Invisíveis como Borboletas Azuis escrita por BeaTSam, tehkookiehosh


Capítulo 3
Verso 02: Tomorrow


Notas iniciais do capítulo

Sam P.O.V.



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Mais um dia na escola. Depois de conversar com a minha mãe, ela disse que só me deixaria ir se a minha irmã mais velha fosse junto comigo. Que chato. Mas é até compreensível, com todos esses casos de tráfico de pessoas por aí, acho que uma garota de 16 anos ir sozinha para o outro lado do mundo seria muito inconsequente. Pelo menos, já confirmei que vou. Coreia, lá vou eu!

Quase esqueci. Mais um dia.

Apenas mais um dia de escola.

Apenas mais um dia até a Coreia.

Um pé atrás do outro, as horas se arrastam cada vez mais. Tic-tac. Ligo o meu celular de novo para checar a hora. Dois minutos, apenas dois minutos se passaram desde a última vez que vi. Não, espera! Foram TRÊS minutos!!! Yay!

Na cadeira do canto, com meus fones de ouvido altos o suficiente, estou à parte do resto da sala. Observo da minha posição privilegiada garotas gritarem em alegria ao ouvirem as últimas notícias da série que elas gostam; alguns garotos discutem sobre games outros sobre esportes; e ainda tem o grupo que mistura os dois gêneros, um cortejando o outro, eufemizando ao máximo. Aquelas trocas de sorrisos e olhares indecentes, aquela dança das mãos nos corpos um no outro, confesso que aquilo tudo chega a me deixar um pouco nauseada. Amanhã, ele estará com outra, e ela, com outro.

Tento camuflar a minha presença o máximo possível, mas o fato de ter um milhão de inscritos não ajuda em nada. Não que eles sejam todos meus fãs, pelo contrário. Sou metida, arrogante, feia, sem talento, nerd, chata, irritante aos seus olhos. Eles repetem tanto essa ladainha ensaiada que talvez eu até acredite no que falam. É difícil não acreditar. Contudo, os meus vídeos são a minha única forma de escape, além do dinheiro que eles me dão. Não vou desistir da minha resistência silenciosa tão facilmente.

Quatro minutos. Droga. Cronos quer pegar peças em mim. Deve achar divertido ver-me agonizar durante essas seis horas e meia de aula. Alguém por favor avisa para ele que isso perdeu a graça no ano passado?

Além de mim, a única pessoa em silêncio é Roberto, o cara inteligente da sala. Acho que devem zoar ele tanto quanto me zoam, talvez até mais, porém ele ainda reivindica um espacinho no grupo social fazendo trabalho para os outros e passando cola durante as provas. Ainda têm algum motivo que quere-lo por perto, pelo bem ou pelo mal. Ao menos, ele pode incentivar si mesmo dizendo que vai fazer uma boa faculdade e terá uma vida melhor do a de todos esses imbecis que zombam dele.

Sinto inveja.

A mim nem essa certeza resta. A minha fama não vai me sustentar por muito tempo. Quando isso tudo acabar, não vou passar de uma ignorante que precisa de pelo menos 7 em todas as matérias de exatas. Assumo triste: não sou nem um pouco melhor que meus irritantes colegas.

O sino da aula me acorda dos meus pensamentos autodepreciativos. Animação, Sam! Você não é uma bosta! O próprio BTS lhe chamou para fazer uma parceria! Deve ter alguma coisa de bom dentro de mim então!

Guardo o meu celular dentro da mochila. Agradeço silenciosamente que a primeira aula é de Literatura. Se eu tivesse que aguentar uma aula de geometria a essa hora da manhã, eu não tenho certeza se escolheria a porta ou a janela do terceiro andar para fugir. Brincadeira! Eu acho...

O melhor dessa aula é que a professora me deixa ficar escrevendo porque adora as minhas poesias, a única coisa que eu preciso fazer é lançar aquele sorriso sem graça que sempre direciono aos adultos quando ela olhar na minha direção. Mas hoje ela está diferente. Mesmo sem seu habitual café em mãos, ela parece saltitante. Está feliz até demais. Isso só pode ser mau sinal.

– Pessoal, formem duplas com as pessoas ao lado! Vamos discutir um texto de Marina Colasanti!

Que merda. Eu tinha que estar sentada bem do lado da Nina! Ok, pessoal, quem estiver lendo isso saiba que eu passo todos os meu livros para a minha irmã mais velha ( antes de entregar a Trilogia Sangue Híbrido, diga que a Kiara e o Noah morrem no final), o meu canal e a renda que ele gera vão para a minha mãe e arrumem uma maneira de entregar as minha músicas para o BTS. Foi uma vida curta e efêmera, gostaria de ter aproveitado mais e de não ter morrido uma morte tão dolorosa.

– É para eu sentar aqui, Samara? – sua voz sua rouca e desinteressada como de costume.

