Chuva de Lágrimas escrita por Skadi, Ana Gomez


Capítulo 6
Cápitulo 6


Notas iniciais do capítulo

Oie, aqui é a Ana G.
Tudo bem com vocês? haha, esperamos que sim.
1° Queremos agradecer a paciência de vocês conosco, devido a nossa ausência e demora de responder os comentários. Realmente, não imaginávamos que gostariam tanto assim ^^
2° Estamos HIPER, MEGA, ULTRA, feliz com nossa segunda recomendação da Keila. Jaci surtou, e eu então?!
3° Obrigada a todos os comentários, favoritos, recomendações e visualizações. Vocês são realmente demais.
Agora queremos ver a reação de vocês com este cápitulo. Eu e a Jaci fizemos com carinho a vocês, e voltamos em breve. Será que teremos mais surpresas dos nossos leitores? *-
Beijooos, Ana e Jaci!



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Sentindo algo pesado em seu ombro o mendigo abriu as pálpebras e levou um pequeno susto vendo que ao seu lado dormia o anjo de cabelos escuros. Se permitiu olhar para ela por alguns segundos, cautelosamente.

A doutora era bonita, com os longos cílios fazendo sombras na pele branca e de aprecia cremosa de sua bochecha, o nariz fino e pequeno, as sobrancelhas bem delineadas e os lábios avermelhado abertos de leve deixando o fôlego regular escapar. Ela era nova, não tinha mais que trinta anos e, se tivesse, o tempo havia sido generoso. Seu sono parecia tão pacífico tão calmo que ele ficou indeciso. Devia acordá-la?

Não achava que seria certo, ela podia se assustar e acabar não entendendo que ele também só tinha acordado agora. Mas ela provavelmente ficaria cheia de dores no corpo pela manhã e durante o resto do dia. Seu trabalho seria prejudicado. Então com cuidado tocou seu ombro. Arrepios involuntários subiram por seus dedos até a nuca.

Tinha tentado imaginar várias vezes o que sentiria quando tocasse alguém de novo. O sentimento era inesperado, mas não indesejado. Nunca havia pensado que uma pessoa fosse estar tão confortável ao seu lado que chegaria a dormir apoiada em seu ombro.

Isabella, ainda grogue do sono, esfregou as pálpebras lentamente, tentando focar sua visão. Sentia-se tão confortável, devia ter caído no sono assistindo TV. Estava acostumada a fazer isso. Fez uma careta, sentando e esticando os braços. Só desligaria tudo e iria para a cama, sim, era isso que faria.

A sensação de que alguém a olhava fez com que virasse o rosto rapidamente na direção do homem barbudo, que continuava no mesmo lugar, as duas orbes azuis viradas nele. Ela endireitou a coluna e pigarreou, abaixando os braços, constrangida.

— Não era meu dever acordá-la, sinto muito — ele sussurrou, sentando direito no sofá. — Apenas pensei que não teria um dia produtivo se acordasse cheia de dores amanhã.

— Está tudo bem, não tem que se desculpar por nada — ela disse sonolenta, mas tentando esconder isso dele. — Acabei pegando no sono, né? Já é tarde, devemos dormir.

Ambos olharam para a tela da televisão, a imagem congelada nos créditos finais do programa. Mais alguns segundos em silêncio e então se levantaram. Isabella desligou os aparelhos e quando saíram da sala, apagou a luz. Podia ter uma conta bancária cheia, mas não suportava desperdícios desnecessários.

— Boa noite — falaram um pro outro quando chegaram nas escadas. Isabella iria subir e ele continuaria pelo corredor até o quarto de hóspedes.

Jake o seguia quieto e quando seu dono estava distraído demais pensando em como devia estar sendo um fardo para a doutora, deu um latido baixo lhe tirando de seus devaneios. Assim que as portas duplas foram abertas, ele caminhou tranquilamente até o tapete felpudo e depois de girar algumas vezes, deitou. Ficou então observando o humano ir até a cama e deitar, jogando o lençol por cima de seu corpo e soltando um suspiro.

