A Verdadeira História do Ouro escrita por Mahucp


Capítulo 2
Capítulo II




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Da curva do rio, voltava Domingos. O ouro da Liberdade ainda estava onde ele o escondera. Para Domingos, todos os santos sorriam, porém ele ainda não sabia o que fazer para a terra natal retornar.

Ainda pior, não sabia como a Isabel ajudar. Comprá-la do pai, pensou, porém a ideia asquerosa que era comprar uma pessoa o fez desistir. Passava pela mente também matar, contudo mortos seriam ele e Isabel, caso assassinasse o senhor Joaquim.

Pela madrugada caminhava, dos ébrios somente era acompanhado. Esbarrou um deles em Domingos. Antes que caísse no chão, Domingos o segurou reconhecendo o homem do proibido amor de Isabel.

Com uma garrafa de aguardente nas mãos, vinha com os cabelos desgrenhados e as roupas amassadas.

— Sublime gentileza sua, nobre amigo — disse Tomás, sem reconhecer seu salvador. — Ao escolher caminhos tortos, fadados a cair estamos! — Ergueu a garrafa como se em brinde fosse. — União do povo é única que nos livra de terrível sina! Viva a República!

Longos goles tomou. O descuido tomava conta da alma, deixando o líquido escorrer do queixo e pescoço para as roupas.

— Sinhô, precisamo conversá em lugar seguro — disse Domingos, vendo em Tomás outra bênção que a Liberdade lhe entregava. Segurava ainda Tomás, temendo que cair fosse ele.

— Lugar seguro não existe nesta terra prisioneira! Não temos uma única ágora. Fui expulso de minha propriedade por meu próprio tio. Quer ele exilar-me novamente às terras de Portugal, ignorando toda a tragédia que passei em Coimbra. Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará! Como possamos livres ser em uma terra onde reina a mentira, nobre amigo?

— Tem minha casa — disse Domingos.

— À sua casa então, nobre amigo! — exclamou Tomás erguendo a garrafa novamente. — Sejamos Rômulo e Remo conspirando até termos força para fundar a bela Roma!

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Domingos sobre o monte de palha colocou Tomás. Sentou-se ao lado do rapaz, retirando os sapados e a camisa de babados.

— Dedica-se muito a um desconhecido, nobre amigo — disse Tomás, tomado por Baco, falava mais do que uma cidade. — Será meu anjo da guarda?

— Sinhô, acha que posso se anjo? — perguntou Domingos.

Tomás sorriu, esparramando o corpo sobre a palha. Em cima dos joelhos de Domingos, colocou os pés descalços.

— Supostamente monsieur deveria ter asas e auréola, não? — respondeu sorrindo Tomás.

— Negros pode se anjos, sinhô acha? — insistiu Domingos.

— Sou Tomás, sou amigo, não sinhô — falou Tomás. De forma brincalhona, balançava os pés no colo de Domingos. — Ora, aposto minha alma nisso! A Santa Igreja Católica e seus homens nada de santos têm. Verdadeiro cavalo de Tróia são. Entregam-nos um belo presente, quando no fundo é nossa própria destruição. Negros são anjos, talvez os maiores anjos do Senhor! Monsieur não acredita que possam ser anjos?

E viu Domingos, porque aquele homem tinha o amor de Isabel. Tomás lutava pela Liberdade, usando de todos os meios. Contra a vontade do tio ia, pensava não somente em si, mas em todos.

— Pode sim. Negros podem se anjos, podem se santos — respondeu Domingos.

— Têm muitos santos negros messieurs, não? — perguntou sentando-se.

Tonto Tomás ficou, sendo forçado a apoiar a cabeça no ombro de Domingos.

— Sim. Muitos, muitos santos — disse Domingos.

Gostava da maciez dos cachos dourados contra a pele, mas nada fazia. Difícil compreender. Senhores brancos e a Escravidão sempre falaram que do Diabo era. Um crime punido com a morte era. Tomás, porém, o carrasco não temia. Seria aquela outra mentira dos homens de batina? Domingos sempre pensou que sim, mas ele nada sabia o que estava escrito no livro dos senhores brancos.