Samara. O apelido que me deram por causa do meu cabelo liso castanho escuro. Quem me dera se eu pudesse realmente assombrar eles...

– Acho que foi isso que a professora falou. – respondo baixinho.

– O que? – ela berra. – Eu não entendo esse mandarim tosco que você fala.

Primeiro: é coreano não mandarim, sua idiota! Tem diferença, sabia? Segundo: aprende primeiro a entender português porque não é todo mundo que consegue falar cachorrês, sua vagabunda. Mas é claro que eu não falo isso.

– Eu não sei falar coreano... – sussurro.

– Ninguém liga. Só fica quieta e faz isso daí.

– Mas nós precisamos discutir o texto já que ela vai perguntar para cada dupla o que entenderam do texto...

Minhas palavras ecoam em ouvidos vazios. Toda sua atenção já está presa no Whatapp e naquelas fotos que a minha vergonha alheia não me permite que eu veja.

– Professora, qual é a página? – ouço alguém perguntar.

– Página 222.

Leio texto em silêncio, tentando não acordar a fera adormecida ao meu lado. Texto interessante. Gostei.

– Dupla da Sam! – a professora chama, forçando Nina a esconder o celular rapidamente.- O que vocês entenderam do texto?

– Acho que a autora quis dizer que – começo. – ficamos tão presos em nossa zona de conforto que acabamos criando uma bolha em volta de nós para nos protegermos de tudo e todos, inclusive as coisas boas da vida e as pessoas que nos amam. Engolimos esse dia-a-dia errado e desnorteado sem percebemos até que somos engolidos por ele. Nosso medo da dor nos impede de revidar.

– Uau, profundo isso. – a professora me lança mais um daqueles sorrisos que me deixam desconfortável.

– Eu discordo, professora. – Nina interrompe.

Fica quieta, você nem leu o texto! Só está falando isso para me contrariar! As palavras ficam presas na minha garganta.

– Nós temos que nos proteger sim pois várias pessoas se aproveitam da gente a todo o momento. A rotina serve para sobrevivermos nessa sociedade. São as regras para conviver.

– E se eu não quiser apenas sobreviver? – as palavras que guardo há muito tempo derramam da minha boca sem querer.

– Como é que é? – ela está muito brava. Ai meu Deus, a Nina está muito brava.

– E se eu quiser que a minha vida tenha um propósito melhor que simplesmente sobreviver? E se eu quiser fazer a diferença? – grito.

Controle-se, Samantha. Essa discussão só vai te machucar. Porém, há tanto tempo que eu tento por minhas ideias em fonemas... Eu preciso falar o que eu penso e eles vão ter que me escutar.

– Eu não quero ser mais um que trabalha para sobreviver e sobrevive para trabalhar. Eu quero fazer a diferença!

– E o que uma youtuberzinha de merda pode fazer? – Nina rebate. – Até um bebê sabe mais sobre a vida real que a princesinha que vive num mundo maravilhoso. Deixa de ser tão metida e arrogante! Se acha que sabe tanto, vai lá na frente e dá aula!

– O que você ganha falando isso tudo de mim? Se sente melhor? Se sente um pouco menos inferior já que a antissocial aqui é mais popular que você? Isso tudo é inveja?

Ela gargalha na minha cara junto com toda a turma. Todos ignoram a tentativa da professora de acalmar os ânimos. Droga, acabei reproduzindo um daqueles discursos motivacionais contra bullying que só servem para as vítimas se agarrarem na falsa esperança de que são alguma coisa de bom que alguém inveja. Pelo menos é assim como eu me sinto quando os ouço. Droga, estou vontade de chorar. Merda! Aguente um pouco mais, Samantha!

– Quem teria inveja de uma puta que nem você? Eu não fico me achando por aí que nem você! E olha que eu tenho muito mais coisa para me gabar que você. Eu só estou te colocando no seu lugar. Você não é melhor que ninguém, princesinha. Agora senta na sua cadeira e vai arrumar um macho para controlar esses surtos de estrelismo que você tem. Quer dizer, se algum louco quiser uma vagabunda feia e esquisita como você.

A risada explode na sala. Nenhuma das minhas vãs tentativas de desestabiliza-la surte efeito. Todos ignoram as minhas respostas. Sou forçada a ser o palhaço triste num circo para leões rirem. Segure o choro. Se eles te verem chorar, vai piorar tudo. Repentinamente, todo o alvoroço se aquieta. A coordenadora chega para dar uma bronca na turma pelo barulho que está atrapalhando as outras aulas. Momento certo, motivo errado. Será que os adultos são tão míopes a ponto de não perceberem o que acontecem ou eles simplesmente fingem não ver para não trazerem mais problemas para eles mesmos?

Aguardo a segunda aula passar. Cronos parece me odiar cada vez mais. Agora, em vez das horas, os segundos parecem se arrastar e, a cada século que durante, sinto-me mais próxima de desabar. Samantha, como você se deixa abalar com tão pouco? Foi só uma discussão como qualquer outra. Por que dói tanto?

