Cosmos escrita por Deusa Nariko


Capítulo 2
Capítulo II: Madara


Notas iniciais do capítulo

Depois de meses, eis o capítulo dois de Cosmos. Nos vemos nas notas finais!
Boa leitura!



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Cosmos

 

Capítulo II:

MADARA

⊱❖⊰

ANTES:

 

O desejo egoísta de querer manter a paz provoca guerras e o ódio nasce para proteger o amor❞.

— Uchiha Madara.

 

País do Fogo, Era dos Estados Combatentes.

 

Era Outono no país do Fogo, no ano em que a guerra que devastava todo o mundo atingiu o seu ápice. Clãs digladiavam na busca incansável e primal pelo poder e pela hegemonia, e o campo de batalha era semeado diariamente com o sangue tanto de velhos quanto de novos.

O meu clã, o Uchiha, era um deles, um dos mais famosos e temidos, e travava uma guerra interminável com os nossos principais rivais — os mais poderosos —, os Senju, que competiam de igual para igual com cada membro do meu clã.

Eu nasci com um sangue privilegiado e maldito ao mesmo tempo. Sou filho do líder do clã, Tajima, meu Otou-sama, um dos poucos filhos que ainda continua vivo, infelizmente. Cresci com um único propósito e fui treinado para um único fim: lutar e matar.

Pode soar cruel para alguns, mas quando se nasce em uma era sangrenta como a que eu nasci e quando se convive com a brutalidade crua da morte desde os primeiros anos de vida, você inevitavelmente se acostuma, habitua-se à morte.

Entretanto, não posso mentir e negar que não houvesse um escape para mim de toda essa violência.

Já havia algumas semanas que eu vinha me encontrando em segredo com Hashirama e ele era o mais próximo que eu já tive de um amigo.

Apesar do meu bom-senso e da minha sensatez debocharem de mim por me abrir tanto para um desconhecido, eu não conseguia evitar. A guerra já havia tirado muito de mim, alguns dos meus irmãos, a minha infância e agora... Otou-sama fazia questão de levar Izuna para as batalhas também.

Eu o vigiava de perto quando elas aconteciam, cuidava do meu irmãozinho e me assegurava de que ele sobrevivesse a cada uma delas. Não suportaria perder Izuna também.

Talvez fosse isso o que esses encontros à surdina significavam: pela primeira vez, mesmo que fosse atirando pedras no riacho ou competindo com Hashirama para ver quem urinava mais longe, eu estava sendo uma criança. Havia responsabilidades demais sobre os meus ombros, mas eu cumpriria as expectativas de Otou-sama para mim e até mesmo as superaria. Não descansaria até me tornar forte o bastante para exterminar todos os inimigos do meu clã. Esse era o meu papel, como sucessor dele: transcendê-lo.

Meu nome é Madara, Uchiha Madara e apesar de minha tenra idade eu já possuo um poder invejável capaz de rivalizar com os Shinobis mais fortes do meu clã, inclusive com meu Otou-sama. Nunca conheci outra existência que não essa, nunca vivenciei outra realidade que não a guerra; viver para lutar, lutar para viver.

Estive fadado a esse infortúnio desde que vim ao mundo, mas se lamento por mim mesmo? É claro que não. Conheço a violência brutal e o caminho que trilho é apenas um, mas não o amargo. Por que haveria de fazê-lo? O mundo é o mundo e daqui a cem anos, tenho certeza, quando a minha carne pútrida já houver se desprendido dos meus ossos, travará outra guerra, talvez até mesmo mais violenta do que essa.

Era outono no país do Fogo e as árvores estavam pintadas de vermelho e amarelo. Elas desfolhavam-se abundantemente, repetindo mais uma vez o ciclo natural da vida, preparavam-se para a iminência do inverno. Juntas, suas copas vistosas entrelaçavam-se num dossel sobre a estradinha de terra pela qual eu seguia, escondiam um céu tão afogueado quanto suas folhagens ardentes.

O sol se punha a oeste de mim e o vento sussurrava nas ramagens, trazia consigo o odor cítrico de frutas da estação e o cheiro rançoso das folhas em putrefação, que cobriam o meu caminho e forravam a floresta densa ao meu redor.

Eu retornava de um dos meus encontros à surdina com Hashirama. Aquele estúpido. Competimos mais uma vez para ver quem lançava uma pedra mais longe no rio, conversamos sobre assuntos amenos e evitamos aqueles mais espinhosos.

