Entre irmãos. escrita por Lena


Capítulo 3
III


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem, boa leitura! ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/649453/chapter/3

Assim que abriu os olhos, o choque tomou conta de cada célula do corpo de Karina. A única luz que seus olhos capturaram foi o alaranjado que irradiava do abajur. Ainda atordoada, fechou intrometido.r alguns segundos e tentou recapitular todo o seu dia.

Estava na casa dos pais de Pedro. Isso.

Suspirou aliviada ao notar que não havia sido sequestrada ou algo assim. Sempre tivera medo daquilo. O alívio durou pouquíssimo tempo, e deu lugar a uma careta o quando lembrou de Cobra. Balançou a cabeça, espantando os pensamentos que ousavam chegar. Precisava esquecê-lo... Ou pelo menos tentar.

Olhou para o outro lado da cama e encontrou Pedro dormindo serenamente. Ele se remexeu um pouco. Não iria acordar, Ka sabia disso. Tinha um sono muito pesado, diferente do dela. Quando ela acariciou seu nariz e uma careta adorável preencheu o rosto do namorado, ela sorriu baixinho.

Era a mais um dia normal da faculdade. Seu professor cuja a idade eram tantos anos que ela se perguntava porque aquele velho não batera as botas falava algo sobre a história do Direito. E a única coisa que a loira conseguia pensar era no direito que ela tinha de estar em casa, deitada em sua cama e curtindo sua foça. Afinal, faziam exatos 365 dias que ele fora embora. Um ano sem ele. E mesmo depois de tudo, ainda doía.

— Senhorita Duarte, poderia me responder, por favor. — uma voz distante soou em seus ouvidos.

Ela o encarou atordoada e se incomodou com os diversos olhares que lhe era lançados pelos colegas de classe.

— O termo Direito provém da palavra latina directum. Significa reto, no sentido retidão, o certo, o correto, o mais adequado. — recitou alguém ao seu lado com o tom carregado de certeza — Bom, ao menos é isso que diz o livro. — riu nervoso.

— Correto, senhor Ramos. — elogiou o senhor de forma sincera — Mas não foi a você que perguntei. — soltou ríspido — Espero que passe a prestar mais atenção na aula, senhorita. E que você, senhor, seja menos intrometido.

Karina assentiu enquanto voltava seus olhos ao professor, tentando controlar a vontade de o responder de uma forma bem mal educada. Mas acabou optando por ficar calada. E assim que o velho voltou ao que fazia, ela fingiu ser a pessoa mais interessada no assunto. Não sem antes encarar o garoto ao seu lado e lhe sorrir agradecida.

Quando a torturosa aula chegou ao fim e as pessoas começavam a ir embora, ela guardou o material apressadamente enquanto corria até o seu 'salvador'. Não era tão mal agradecida assim.

— Ei, você! — chamou ela, atraindo o olhar dele. E que olhar! Os olhos eram de um castanho claro hipnotizantes, e, sem dúvidas, era muito bonito — Obrigada. — agradeceu sincera enquanto apontava discretamente para a sala — Eu estava um pouco longe e acabei me distraindo. — explicou brevemente.

— Eu percebi. — tentou brincar, mas quando ganhou uma carranca da loira, ele desfez o sorriso rapidamente. Como ela era difícil... — O que cê acha de um café? — sugeriu — Sempre ajuda.

Ela o olhou desconfiada por alguns instantes.

— Eu não sei nem o seu nome, senhor Ramos. — soltou com um meio sorriso ao lembrar de como o professor o chamava — Não posso aceitar o convite de um estranho.

— Não seja por isso... Sou Pedro. Pedro Ramos — lhe ofereceu a mão em cumprimento.

— Karina. Karina Duarte! — sua mão pequena sumira na dele, ela não pôde deixar de notar.

— Bom, agora não somos mais desconhecidos. — entrelaçou seus dedos nos dela, a puxando um pouco mais para perto — Que tal o café?

Ela mordeu os lábios se perguntando se valia a pena. Estavam mais do que claras as segundas intenções que ele tinha, mas afinal, não haveria mal algum.

— Tudo bem. Vamos!

Ela afagou os cabelos dele antes de se levantar. A lembrança trouxe boas memórias, mas também lembrou a lembrou de que estava com fome.

Ka não tinha ideia de que horas poderiam ser. Mas sabia que estava tarde, já que Pedro estava dormindo. Se perguntava porque diabos dormira tanto. Mas bastou lembrar do remédio que tomara que teve a resposta.

