Desta vez é sobre minha mãe.

Tomava leite, minha criadora sentada na mesa, apoiada nos braços, tronco baixo, olhos fundos, longínquos tanto quanto a duas Luas.

Chegava e logo ficava nua, não aguentava tanto peso no corpo pomposo, obeso. Todos os dias vinha me contar do seu trabalho, do regime escravista, árduo, barganha. Condenada num regime que não permite descansos, que a rói como uma borboleta morta entre as formigas. É uma colina negra, tudo que sobrevive, são aqueles que a morte renegou. Levai-a rápido, ou talvez mais tarde, não sei mais, a gangrena dos dedos me entrega um torpor mórbido.

Ando pelas ruas e vejo que não há meio de tirá-la daquela situação, trabalhará até o fim dos dias, com um bico de papagaio martelando seu calcanhar, os olhos chorosos e um dinheiro suado que vai para os outros, nunca para ela.

Não lavo nem dois pratos e isso é tão horrível quanto o desdenhar.

Lamentosa, comprou uma moto com tanto sufoco e a deixou ir por um par de réis, para cobrir uma conta atual de tantas dívidas antigas.

É dantesco como parece: esforçar-se desmedidamente agora para futuramente não se tornar igual e poder ajudar, sem pena, amor.