Liars and Killers escrita por A Lovely Lonely Girl


Capítulo 20
Capítulo 19


Notas iniciais do capítulo

Não sou capaz de expressar o tamanho da minha gratidão em palavras. Nunca me senti tão feliz e realizada como quando estou escrevendo mais um capítulo, ou quando respondo um comentário dizendo o quanto a fanfic está legal. Muito obrigada, do fundo do meu coraçãozinho, por lerem Liars and Killers. É graças ao apoio de vocês que continuo escrevendo, e é gratificante conseguir colocar as mil e uma ideias que surgem em minha cabeça aqui. Sei que demorei bem mais para postar este capítulo, mas tive que parar por um tempinho para conseguir estudar para as provas do colégio. Espero poder compensar com o tamanho do capítulo (o Word registrou mais de 8.500 palavras); e fico muito feliz em anunciar que é o maior capítulo que já escrevi na vida. Muito obrigada por chegarem até aqui e espero que gostem desse capítulo!
P.S.: Já estou respondendo as perguntas que enviaram para o Talk Show.
P.S.S.: Quem quiser, também pode mandar desafios para os personagens.



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《Bruce Banner》

Estava no laboratório da Torre verificando o nível de radiação gama em meu sangue quando Tony entrou parecendo meio perturbado. Stark entrou a passos largos e começou a digitar loucamente em um computador ao canto da sala.

— Tony, tenho algumas sugestões para a nova programação da Sexta-Feira. O Visão foi de grande ajuda, podemos executar as atualizações? - Não obtive resposta. - Tony? - O moreno parou de digitar de imediato e arregalou os olhos.

— Bruce, temos um problema. - Minha expressão se tornou séria, em seguida ele virou a tela do computador para mim, e vi a fita de DNA em verde que conhecia muito bem. - Este é o seu DNA, certo? Observe esta pequena parte... - Ele deu um zoom em uma parte específica, e coloquei meus óculos me aproximando da tela. - Estes genes são os que permitem a sua mutação. Uma pessoa comum não possui esses genes.

— Onde quer chegar? - Perguntei o encarando, e ele engoliu em seco.

— Fury me pediu para analisar a substância que eles encontraram na boate, aquele soro estranho que eles tinham em maletas em extrema quantidade.

— E?... - Outra imagem de outra fita de DNA, esta amarela, apareceu ao lado da fita que já se encontrava na tela.

— Eu fiz alguns testes... Mas não acreditei. - Ele deu zoom em uma parte específica da fita amarela, e entendi exatamente do que aquilo se tratava.

— Eles tentarão recriar o Hulk? - Arregalei os olhos.

— Pior do que isso, Bruce. - Mais duas fitas de DNA apareceram, uma vermelha e a outra azul. - Estes são os registros da Wanda e do Pietro... - Ele deu zoom em dois pontos específicos, um de cada fita. - Todos têm o mesmo gene, o que permite que a mutação aconteça.

— Então o soro...

— Ele cria super-heróis, Bruce. Não apenas Super Soldados. - Tony balançou a cabeça. - Ele tem a capacidade de dar muito poder a uma pessoa ordinária. Transforma seres humanos comuns em...

— Monstros. - Completei, em seguida me dirigi ao computador. - Me envie todos os arquivos sobre o soro, temos que descobrir uma maneira de desativá-lo.

— Doutor Banner, Senhor Stark. — Chamou uma voz robótica feminina. - De acordo com os registros, o soro ainda não está completo.

— O que quer dizer, Sexta-Feira? - Perguntou Stark.

— O soro de Renselmann não pode ser executado. Apesar de possuir o gene da mutação, não possui especificação para uma mutação particular.

— Fale a minha língua, mulher! - Exclamou Tony.

— O soro é uma arma, mas precisa de uma mão para puxar o gatilho, senhor.

— Isso faz todo o sentido, Tony! - Stark olhou para mim. - Por isso Renselmann não revelou nada, o soro ainda está incompleto.

— O que poderia ser essa mão para o gatilho, Bruce? - Pensei por um momento sobre os arquivos que sabia de cor sobre o meu acidente.

— No meu caso, provavelmente foi a radiação gama. Mas é muito arriscado, e eles não precisariam disso de qualquer maneira. - Apontei para as fitas de DNA de Pietro e Wanda. - A situação dos Aprimorados é diferente. O que é curioso é o porquê deles não reproduzirem a fórmula novamente... Eles estão com medo? Ou então esperando uma mutação em especial?

— Que tipo de mutação em especial, Doutor Banner? - A voz grossa de Fury preencheu o laboratório, e logo seu rosto apareceu em outra tela.

— Não tenho certeza, Fury. Estou apenas especulando.

— O que ele quer dizer é que talvez eles já saibam o que querem criar, Nick. - Disse Tony. - Mas eles não tem o material necessário para concluir o soro. Ou ainda não tem.