Depois, ousamos treinar um pouco e eu admito que me exibi para ele, envaidecido. Hashirama tinha um potencial latente, um poder oculto que eu tanto respeitava quanto invejava. Pouco sabíamos um do outro, mas isso não me afetava de algum jeito estranho.

Eu confiava em Hashirama mesmo que soubesse que não devia. Ele era... um amigo. Quanta tolice, a minha própria consciência, cautelosa por natureza, debochava de mim, mas eu sabia que estaria lá da próxima vez para encontrá-lo de novo.

Eu estava voltando para a base do meu clã, percorrendo o trajeto que fazia sempre, e mesmo imerso em pensamentos e divagações inúteis, estava atento à floresta ao meu redor, por isso não hesitei em adotar uma postura defensiva quando ouvi um galho seco se quebrar.

Girei o meu corpo na direção do estalido e curvei-me, observando em derredor. Minha experiência em batalhas me deu sangue frio suficiente para me manter plácido, controlava até mesmo o ritmo de minha respiração, mantendo-a uniforme. Apesar disso, uma gota de suor deslizou pela minha têmpora esquerda e pelo meu cenho franzido.

— É melhor se revelar — adverti quem quer que estivesse à espreita e ouvi o som inconfundível de um arquejo.

Quando meu adversário não se revelou, entretanto, sorri, presunçoso, e concluí:

— É você quem sabe.

Ouvi passos descuidados na floresta e determinei a direção da qual vinham, prevendo até mesmo sua próxima destinação. Quem era esse amador?, perguntei-me e apanhei a kunai que trazia escondida na manga da minha vestimenta, empunhando-a com firmeza e destreza.

Girei meu corpo outra vez e, no intervalo de uma respiração, atirei minha kunai. Ela atravessou a floresta zunindo e cravou-se no tronco de uma árvore a vinte metros de minha posição. Depois do baque seco, houve uma interjeição horrorizada e aguda.

Peguei você, comemorei ao me deslocar pela floresta, tão veloz quanto minha kunai houvera sido apenas instantes atrás. Persegui-o pela floresta até perceber, tardiamente, que não era ele... Era ela.

— Uma garota?! — bufei e detive-me ao encontrá-la, presa à árvore por minha kunai; a gola do seu quimono puído havia ficado presa ao tronco e ela tentava se soltar.

Uma camponesa decerto, conjecturei por sua vestimenta simples e pelo modo como tentava se libertar de minha kunai. Ela grunhiu de raiva e finalmente se desprendeu da árvore, caindo de joelhos sobre a relva da floresta.

Era pequena e franzina, de pele clara e com cabelos vermelho-escarlates, tal como as árvores do outono. Os olhos eram dourados, do tom exato do âmbar, e chisparam ao encontrar os meus.

Bufei. Por um momento, havia pensado que um membro de algum clã inimigo quisesse me emboscar, mas era apenas uma criança. Bem, uma menina... Uma menina que se levantou e empunhou a minha kunai do jeito errado. Certamente uma camponesa, voltei a desdenhar.

Ela ousou apontar minha própria kunai para mim e rangeu os dentes quando a única resposta que arrancou de mim foi um dar de ombros que zombava de suas habilidades sem receios.

— Por que estava me espreitando na floresta? — questionei-a com calma deliberada e ela usou uma mão para afastar o cabelo do olho; sua mão tremia ao voltar a envolver a kunai.

— Você! — indicou a mim num timbre trêmulo. — Tem dinheiro? Comida? Qualquer coisa!

— Pretendia me roubar? — voltei a depreciá-la com meu tom; ora, quem era ela?

É verdade que a guerra trouxe mais do que apenas caos e morte para o país. Trouxe junto a fome e a miséria para vários lugarejos que antes haviam sido prósperos. A julgar pelo desespero daquela menina...

— Eu é quem faço as perguntas! — ela estava ficando impaciente a cada segundo e melindrada também, minha kunai tremulava feito uma folha ao vento em suas mãos. — Responda as minhas!

Não consegui evitar o sentimento de escárnio. De todas as pessoas, ela havia escolhido a mim para roubar?

Fechei a expressão, determinado, e vi o choque nos seus olhos quando me movi depressa demais. Como uma brisa mordaz, abordei-a e arranquei a minha kunai de suas mãos trêmulas e frias.