Apenas desejava que o homem não tivesse pesadelos como quando dormiam na rua. Queria poder lhe dizer que estava tudo bem, que o amava, que ninguém os acordaria com chutes, mas cachorros não falam e desistindo de ficar apenas no tapete, Jake pulou na cama e se aninhou contra as costas cobertas tentando passar a maior quantidade de conforto que pudesse. Não demorou muito para que roncos suaves saíssem das duas formas deitadas.

Isabella subiu as escadas calmamente, levando seu tempo para que não acabasse tropeçando e caindo com a cara no chão. Olhou brevemente para seu relógio, constatando que já passava de meia noite e ela devia ter ido dormir a muito tempo, tinha um turbilhão de coisas para resolver no hospital na manhã seguinte, nada iria para frente se não estivesse presente e descansada o suficiente para conseguir lidar com tudo.

Assim que entrou no quarto, tratou de ir direto para o closet e trocar de roupa, colocando uma camisola de seda azul turquesa que chegava até seus pés — a cor a lembrava os olhos dele e ela ficou observando o tecido brilhar sob o lustre delicado de cristal. Sacudiu a cabeça, apagou a luz e foi deitar.

Duas Horas depois...

Gritos desesperados e carregados de terror despertaram Isabella de imediato, fazendo-a pular da cama assustada. Tentando não entrar em um estado de pânico maior do que o que já estava, ela tentou controlar as batidas aceleradas de seu coração e pensar. Sim, ser racional era o melhor que podia fazer. Jogou o lençol para o lado e os pés para fora da cama. Andou silenciosamente até a porta e encostou o ouvido na madeira.

Seus olhos se arregalaram quando os gritos soaram de novo e ela se afastou, com as mãos tremendo de leve. Tinha certeza que tudo estava fechado, havia colocado o código de segurança logo depois que Sam e Sue foram embora, então seria impossível que entrassem na casa. Apurou os ouvidos e se concentrou na origem dos gritos. Novamente arregalou os olhos.

Agarrou o roupão branco de algodão que tinha deixado jogado na cadeira da penteadeira e o vestiu enquanto saía do quarto. Desceu as escadas o mais rápido que pôde e correu para o quarto de hóspedes.

Os gritos, que já eram altos quando escutados no segundo andar, ali ficavam ainda mais e a intensidade do sofrimento também. Abriu as portas duplas, sem se importar quando elas bateram na parede e deixaram sua marca na tinta. As luzes estavam completamente apagadas e o quarto envolto pelo breu da noite, mas ainda assim ela conseguiu vê-lo se contorcendo em meio ao lençol.

Suas mãos agarravam com força o travesseiro e ele parecia angustiado. Por um momento, ela hesitou em correr e socorrê-lo. Não estaria passando dos limites? Sim. Mas já não tinha feito isso quando o convidou para assistir televisão e dormiu no ombro dele? Tolice! Era uma médica, não podia deixa-lo sofrer daquele jeito, terrores noturnos eram péssimos e ela sabia por experiência própria. Com a adrenalina correndo livremente por suas veias, entrou em ação.

Foi até a cama, acendeu o abajur da mesa de cabeceira e levou um susto quando o homem gritou de novo, dessa vez com mais dor em sua voz. O coração de Isabella apertou. Jake estava ao lado de seu dono, as orelhas abaixadas e as patas escondendo seus olhos.

Com custo, já que o mendigo se mexia bastante, ela colocou a mão na testa dele, apenas para retirá-la com pressa.

Ele estava queimando em febre!

Sem nem pensar duas vezes ela correu para fora do quarto em direção à sua sala hospitalar. Procurou e pegou tudo que precisava com pressa, deixando o lugar em um estado de desorganização que a irritaria profundamente depois. Voltou para o quarto, colocou a bandeja de prata com os utensílios reunidos ao lado do abajur e retirou o lençol de cima dele.

Ela ligou o termômetro e o encostou dentro da orelha dele, esperando alguns segundos até o alarme soar para que pudesse retirar. Seus olhos se arregalaram novamente, como haviam feito tantas outras vezes mais naquela noite, ao notar que a febre dele por pouco não chegava aos quarenta graus. Levantou-se e foi até o banheiro, agarrando uma toalha de rosto e a molhando na pia, para depois colocar na testa dele.