Assim que se livrou da macia manta que a cobria e seus pés encostaram o chão, ela sentiu o frio lhe invadir e um arrepio tomar conta de seu corpo. Foi até o guarda-roupa em busca de algum casaco, e sorriu agradecida ao ver toda o conteúdo de sua mala arrumados ali.

Vestiu seu sobretudo, o ajeitando em seu corpo. Dava o seu melhor para não fazer tanto barulho, afinal todas os habitantes da casa deveriam estar deitados.

Caminhou pelo enorme corredor, que agora tinham apenas poucas luzes acesas, instalando um ar sombrio no local. Karina pensou se realmente deveria ir, e obteve a resposta quando seu estômago roncou de uma forma alta e faminta. Precisava comer ou beber algo o mais rápido possível.

Quando chegou no topo da escada, desceu lentamente tentando ainda controlar o barulho de seus passos. Sorriu orgulhosa quando alcançou a sala de uma maneira astuta. Caminhava até a cozinha ainda com o sorriso preso nos lábios. Sentia-se uma verdadeira criminosa. Roubando comida na madrugada em uma casa totalmente desconhecida.

O cômodo que lhe interessava estava mergulhado na escuridão. Pensou e resolveu por fim forçar sua vista à acender a luz. Era menos perigoso.

— Achei que não fosse acordar. — sussurrou alguém muito próximo. Tão perto que ela sentiu a quentura do hálito alcançar sua nuca.

O coração da loira passou a bater apressadamente em desespero e o novo arrepio que tomara conta de seu corpo não era devido ao frio, era devido ao medo.

Quando o, até então desconhecido, viu que ela ousaria gritar, a virou para si e pôs uma de suas mãos na boca da loira, impedindo que o grito se alastrasse. A respiração pesada de Karina em sua palma o fez e os olhos, que ele não via, mas tinha certeza que exalavam medo, o fez querer rir.

— Quieta. — pediu baixo e exigente.

Quando viu que ela já havia se acalmado, a soltou.

— Imbecil! — ela recriminou segundos depois, ainda brava — Quase me matou de susto, Cobra.

— Quase... — disse simplesmente.

Ele deu as costas e foi até o interruptor, acendendo as luzes do cômodo. Foi até o armário, buscando dois copos. Abriu a geladeira em seguida os enchendo com suco.

— Não vai sentar, Karina? — perguntei Cobra ao notar que ela ainda estava estática no mesmo canto onde a deixara.

— Não. — negou com a cabeça, virando para encará-lo — Eu vou deitar!

— Não, não vai. — ele estreitou os olhos em sua direção — Nós precisamos conversar.

E o que veio a seguir foi inevitável. Um déjà vu. Da última vez que que aquela frase lhe foi dita - enviada -, as consequências da conversa não foi uma das melhores.

— Vai embora? — perguntou um fio de voz.

Seu tom contrastava com a garota: totalmente fraca, arrasada e... decepcionada.

Ao observá-la, Ricardo tinha plena consciência de que iria perdê-la. Mas mesmo tendo que abrir mão da pessoa que mais lhe fazia bem no mundo, ele estava certo e decidido da decisão que tomara.

Não iria encarar o inferno de novo.

E ele nunca quis tanto pôr seu egoísmo à prova. Ficar no país com ela ao seu lado com certeza lhe ajudaria a suportar toda a barra que iria enfrentar. Mas não era egoísta a tanto. Preferia ir embora a ter que tê-la como sua sua bengala. Que fosse 'manco', mas que arcasse sozinho com aquilo.

Fugir era algo inconsequente. Mas não era isso que seu pai sempre dizia? Que ele era e sempre seria um inconsequente que nunca levaria a vida a sério. Só iria provar ao pai que ele tinha razão. Mais uma vez.

— Vou. — respondeu a ela, tentando não se importar com as lágrimas que ameaçavam cair dos olhos azuis da garota — Vou embora. Amanhã às 22h. — explicou — Achei que precisasse saber.

— Achou? — perguntou irônica — Nós estamos juntos a três anos e você acha que eu precisava saber que você vai embora.

— Não complica as coisas, Karina. — começou enquanto fechava os olhos.

— Não complica as coisas você! — enterrou o dedo fino em seu peito enquanto deixava que as lágrimas caíssem — Por que, Cobra? — perguntou baixinho com a voz fraca o olhando em súplica.

— Não importa. — soltou ríspido. Quanto menos se envolvesse, melhor.

Alguns segundos de silêncio preencheram o ambiente.

— Vai embora! — Ka o olhou de uma forma que nunca fizera. Por um instante, Cobra achou que ódio lhe era direcionado. E afinal, nada mais justo. Ele procurara por aquilo.