— Fala em me roubar, mas não sabe nem ao menos segurar uma kunai direito — zombei, e ela se afastou de mim.

Mas num passo errado, pisou em falso e tornou a cair em meio ao leito de folhas secas. Manteve os olhos grudados no meu rosto, entretanto. Lágrimas — de raiva ou de medo — eram vertidas dos seus olhos cor de âmbar.

— Não caçoe de mim — sussurrou cortante, mas mais uma vez dei-lhe as costas, num gesto óbvio de desdém. — O que você sabe sobre a dor de sentir fome? O que você sabe sobre a miséria? Pelo modo como se veste, certamente jamais conheceu nada disso.

Ela se levantou desajeitada, havia folhas secas grudadas à sua roupa.

— O que sabe sobre perder entes queridos para uma guerra sem sentido?! — explodiu e eu lhe lancei um olhar cáustico que a silenciou.

— Cale-se — murmurei e afastei-me dela, decidido a voltar para a estrada e seguir direto para a base do meu clã.

A garota me seguiu, entretanto, e eu bufei.

— Não faça pouco de mim! — ordenou, seguindo no meu encalço, mas parando abruptamente assim que eu me virei.

Você é inconveniente — disse-lhe e minhas palavras pareceram verdadeiramente chocá-la dessa vez. — Já lhe disse para que fique quieta.

Vi-a cerrar e descerrar os punhos antes que seus ombros se encolhessem, evidenciando sua postura melindrosa perante mim.

— Quem é você?

— Isso não lhe interessa — cortei-a áspero. — Pretendia mesmo roubar o primeiro que passasse por aqui?

— Não o primeiro! — defendeu-se com um balbucio encabulado, notei que ruborizava contra a vontade e por alguma razão aquilo me divertia enormemente. — Esperava por um alvo fácil...

— E achou que eu fosse um? Que patético — voltei a desdenhá-la, mas ela não parecia se deixar atingir por meu senso de humor depreciativo, não mais.

— A fome nos leva a cometer desatinos — justificou-se e eu dei de ombros, desinteressado. — Como disse, você está bem vestido e parece robusto, certamente não entenderia o que é sentir esse desespero.

— Há formas piores de desespero, menina — murmurei com um sentimento sombrio crescendo em mim. — Há outros males nesse mundo, não só a fome.

Olhei-a de viés e notei sua sobrancelha arqueada em ceticismo.

— Como a guerra? — conjecturou e eu emudeci. — Você é um Shinobi. Vive para isso, não? Para a guerra. Como você se chama? — ela insistiu e quando viu que não obteria resposta alguma de mim, tomou a iniciativa para si: — Eu me chamo Koyo. Koyo Akino e vivo num vilarejo aqui por perto com minha Obaa-sama.

Uma camponesa, exatamente como eu havia conjecturado.

— Você tem fome? — perguntei a ela de repente e vi-a engolir em seco e confirmar com a cabeça repetidas vezes. — Então me espere aqui.

— Você vai...? — ela se adiantou, tentando me seguir, mas eu a silenciei com um gesto e ordenei para que me aguardasse ali.

Não sabia o que estava fazendo, mas fiz. Não estava tão longe da base do meu clã, então me apressei para chegar lá o mais rápido possível. Esgueirei-me de volta para os muros altos, para os dōjōs onde membros do meu clã eram treinados para a arte da guerra desde que davam os primeiros passos.

Fui até a cozinha onde as mulheres trabalhavam e surrupiei de lá um pouco de comida, nunca era questionado por ninguém por nada do que fizesse, uma das minhas prerrogativas. Então, voltei para lá, para a estrada e a encontrei no exato lugar onde a havia deixado, recostada a uma árvore.

— Você voltou mesmo — sussurrou com um toque de comoção na voz, como se inicialmente houvesse esperado que eu não mantivesse a minha palavra.

Entreguei a ela o bentō com a comida. Então, ela se curvou para mim em agradecimento e me constrangeu por um momento.

— Obrigada! Obrigada! Muito obrigada! — repetia, emocionada.

Ela se sentou sobre o leito de folhas secas e espiou o conteúdo, então agradeceu aos deuses pelo alimento e comeu porções parcimônias de tudo o que eu lhe trouxe. Quando a questionei pelo motivo, contudo, tudo o que me disse foi:

— Preciso guardar uma boa parte para a minha Obaa-sama, ela está doente e precisa de mais do que eu preciso.