Ele continuava desacordado e se mexendo bastante, inquieto. Isabella tentou acordá-lo, mas não teve sucesso. Tinha que fazer com que ele bebesse o antitérmico, só que para isso ele devia estar acordado, caso contrário podia acabar engasgando. O jeito seria injetar direto na veia e se nem isso abaixasse a febre, o levaria para o hospital.

— Acorde — ela murmurou mais para si mesma do que para ele.

A toalha molhada que tinha acabado de colocar sobre a testa dele já estava quente, então ela a molhou de novo. Como sabia que havia a possibilidade de não conseguir fazer com que ele bebesse o comprimido, pegou na sua rápida excursão à sala hospitalar, uma seringa nova e o vidrinho com o remédio certo.

Preparou a injeção e não pensou duas vezes antes de aplica-la como fez tantas vezes com seus pacientes.

— S-Socorro — a voz dele quebrou e ele fez uma careta, curvando o corpo como se tivessem lhe dado um soco.

Isabella estava completamente revoltada. Que tipos de monstros podiam deixar uma pessoa daquele jeito? Debilitada, traumatizada, fragilizada de tal forma que tinha certeza que ficariam cicatrizes mesmo que se passassem muitos anos. Se não o tivesse encontrado e o tirado das ruas ele teria morrido e a verdade por trás de seus pensamentos a deixou assustada.

Ele teria morrido aquela noite e ninguém iria se importar. Ninguém pensaria duas vezes sobre o mendigo que tinha um cachorro chamado Jake e um belo par de olhos azuis. E aquele teria sido o fim da história dele, um ponto final cruel e afiado como uma estaca através do coração.

Ele gemeu e chorou em seu sono conturbado e o coração dela se contorceu magoado.

— Vamos lá, acorde — ela falou, se levantando molhar a toalha novamente. Aproveitando e pegando duas outras secas para que pudesse enxugar o suor.

Isabella, apesar de estar vendo o quão atormentado ele ficava em seu estado inconsciente, não poderia imaginar o tamanho real de seu terror. As imagens não eram claras, nunca foram e ele duvidava que um dia seriam, e essa era a pior parte. Não ter a certeza completa do que estava acontecendo — ou que tinha acontecido? — o deixava inquieto.

Borrões o deixavam perturbado. Um carro, algo se chocando contra o mesmo e depois girando, girando e girando em um ciclo que não parecia acabar. O som de vidro sendo quebrado, de metal sendo amassado e a dor de quando ambos cortavam alguma parte de seu corpo. Ele tentou se mexer, mas se descobria preso e não conseguia saber pelo quê. Um líquido quente escorria pelo seu rosto, molhando sua boca e trazendo o desagradável sabor férreo de sangue que fazia seu estômago embrulhar.

E então as cenas aceleravam e aceleravam, como um tornado crescendo em tamanho e força, e o deixavam sem ar. Preso, estava preso dentro de sua própria mente cheia de dor e do tilintar dos cacos de vidro caindo um contra os outros em centenas de pequenos fragmentos. Atormentado por figuras borradas que se erguiam como sombras longas e assustadoras sobre ele.

Seu inferno particular de toda noite.

Isabella não tinha como saber o que ele estava vivenciando, nem ele desejaria que ela soubesse. Seu anjo não podia ser maculado com tais cenas negras, era o que ele pensava.

Ela pegou uma das toalhas secas e começou a passar lentamente pelo braço dele, o que era um pouco desconfortável considerando que o braço direito ficava do outro lado e ela não conseguia sustentar o peso de seu próprio corpo. Então apoiou a mão esquerda ao lado da do mendigo e se debruçou sobre ele. Terminando de secá-lo, a mulher se levantou pela quarta ou quinta vez para trocar a compressa que já estava quente novamente.

— Não... s-sozinho... — era um sussurro choroso que a fez ficar paralisada. Levantou os olhos para o rosto dele.

