Invisíveis como Borboletas Azuis escrita por BeaTSam, tehkookiehosh


Capítulo 28
Verso 27: Waterfalls




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Stella P.O.V.

 

A segundo voo (Dubai – Rio de Janeiro) já está no meio.

Eu tentei dormir, mas não consegui. Alias, já dormi o suficiente nas dez horas de duração do primeiro voo. Pus todos meus filmes em dia nessa viagem. Minha bunda dói de tanto ficar sentada e me sinto nauseada pela falta de chão e movimento constante... Nunca imaginei que iria querer tanto chegar no Rio... Urgh! Claro que não! O que eu estava pensando?

Estou com preguiça de procurar mais um filme minimamente interessante para ver. Seleciono o primeiro álbum do Panic! para ouvir, A Fever You Can’t Sweat Out, só para curtir a música, sem pensar demais.

Olho pela janela e consigo ver apenas o escuro, algumas nuvens que são quase imperceptíveis aos meus olhos míopes. É, pararece que eu vou ter que voltar a assistir aos filmes da tela na minha frente. Começo a procurar, mas algo me interrompe.

Nails For Breakfast and Tacks For Snack começa a tocar, essa música... me traz lembranças, muitas lembranças. Percebo que meus olhos ficam marejados. Pulo a música, já chorei de mais por memórias infelizes.

No entanto, vejo algumas notificações que me chamam atenção. Todas do Kakao Talk. É claro que o wi-fi não pega aqui, são todas mensagens antigas, porém não deixam de me trazer um sorriso ao lê-las.

Taehyung: Não esqueceu da minha bola de futebol, não é?

Teahyung: Ah! E traz um daqueles chapéus de fruta! :D

Teahyung: E traz as ARMYs daí para cá! Quero vê-las! ;-; Estou morrendo de saudades!

Stella: Só acho que isso excede o limite de bagagem kkkkkk

Taehyung: Aigoo! Você é muito chata! ¬¬

Stella: Kkkkkkkkkkkkk

Taehyung: Então só traga um sorriso quando você voltar! o/

Stella: Que meloso...

Taehyung: Ah, é. Você já tem o Jungkookie para falar essas coisas para você kkkkk

Stella: Bobo...

Taehyung: :P

Taehyung: Mas, é sério. Eu sei que você não consegue falar tudo para o Jungkook porque ele acaba exagerando muito. Ele está um saco de tão preocupado que está. Então pode falar comigo sempre que precisar de ajuda, mesmo que seja só para contar o que está acontecendo. Só não garanto que eu vá responder na hora kkkkkk Não é como se eu estivesse trabalhando para caramba ou coisa assim kkkkk

Stella: Obrigada mesmo, mesmo, mesmo! Traz algo para mim da Tailândia também!

Taehyung: Vou pensar no seu caso...

Stella: P.S.: roubei seu sobretudo.

Taehyung: O QUÊ?! DEVOLVE AGORA, SUA SASAENG!

Taehyung: (brincadeira :P)

Ele não foi o único. Aliás, nem consigo entender como o Jungkook conseguiu me mandar tanta mensagem em pleno trabalho.

Jungkook: Boa viagem!!! S2 S2 S2

Stella: Valeu!!! Boa sorte aí na Tailândia!!!!

Jungkook: Queria estar perto de você ;-;

Jungkook: O voo foi confortável?

Jungkook: Odeio viagens longas de avião, não dá para fazer nada. Dá um enjoo daqueles e mal dá para deitar... Pelo menos eu costumo viajar com os hyungs, então tenho alguém para falar. Aí não fica tão cansativo.

Jungkook: Você deve estar precisando de alguém para falar... Mesmo que seja só para lembrar como se fala. Ligue para mim pelo Skype quando pousar! :D

Jungkook: Vai demorar muito para aterrissar?????

Jungkook: (Essa é uma pergunta retórica, sei que não pode responder)

Jungkook: (Isso não me impede de sentir saudade)

Jungkook: Stella

Jungkook: Stellaaaaaa

Jungkook: Stellaaaaaaaaaaaaaaaaa

Stella: Já cheguei, criatura! Está carente mesmo, hein?