— Costuma rezar para algum, meu amigo?

Guiado por Vênus e Baco, Tomás uniu a palma da mão à coxa de Domingos num erótico desejo.

Era Tomás aquele que ignora o corpo, o espírito favorecendo; quando este na carne se manifestava, através do sorriso e dos olhos. Ainda assim, vontade sua era por Domingos. Era Domingos a santidade e a luxúria num só ser.

— Rezo pra São Sebastião — disse Domingos.

Vinha também Domingos tocando o corpo de Tomás. Com ternura unia os corpos.

— Não. O nome dele — retrucou Tomás. — Nome dado por messieurs. Não se preocupe nada contarei, nem mesmo sob tortura.

— Orixá Oxóssi.

— Belo nome deste santo. Um dia ainda ensinar-me-á a rezar a ele.

Fechou os olhos Tomás, gemendo de prazer por não ter cometido outro crime a não ser sua imoral existência, filha dos pervertidos desejos do Diabo.

— Que tem lá? — perguntou Domingos.

— Lá?

— Portugal.

— Há lá tudo o que roubaram de nós — respondeu Tomás com o riso dos irônicos.

— Então num têm nada de verdade lá — disse Domingos.

— Não — confirmou Tomás. — Somente mentiras. Mentiras da Coroa e da batina.

Cansara Tomás de ajoelhar-se em catedrais, sem esperança de encontrar em rezas a salvação de sua alma. Amava tanto a homens como mulheres, doença que transformara o sonho da vida no pesadelo do fogo do inferno. Orar e pedir perdão de nada serviam. Contra as tentações de Satanás, Tomás era corrompido. Carregava um pecado incurável, nada podendo fazer senão aproveitá-lo.

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Segurava Domingos os cabelos de Tomás, ajudando o jovem a regurgitar tudo que coagia a bebida. Deixara seu corpo o espírito de Baco, restando somente a Fraqueza, irmã da Culpa, esmagando lhe os ombros como o fardo de Atlas.

— Parece-me que um novo monte de palha fico lhe devendo — disse Tomás, rindo. Aceitou o gole da água que Domingos lhe entregava numa concha de ferro. — Suponho que saiba, meu nobre amigo, proibido é nosso ato da noite. Não deve contar o que fizemos a ninguém. Julgar-nos somente ao Senhor cabe!

— E Isabel? — Domingos perguntou, recolhendo a concha de metal. — Ela num podi sabe?

— O nosso amor é maior e mais antigo que tudo que há nesta terra. Existia antes de ser feita a luz e permanecerá após o último suspiro — respondeu Tomás, apaixonado. — Abençoados por Vênus fomos, tendo a chance de vivemos esta viva breve, que permite experimentarmos muitas outras maravilhas, do que dita a rasa tradição. Conte a ela, nobre amigo! Conto eu também! Segredos não deteremos.

Nas palavras de Tomás, achava graça Domingos. Diferentes eram do que ditavam os senhores brancos e os homens de batina, negros também não falavam palavras como aquelas, porém boas frases eram, mesmo que muito sentido não fizessem.

Hora não era para admirar a conversa de Tomás. Salvar Isabel do pai era o que deviam fazer.

— Amigo Tomás, nós temo que ajuda Isabel. O sinhô pai dela quer faze dela rameira — anunciou Domingos em voz baixa, no entanto a mensagem veio como a trombeta do sétimo anjo.

Tomás empalideceu como se uma doença tivesse recebido, os lábios tremiam involuntários, as pernas o apoio perderam, o ar não chegava mais ao espírito.

Vênus deixara seu espírito, ficando somente o sofrimento. Pior sentimento, destruindo o coração, enganando a mente levando a crer que inimigos todos são, que salvação não há. O pomo da discórdia menos estrago teria causado.