De novo, na minha Fortaleza da Solidão, a quarta carteira da fileira ao lado da janela. Ignorada, agora, por todos que me usaram para livrar-se do tédio da aula de Literatura. Eu quero tanto berrar: “Ei, pessoal! Alguém olhe para cá! Eu estou desmoronando, fragmentando-me em cacos de vidro e ninguém ouve, ninguém se importa. Se importem, por favor! Apenas uma pessoa pelo menos... É tão pecaminoso assim querer atenção enquanto meu pequeno mundo está se partindo em mil pedaços?”

Até que lembro das palavras de Nina. “Ninguém liga.” Dói a verdade que essa frase corriqueira carrega.

Após uma eternidade, os céus tem pena de mim e permitem o sinal tocar. Todos saem antes de mim, apenas Sofia me espera.

– Você não deveria ter começado aquela discussão. Eu conheço bem você, sei que você gosta da mensagem que o BTS passa, mas não precisava ter feito aquilo. As pessoas vão falar que você é arrogante...

– E já não falam? Qual é a diferença?

– Eu só estava querendo ajudar...

– E eu só quero ficar sozinha. – minto tão violentamente que convenço até a mim mesma.

Estou descarregando na pessoa errada. A entonação que usei com Sofia era a que eu deveria ter usado com Nina aquela hora. Se bem que a Sofia só fala comigo porque eu sou youtuber e ela, k-poper. Algumas outras pessoas na escola também são assim. Contudo, nenhuma nunca me defendeu e raras são as vezes que falam abertamente que veem os meus vídeos. Acho que eles não ligam para o que acontece comigo de verdade ou, assim como os adultos, temem por si mesmos.

Caminho para o terraço, o único lugar por onde as luzes conseguem achar uma brecha e iluminar a escola. Lá, não estou sozinha. Comigo têm o céu distante, os pássaros viajantes com suas cantigas naturais, e o meu melhor amigo, um canteiro de flores mal cuidado que atrai as borboletas azuis cintilantes dos arredores. Sento-me ao lado das azaleias e suas pétalas coloridas com aquarela. Ponho meus fones de ouvido. A música que toca é “Flores” dos Titãs, mas numa versão acústica. Desde pequena, a minha mãe me ensinou a amar essa música até ela se tornar a minha favorita. Desculpa, BTS, mas essa música tem um pouco da minha mãe e sua doce fragrância nela.

Passam-se segundos, minutos, talvez horas. Não sei. Desde que o dia começou não tenho mais noção de tempo. As minhas lágrimas rolam pelo meu rosto, transformando-se, aos poucos, de goteiras em cachoeiras. Eu sou uma idiota por chorar por tão pouco. Se eu fosse mais forte...

Não consigo mais controlar o volume de água que chove e o barulho que ele acarreta. O esforço para represar todo esse choro dentro de mim provoca uma grave pontada na minha cabeça. Subitamente, sinto meu celular vibrar. Leio a notificação que aparece:

V app – BTS Live está sendo gravado em tempo real

Sem hesitar, clico no anúncio. Após os segundos que o 3G do meu celular leva para carregar o vídeo, o rosto do J-Hope invade toda a tela. Você está muito perto da câmera, seu idiota, penso com carinho. Quando ele finalmente recua, consigo ver o grupo todo, embora alguns estejam mais interessados em seus travesseiros improvisados que na gravação. Eles perecem estar na sala de espera antes de algum show, eu acho. Pelo pouco coreano que sei, entendo que eles estão anunciando alguma surpresa que está por vir. Eu, por sinal. Mas é claro que o resto do público só vai ficar sabendo dessa colaboração daqui a um mês mais ou menos. Esse sigilo por parte dos envolvidos também fazia parte do contrato.

De repente, me liberto dos meus pensamentos ao ver a mais nova dança de girlgroup que o J-Hope aprendeu, logo acompanhado por Kookie e Jimin. No fundo, dá até para ver o Jin arriscando uns passinhos! Mas esse momento não dura muito porque o Suga acorda e expulsa todos os barulhentos dali aos gritos, para, em questão e segundos, voltar a dormir num sofá.

As gargalhadas saem voluntariamente de dentro de mim. Rio do vídeo, rio do BTS, rio de mim mesma. Sou realmente uma idiota... Há um minuto atrás, eu chorava rios e oceanos, mas agora, apenas de ver esse vídeo, meu rosto está vermelho de tanto rir. Eu sou tão simples... Que influência é essa que o BTS tem sobre mim? Isso é normal? Eu sou normal? Samantha, pense. Se você é uma A.R.M.Y., você não é normal. Meu humor dá uma reviravolta somente de observar sete garotos. Eu preciso agradecê-los por isso. E daqui a pouco mais de vinte e quatro horas vou ter essa chance.


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