Jungkook: Yay! Foi mal, eu sei que você não gosta quando ajo assim... ;-;

Stella: Não precisa ser tão meloso... São só algumas horas.

Jungkook: Horas! Horas demoram demais! ;-;

Jungkook: Eu queria muito estar aí... Desculpa, eu sou fraco demais.

Stella: Não é culpa sua.

Jungkook: É sim.

Stella: Ah, foi mal. Estão anunciando o meu avião. Tenho que ir.

Stella: Mais uma vez: NÃO É CULPA SUA!

Jungkook: Mas já?

Stella: Já se passaram duas horas.

Jungkook: ;-;

Jungkook: Tudo bem.

Jungkook: Boa viagem.

Espero que ele esteja bem... Talvez eu tenha sido muito dura com ele, o Kookie só está preocupado... Fazer o quê?! Não dá para desenviar essas mensagens. Quando eu chegar, tento ser mais gentil. Afinal, quando voltarmos, vamos ser... namorados.

Meu coração pula uma batida só de pensar na palavra. É tão estranho não chamá-lo de amigo... Não sei se vou conseguir me acostumar... Ah... Isso é coisa para pensar depois. Não quero fritar meus miolos logo no começo dessa viagem. Desligo meu celular para poupar a bateria e volto à minha maratona de filmes que eu não quero ver. Acho que vou fazer só isso até pousar em terra firme.

Ou vomitar. Vomitar parece uma boa ideia.

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Meus pés! Meus pés tocam o chão! E esse chão não se move! Aleluia! Eu posso andar livremente! Uhu!

Finalmente saio do avião, mas me arrependo logo em seguida. Lá dentro tinha ar condicionado... Como é que os brasileiros suportam viver num forno desses? Ah é, eu também sou brasileira.

Meu bom humor logo é arruinado por filas e mais filas. Controle de passaporte, retorno de bagagem, até para entrar em filas tem mais filas! Ah, Brasil, eu definitivamente não senti falta de você.

Como eu já esperava, não tem ninguém me esperando. Pego mais uma (advinha!) fila para táxi. É tudo tão caro... Como é que o táxi pode custar setenta reais? Pelo menos não demorou tanto para chegar na minha casa e tinha um santo ar condicionado!

É quase um déjà vu. A casa trancada, sem nenhuma sombra de vida lá dentro. Silenciosa. É claro. Desde pequena, é sempre a mesma cena que se repete. Sempre sou eu a única aqui.

Nem a chave, nem um bilhete. A casa está hermeticamente fechada para mim mesmo depois de mais um ano fora. A filha odiada retorna à casa. Essa é a maneira de eles dizerem boas vindas.

Reviro a terra num vaso de planta onde lembro de ter jogado – num ataque de raiva – as minhas chaves. Enferrujadas e soterrados, mas ainda estavam ali. No chaveiro, ainda é legível “BTS”. Tão estranho... Isso é da época em que eu não passava de apenas mais uma fã. Agora, não consigo imaginar minha rotina sem eles. É, a vida dá voltas!

Empurro o portão enferrujado que não pintaram até hoje... Eles sempre diziam que o fariam. A casa continua a mesma de sempre. A mesma até demais. Eles nem se deram ao trabalho de arrumar a casa para a minha chegada. Não que eu esperasse algo assim deles.

Minha cama está intocada, empoeirada como deveria estar. Meu quarto fica no canto mais escondido da casa, então acabou sendo transformado em um depósito para coisas inúteis, tipo... hum... eu.

Por mais que tenha prometido a mim mesma que não me deixaria abalar, não consigo cumprir a promessa. A poeira na minha cama, a bagunça na casa, o depósito no meu quarto, a falta das minhas fotos nos porta-retratos, a falta da minha presença na minha casa e ninguém liga.

“Você não é bem-vinda.”

A casa diz para mim, em tom ríspido. Eu sei... Eu... sei. Droga! Isso não é nada! Eu já sabia que não seria aceita, mas aquela partezinha de mim que gritava que eles teriam mudado... Não! Já sou grande demais para acreditar em contos de fadas! Eu sei que a vida não tem um final “feliz para sempre”.