— Entendi — anuí.

Koyo mordiscou alegremente mais um onigiri e tentou dividi-lo comigo, mas recusei. Não sentia fome e me contentava em vê-la comer.

— Onde estão os seus pais? — perguntei a ela inocentemente e vi-a se retrair e se fechar.

Passou-se algum tempo e apenas os ruídos da floresta ao nosso redor rompiam numa cadência benquista o silêncio denso. Quando pensei que não fosse me responder, ela o fez através de um sussurro flagelado.

— Otou-san e Okaa-san se foram há muito tempo...

— Eles...? — conjecturei, mas ela negou.

— Não estão mortos, mas partiram há muito tempo em busca de uma vida melhor, uma vida longe da miséria e da guerra.

— E por que te deixaram para trás? — questionei, mas Koyo se fechou e não me quis me contar o motivo.

Ela terminou de comer e fechou o bentō. Agradeceu-me mais uma vez com outra mesura completamente desnecessária, mas antes que se fosse, com o pretexto de levar o restante da comida para sua avó, abordei-a.

— Volte aqui amanhã e lhe darei comida outra vez.

— Não será punido se fizer isso? — sua preocupação comigo era genuína, mas desnecessária.

— Comida é o que não falta para ninguém do meu clã.

— Então os serviços do seu clã devem ser muito requisitados — comentou com astúcia e eu fiquei em silêncio, incapaz de discordar ou de anuir. — Como você se chama?

Ela insistiu uma última vez e depois de tudo o que havia segredado a mim, eu não poderia mais negá-la essa informação. Então, cedi com um suspiro.

— Madara.

— Madara — ela ecoou o meu nome e sorriu-me. — Obrigada pela comida e me desculpe por mais cedo.

Não escondi meu sorriso mordaz, embora isso não parecesse afetá-la. Não havia razão para se desculpar por aquele fiasco. Koyo certamente entendeu-me, pois murmurou a seguir:

— Ainda assim, foi inapropriado de minha parte. Um Shinobi qualquer e menos honrado teria me matado apenas pela insolência.

— Eu não mato garotinhas, especialmente civis — interpus-me, rabugento.

— Mas mata Shinobis tão ou mais jovens do que eu, não é? — ela supôs e eu não pude negar.

Eu já havia assassinado homens com até mesmo o dobro e o triplo da minha idade no campo de batalha. Koyo pareceu haver entendido isso também porque se retirou, apressada, e desapareceu na floresta com um último agradecimento.

Quanto a mim, eu segui o meu caminho, de volta para casa, de volta para o meu Otou-sama e de volta para Izuna, o meu Otouto. Lá, eu seria Uchiha Madara outra vez, uma arma para o meu clã, para a guerra que ainda se desenrolava sobre um campo semeado com sangue, semeado com vidas — tanto jovens quanto velhas.

Mas, mais cedo ou mais tarde, eu escaparia da minha realidade penosa outra vez, sabia. E não conseguia evitar.

⊱❖⊰

Koyo: coloração que as folhas das árvores adquirem no Outono, desde o amarelo ao laranja e ao vermelho. No Japão, a Koyo Zensen (Frente Koyo) é muito apreciada, tal como a Sakura Zensen na Primavera.


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Notas finais do capítulo

E aí está a primeira vida passada da Sakura! *-* E, sim, a ideia é contar a história de amor não apenas do Madara (até a sua fuga de Konoha), como a do Indra também. Ai, ai, essas vidas passadas do Sasuke, tsc.
...
Cosmos está cheia de simbolismos e paralelos diretos com SasuSaku. Será que vocês conseguem encontrar alguns deles? XD
...
Muito obrigada a todos que comentaram e perdão pela demora! Eu queria concluir O Peregrino antes de atualizar Cosmos e ela foi finalizada há semanas, eu, porém, estava meio bloqueada pra escrever aqui. Agradecimentos a Debscm que me empolgou tanto com seu review que digitei esse capítulo praticamente todinho hoje! XD
...
Comentem, ok? Deixem-me saber o que estão gostando mais, o que precisa melhorar... Enfim, não sejam tímidos! ;)
Até o próximo capítulo, que ainda é do Madara! Hehe