encontramos nada. Eu e Mike espalhamos cartazes com a foto do moreno pela cidade e fizemos nossas próprias buscas. Até mesmo no noticiário colocamos sua foto.

Recebi ligações dos amigos de Noah e tive que lhes contar o que estava acontecendo, o porquê a foto do amigo estava nos noticiários na seção de desaparecidos, assim como sei que Mike recebeu ligações dos Avós de Noah e de Maya, e teve que explicar a eles também o que estava acontecendo.

Meus pais me obrigaram a voltar pra casa no fim da segunda semana. Eles foram em Madill e me trouxeram a força de lá, mesmo com meus protestos. Será que eles não tem coração?, me perguntei, será que eles não veem que preciso ficar aqui e esperar ele voltar? Mas eles não escutaram quando gritei, não escutaram quando argumentei, quando disse que precisava ficar. Não, eles não escutaram nada do que eu disse e me trouxeram de volta pra casa. Mas mesmo de longe, eu continuava a ligar todos os dias para Mike e perguntava se havia alguma novidade e como de praxe, não havia nada.

Kate era quem mais me ligava. Ela conversava comigo. Dizia que as coisas iam ficar bem, que iam encontra-lo... No entanto, quando um mês se completou e nenhuma pista do seu paradeiro foi encontrada, começamos a ter pensamentos mórbidos. Pensamentos que não tínhamos coragem de falar em voz alta e nem dizer a ninguém.

Foi então que os pesadelos começaram. Todas as noites era um sonho diferente com cenas distorcidas de Noah. Ele sempre se afastando e nunca mais voltando. Tinha dias que eu acordava crente de senti seus lábios nos meus ou que teria escutado sua risada e durante algum tempo achei que estivesse enlouquecendo, mas logo descobri que isso era fruto da saudade que eu sentia e da culpa que pouco a pouco se arrastava sobre mim, cobrindo meus sentidos e deixando tudo mais pesado.

— Will. – minha mãebateu na porta do meu quarto, abriu uma fresta e colocou a cabeça para dentro. – Oi. – ela sorriu, o cabelo escuro preso em um rabo de cavalo.

— Oi. – sussurrei de volta. Fazia um tempo que eu não falava com ninguém além de Mike e sempre para perguntar sobre o caso.

— Como você está? – perguntou suavemente e veio se sentar ao meu lado na cama.

Tirei os óculos e limpei as lentes na barra da minha camisa, que ainda era a camisa do meu pijama. Eu ainda não tinha tido coragem de levantar completamente da cama desde que acordei, há umas três horas. A verdade, era que eu não sentia vontade alguma de levantar. Queria ficar deitado o dia inteiro, a vida inteira, apenas pensando, lembrando dos meus momentos com o Noah. Ele não podia ter desaparecido assim...

Coloquei os óculos de volta no rosto.

— Estou bem. – decidi responder, não queria preocupa-la. Mas acho que estava tão cansado que não consegui convence-la, porque ela ergueu as sobrancelhas pra mim, desconfiada.

Mamãe ergueu a mão e acariciou meu cabelo.

— Sei que Noah era importante pra você, Will. – ela começou, mas não gostei do modo como ela se referiu ao Noah no passado.

— Ele é. – interrompi e Karine me fitou, seus grandes olhos negros sobre mim cheios de piedade. Desviei os olhos dos dela, não queria ver a pena estampada neles.

— Eu sei, querido. – passou os braços em volta dos meus ombros e me puxou para um abraço. – Eu sei. – disse baixinho, como se fosse um segredo.

Ficamos abraçados, apreciei o seu colo de mãe. Eu me sentia tão sozinho, tão desamparado, tão imensamente quebrado. O que se faz quando você perde o seu porto seguro? O que se faz quando a coisa mais importante da sua vida desaparece? O que se faz quando cada fração de vida que existia no seu corpo começa a falhar?

— Estou sentindo tanta a falta dele. – me peguei sussurrando para minha mãe.