Mas eu só queria...

O calor de uma família.

Não adianta perder mais tempo aqui... Que patético! Nem encontrei eles ainda e já estou assim! E eu que gosto de me dizer forte... Até parece! Talvez os outros acreditem nisso, mas eu nunca acreditei, não de verdade.

Chega dessas paredes descascadas! Só quero sair daqui. Largo a mala num canto qualquer – nem importa, tem tanta coisa entulhada ali que ela vai ser só mais uma. Saio rumo ao endereço do hospital que me deram. Pelo o que eu me lembro, não é tão longe, dá para ir a pé.

É um prédio tão grandioso e frio... Por mais que eu ache isso impossível no verão do Rio. Ele é todo espelhado, no entanto nenhum raio de sol o alcança. É óbvio que o que importa aqui é o dinheiro, não a vida. Eu não gostaria de ser internada num hospital tão imponente quanto esse. Queria viver meus últimos momentos no calor de raios de sol em vez do ar frio artificial. Ou seja, esse prédio é só uma tumba extravagante.

Antes de empurrar a porta da frente, inspiro profundamente: é agora.

Não esperava encontra-las tão cedo. Logo na entrada, elas me observam de cima a baixo

— Ah. – Isadora solta uma única e seca vogal antes de ir embora para outro canto.

Sua indiferença acerta como uma lâmina em meu coração. Contudo, preferia que a mamãe tivesse feito o mesmo. Ela me fuzila com os olhos. Deve ter demorado longos dois minutos de puro terror antes de ela começar a falar.

— Só implorando você volta? Só quando seu pai está quase morrendo? Esse é o tipo de filha que você é? Esse é o tipo de pessoa que você é? – Sua voz aumenta gradativamente com sua raiva e com o meu medo. – Eu não acredito que tive que implorar para... você. – Ela cospe a palavra com desgosto. – Eu só fiz isso pelo seu pai! Ele ficava te chamando e a saúde dele parecia piorar a cada mês. Quer saber a verdade?! Eu sempre soube que você fazia essas coisas para nos confrontar, irritar ou sei lá! Mas ir lá pra Coreia foi a melhor ideia que você já teve! Assim, sua irmã não tem que crescer na sombra da vergonha que você traz! Sabe tudo o que ela teve que passar na escola por sua culpa? É claro que não! Você estava ocupada demais pensando em si mesma!

Claro, tudo o que eu passei por conta deles não importa... Eu sou só vergonha, não um membro da família.

— Depois que você foi para Coreia, eu nem ia me preocupar em pensar na sua existência, mas seu pai queria te ver uma última vez. Mas entenda seu lugar, eu só quero que o último desejo do seu pai seja cumprido. Depois disso, pode voltar o mais rápido para a Coreia. Não quero você aqui. Aproveita e quando chegar lá, conta para o seu avô sobre o seu segredinho. Duvido que ele continue te apoiando e me xingando depois disso.

Todos esses anos, eu queimava as cartas que a mamãe mandava para o vovô. Só por precaução. Não queria que o vovô me odiasse também, isso iria doer demais. Odeio ter que admitir, mas ela está certa. Eu tenho vergonha de mim mesma. Se eu não tivesse, eu teria contado para as meninas, para o Tae ou pelo menos o Jungkook, mas... Por que eu sou desse jeito? Eu fiz algo de errado para merecer isso? Eu só queria ser normal, não ter vergonha de mim mesma, não me preocupar com o que os outros vão pensar. Já chega! Vou caminhando em direção a onde meu pai está, deixando-a falar sozinha. Eu não preciso ficar ouvindo isso...

— Ei, desgraçada! Volta aqui! Você faz as besteiras e depois não quer lidar com as consequências? VOCÊ VAI MORRER QUEIMADA NO FOGO DO INFERNO!

Ouço algumas enfermeiras e secretárias mandando ela ficar calada. Obrigada. Meu queixo treme implorando para que eu deixe as lágrimas rolarem. Não. Trinco os dentes o mais rápido que pude e cerro os punhos até sentir os machucados que se formaram na palma da minha mão. Por que eu?! Por que? O que eu fiz de errado para todos me odiarem assim?!

