16/06/2016

Haru estava diante do mais puro caos.

Após de oito longos anos convivendo com aquelas dezessete figuras distintas, a nipo-brasileira já houvera se habituado com momentos de tensão superiores a este e, de certa maneira, gostava de se gabar por quase sempre estar preparada para acalmar os ânimos de seus colegas nessas situações. Quase.

Quando um Yang Hyun Suk sorridente entrou na sala de gravação exclusiva do Flawless, onde seus membros costumavam se reunir durante promoções ou até mesmo só para matarem tempo entre um trabalho e outro, Haru imediatamente soube do que se tratava. Ela não era burra ou desinformada, pelo contrário, mas desejava ardentemente que sua teoria estivesse errada. E não estava, para o infortúnio da dançarina.

A frase “Vocês irão participar do Diamond Games” não os atingiu como um tiro. Todos ali sabiam que a possibilidade de entrarem no programa era esmagadora, quase óbvia. Ela os assombrava como um fantasma, os perseguindo para todos os lados, interrompendo suas noites de sono; a única diferença entre uma história de terror e a situação deles era, porém, que dificilmente teriam um final feliz. E era isso — o medo — que provocou o recém instalado caos logo após o CEO sair da sala.

Uma coisas importante sobre o Flawless: as palavras “tranquilidade” e “controle” não faziam parte de seu dicionário. E Haru havia aprendido isso lá atrás, durante o Who’s Next.O grupo era conhecido dentro da YG Entertainment e de suas subsidiárias por perder as estribeiras numa facilidade lendária, ao ponto de ganharem o apelido de “bipolares” por parte dos membros do Zelos; numa hora, o Flawless era o sinônimo de concentração e determinação; na outra, estavam soltando fogo pelas ventas, aos gritos e berros. Era certamente engraçado se visto de fora, no entanto, fazer parte daquela bagunça não só desagradava Haru, como também era uma dor de cabeça para o outro líder do grupo, o sul-coreano Go Nam Suk.

Nam Suk era seu melhor amigo há uma boa porção de anos e, ainda assim, conseguia surpreender a líder feminina com sua personalidade todos os dias. Era um rapaz pequeno e musculoso, poucos centímetros mais alto que ela, com um rosto bochechudo que remetia a um esquilo. Haru se recordava perfeitamente do dia que o conheceu, aos quinze anos, quando Go Nam Suk ainda não era G. Os dois participaram da mesma audição em Seul e, coincidentemente, se sentaram lado a lado na ocasião. A amizade floresceu ali, ao encontrarem assuntos em comum e, como a própria costuma dizer, “irem um com a cara do outro”. Nam se tornara seu primeiro amigo de verdade na YG, e Haru se tornara sua primeira amiga de verdade na vida.

— Calma! Calma! — Nam Suk finalmente se pronuncia e, de imediato, todos se calam para escutar o que o líder tinha a dizer. Outra coisa importante sobre o Flawless: Nam era, sem dúvidas, a única pessoa que absolutamente todos do grupo (até mesmo Seokmin) respeitavam, admiravam e ouviam. Ele era engraçado e carismático, porém, quando o precisavam, o sul-coreano deixava a diversão em segundo plano e mostrava para todos a razão pela qual o selecionaram para ser líder. — Reclamar, gritar não vai mudar nada. Não temos escolha. Hyun Suk já confirmou para a Mnet, certo? Tudo o que nos resta é acatar as ordens dele e fazer o programa, por pior que ele seja.

— Não é isso que nos incomoda, hyung. — o maknae masculino subitamente replicou, em voz baixa. Lee Hyunseok era um adolescente que acabara de completar dezesseis, mas Haru o conhecia desde que o menino tinha nove anos e dois dentes a menos. O rosto infantil, acompanhado de um nariz proeminente, parecia errado se comparado de seu corpo musculoso e adulto. Apesar disso, a brasileira admitia que a puberdade lhe estava fazendo bem; Nemo não era mais o garotinho rebelde e franzino de 2008. — O problema é que só estamos participando porque o Papa YG quer comprar briga com a SM. Se o Scandal não houvesse confirmado participação, ele teria enviado o iKON no nosso lugar.