— De qualquer forma, temos que interceptá-los antes que consigam atingir seu objetivo. - Olhei para Fury. - Se uma guerra nuclear é ruim, é porque nunca cogitamos uma guerra com pessoas Aprimoradas. Imagine, qualquer pessoa conseguiria ganhar super poderes da noite para o dia; o mundo se tornaria um caos. Muitos não saberiam se conter; e não temos planos de contingência para o mundo todo.

— Seria o fim do mundo, Nick. Temos que agir rápido. - Tony voltou a digitar algo no computador. - Vou tentar conseguir o máximo de informações possível, temos que parar o que quer que Renselmann esteja planejando.

— A SHIELD está cuidando disso, Stark. Enviarei meus melhores agentes.

— Nick, com todo o respeito... - Tony fixou o olhar em Fury. - Somos os Vingadores. Não vai querer ficar no nosso caminho, okay? - Ele sorriu debochadamente.

— Nossa, essa é a sua tentativa de intimidação, Tony? - Uma voz feminina falou, em seguida riu. Os pelos da minha nuca se arrepiaram.

— Natasha. - Fury a cumprimentou, como se fossem estranhos. O moreno puxou a manga da minha camisa e sussurrou.

— Por onde raios ela entrou? - Dei de ombros balançando a cabeça e em seguida me virei para a ruiva.

— Há quanto tempo está aqui? - Tentei não soar ríspido, apesar da Viúva Negra me deixar nervoso. "O sol está se pondo, Bruce".

— Tempo suficiente para atualizar toda a equipe sobre o soro. - Disse a voz de Steve Rogers, que havia acabado de passar pela porta. - Precisamos de um plano, pessoal.

— Precisamos de toda a informação que pudermos conseguir. Eu posso ajudar. - Disse o Visão, que entrava pela porta acompanhado de Wanda.

— Sabemos que eles trabalham para HYDRA, então com certeza tem caroço nesse angu. - Disse Barton, e não fazia a menor ideia de onde ele havia aparecido.

— Hey, esse aqui é o meu DNA? - Perguntou Pietro com seu sotaque característico, colocando a mão na tela. - Interessante.

— Não mexe aí, garoto! - Exclamou Tony, e Mercúrio o encarou. - Tem ideia do que está fazendo? Esse equipamento custa bilhões de dólares, se você quebrar alguma coisa, já era. Vou ter que substituir o laboratório inteirinho. - O platinado ergueu as mãos.

— Desculpe.

— Tenho algumas imagens da mente de Renselmann. Pode nos levar a algum lugar. - Wanda olhou para mim, e meus músculos tensionaram sem que eu percebesse.

— Calma, Bruce. - Natasha sussurrou, aparecendo ao meu lado e segurando meu braço. A encarei, e um meio sorriso apareceu em seus lábios. Me sentia nervoso e inquieto quando ela me tocava - diferente dos outros, ela não tinha cautela em relação a mim ou ao Hulk, era como se ela aceitasse ambos. - Somos todos amigos agora. - Fixei meu olhar nas feições da ruiva; eu podia ser ingênuo, mas não era um idiota, e jamais deixaria que ela me manipulasse de novo. Ela me deixava inquieto? Sim. Ela sabia como acalmar a fera? Sim. Mas não deixaria que me manipulasse como havia feito uma vez há muito tempo. De repente lembrei de olhos verdes vívidos e cabelos que caíam em cascatas negras, um sorriso gentil que pairava em lábios delicados... Observei as feições de Natasha; não haviam orbes verdes ou longos cabelos negros, muito menos o sorriso sincero que eu tanto amava e que ficara gravado em minha memória para sempre. Me senti decepcionado.

— Eu sei. - Natasha e eu - não sei se poderia chamar de "nós" - simplesmente não parecia certo. Ela era uma espiã afinal, então como poderia confiar nela? Como poderia construir uma relação com alguém em quem não podia confiar, alguém que podia querer me manipular? Me afastei de suas mãos e caminhei tranquilamente até o lado de Pietro, que observava fascinado as fitas de DNA.

— Então eles querem nos copiar, certo? - O observei pelo canto dos olhos, e ele continuou. - Os monstros, as aberrações. Eles querem nos copiar? - Franzi os lábios, toquei na tela deixando somente a fita de DNA amarela. Sabia que com "monstros", ele se referia à mim, a si mesmo e à Wanda.

— Não acredito que seja este o caso. - O garoto me encarou. - Talvez eles estejam tentando criar algo novo. - Ajeitei meus óculos observando a tela. - Algo mais poderoso. Efetivo. Letal. - Pietro se calou por um instante observando a tela e colocou as mãos nos bolsos de seu casaco branco e azul.

— Compreendo... Então devemos pará-los o mais rápido possível.