— Ah, querido... – e qualquer que seja a coisa que ela ia me dizer, teve que deixar para depois pois o meu celular começou a tocar.

A larguei apressado. Peguei o celular e atendi. Era Mike, o pai do Noah.

— Alô?

Will,— ele começou, suspirou e meio que fungou. – nós encontramos...

Meu coração bateu acelerado. Noah.

— O encontraram? – perguntei, de pé, meio ofegante. Era como se alguém tivesse me dado um sopro de energia.

Nós encontramos...— ele tentou de novo e só então notei que ele estava chorando, sua voz estava falhando e não parecia de felicidade.

Pisquei atordoado. Uma hipótese ruim se formando na minha mente. Me encostei na parede e fechei os olhos.

Por favor, não. Ele só tem dezesseis anos.

— O que aconteceu? – me ouvir sussurrar, sem ter certeza se Mike podia escutar ou não.

E como resposta, o homem chorou. Escutei o seu choro do outro lado da linha e mordi meus lábios para impedir que o choro viesse, mas já podia sentir meus olhos úmidos.

Nós encontramos o seu capuz — Mike disse com a voz controlada. – sujo de sangue.

Cobri minha boca com a mão livre e senti minhas costas deslizarem pela superfície da parede, porque minhas pernas perderam as forças.

— Acharam o corpo? – ainda perguntei. Precisava ter certeza antes de derramar as lágrimas, precisava ter certeza antes de deixar a dor sair.

Não.— Mike respondeu. – Mas o teste de DNA provou que o sangue é do Noah.— e mais uma vez sua voz falhou.

— Will. – escutei minha mãe me chamar, mas eu não queria escutar.

— Não. – falei para Mike. – Deve ter alguma coisa errada. – tentei. – Não pode ser do Noah. Ele... ele não faria isso comigo. Ele... Eu o amo. –falei ao telefone, minha voz falhando e as lágrimas finalmente descendo por meu rosto.

— Will, me dê. – minha mãe tentou mais uma vez e tirou o telefone da minha mão, começou a falar com Mike.

E eu chorei. Não existe outro jeito de dizer isso. Eu apenas chorei. Lembro de ter levantado do chão, de ter dito a mim mesmo que aquilo era uma brincadeira de mau gosto ou que era um sonho ruim e que a qualquer momento, eu acordaria naquele quarto de motel com Noah nos meus braços reclamando que não queria acordar e então eu o beijaria e diria que estava tudo bem, podíamos morar em Madill, podíamos ficar naquele quarto de motel pra sempre.

Entrei no meu carro apesar de Liam ter corrido atrás de mim e termos entrado em uma briga porque ele não queria me deixar sair naquele estado. Mas eu saí. Eu entrei naquele carro de pijama e tudo, com o coração aos saltos e dirigi pra longe daquele lugar. Não sabia ao certo para onde estava indo, apenas precisava ficar longe de tudo aquilo. Precisava respirar.

Enxuguei as lágrimas furiosamente do meu rosto enquanto dirigia, em parte porque não queria chorar e em parte porque elas estavam atrapalhando minha visão.

—--

— Se eu fosse você não pegaria – lembro de ter dito a ele, naquele dia há muito tempo no supermercado quando o vi ponderando se pegava os cigarros ou não.

Tínhamos brigado mais cedo na escola e eu o tinha mandado embora, tinha me demitido do cargo de professor particular porque na minha cabeça seria melhor assim, pois eu poderia tira-lo da mira de Mark.

Noah olhou pra mim assustado por eu ter surgido do nada, mas a verdade é que eu já o havia visto no supermercado com sua cestinha cheia de doces e tinha me perguntado se o seu pai não estava com ele. E confesso que não pude me impedir de o seguir. E quando o vi em frente a prateleira dos cigarros, com o rosto contorcido em indecisão, não pude ficar parado e deixar que ele estragasse sua vida assim.Mas ele era teimoso, sempre foi teimoso, e se virou outra vez para a prateleira, determinado a pegar um maço.