— Não é justo trabalharmos até a exaustão no mês passado para ganhar um lugar no TDG só porque o Scandal entrou no jogo e o Yang quer arranjar confusão na mídia. É como se o nosso trabalho fosse inválido e irrelevante perto dessa rivalidade ridícula da YG com a SM. — Dokko Haeri completa, visivelmente irritada. Haeri era uma garota bastante bonita e curvilínea, e, apesar de não ser tão próxima de Haru, a brasileira gostava muito dela. No entanto, a opinião dos netizens era outra, mas a rapper agia como se não se importasse nem um pouco; dizia estar “acostumada” com a mídia lhe colocando algum defeito falso desde que se assumira em 2012, mas nunca foi segredo que aquelas palavras deixavam seus amigos desconfortáveis e, muitas vezes, tristes.

— Pensem positivamente! Talvez essa seja a hora de colocarmos a SM Entertainment e o Scandal em seus lugares; aqueles cretinos merecem sentir o gostinho da derrota. — Park disse, colocando as pernas em cima da mesa, e, por um segundo, Haru quis acreditar que ele não era seu irmão. Como rosto do grupo, Yoohwan seria um típico flower boy de drama adolescente se não amasse tanto ser o cretino da história. Andava, agia e parecia com um supermodelo internacional, muitas vezes ofuscando os outros integrantes (incluindo sua própria irmã) com sua beleza e educação quase irreal. Ao menos, era isso o que ele mostrava em frente às câmeras. Fora, Park era um completo idiota.

— Ryan, você está bem? — Moon Sunye subitamente questiona a garota sentada ao seu lado, Ryan Kyungmi. Kyungmi era a integrante mais velha do Flawless e uma das rappers principais do grupo; uma mulher de quase 27 anos, com um corpo musculoso e firme, além de uma beleza rara que fazia qualquer um perder o fôlego. Era a melhor amiga de Sunye dentro do grupo (o posto geral já houvera sido ocupado por uma garota chamada Suyin, que a líder não conhecia pessoalmente) e costumava dividir quarto com Haru desde o pré-debut, logo, as duas eram bastante amigáveis uma com a outra, mas não chegavam a ser “BFFs”. A pergunta da dinamarquesa fez o resto dos membros “cair na real”; Kyungmi era irmã do maknae do Scandal, de quem era muito próxima.

— Não importa. — A voz da rapper soou grave, quase ameaçadora, interrompendo o vocalista que tentava enchê-la de desculpas. Ao seu lado, Sunye o encarava intensamente, sem esconder sua raiva em nenhum momento. O clima ficou estranho, tenso com o silêncio que se instalou depois. Os membros se viam incapazes de olharem nos olhos uns dos outros, excluindo, é claro, apenas Sunye e sua momentânea irritação em relação a Park. “Algumas cicatrizes não se curam tão rapidamente”, a brasileira devaneou por um instante, se recordando dos desentendimentos passados.

Haru se levantou e se afastou do círculo social o máximo que pôde, saindo da sala e subindo as escadas até a cobertura do prédio da YG. Já estava farta daqueles momentos, de toda aquela discórdia que se tornara algo cotidiano na vida do Flawless. Diabos, não haviam prometido que se manteriam sempre unidos lá atrás, em 2010? Agora, qualquer coisa que dissessem provocava uma desavença, uma briga ou deixava um clima ruim no ar. Por mais difícil fosse admitir, Haru se sentia no meio de estranhos — e isso piorava ainda mais seu emocional já fragilizado por acontecimentos recentes.