— CONSEGUI! - Stark gritou, e todas as conversas cessaram e as cabeças giraram em sua direção. - Hackeei os protocolos da SHIELD. Tenho tudo aquilo que precisamos. - Seus olhos percorreram a tela do computador, em seguida apareceu um holograma no centro da sala, fotos aleatórias giravam lentamente em espiral pela sala.

— Vê alguma que lhe pareça familiar, Wanda? - Questionou o Visão, a Feiticeira deu alguns passos para mais perto das fotos e seus olhos claros observavam cuidadosamente cada foto. Ficamos alguns minutos esperando que Wanda encontrasse alguma semelhança com as memórias de Renselmann, até que eu disse:

— Sexta-Feira, filtre as imagens dos arquivos. Foque em lugares específicos, de acordo com a maior probabilidade de Renselmann de ter estado lá.

— Entendido, Doutor Banner. - Logo todas as fotos foram substituídas por outras com vários lugares; prédios, corredores, laboratórios, e algumas salas que pareciam pertencer a um manicômio de segurança máxima.

— Ali! - A Aprimorada apontou uma imagem específica, em seguida Tony a deixou em destaque e eliminou todas as outras. Era uma floresta fechada, praticamente impenetrável. Tony estava concentrado:

— Quero imagens dos arquivos relacionadas a esta. - Logo apareceram outras imagens, e Wanda as observava atentamente, apontando para algumas que tinha certeza que estavam na mente de Renselmann. Depois de algum tempo, ficou claro do que aquilo se tratava.

— É um forte... No meio do nada. - Disse Barton, observando. - Deve ser uma instalação bem importante.

— Por que acha isso? - Perguntou Thor, observando as imagens. - Não vejo muitos guardas.

— É sinal de que não precisam deles. Tudo isso tem tecnologia de ponta. Os poucos guardas que estão ali são para emergências. - Explicou o Gavião, analisando atentamente as fotos. - Não vejo muitas entradas e saídas. Isso é mau. Significa que podem ser subterrâneas ou secretas, o que dá uma vantagem a eles; podem fugir a qualquer momento se não fizermos direito.

— Vou scanear e fazer todo o levantamento da planta que conseguir. - Disse Stark, mais agitado do que o normal. Olhei de soslaio para o Visão, e fortuitamente ele entendeu - alguém tinha que ficar de olho no Homem de Ferro.

— Eu posso ajudar. - O androide começou a trabalhar unindo as imagens em uma planta rupestre, havia muitos buracos e espaços a serem preenchidos. - Isto vai levar algum tempo, Tony. - O bilionário suspirou.

— Eu sei. Mesmo assim, não temos tempo a perder. Espero que a cafeteira esteja bem abastecida.

— Eu também espero. - Eu disse rapidamente, já me apropriando de uma das telas para comparar os DNA's. - Principalmente quando eu tenho que comparar uma combinação específica de genes com o DNA de todas as espécies que já caminharam na Terra. - Respirei fundo. - É, vai ser uma longa noite.

— Bom trabalho para vocês, nerds. - Natasha nos lançou um sorrisinho e uma piscadinha marota. - Vamos tentar rastrear o laboratório onde o soro foi criado, além de mais alguns esconderijos da HYDRA. - Ela disse apontando para o holograma de maquete que estava ao centro da sala.

— Posso entrar na mente de Renselmann de novo. - Sugeriu Wanda. Era estranho, mas tinha a impressão que a Aprimorada tentava fazer-se útil até quando não era convocada; como se estivesse tentando nos compensar por algo. Estava assim desde o dia em que concordamos que a SHIELD treinaria aqueles garotos.

— Não se cobre demais. - Pietro lhe disse, tocando seu ombro de leve. A garota havia passado o dia inteiro tentando extrair algo daquele psicopata, em vão. - Se precisarem de auxílio, eles a chamarão. Por ora deve descansar.

— Talvez, se eu tentar de uma outra maneira... - Ela insistiu.

— Wanda. - O platinado interrompeu, e os olhos claros da morena se fixaram nos dele. - Eles a chamarão quando você for necessária. - Ele sorriu levemente. - Descanse.

— Receio que seu irmão esteja certo, Wanda. - O Visão se dirigiu a eles. - Deve descansar agora. Fez um ótimo trabalho hoje. - Ele sorriu, ou pelo menos tentou sorrir, mas tudo o que conseguiu foi uma careta estranha que fez com que a Feiticeira risse levemente pelo esforço do androide. Ele olhou para o lado, envergonhado. - Desculpe, ainda estou tentando me familiarizar com as expressões faciais humanas.

— Está fazendo um ótimo trabalho. - Comentou Mercúrio com um leve tom de ironia. Wanda riu e bateu nele de leve.

— Pára, Pietro, pelo menos ele está tentando! - Ela se virou para o Visão com um sorriso doce. - Tenho certeza que vai conseguir progredir com isso. - Ele assentiu, um pouco constrangido:

— É o que eu espero.