Percebia Tomás que o barco em que navega sob seu controle não está, mas sim domado pelo Destino; a angústia a sua vida assolou levando consigo todo o colorido, transformando-o em meras cenas do pretérito como se diante do olhar da Medusa estivessem.

— Temo que se rápido — disse Domingos. — O sinhô vai leva Isabel no alcouce quando fica escuro. Amigo Tomás pode te raiva, mas agora nós tem que ir atrás de Isabel. Num pode deixa a sua dor transforma o sonho dela num pesadelo.

Saiu Tomás do torpor em que se encontrava. Como Andrômeda acorrentada, sua pastora perigo corria. Seriam ele e Domingos, Perseu salvando Isabel de terrível sina.

Destruído estaria o futuro de fundir seus sonhos junto aos de Isabel, caso sem lutar desistisse.

— Fique aqui, nobre amigo — disse Tomás, a postura recobrando. — Breve voltarei e direi como agir.

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Voltara Tomás, cerca de uma hora depois da partida. Estava ele com um pedaço de pão, uma pequena pistola e um sabre adornado.

Dividiu o pão em dois, entregando um pedaço a Domingos ficando com o restante para si. Sentaram eles no chão.

— Qual arma prefere, meu nobre amigo? — perguntou Tomás.

— Vamo mata?

— Oremos para não sujar de sangue nossas heroicas mãos — disse Tomás. — Contra as artes do Destino, porém, nada possamos fazer. Se for para matar que seja em nome da justiça e da liberdade, não da ganância e da ilusão como tanto fez Portugal! Explicada a situação, sentencio a morte meu nobre tio, que meu amor com Isabel proíbe, ainda se alia à Coroa sendo cúmplice do maior roubo da história.

Roubo era aquele, Domingos não sabia direito qual era, porém o senhor tio de Tomás inocente não devia ser.

— Sendo herdeiro dele, assim que suas posses assumir vou libertar todos os escravos — disse Tomás. — Não compreendo, porém, a ilusão em que vivem eles.

— Num é ilusão, é escravidão — retrucou Domingos.

— Sim, meu amigo — falou Tomás. — Digo ilusão, pois parece-me que não querem sair do lastimável estado em que vivem.

— Ainda é escravidão — rebateu Domingos como Sócrates diante dos sofistas.

— Eu posso libertá-los, meu tio silencia-os, mesmo assim preferem do lado dele ficar — argumentou Tomás.

— Eles ficam du lado que vai se menos ruim pra eles — disse Domingos. — Cum o sinhô seu tio, eles num têm risco de morre ou se castigado, é só se comporta. Se tive a liberdade e eles num tiverem ouro, nem doce pra vende, vão fica sem trabalho e sem comida e vão te que vira escravo de novo.

— Compreendo, nobre amigo, contudo ainda acredito que lutar deveriam — insistiu Tomás.

— Eles lutam — defendeu Domingos.

— Como?

— Num sei

— Apresentando Rousseau, creio eu que entenderão.

— É escravo ele?

— Não, nunca foi e nunca será — respondeu Tomás.

— Então eles num vão entende.

— E se for monsieur a falar? — perguntou Tomás. — Estou começando a compreender seu ponto, meu amigo. Um povo precisa de seu próprio messias, não de um herói estrangeiro.

Pensou no assunto Domingos. Já estivera ele no lado da Escravidão, sabia tudo o que sentiam os negros acorrentados pela tragédia do cativeiro. Podia Domingos dar esperança nova aos negros, diferente do homem que nunca foi escravo que Tomás gostava. Mais negros estando livres melhor; mais chance da luta contra Escravidão vitoriosa sair.

— Vo fala cum eles — pronunciou Domingos.

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A luz do sol iluminava a vista de Sebastião, que escrevia uma carta destinada ao tropeiro – líder da comitiva - que levaria o ouro das minas até os portos do Rio de Janeiro. A produção vinha caindo há anos e tinha Sebastião que usar das próprias despesas para respeitar as nobres normas de Portugal.