Me aproximei dele depois de revirar os olhos. Essa a sua característica mais irritante: a teimosia. Como ele podia ser tão cabeça dura?

— Uau. – falei quando fitei sua cestinha. Noah era algum tipo de viciado em doces? – Você gosta de doces, hein. – ajeitei meus óculos e logo depois percebi que ele detinha o maço de cigarros na mão. – Não seja teimoso, Noah. – e tirei os cigarros da sua mão.

— Ei. – ele protestou e os pegou de volta. – Isso não é da sua conta.

Mas claro que era da minha conta. Será que ele não percebia que era importante pra mim? Que eu queria passar cada segundo do meu dia ao seu lado? Que na minha tentativa de ficar perto e chamar atenção, acabava sempre o irritando sem querer. E na minha mediocridade, acabei o afastando mais cedo por medo do que Mark pode fazer?

— Seu pai sabe que você pretende adicionar cigarros as suas compras do mês?

— Por que não se mete com a sua vida?! - era tão fácil tira-lo do sério e seus olhos sempre ficavam mais escuros quando isso acontecia ao mesmo tempo que suas bochechas ficavam levemente rosadas. E eu sentia tanta vontade de beija-lo, que tive que me conter.

Por que ele sempre me deixa assim? Confuso ao mesmo tempo que clareia minha mente, que me liberta?

Noah jogou o maço na sua cesta.

— Não mesmo. – disse em reprovação aquilo. Garoto teimoso.

Mais do que irritado, Noah jogou sua cesta no chão espalhando os doces e salgados por todo o chão. Ele veio pra cima de mim. Tentou pegar o cigarro ao mesmo tempo que eu me esquivava. Ficamos nessa brincadeira até que ele se irritou de vez e pegou outro maço e tratou de arrumar suas coisas, parecia tão chateado comigo e eu sabia o porquê. Me abaixei ao seu lado e o ajudei a guardar as coisas na cesta meio descrente que seu pai pudesse deixar ele comer tudo aquilo. Mas era o Noah, ele sempre tinha uma desculpa, uma saída. Na minha imaginação, o vi lançando aqueles olhos castanhos em direção ao pai e fazendo carinha de inocente...

No entanto nosso bom momento de trégua não durou muito, logo estávamos mais uma vez no bate-boca. Comigo tentando salvá-lo de ter um câncer de pulmão e ele tentando se mostrar um desinteressado. Mas eu sabia que ele se importava com o pai e principalmente com o que o pai pensaria e eu me importava com ele o suficiente para continuar insistindo para que ele não levasse os cigarros. Todavia, ele era teimoso. Sempre vai ser teimoso.

— Você é uma maldita criança teimosa! – lembro de ter exclamado, quando minha paciência já tinha acabado.

Noah era a única pessoa capaz de me tira do sério tão rápido. Quem é você? Quis perguntar. E por que sempre me deixa nesse estado? Sentindo tanta coisa ao mesmo tempo? Porque quando dei por mim já tinha me aproximado dele, determinado a gritar com ele, a dizer o quanto ele me parecia infantil com aqueles olhos castanhos manchados de dourado e sua pose de rebelde sem causa, mas não fiz. Fiz, para alivio do meu desejo interno, outra coisa. O segurei pelos ombros e o beijei.

—--

Meio sorri meio chorei com essa lembrança. Lembrava da forma que os lábios dele tinham, lembrava do gosto que a língua dele tinha naquele nosso segundo beijo, lembrava do seu cheiro, do jeito que ele passou os braços por meu pescoço e me trouxe para mais perto.

Eu lembro de tudo que envolve você, pensei e voltei a chorar enquanto dirigia.