— Bem... Boa noite a todos. Estarei no meu quarto caso precisem de mim.

— Boa noite, mana. - A Feiticeira saiu do laboratório em seguida. Pietro se virou para o restante dos Vingadores. - Okay, qual é a nossa principal preocupação?

— Eles podem escapar por entre nossos dedos ao menor sinal de perigo e ficaríamos lá parados com caras de bunda? - Sugeriu Clint.

— O maior problema é o subterrâneo. Tem muitas saídas. - Comentou o Capitão.

— Podíamos soterrá-las. - Todos os olhares se voltaram para a Viúva Negra. - Bloquear as saídas. Eles ficariam presos e desnorteados.

— Não conseguiríamos fazer isso em batalha. - A voz de Thor se fez presente. - Fugiriam ao menor sinal de perigo. Alguém deve ser enviado antes. Vocês têm tecnologia midgardiana para conseguir fechar as saídas, certo?

— Temos sim, Thor, se chama explosivo. - Tony informou e em seguida apareceram alguns pontos vermelhos no holograma da maquete nas saídas subterrâneas. - É onde os explosivos precisam ser posicionados. Posso criar alguns mais agressivos só para garantir.

— Pelo menos, se algum deles não funcionar, temos duas garantias de conseguir fazer o soterramento ocorrer. - Steve apontou para o Thor e para mim em seguida. - O Thor e o Hulk podem causar um tremor em um ponto específico.

— Meus explosivos vão funcionar. - Afirmou Stark, meio ofendido com a falta de fé do Capitão em suas invenções. Rogers deu de ombros.

— Desculpe, Tony, mas temos que considerar os imprevistos também.

— Temos que ser cautelosos. - Eu disse, em seguida ajeitei os óculos. - E se o Hulk não estiver tão... Cooperativo?

— Com a canção de ninar, tenho certeza que podemos conseguir, Bruce. - Disse o Capitão. Romanoff assentiu concordando:

— Sim, nós dois podíamos ir juntos, então...

— Não posso ficar dependendo da Natasha para controlar o monstro dentro de mim. - Cortei-a, e a ruiva me encarou.

— O que sugere que façamos, então? É um forte com saídas subterrâneas. Precisamos do Hulk, ele é o Vingador mais forte. - Disse Pietro.

— Não é não. - Discordou Thor no mesmo instante.

— Relaxa aí, playboyzinho. - Tony pegou um tablet e começou a digitar apressado. - Vamos precisar de você também. Não me venha amarelar igual o Banner aqui.

— Não estou amarelando. - Todos os olhares se dirigiram a mim. - Estou dizendo que quero um plano B. Além de Verônica, porque o Tony vai ser muito necessário no plano.

— Wow, wow, espera um minuto. Já sei onde quer chegar. - Clint começou. - Temos a Natasha como plano A e a Verônica como plano B. Não precisamos de mais nada. Não vamos envolvê-los nisso, eles ainda estão começando.

— Poderia fazer dessa a primeira missão dela. - Sugeri, e o Visão se virou para mim:

— Não sei se compreendo o que quer dizer, Doutor Banner. Quem é "ela"?

— Eu vi como você olhava pra garota, Bruce. Ela não é a Betty! Vai estar colocando a vida de uma civil em risco!

— Pode funcionar. - Insisti.

— Sobre o que estão falando? - Questionou Steve. Clint e eu nos olhamos e dissemos ao mesmo tempo:

— Katherine. - Pietro se virou para nós.

— Querem colocá-la em campo? Isso é loucura! Ela ainda não está pronta!

— Katherine? A garota que sabe as histórias do meu povo? - Perguntou Thor.

— Ela mesma. - Afirmou Stark, em seguida ele se virou para nós. - Grande ideia, Bruce. - Não havia sarcasmo na voz de Tony. - Afinal, o Hulk pode acabar gostando dela também.

— Concordo com o Pietro - ela ainda não está pronta. - Disse Steve, e Tony lhe deu um tapinha nas costas.

— Bem, então você vai ter algum trabalho a fazer, não é, picolé? - O Homem de Ferro olhou para o restante da equipe. - Vamos nos preparar para a missão, partimos em três semanas.

《 Loki, God of Mischief》

Estava caminhando pelo limbo de meu subconsciente, admirando o vazio que outrora me incomodara desesperadamente, quando mais jovem. Aquele vazio não surtia efeito sobre mim havia algum tempo, e certamente o preferia às terríveis memórias e pesadelos inquietantes que costumavam me atormentar à noite. Com o tempo, aprendi a reprimir tudo aquilo que não desejava me lembrar. Eu me tornara o mestre de minha própria mente, o lorde de meus pensamentos, o senhor de minhas emoções.