Só continue andando, não olhe para trás. Não deixe isso te abater. Droga, mãos! Parem de tremer! Eu já disse, isso não me chateia! Por que eu daria importância ao que aquela mulher fala? É claro que isso não me chateia.

Isso.

Não.

Me.

Chateia.

Mentira.

Finalmente acho onde meu pai está. É, eu estou aqui por ele, não por ela, por mais que ele não seja muito melhor. Só não quero me sentir culpada depois, só isso.

Antes de abrir a porta, dou uma rápida espiada pelo vidro. Hã? Por que estou chorando? Me controlei esse tempo todo para isso? Não aguento olhar por mais de alguns segundos.

Meu... pai? Sim, definitivamente é ele. Não, esse é só o fantasma dele. Tubos, gases e fios que eu nem sei o que são cobrem seu corpo. A pele bronzeada e a barriga de cerveja não passam de uma vaga lembrança. Desde sempre lembro de seu sobrepeso, mas hoje os ossos da sua face estão salientes de tão magro. A serenidade de seu sono é inabalável, só tenho certeza de que está vivo por causa dos autos e baixo do aparelho ao seu lado.

Em um lampejo, um pensamento assustador me vem à mente:

Ele está morrendo.

Por mais que a minha mãe a aminha irmã tivessem dito, eu não imaginava que o caso dele fosse tão sério. Ele realmente pode morrer a qualquer momento.

Minhas pernas não aguentam o peso de todas a minhas dores e desabam. Eu não quero atravessar essa porta. Eu não quero me obrigar a sorrir para ele porque sei que não consigo. Sou egoísta demais, mas sei que não aguento fingir que está tudo bem com ele quando tudo o que vejo é um fantasma.

NÃO ERA ISSO! NÃO ERA ISSO O QUE EU QUERIA QUANDO DISSE QUE NÃO QUERIA NUNCA MAIS VÊ-LO! Era mentira... Eram só mentiras de uma criança que não entende nada da vida. Era mentira... Não era para você ter levado a sério! Por que? Você só faz isso para me machucar? Porque, apesar de tudo, você sabe que eu ainda te amo? Por isso você quer despedaçar o resto do coração que ainda está aqui?!

EU NÃO QUERO QUE VOCÊ MORRA!

Já... Já chega...

Não gosto dessa porta, não gosto desse ar condicionado, não gosto dessa mãe, não gosto desse hospital! Só quero ir embora. Ficar aqui só vai me lembrar de que meu pai não passa de um cadáver e eu que desejei isso há alguns anos. Eu não quero lembrar que sou um monstro!

Assim como o assassino foge da cena do crime, eu corro entre os corredores do hospital. Minha mãe tenta até falar alguma coisa, mas passo direto por ela. Eu só quero sair daqui! Não quero me lembrar de nada disso! Isso tudo dói demais!

Corro sem rumo pelas ruas. Os olhares desconhecidos julgam minhas lágrimas. Sem dinheiro, sem malas, sem direção. Não tenho para onde ir, só para onde quero ir: Coreia. Mas algumas coisas são mais complicadas do que deveriam.

Olho para o celular cogitando a possibilidade de liga-lo. Que besta. Jungkook já está preocupado o suficiente, ele viria para cá sem pestanejar. Mas já destruí muitas pessoas que eu amo. Minha vida já está arruinada, não preciso arruinar a dele também.

Sem outro lugar para onde ir, acabo entrando naquela lanchonete que costumava frequentar. Apesar do ar condicionado forte, ainda havia aquela mesa morna pelos raios do sol da janela.

Entro na loja. Como é uma lanchonete grande, ninguém deve notar que estou aqui mesmo sem comprar nada.

— Stella? – Ouço uma voz delicada me chamar.

Sentada na tal mesa da janela. Reconheço aquela pele morena, aqueles olhos estreitos, aquela pinta perto do olho esquerdo e, principalmente, aquela pulseira trançada das cores do arco-íris.


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