Meu subconsciente me trouxe para as colinas, que não eram colinas. Deitei minha testa no volante e fiquei ali. Ainda estava com as palavras de Mike na minha cabeça, o nome de Noah nos meus lábios e a saudade no peito. As lágrimas vieram devagar, eu que estava desacostumado a chorar, não sabia ao certo como se fazia. Então apenas as deixei vir. A primeira caiu rápido, desceu apressada por meu rosto como se não pudesse acreditar que estava livre. A segunda ainda ficou parada na borda do meu olho, como se estivesse com medo de descer e descobrir que era mentira, que não estava livre coisa nenhuma. Mas ela desceu assim como as outras que vieram.

Então as lembranças vieram também, todas elas. A primeira vez que nos vimos. Ele surgindo no beco, onde Mark me espancava, o cabelo bagunçado e o rosto cheio de fúria. Fiquei tão impressionado com ele naquele momento. Como alguém se dispõe a participar de uma briga que não é sua? Mas aquele não era um bom dia pra mim, pois acabamos brigando. Meu orgulho sempre se impondo sobre meus sentimentos.

Você não está morto, está? Eles só encontraram seu casaco sujo de sangue. Não encontraram seu corpo, então deve haver alguma chance...

—--

— Will. – ele chamou e eu que estava quase dormindo, resmunguei em resposta. – Eu te amo. – falou, baixinho como se fosse um segredo, como se estivesse com medo de que as palavras se perdessem e eu não pudesse escuta-las.

O abracei mais forte. Meu coração batendo forte.

— Também te amo. – eu tinha respondido. Era a coisa que eu mais tinha certeza na vida. Eu o amava, com todas as minhas forças.

—--

— Eu te amo. – falei em meio ao choro, os soluços saindo dos meus lábios. – Onde você está? – perguntei para o nada, para o Noah que não estava ali. – Onde você está?

Levantei meu rosto. Enxuguei as lágrimas.

— Eu me recuso. – declarei e respirei fundo e mais um soluço saiu dos meus lábios. – Não! – gritei comigo mesmo. – Eu... eu me recuso a chorar por você! – gritei para ele. –Como você pôde sair daquele quarto antes que eu acordasse?! – e voltei a encostar a testa no volante. – O que você tinha na cabeça? – perguntei, a voz embargada. – Céus! – levantei meu rosto, tentei respirar mas estava difícil. Era como se existissem cacos de vidro nos meus pulmões me impedindo de puxar o ar.

Abri a porta do carro e me deixei cair pra fora. Me sentei no chão de terra, escondi meu rosto entre minhas mãos e chorei mais um pouco.

— Você não pensou em mim? – me ouvi e logo comecei a rir durante o choro.

O quão ridículo eu estava parecendo? Sentado no chão, ainda de pijama e chorando pelo namorado?

Encostei minhas costas na lateral do carro e enxuguei minhas lágrimas.

Noah não podia estar morto. Não podia.

Minha cabeça estava doendo de tanto que chorei por isso, apenas me limitei a olhar pra frente. Observei o sol se pôr, senti as lágrimas secarem no meu rosto enquanto minha mente não pensava em nada. Apenas fiquei ali, olhando para a grande bola de fogo ir embora iluminar outro lugar ao passo que eu sentia que não havia mais nada dentro de mim. Tudo tinha acabado de se esvair. Me sentia tão imensamente vazio, tão sem forças, tão sem nada, que me limitei a fechar os olhos.

— Will. – acordei com alguém dando tapinhas no meu rosto.

— O-o quê... – soltei sonolento e confuso, pisquei algumas vezes antes de consegui focar no rosto da pessoa a minha frente.

De primeiro pensei que fosse Emma, por causa do cabelo loiro. Mas quando foquei minha visão nos olhos verdes, soube quem era.

— Elizabeth. – tentei dizer mais minha voz saiu baixa e rouca.

— Oi. – ela sorriu, mas sua aparência era de cansada. – O que está fazendo aqui? – então se sentou ao meu lado.

— Eu... – comecei, mas engoli em seco quando lembrei o que eu viera fazer ali. A dor começou a voltar e enxuguei uma lágrima, furioso que ela tivesse a audácia de descer por meu rosto.