Em um átimo de segundo, tudo à minha volta - o completo vazio - começou a ser substituído por um cômodo reconfortante com cheiro de celulose, pó e madeira ancestral. Observei atentamente quando enormes estantes surgiram do chão, a maioria era de madeira negra com livros escuros e novos. Mais ao fundo, próximo à parede mais distante, havia uma única estante dourada tão velha e desgastada que estava praticamente caindo aos pedaços. Seus livros eram anciãos quando comparados aos das outras estantes, e cheiravam fortemente a mofo. Aqueles livros, eu me recordava, costumavam ser tão brilhantes quanto as paredes douradas de Asgard, e suas capas cintilavam ao menor toque. Ou era o que acontecia, havia muito, muito tempo atrás, em uma era diferente. Me aproximei daquela estante, sentindo uma enorme melancolia enquanto me permitia sentir a nostalgia que aqueles livros abrigavam. Suspirei. Sabia o que eram todos eles, os antigos livros dourados brilhantes tornaram-se de um tom enferrujado revoltante.

— É realmente uma pena. - Olhei de soslaio para uma versão mais jovem de mim, com pequenas diferenças. Tinha a aparência de um adolescente midgardiano, trajava um terno branco barato que sempre estava coberto de poeira, óculos com armação tão enferrujada quanto as capas dos livros de Sonhos e Esperanças pendiam em seu nariz delgado. O garoto sorriu para mim. - Olá! Veio por algo especial? Sinto muito em informar que não temos nada de novo na sessão de Sonhos e Esperanças. - Ele indicou a única prateleira caindo aos pedaços com os livros cor de ferrugem. - Mas venha, temos novidades na sessão de Pesadelos! Ah, e recebi nesta manhã mesmo uma entrega para Memórias Dolorosas. Estava em dúvida se o colocaria em Memórias Dolorosas ou Memórias Insuportavelmente Sufocantes, mas quando fui ver a prateleira da segunda sessão já estava cheia. - Ele deu de ombros.

— Não vim pelos sonhos. - Disse rapidamente, e o moreno de olhos verdes olhou para mim com um pequeno sorriso malicioso.

— Uh, esperei ansiosamente por este dia. Finalmente veio consultar vosso subconsciente? Estou à disposição, Loki. - O garoto me deu as costas, seguiu até uma caixa que estava ao pé de uma das prateleiras de madeira, a abriu, tirou alguns livros de lá e começou a organizá-los nas estantes. - No que posso lhe ser útil? Está tendo problemas com a identificação de sentimentos novamente? Quando pensar extremamente no corpo de uma mulher, é apenas desejo, luxúria. Creio que não será difícil para você seduzí-la, afinal, já tens uma certa prática em fazer isto.

— Não é nada disso. O assunto é sério, e precisa ser tratado com urgência. - O garoto ajeitou seus óculos, deixou os livros de canto e me encarou.

— Suponho que seja devido à visita das nornas, de alguns dias atrás.

— Sim. Tens alguma sugestão de quem poderia ser a feiticeira misteriosa? - O moreno segurou seu queixo enquanto seus olhos verdes se perdiam por entre os títulos de livros das estantes.

— Sabes muito bem que a garota é a chave. Skuld deixou isso cristalino. - Ele abaixou a mão e logo seu olhar retornou ao meu. - Não conseguimos as respostas de Katherine através da magia, isto significa que teremos que nos aproximar dela. Mostrar sua verdadeira natureza a ela foi um ótimo truque, fiquei impressionado. - Assenti.

— Obrigado.

— Mesmo assim, temos que fazer com que ela confie em você... Deve conquistar a confiança da humana, logo ela lhe confidenciará os segredos que esconde.

— Sei o que devo fazer. Não preciso de sua orientação para isto. Se não faz ideia da identidade da feiticeira, já não és útil para mim. Contente-se com seus livros. - Dei-lhe as costas e comecei a caminhar em direção à saída daquele lugar. O "bibliotecário" surgiu à minha frente.

— Como disse, a midgardiana é a chave. Deves entrar em sua mente de outra forma que não seja magia. Estude-a, o modo como pensa, como age, como é. Atente-se aos detalhes, nada pode lhe passar desapercebido.

— Não se atreva a me dar ordens. - Sibilei, em seguida desviei dele e continuei seguindo até a porta. Tropecei em uma caixa e me virei para o garoto, com raiva. - ARRUME ESTA BAGUNÇA! HÁ CAIXAS POR TODA PARTE!

— Hey, a culpa não é minha por sua falta de atenção. - Ele se aproximou e abriu a caixa. - Além do mais, eu sempre deixo o caminho até a saída livre para que você possa sair. - O moreno começou a tirar livros negros da caixa. - Seja mais cauteloso da próxima vez, estas caixas aparecem do... - Os olhos do garoto se arregalaram. - Impossível. - Sussurrou.