As orbes azuis estavam semiabertas, com muito esforço, e a fitavam de volta. Suor começava a se formar acima do lábio superior dele, uma indicação de que o remédio estava fazendo efeito. Dedos suados e trêmulos se fecharam ao redor dos seus ao mesmo tempo em que ele caía no mundo dos sonhos.

Após alguns minutos o aperto em sua mão diminuiu e ela pôde levantar para molhar a toalha de novo.

Isabella ficou ao lado dele, sentada na poltrona que tinha arrastado do canto do quarto até a lateral da cama durante a madrugada. Adormeceu com a testa apoiada no braço enfaixado dele.

O mendigo demorou a conseguir abrir os olhos, sentia-os pesados e como se tivesse areia. Estranhou ver apenas uma imensidão branca ao invés dos topos de concreto dos prédios e o azul do céu, estranhou também não sentir o cheiro azedo das lixeiras que costumavam ser companhia durante a noite. Estava tudo diferente. Não havia aroma nenhum e isso era a melhor coisa, a mais alarmante. Tentou levantar a cabeça, suas têmporas latejando pelo esforço e as imagens da noite anterior voltaram. O suspiro aliviado que escapou dele foi acompanhado de uma lágrima solitária que caiu no travesseiro no momento que sua cabeça voltava a recostar no mesmo.

Virou o rosto, ficando surpreso ao ver cabelos de um castanho escuro meio avermelhado espalhados por todo seu braço e ombro. A única pessoa que... Não. Ela não teria possivelmente passado a noite ao lado dele, teria? Ele tentou delicadamente mexer a mão esquerda e a surpresa o tomou de novo. Não só ela tinha adormecido ali, mas também tinha segurado sua mão?

Ainda atordoado ele notou quando ela começou a se mexer e rapidamente fingiu estar dormindo. Foi difícil controlar a respiração bem o suficiente para que não fosse descoberto, mas conseguiu e quando ela abriu seus olhos verdes cheios de sono e cansaço, era como se ele nem tivesse acordado.

Isabella sentiu a coluna protestar ao sentar-se ereta na poltrona. A confusão provocada pelo despertar se dissipou rapidamente, como costumava acontecer sempre. O cansaço fez com que passasse as mãos pelo cabelo e quando apenas uma delas surgiu em seu campo de visão, ela procurou o que a impedia.

Seus dedos estavam entrelaçados com os do mendigo. Um pouco assustada ela os retirou rapidamente, segurando-os contra o peito. Conferiu nervosa com uma olhadela se não o havia acordado. Mas nada havia mudado. Ele continuava dormindo e parecia bem mais tranquilo do que quando ela entrou no quarto pela primeira vez. Tentando não pensar sobre como se sentia aterrorizada só de lembrar os gritos que tinha escutado, pegou o termômetro na mesa. Com cuidado, afastou o cabelo embaraçado para o lado, a ponta de seus dedos encostando de leve contra a bochecha dele, e checou a temperatura.

— Temperatura normalizada, ainda bem — ela suspirou, sem saber que ele escutava atentamente. — Pensei que teria uma convulsão — Jake latiu, atraindo o olhar dela. — Ele teve sorte, garoto, o deixe saber disso, certo?

O cachorro pareceu sorrir para ela e abanou o rabo. Isabella se levantou, recolhendo as coisas que usou para cuidar dele e levando consigo quando saiu do quarto. As portas duplas se fecharam às suas costas e ela suspirou aliviada e cansada ao mesmo tempo. Caminhou calmamente, esticando o pescoço de um lado para o outro e ouvindo os ossos estalarem, até a sala hospitalar.

Se sentou na sua cadeira de couro e respirou fundo. Tinha tantas coisas para resolver, já sentia uma dor de cabeça se aproximando. Pegou o celular e começou a discar.

— Jasper — disse assim que ouviu a voz grogue do homem do outro lado da linha. — Por favor, chegue mais cedo no hospital hoje, tem algo que eu gostaria de discutir com você.

Esperou alguns segundos pelo consentimento dele e assim que o mesmo veio, ela desligou. Agora o dia começava e a Srta. Swan estava no modo trabalho.