A última remessa, porém, abalara a fortaleza de Sebastião. Em seu caminho as flores tornavam-se secas e cinzentas. Caíam as esperanças do homem no piedoso coração da Rainha. Pedira ele uma pensão em Portugal, pelos leais anos servindo a Coroa e a Santa Igreja Católica com a mais devota dedicação.

Retirando Sebastião das fantasias, veio o barulho pesado da porta de madeira arrastando-se.

Incomodado com o silêncio quebrado, Sebastião ergue-se da cadeira de madeira.

Encostava-se na batente da porta, Tomás, com os braços cruzados e o gélido olhar das decisões tomadas.

— Não dei-lhe permissão para retornar! — sentenciou Sebastião. — Como entrou aqui?

— Acredita que há somente eu, meu nobre tio? — perguntou Tomás erguendo a sobrancelha.

— Tem o Diabo do lado, só pode!

Como César atravessando o Rubião, vitorioso caminhou Tomás ficando em frente ao tio.

Veni, vidi, vici, meu nobre tio — disse Tomás impondo-se sobre o senhor. — O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre. Contente fique por ser o primeiro a cair. De sua morte, reze para nossa nobre Rainha Maria, a Pia, ser a última.

Uma careta formou-se em Sebastião, que em um cuspe na cara do sobrinho encerrou-se.

— É um pecador! Para essa família uma vergonha.

— Sou. Digo mais, meu tio, sujo sou também. Pratico eu o pecado nefando de sodomia. Nas distintas terras de Portugal, ao vício entreguei-me deitando com um notável cavalheiro, tendo sexo com penetração, sendo eu o agente passivo.

Antes de a resposta do tio ouvir, Tomás perfurou o estômago do senhor com o sabre, que escondido trazia nas costas.

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Domingos estourou o cadeado da senzala. Usar a pistola não sabia, porém o pouco que Tomás ensinara ajudou.

As portas abriu, viu ele vários negros ali reunidos. Cheios de medo e dúvida olhavam Domingos.

— Vim liberta vosmecês — disse Domingos, com a força dos anjos. — Nós tem que ir pra liberdade, porque o sinhô branco mentiu. Tem que luta pra volta pra nossa terra, ou criar uma terra nova aqui, aonde ninguém vai sofre com a escravidão. O sinhô branco abuso de tudo que nós deu. O sinhô branco que crio o capataz e a escravidão e todas as coisas ruins. Ele fica escondido na casa grande e fica mentindo e falando que nós é ruim pra explica a escravidão. Nós tem que lutar contra o sinhô branco pra escravidão acaba, pra mentira acaba. Nós tem que luta pra faze essa terra um luga bom pra todos.

Levantaram-se os negros cheios de esperança e força. A Escravidão nada mais os ensinaria.

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Não estava Tomás no ponto de encontro, deixando Domingos nervoso. Daria as cartas de alforria Tomás, após os problemas com o tio solver, porém o loiro ali não estava e Domingos precisava agir.

Cerca de quinze negros o seguiam, vendo nele o Cristo negro libertador. Sabia Domingos que era perigoso reunir tantos libertos. Mesmo que nada fizessem, punidos seriam, pois os senhores brancos conservavam um medo irracional deles. O motivo, Domingos não entendia, mas julgava ser da Escravidão culpa.

A vila acordando junto ao sol dificultava o avanço. Tinham de passar pelos fundos das casas, onde ficavam chiqueiros e galinheiros.

Liderando o grupo, Domingos chegou aos fundos da taberna. Pediu ele aos companheiros para aguardarem, escondidos atrás do galinheiro.

Três vezes bateu na porta, aguardando ser recebido. Veio atender o senhor pai de Isabel, instantes depois. Escancarou a porta, reconhecendo Domingos em seguida.

— Vim vê Isabel essa manhã — disse Domingos.