— Noah. – a, agora, loira falou. – Eu soube.

Ficamos calados.

Nenhum de nós querendo falar sobre isso. Devia estar sendo tão difícil pra ela quanto estava sendo pra mim, afinal compartilhávamos do mesmo sentimento para com o moreno.

— Por que estava chorando? – acabou cedendo a sua curiosidade, mesmo prevendo que não iria gostar da resposta.

— O pai dele me ligou. – contei. Talvez falar liberasse um pouco da dor. – Eles encontraram o casaco dele sujo de sangue.

— Mas o sangue não era dele. – ela tentou, mas quando eu não confirmei, a loira tentou mais um pouco. – Não é?

E dessa vez não pude me segurar. Dane-se o orgulho!

Comecei a chorar de novo. Escondi o rosto entre as mãos e chorei.

— Meu Deus! – exclamou e logo estávamos chorando juntos.

Não sei ao certo como nos abraçamos ou porque fizemos isso, parecia apenas que daquele jeito era mais fácil suportar a dor. Ela chorou no meu ombro e eu chorei no seu ombro. Elizabeth se agarrou em mim como se sua vida dependesse disso. Ela me abraçou muito forte, soluçava alto. E eu sabia que estava seguindo o mesmo exemplo. Nos esquecemos nossas diferenças e choramos juntos.

— Encontraram o corpo? – ela me perguntou em algum momento, os olhos fechados e a maquiagem borrada.

Enxuguei as lágrimas e respirei fundo achando que assim poderia limpar minha mente e começar a pensar claramente.

— Não. – respondi e me surpreendi com o alivio que havia na minha voz.

Se não há corpo, não há morte comprovada. Há uma chance, me dei conta. Há uma maldita chance de que ele esteja vivo.

— Então ele pode estar vivo. – Liz ofegou tão aliviada quanto eu. Assenti pra ela ao mesmo tempo que um sorrisinho tomava conta da sua face, que na penumbra da noite lhe dava um ar triste. – Mas fico pensando quem poderia o ter machucado... Você tem alguma ideia do que aconteceu? – me fitou.

Passei a mão pelo rosto. Eu já tinha pensado tanto sobre isso, já tinha repassado tantas vezes na minha mente aquele dia, as coisas que a moça da recepcionista tinha me contado, tinha repassado aquele dia na minha cabeça tantas e tantas vezes atrás de alguma pista, atrás de alguma coisa que eu poderia não estar vendo. Mas não havia nada. Porque eu continuava me vendo naquela cama dormindo enquanto Noah acordava, se levantava, tomava banho e então se vestia. Ele teria olhando pra mim? Teria sorrido pra mim? Teria dito alguma coisa para o meu eu adormecido? Teria feito algum tipo de promessa interna para si mesmo de que estaria de volta logo?

O que aconteceu nos minutos em que ele saia do motel e seguia até o mercadinho? No que ele estava pensando? O que estava sentindo? Por que não chegou até o mercadinho? Por que ninguém o viu?

O que aconteceu com você?

— Eu não sei. – me ouvi responder. – Ele só não estava mais lá quando acordei.

Liz suspirou, colocou uma mexa do cabelo atrás da orelha. Baixou os olhos e então ficou de pé. Limpou os olhos, olhou em volta e depois voltou a me fitar. Parecia tão preocupada e cansada ao mesmo tempo. Há quanto tempo ela não dorme? E foi então que me lembrei que ambos estávamos nas colinas e que na última vez que nos falamos, ela tinha dito que iria embora.

— O que faz aqui? – perguntei e me forcei a ficar de pé.

Devia voltar pra casa, já estava ficando tarde e logo ficaria perigoso para voltar.

— Eu soube sobre o desaparecimento dele e como os noticiários não dizem nada, achei que aqui, em Dickson, eu teria alguma notícia. – confessou.