Isabella colocou os braços nas mangas certas do blazer cinza. Seus pensamentos variavam entre o medo e a insegurança. Os planos que queria pôr em prática tinham pelo menos cinquenta por cento de chance de dar errado, mas também tinha o mesmo número de chances para que desse certo. E isso era reconfortante, de certa forma.

Antes de entrar no carro e ordenar Phill que a levasse para o hospital, deu ordens bem claras para os funcionários para que tratassem o homem como tratariam a ela. Cogitou ir vê-lo antes de ir, mas achou melhor não. Havia pedido para Phill chegar mais cedo e ela mesma já estava quase atrasada. Saiu da casa sem se importar em fechar a porta.

— Phill, preciso que me faça um favor. Seria capaz? — murmurou Isabella, duvidosa, ligando o celular e checando seus e-mails. – Leve meu hóspede ao meu hospital hoje.

— Srta. Swan, a senhorita tem certeza? Ele é um mendigo — o motorista repetiu, estranhando a forma de falar da patroa.

— Sim, ele não deixa de ser mendigo. Mas você não está aqui para questionar e sim cumprir com suas obrigações. Se não for capaz, mande outro motorista te substituir.

Phill direcionou um olhar surpreso para ela através do retrovisor, as palavras estavam embaralhadas e ele não sabia o que falar. Trabalhava para ela desde que ela era uma adolescente se preparando para entrar na faculdade. Ele a conhecia melhor que qualquer um, ou ao menos ele achava que conhecia, e nunca ela havia demonstrado qualquer tipo de preocupação para com as pessoas que sofriam na rua. Isso sem contar que além dos empregados domésticos e dele mesmo, ninguém mais tinha pisado dentro da mansão.

Isabella Swan sempre evitou se aproximar de outras pessoas e que as mesmas se aproximassem dela. Não suportava a ideia de que a tratassem como sua igual, simplesmente porque ela não era. Ele olhou novamente pelo retrovisor, vendo-a encarar o relógio sem paciência, engoliu em seco e deu partida no carro.

— Farei como pede, senhorita. Eu mesmo o levarei e me certificarei de que seja atendido.

— Ótimo. Três horas em ponto, você deve estar lá neste horário. Nem um minuto a mais, nem um a menos.

—Sim, Srta.Swan. Podemos ir?

Ela acenou com a mão e virou o rosto na direção da janela de vidro fumê.

Forks começava a acordar agora, crescendo diante de seus olhos cansados. Ela os fechou, suspirando.

Seu comportamento certamente acabara de chamar a atenção de seu motorista e em breve, às três horas da tarde daquele mesmo dia, deixaria muitos outros intrigados. Isso estava mais do que claro para ela. Porém, estava sendo humana pela primeira vez depois de um longo tempo. Estava se deixando sentir as emoções que tanto havia prendido dentro de si. Sendo filha única, a responsabilidade sempre caiu em seus ombros, aspirações de outras pessoas que se tornaram as suas, vagas lembranças do passado que a perturbavam — não por serem coisas que deviam ser esquecidas, mas por serem as piores.

Seus pais a colocavam nos melhores internatos dentro e fora do país, tudo que fosse necessário para que ela se formasse em uma cirurgiã. Na sua realidade, na utopia distorcida em que vivia, finais de semana para descanso com a família não existiam, “amigos” eram significado de contratos importantes e aliados. Isabella não conhecia outro mundo, até um tempo atrás.

Encontrou uma forma de sobreviver a toda a pressão em seus amados dramas coreanos, sempre que podia e nenhum dos espiões de seus pais a observavam, ela assistia escondida. Pouco a pouco ela foi aprendendo o que era sentir novamente, o que era sorrir de verdade. Talvez tivesse visto televisão demais para que fizesse o que fez na noite anterior, mas sabia que seria errado se não o fizesse e iria sentir arrependimento.

—Srta.Swan, chegamos — Phill mantinha a porta do carro aberta, vendo-a com os olhos fechados.

— Claro. Obrigada — respondeu com certo receio, a culpa por ter sido grossa com ele minutos antes aparecendo.

— Tenha um bom dia, senhorita — ele desejou, esperando que ela descesse por completo para que pudesse fechar a porta novamente.