— Do que se trata? - Perguntei com o cenho franzido, em seguida me agachei ao lado dele e espiei dentro da caixa. Arregalei os olhos com surpresa - sim, aquilo definitivamente era impossível. - Depois de tanto tempo...?

— Sabe o que isto significa, não sabe? - O moreno tirou da caixa com suas pálidas e trêmulas mãos um livro dourado reluzente. Engoli em seco, pois sabia o que era aquilo. Os olhos esmeralda do garoto brilharam por detrás das lentes, e um resplandescente sorriso surgiu em sua face quando ele esticou o livro para mim. - Abra-o. — Segurei o objeto em minhas mãos, admirei os desenhos da capa: um lobo, uma coroa, uma serpente, uma donzela e um feiticeiro. A arte na capa sempre variava de acordo com a natureza do sonho (ou pesadelo). Respirei profundamente e finalmente abri o livro.

Uma luz cobriu tudo o que me cercava, tão intensa que por pouco não me cegou. Conseguia sentir que aquele brilho intenso me levaria diretamente ao sonho contido no livro. Estranhei a maneira como meu coração batia acelerado e as palmas de minhas mãos suavam frio. Eu estava nervoso e ansioso já que não me recordava quando fora a última vez que um livro dourado aparecera. Respirei fundo deixando de lado os persistentes sentimentos que tentavam se apoderar de mim. Dei um passo à frente, a luz se apagou quase que de imediato, logo percebi para onde ela havia me conduzido. O que estava acontecendo? Nenhum Aesir permitiria que eu vivesse, eles haviam colocado minha cabeça a prêmio. Engoli em seco enquanto começava a caminhar pelos corredores do palácio dourado que conhecia desde a infância. Estava me preparando para uma luta, para escapar do sonho assim que os guardas tentassem me capturar, quando uma sequência de notas de um piano chegou aos meus ouvidos. Era suave e delicada, incrivelmente agradável, e logo uma voz feminina acompanhou a melodia:

"Under your spell again
I can't say no to you
Crave my heart and it's bleeding in your hand
I can't say no to you

Shouldn't let you torture me so sweetly
Now I can't let go of this dream
I can't breathe but I feel
Good enough
I feel good enough for you"

Aproximei-me da porta pela qual a música escapava, notei que havia uma fresta entreaberta e espiei para não levantar suspeitas. Uma mulher estava sentada ao piano, seus dedos pálidos dedilhavam o instrumento com intimidade, como se ele não passasse de uma mera extensão de seu corpo. Sua voz era incrível, nunca ouvira nada parecido. Fiz com que a porta se abrisse sem produzir nenhum ruído e entrei silenciosamente na sala. A musicista trajava um vestido verde-água claro com adornos prateados. O modelo da peça deixava seus ombros, clavícula e pescoço à mostra e possuía mangas compridas justas aos seus braços. Seus longos cabelos negros estavam presos em uma trança às suas costas decorada com pequenas flores das mesmas cores de seu vestido. Ela continuava cantando, sua voz era um acalanto para minha perturbada, atormentada e torturada alma. Balancei a cabeça - não podia me distrair, principalmente no mundo dos sonhos. Meus olhos traçaram a linha de seus ombros até seu pescoço delicado, admirando cada pequeno detalhe em sua pele pálida. Naquele momento me descobri ansioso para tocar sua pele, que parecia deliciosamente suave e macia, meus dedos formigavam praticamente implorando para que eu a tocasse o mais breve possível. Não me contendo, acabei por caminhar até a figura feminina e tocar-lhe o ombro nu. Sorri internamente ao notar que a pele dela era tão suave quanto aparentava, e aquilo fazia com que eu quisesse manter o contato de nossas peles por mais tempo do que o considerado apropriado. A morena se sobressaltou, a música cessou no mesmo instante e ela virou o rosto em minha direção. Por um breve momento que parecia uma eternidade, perdi o fôlego.

Olhos intensamente verdes me observavam confusos enquanto mantinha minha mão em seu ombro nu. Sabia que ela me atacaria de qualquer maneira que quisesse porque eu a havia surpreendido e a tocado, sabia que deveria retirar minha mão de sua pele macia antes que ela me afrontasse. Assim que me recuperei de meu choque inicial, afastei minha mão de seu corpo e desviei o olhar do seu balbuciando um pedido de desculpas. O que ela fazia ali? Não devia estar em Asgard, e principalmente, não devia parecer tanto com uma deusa. Como havia conseguido aquelas roupas? Por que estava ali? Perguntas acerca dela surgiam em minha mente, porém, quando estava prestes a questioná-la, a morena se pronunciou:

— Pensei que Vossa Majestade estivesse em uma reunião com o Conselho. Foi liberado de suas tarefas mais cedo, milorde? - Franzi o cenho:

— Katherine? - Ela me dirigiu um sorriso debochado e ergueu uma sobrancelha zombeteira:

— E quem mais seria? Freya? - A garota se aproximou de mim e começou a alisar minhas vestes. - Tem sempre que usar essas roupas? Sei que é a moda asgardiana, mas... - Suas orbes se direcionaram às minhas e ela sorriu amplamente. - Adoraria te ver em alguma coisa que não fosse um de seus uniformes, sua armadura ou aquele terno fúnebre. Uma jaqueta de couro, talvez... - Katherine mordeu seu lábio inferior enquanto suas mãos distraidamente desciam sobre meu peito. Era estranho o fato de o toque dela não me causar repulsa alguma; na verdade, parecia ser o contrário, o toque da midgardiana era até prazeroso. Não queria que ela tirasse as mãos de mim. - Devia ao menos cogitar uma jaqueta de couro, ficaria bem mais sexy. - A encarei incrédulo. O que estava acontecendo? Katherine jamais diria tal coisa, muito menos para mim. A garota riu. - Ah, o que foi? Está agindo como se nunca tivesse me ouvido falar esse tipo de coisa antes. - Mantive-me em silêncio, e a garota simulou espanto. - Oh céus, será possível que eu tenha traumatizado o deus da malícia em pessoa? - Ela riu novamente, um som tão agradável que me fez sentir como se ele pudesse me preencher por completo... Não, não, aquilo era apenas um sonho. Nada daquilo era real. Mesmo assim, era tão tentador... Katherine se aproximou de mim sorrindo, me sentia totalmente petrificado por sua beleza, seu sorriso havia me enfeitiçado de corpo e alma. A humana ficou na ponta dos pés e selou seus lábios nos meus. Cambaleei para trás devido ao choque, sentindo uma descarga elétrica percorrer todo o meu corpo. Pressionei meus dígitos em meus lábios, assustado.

— O que está fazendo? - A garota franziu o cenho:

— Qual é o problema, Majestade? - Tentei me recompor o mais rápido possível:

— Por que fez isso?

— É isso o que amantes fazem, não é? - Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. Então, naquele sonho éramos amantes? Sorri minimamente. Certo, eu conseguiria me acostumar com aquilo: Asgard sob meu poder e Katherine como minha rainha. - Principalmente no meu caso, afinal, eu sou a amante oficial do rei. - Afirmou com orgulho. Arregalei os olhos. Amante?

— Perdoe-me, querida, mas acredito que não compreendi. És minha amante?

— Oficialmente, sou. - Ela me dirigiu um amplo sorriso, e franzi os lábios. Katherine Adams Kohls, a midgardiana teimosa, corajosa e irritantemente romântica que havia conhecido, se sentindo plenamente realizada ao ser reduzida meramente a minha amante? Aquilo estava definitivamente errado, tão errado quanto o comportamento submisso dela no sonho em relação a mim. A humana franziu o cenho mais uma vez. - O que há de errado? Está agindo de forma estranha hoje, meu senhor. - Ela se aproximou e tocou meu rosto, fechei os olhos deliciando-me com a eletricidade que me percorreu devido ao seu toque antes de me permitir ficar lúcido.

— Não, não posso permitir que me enganes, ou ficarei perdido em meus sonhos para sempre. Tu és unicamente uma fantasia criada pelo meu subconsciente para me ludibriar. - Katherine se afastou de mim e piscou, sua expressão delatava sua confusão interna. Mordeu o lábio distraidamente enquanto pensava em algo, e engoli em seco tentando suprimir a súbita necessidade que sentia em provar de seus lábios mais uma vez. Após alguns instantes, a garota retornou a ficar de frente para mim ao mesmo tempo em que suas mãos suavemente subiam sobre meus braços:

— Se o que está dizendo é verdade... - Suas orbes verdes encontraram as minhas e seus olhos brilharam. - Então não há problema algum em disfrutar de seu sonho um pouquinho mais, certo? - Ela me dirigiu um sorriso levemente perverso, e se tornou gradativamente mais claro de que ela não era a verdadeira Katherine, qualquer dúvida remanescente cessou naquele momento. Pretendia me aproveitar daquela situação. Sorri maliciosamente, a criatura à minha frente espelhou meu sorriso, a puxei pela cintura e selei nossos lábios em um beijo selvagem repleto de urgência, minha língua logo pediu passagem por sua boquinha delicada, assim que foi concedida com um gemido baixo por parte da morena aprofundei o beijo segurando sua cintura com uma mão e a imobilizando segurando sua nuca com a outra, deixando-a vulnerável enquanto transmitia tudo o que sentia naquele beijo, todo o ódio, a raiva, a frustração e a luxúria inflamáveis que corriam acelerados por minhas veias desde a primeira vez que a vira. Mordi seu lábio inferior como se a estivesse marcando como minha, o que fez com que sua respiração falhasse por um segundo, em seguida a soltei completamente e me afastei, ainda mais frustrado. Eu havia saciado meu desejo, pelo menos em meus sonhos, então por que me sentia mais sedento do que nunca? Saí pelo corredor a passos largos ainda arfante pelo beijo, fazendo-me voltar à maldita biblioteca com vontade de estrangular alguém com minhas próprias mãos.