— Vosmecê é esperto — falou Joaquim, rindo. — Aprendeu a se comportar como homem de verdade, não é como esses outros fedidos.

Como se veneno fosse, Domingos engoliu a injúria. A pistola deixou bem escondida debaixo da camisa, nas costas.

Virou-se Joaquim para retornar a morada. Decidido a dar um fim naquilo Domingos estava. Puxou o pai de Isabel pelo braço, trazendo-o para o chão, acertou o estômago dele com uma forte joelhada. Atordoado ficou Joaquim, furioso como o leão de Neméia estava ele.

— Filho do Diabo, vou lhe deixar mais feio do que é! — exclamou Joaquim cuspindo saliva.

Agachou-se, desviando do soco do adversário. Uma canelada de Domingos foi o movimento que veio a seguir.

O pai de Isabel usou o braço direito para bloquear o golpe, acertando o herói em cheio no estômago, em pé ficou de imediato.

Desnorteado, recuou Domingos com a mão sobre o estômago.

Não podia ele perder, a Liberdade combatia ao lado dele. Não lutava ele por lutar. Pelo sentimento lutava, pela amizade, pelo amor, pelo sofrimento, pela liberdade.

Investiu Domingos novamente contra Joaquim, desferindo um soco na direção do rosto. Desviou o pai de Isabel, e pôs-se atrás de Domingos, uma brecha vendo no adversário, que as costas lhe dera após o golpe. Joaquim retraiu a perna e acertou Domingos com todas as forças nas costas, no chão o derrubando.

Ergueu o pé para as costas pisotear. Encontrou, porém, objeto duro que o deixou confuso.

Da dúvida do inimigo, Domingos se aproveitou. Para o lado rolou, ficando em pé rapidamente. Salvara-o da derrota a arma de Tomás, os santos e a Fortuna do seu lado estavam.

Desferiu Joaquim um chute na direção das costelas de Domingos. Ele segurou a perna do pai de Isabel e, vendo que sem defesa ficara o taberneiro, acertou em cheio o rosto de Joaquim com uma poderosa cabeçada, contra o chão arremessando-o com espantosa força.

Sem consciência Joaquim estava. Triunfara Domingos.

Sem tempo a perder, entrou Domingos na taberna. Procurava Isabel por todas as portas e quartos.

Em um quarto sem janelas e móveis, encontrara Isabel. Encostada cabisbaixa na parede estava ela.

A surpresa invadiu Isabel ao ver Domingos parado na porta.

— Domingos, que faz aqui? — perguntou a moça.

— Vim salva vosmecê. Tomás vem também — respondeu Domingos, ajudando a moça a ficar de pé.

— Mas e o senhor meu pai? Uma coisa dessas, jamais deixaria ele.

— Ele tá desmaiado.

Dividida, Isabel estava. A gratidão e a alegria enchiam seu coração, por outro lado, sentia a tristeza e o rancor dominarem a alma.

Que abominável demônio tinha como pai? Podia alguém tratar a filha de maneira tão vil sem culpa e remorso? Terrível era o pai, porém terrível também era a sociedade.

Condenada num sermão sempre era, somente tendo de escolher entre a prisão e a perdição. Saída não havia, ou servia ou seria ferida. Pela Liberdade tinha de lutar. As escolhas desde sempre deveriam existir, não se resumindo a dois caminhos de dor e sofrimento.

Puxou Isabel a pistola que Domingos trazia nas costas, correndo para fora da propriedade.

Tempo para reagir, Domingos não teve. Correu atrás da moça somente, conseguindo chegar para ver Isabel atirando contra o peito esquerdo do pai.

Isabel fechou os olhos. Começara ali a luta que traria Liberdade às terras do Brasil. Chegará o dia em que filhas não mais temerão aos pais.

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— Não imaginam, messieurs, a horrenda tortura que é enterrar um morto — disse Tomás assim que ao ponto de encontro chegará. Notou, então, o corpo de Joaquim um grito de pavor soltou. — Deuses, por que fazem troça de mim, pregando tais peças?