— Monamour! Pegando um ar? — A dançarina foi surpreendida por uma voz bastante conhecida, falando em um português cheio de sotaques. Ryu Kyunghee raramente matava o tempo na YG, visto que, segundo Nam Kiwoong, o líder preferia ficar em casa “acariciando seus gatos e assistindo Criminal Minds”, portanto, sua presença foi um imprevisto. Kyunghee era um homem de recém completados 32 anos, um veterano no entretenimento e uma lenda para rock mundial, mas sua aparência a fazia se lembrar do estereótipo batido de um jogador profissional de League of Legends. Apesar disso, Haru o adorava.

— Me afastando do olho do furacão. O que você está fazendo aqui, querida? — Um pequeno lembrete: Haru e Kyunghee levam a zoeira muito a sério. Ele é a única pessoa na Coreia do Sul que entende todos os memes que a garota usa e até mesmo os roubou várias e várias vezes. A amizade dos dois é estranha, com Haru o chamando pelo feminino e Kyunghee a chamando de “queridinha”, “mona”. Em resumo, os conceitos de “respeito aos mais velhos” e “seriedade asiática” vão para o lixo quando os dois líderes se encontram.

— Youngjae ‘tá lançando CD solo pela YG, então eu e os meus escravos viemos dar apoio moral pra mona. — Haru duvidava muito do suposto “apoio moral” que a Zelos costumava dar ao tecladista. Pensou em Youngjae sendo esmagado pelos outros oito membros da banda e sentiu pena dele por um milésimo de segundo. — Sabe, acho que ele ficou doido pra lançar coisa perto do nosso comeback, mas é aquele ditado, né.

— Vocês vão ficar mais tempo na Coreia? — A dançarina perguntou, puxando assunto só para matar o tempo. A Zelos não costumava ficar muito tempo na Ásia - a maior parte da carreira deles era no Ocidente, especialmente nos Estados Unidos, onde eram tratados como “os próximos Rolling Stones”. Haru achava muita graça daquilo; para ela, era estranho pensar em seu amigo como alguém tão absurdamente famoso. Kyunghee era tão pé no chão e normal que era até bizarro vê-lo em capas de revista.

— Sim… Estamos num projeto novo, sabe? Coisa grande. Acho que, depois dessa, vamos finalmente acabar nosso plano de dominação mundial. Mas e vocês? Soube que confirmaram a entrada no The Diamond Games. — Perigo. Perigo. Por que ele tinha que mencionar o Diamond logo agora? Derrotada, a brasileira se desprendeu da barra em que se apoiava e se espreguiçou, pensando em qual mentira usaria dessa vez. Decidiu ser sincera com o veterano; talvez ele a ajudasse a passar por aquilo, afinal.

— Péssimo. O hiatus e o comeback estão ajudando a diminuir um pouco a tensão, mas os desentendimentos ainda não acabaram… Sinto como se estivesse cercada de estranhos, Kyunghee. Até o meu próprio irmão parece um estranho. Estou com medo, com muito medo. Você acha que a gente pode se separar? Sei lá, se as coisas continuarem do jeito que estão…

— Laura, olha… — Haru engoliu em seco ao ouvir seu nome brasileiro. — Conviver com outras pessoas não é fácil, ainda mais na nossa situação, no nosso país. Você sabe o que a Zelos passou e deve ter uma ideia de quão complicado é para nós, ainda mais porque a nossa carreira não é só focada na Coreia. Houve momentos na nossa carreira que era difícil até ficar no mesmo ambiente. Infelizmente, o mercado musical é competitivo e essa pressão pode acabar com alguém, sem misericórdia. No entanto, não se preocupe, ok? A Flawless é um dos grupos famosos mais unidos que eu já vi e, mesmo que vocês estejam passando por um momento ruim, isso é, sei lá, só uma fase. Pense positivo! As coisas vão melhorar, confie em mim.

Haru não sabia o que dizer, portanto, apenas sorriu para o mais velho, silenciosamente agradecida por suas palavras. Precisava ser forte, por mais árdua fosse a tarefa, se quisesse manter seu grupo unido. E Haru lutaria, morreria, pelo Flawless.

Mesmo que isso significasse o fim de outro grupo.