— Terei.

Isabella absorveu a imagem à sua frente com cuidado, a construção gigantesca conseguindo arrancar um suspiro profundo seu. Sue e Sam estavam na entrada, sorrindo, cada um com uma pasta na mão. Pareciam bobos, pensou ela enquanto se aproximava de ambos. Ela fez um gesto para que os dois a seguissem e entrou no seu hospital, caminhando em direção aos elevadores para poder ir até sua sala.

—Srta. Swan, se me permite perguntar — Sue arriscou, sorrindo para as costas completamente eretas de sua chefe, enquanto subiam. — A sopa estava ao seu agrado?

— Sim, Sue. Você cozinha muito bem – ela respondeu, sinceramente. Não custava nada dizer a verdade e a cada dia que passava se encontrava melhor ao fazer isso.

— Obrigada — a ruiva murmurou, abrindo um sorriso maior. Isabella se virou, fitando firmemente os dois. — Nenhuma palavra sobre ontem à noite, sigilo. Seria uma pena demitir alguém por causa de um boato falso, não acham?

—Demissão? – Sam arregalou os olhos, e Sue a olhou com uma expressão confusa.

— Sim, demissão. Mas sei que irão permanecer de bico calado. Se minhas orelhas, e a dos outros funcionários, ficarem livres de historinhas inventadas até o fim do dia, considerarei um dia de folga durante a semana.

— Não se preocupe, Srta. Swan. Apesar de termos visto um mendigo na sala da sua mansão, um cachorro de rua e de ter sido chamado tarde da noite para dar banho em um vira-lata, e ainda ter... — um olhar da ruiva em sua direção combinado com o de Isabella foi o suficiente para calá-lo. — Não haverá boatos, não se preocupe.

— Isso não me preocupa, Sam. Seriam apenas adultos querendo bancar crianças fofocando — disse Isabella relaxando os ombros. — Só que esse tipo de coisa nesse momento seria muito... Inoportuno.

— Já esquecemos o que aconteceu ontem, não é mesmo Sam? — Sue disse olhando para Sam, com um olhar ingênuo ao mesmo tempo em que lhe dava uma cotovelada nas costelas.

— Claro.

— Ótimo, agora pare de enrolação. Assim que vocês saírem deste elevador ocupem seus postos. Temos muito trabalho para pôr em dia.

Em silêncio os três saíram assim que as portas se abriram no andar correto e fizeram o caminho retilíneo até a sala dela. Seus assistentes deixaram as pastas que carregavam desde a entrada do hospital em cima de sua mesa e a porta se fechou. Jasper já estava lá dentro, parado em frente a uma das janelas.

Ela o analisou por alguns segundos, aproveitando para tirar o blazer cinza e colocar a bolsa em cima da mesa ao lado das pastas. Ele não sabia que ela estava cuidado de um mendigo, saberia? Phill não teria contado para ninguém e muito menos aquela dupla dinâmica. Isabella confiava em Jasper, mas somente no quesito profissional, o que dava a ela dúvidas sobre o que ele faria se soubesse de tal coisa. A vaga esperança de tirar alguns duvidas com seu sócio, se desfez.

— Srta. Swan, como você está?

— Ótima. E o senhor?

— Muito bem, obrigado. Então, o que gostaria de discutir comigo?

— Precisamos por em prática nosso projeto, a cobaia humana.

— Conversei com alguns dos médicos que tem pacientes com doenças hereditárias, encontrei algumas instituições que lidam com isso, e consegui dois interessados em ser nossa cobaia humana.

— Que bom que se adiantou. Quando poderemos começar a trabalhar?

— Hoje mesmo, se quiser.

Isabella balançou a cabeça, assentindo.

— Jasper, você acha que de alguma forma, podemos conseguir que o projeto tenha resultados promissores?

— Tenho certeza que sim.

Ele sorriu, seus olhos brilhando. Isabella não retribuiu.


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Notas finais do capítulo

Eai, o que acharam?
Aguardamos todos(as) nos comentários.
Não deixem de nos acompanhar, surpresas em breve.