Ele assentiu enquanto dava as costas e saía andando. Mas os passos diminuíram, e ele voltou.

— Escuta, Karina. — lambeu os lábios e controlou o tom, observando ela de costas. Deveria parecer forte e Caria aquilo. Anos de experiência lhe serviram para alguma coisa — Você deve achar que não, mas eu realmente amei você, sabe disso. — Ka passou a chorar um pouco mais — Foram anos incríveis. E eu sou grato por ter tido você na minha vida. — soltou sincero. Ricardo não era de declarações, mas precisava deixar alguns pontos claros antes de partir — Mas eu tenho que ir embora. — sussurrou — Segue sua vida, Ka. Conheça novas pessoas, novos amigos e até um novo amor. Mas por favor, seja feliz!

Ele arriscou alguns passos até ela e plantou um demorado beijo no alto de sua cabeça. Ricardo sentiu uma solitária lágrima escorrer por sua face e alcançar os fios loiros de que ele sentiria falta.

Bastou a porta ser fechada para que ela desabasse na cama, chorando como nunca antes.

— Não tenho nada pra conversar com você. — sussurrou baixo e também em um tom ameaçador evitando o contato visual. Estremeceu quando um arrepio tomou conta de novo de seu corpo. E nem o sobretudo que pegara para lhe ajudar, a aquecia como queria.

O bip do microondas lhe avisou que o leite estava pronto.

— Isso é o que você diz. — passou a andar até ela.

Quando chegou perto, lhe ofereceu um dos copos que segurava. E ela pensou em recusar, mas de novo o traiçoeiro estômago não lhe deixara mentir. Cobra sorriu vencedor ao vê-la aceitar. Foi até a mesa para buscar os biscoitos caseiros que Dalva havia preparado pela tarde. E quando buscou pela loira, a avistou sentada de frente a lareira, aproveitando o calor que emanava dali.

Ka rezou internamente para que ele fosse embora, mas não pôde evitar bufar quando o viu se aproximar.

— Você demorou a acordar. O remédio demorou mais do que eu esperava. — comentou casualmente como se falasse do tempo.

— Você me dopou? — questionou indignada enquanto arregalava os olhos.

E aquele maldito sorriso prendeu em seus lábios.

— Não, eu não te dopei. Só troquei as pílulas sem que a Dona Dalva percebesse, mas nada que te faça mal, garanto! — e quando ela o olhou ainda mais indignada, ele completou: — Não me olhe assim. Eu já te embebedei uma vez, lembra? Te dopar é o de menos.

— Lembro sim! — soltou com a voz controlada. Não queria acordar ninguém — Foi em uma festa no colegial. Você me disse que não era alcoólico.

— E você acreditou! — devolveu sorrindo — Mas foi bom te ver alta. Você fica tão mais leve, tão mais solta e bem mais gostosa! — sorriu maliciosa.

— Cala a boca! — exigiu. Era difícil controlar a raiva quando ele fazia aquele tipo de coisa — Você colocou alguma coisa nisso? — perguntou desconfiada antes de dar o primeiro gole no leite.

— Não! — garantiu sincero — Eu só precisava conversar com você. A sós. — a olhou ternamente — E foi a única coisa que me veio em mente. Agora podemos, por favor, conversar.

— Não temos nada pra conversar! — repitiu com mais certeza.

Ka deu um gole no leite, apreciando o sabor e a quentura do líquido. Agradeceu quando ele fez o mesmo. E ficaram assim por um bom tempo, até que ele rompeu o silêncio.

— Por que logo o Pedro? — soltou de uma vez. Sem paciência para enrolação.

— Porque o seu irmão não foi embora! — soltou de uma vez. Os olhos azuis já marejados — Está comigo sempre que eu preciso e eu tenho certeza que não vai me deixar na primeira oportunidade e sair sei lá pra onde, pra fazer sei lá o quê! — disse um mais alto, cuspindo as palavras que por anos guardara.

Cobra a encarou por longos segundos. Já esperava por aquilo, só não sabia que não iria doer tanto.

E sem dizer nada, ele levantou e seguiu até as escadas, subindo de maneira lenta sem se importar com a loira que deixara para trás.

— Cobra, espera! — chamou ela enquanto levantava. Ele parou, mas não a encarou — Espero que tenha doído tanto quanto doeu em mim quando fiquei sem você. — soltou com a mesma frieza que ele mesmo havia lhe ensinado há anos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero ver vocês nos comentários. Beijos!