Gostar de alguém é uma coisa engraçada. No começo você não quer acreditar que está mesmo acontecendo, mas depois meio que aceita e depois quando descobre que a pessoa não te corresponde, então você fica com raiva de si mesmo e tenta esquecer. Mas a semente já foi plantada, o sentimento já está ali. E a cada dia que passa ele cresce mais um pouco, mesmo que você não queira. Então por isso você se afasta, acha que se ficar longe o suficiente, acha que se parar de regar a planta, ela vai morrer... No entanto, não morre. Por mais longe que você fique, por mais água que você negue a planta, ela não morre. Porque ao primeiro contato com a pessoa ou com qualquer coisa dela, o sentimento volta. Mas forte e mais doloroso.

Eu sabia que ela gostava dele. Sempre fui bom observador e ainda mais quando Elizabeth estava envolvida, porque da minha maneira decidi que precisava continuar cuidando dela. No entanto, havia Noah. O garoto que ganhou nosso interesse. E eu sabia o quão confusa ela deve ter se sentido quando o único garoto que ela gostava não podia corresponde-la ou nem ao menos a olhava como todos os outros garotos olhavam. E sei também o quanto de raiva ela deve ter sentido quando descobriu sobre as coisas que estavam começando a acontecer entre eu e ele.

— Entendi. – falei por falar e olhei para o banco do carona, decidindo se entrava ou não. Acabei decidindo que sim e entrei, me sentei ali e na minha rebeldia, não coloquei o cinto de segurança. Acho que eu podia ligar o foda-se pelo menos uma vez na vida. Fechei a porta.

— Will. – ela chamou. Baixei o vidro e a fitei. – Vão encontra-lo, não vão? – perguntou, meio pediu.

Os olhos verdes estavam brilhando e eu sabia que ela estava segurando as lágrimas, que quando eu saísse dali ela provavelmente choraria sozinha o seu amor perdido. Assim como sei que eu choraria no escuro do meu quarto. Mas por enquanto, tínhamos que ser fortes. Precisávamos erguer nossas cabeças e não derramar lágrimas na frente de ninguém. Era preciso continuar acreditando, mesmo que a esperança fosse pouca e todas as evidencias apontassem para um único caminho.

— Sim. – respondi, mas pra mim mesmo do que pra ela.

Então dei a partida no carro e sai dali.

Estávamos no fim de julho e logo agosto estaria aí, trazendo de volta os dias na escola. E como eu tinha perdido o dia de matricula na faculdade, então teria que voltar a estudar na escola da cidade e terminar o ensino médio. Entretanto, era começo de agosto. O verão estava indo embora e dando lugar a primavera e eu esperava que as flores trouxessem Noah de volta, que me mostrassem o que eu não estava vendo e que me dessem esperança e força para não desistir. Porque eu não queria desistir, não existia essa opção na minha lista. Eu ia encontra-lo, não importava quanto tempo levasse.


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Notas finais do capítulo

Então aqui estou eu... mais cedo do que esperava e com mais tempo livre do que eu esperava. Mas vamos as minhas opiniões sobre o cap antes que vcs me matem, certo?
O que eu tenho a dizer é o seguinte: tive que fazer isso. Fazia parte da história e eu tentei e tentei por muito tempo não colocar isso aqui, mas a cena já estava pronta e não tinha como não colocar na história.
E como eu disse no cap anterior essa fic é sobre abuso de menores, então aguentem que tem mais coisa pela frente.
No entanto, vcs devem estar se perguntando "o que aconteceu com o Noah?" Pois é, ele desapareceu do mesmo jeito que acontece muito hoje em dia. Quem nunca viu uma história parecida sobre uma criança que saiu para comprar pão e não voltou? ou sobre a adolescente que foi para escola e nunca chegou lá? Existem milhares de histórias assim e o Noah acabou fazendo parte dessas histórias.
Então por isso convido vcs a refletirem sobre isso e assim como Will repassarem o capitulo anterior e o de agora e tentar encontrar alguma pista. Quem pegou o Noah? E por quê?
Comentem....
xoxo



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