Riram Isabel e Domingos do drama de Tomás. Trazia consigo Tomás um papel, estava o jovem sujo de sangue e suor.

— Sabem eles que é bom rir de vosmecê — disse Isabel.

— Minha pastora! — exclamou Tomás cheio de vida, abraçando a amada. — Nada pude fazer para salvá-la de tão terrível mal!

— Fez muito por mim, o meu pastor — retribuiu Isabel o abraço. — Mais ainda, fez muito e muito fará por esta terra. Preocupa-me apenas que grite de pavor, meu amado, toda vez que cadáver ver na revolução.

— Pastora terrível, não perde a chance de fazer riso de mim — dramatizou Tomás. — Certo estou que Domingos me defenderá!

— Num posso te defende — disse Domingos, fazendo rirem todos.

— Meu nobre amigo, aqui está a alforria dos escravos — disse Tomás, entregando a Domingo o papel que trazia consigo. — Fale a eles que livres estão para seguirem seu próprio destino. Qual será seu próximo passo, meu amigo?

— Vo volta pra minha terra — respondeu Domingos.

— E lá a revolução fará — complementou Tomás.

— Meu pastor, também temos nós que partir da vila — anunciou Isabel.

— Certa está, minha amada, a vila perigosa é a nós — concordou Tomás. — Nossa luta e resistência será agora em outro lugar. Partiremos ao Rio de Janeiro.

~~=*=~~

Enquanto aguardava o navio que o levaria de volta à terra natal, Domingos sentava-se em uma mesa de uma taberna ao lado de Isabel. Tomás, sentado isolado, escrevia seus textos ao lado do Silêncio e da Solidão.

Haviam partido das Minas Gerais no mesmo dia, usando as mulas que possuía Sebastião. Bagagem levaram somente o suficiente.

Domingos entregou a carta aos negros que libertara. Foram eles para o mato, fundar uma vila própria onde todos seguros e felizes estariam.

Sebastião e Joaquim em valas sem nome enterrados foram. Desconheciam os três, o eco dos assassinatos, contudo preferiam deixar os assuntos nas gerais.

Domingos recolhera o restante do ouro que achara da curva do rio, comprando roupas novas e mantimentos suficientes para a viagem à terra natal. Usara Tomás as economias do tio, para começar uma nova vida ao lado de Isabel no Rio de Janeiro.

Isabel estendeu papel e pena a Domingos, junto ao tinteiro.

— Desenhe o animal de sua terra — pediu Isabel. — Desde que dele me falara não consigo tirá-lo da cabeça. Deve ser muito mais magnífico do que diz minha mente.

— Ele é sim — disse Domingos, fazendo Isabel rir.

Isabel puxou a cadeira, ficando sentada ao lado de Domingos, vendo ele desenhar cheia de admiração.

— Triste fico pela pobreza de minha imaginação — comentou Isabel.

— Num tem problema, Isabel tem pontaria boa — disse Domingos.

— Palavras de alívio melhores que estas não há — disse Isabel sorrindo.

Segurou ela a mão livre de Domingos e beijou-lhe a bochecha. Largou ele a pena, envolvendo o rosto dela com ambas as mãos.

Isabel o canto da liberdade daquela terra, aquela que o acolhera mostrando que o Brasil era um lugar bonito e cheio de amor. A moça que nunca queimaria as asas que ganhara para voar. Era dela que se lembraria de quando quisesse ficar feliz.

Com a coragem dos anjos, Domingos beijou os lábios de Isabel.

Aproveitavam o descanso antes da despedida, antes da luta; em que conquistariam a Liberdade, ainda que tardia.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! -^.^-

Confesso que eu queria dar um final mais ou menos feliz para minha história, por isso resolvi deixar os personagens com seus sonhos e romantismos, ao invés de transformar em uma crônica de tragédia anunciada.

Abraços