Meu subconsciente estava arrumando mais livros nas estantes quando o segurei pelo colarinho e o ergui do chão, ele riu zombeteiramente e sorriu com escárnio e deboche:

— Ora, qual é o problema, Loki? Pensei que havia gostado do novo sonho, a julgar pela maneira como atacou Katherine. - O empurrei com força contra a estante, o que fez alguns livros caírem. Minha mandíbula estava travada de ódio.

— AQUILO não era a Katherine, nós dois sabemos muito bem disso. Você a criou para me enganar e ficar preso aqui pela eternidade. - Ele riu mais uma vez.

— Uh, mas como dói você ter chegado tão perto. - O larguei de imediato e ordenei:

— Explique-se. - O moreno jogou seus cabelos para trás e arrumou o terno amarrotado.

— O que estou lhe oferecendo aqui é uma oportunidade única que não encontrará no mundo real, meu caro Loki. Uma forma de saciar seus desejos... - Ele fez uma pausa e vi a malícia brilhando em seu olhar quando completou - Até mesmo os mais profundos. - E sorriu.

— Não ouse falar sobre aquilo que não compreende. - Ladrei entredentes.

— Estás equivocado. Sou o seu subconsciente, logo, compreendo muito melhor o que está acontecendo, melhor do que um dia você conseguirá apenas imaginar. - Ele segurou as mãos atrás de suas costas. - Sou eu que controlo suas emoções, assim como controlo seus sonhos. - Aproximou-se de mim sem pressa, até que ficamos frente a frente. - Não tens o domínio sobre nada de minha parte, e tampouco sou teu escravo. Você está em meu território, e só tem o que deseja aqui com a minha permissão. Caso não tenha ficado claro, EU sou o senhor de suas emoções. Pense nisso antes de entrar em meus domínios novamente. - O moreno ergueu a mão e estalou os dedos.

Abri os olhos, por um segundo me perguntando onde me encontrava. Observei o teto com alguns adesivos de estrelas e planetas que brilhavam no escuro e logo me recordei - estava em Midgard, no quarto de hóspedes do apartamento de Sigyn e Katherine. Ainda era noite, mais provavelmente, madrugada. Respirei fundo tentando silenciar os pensamentos que surgiam em minha cabeça ao me lembrar da garota que repousava no quarto fronte ao meu. Acabara de sonhar, após séculos sendo atormentado por memórias ruins e pesadelos. Imaginei as íris verdes da mortal, seus longos cabelos negros presos em um coque com uma coroa em sua cabeça... Sentei-me na cama de imediato, clareando minha mente de qualquer pensamento rebelde que aparecera anteriormente. Uma coroa? O que aquilo significava? Eu desejava que Katherine fosse minha rainha? Pensei em seu sorriso ingênuo adornando seus lábios delicados, o brilho infantil que iluminava seu olhar sempre que descobria algo novo, seus pés desajeitados acompanhando os movimentos estranhos e desengonçados de seu corpo quando ela dançava - se é que aquilo poderia ser chamado de dança. Balancei a cabeça.

Katherine Kohls era inocente demais para que eu sequer a considerasse uma companheira apropriada. Ela não conhecia a dor da perda, o caos da guerra ou o desespero da semi insanidade, ainda era pura e inocente demais. Mesmo assim, pensava que ela perderia seu brilho caso passasse por algo parecido ao que ocorrera comigo. Espantei-me por minha presunção de crer realmente, com todas as fibras de meu ser, que a humana seria capaz de passar por tudo aquilo e se tornar extremamente forte; diferentemente de como eu me sentia, encurralado. Isso me recordava de que teria que usar de todas as minhas criatividade e habilidade se quisesse sair de meu esconderijo. Talvez conseguisse que os elfos da luz me abrigassem em Alfheim. Levantei-me da cama ainda pensando em um novo abrigo e em possíveis rotas de fuga.

Segui até a porta, a abri e encarei fixamente os desenhos e dizeres em rúnico que adornavam a porta do quarto de Katherine, até que encontrei o meu nome em uma frase: "Fiel como Sigyn, altruísta como Tyr, corajosa como Thor e inteligente como Loki". Um leve sorriso surgiu em meus lábios e saí do quarto. Caminhei até a sala, havia esquecido o livro não terminado em cima do piano, quando me deparei com o garoto loiro, Lucas, dormindo no sofá, ao lado de seu travesseiro tinha uma poça com uma quantia considerável de baba, e me perguntei quanto líquido um humano poderia expelir antes de morrer por desidratação. Fui até o piano, peguei o livro e comecei a andar de volta ao meu quarto, quando um pensamento me fez parar de caminhar no mesmo instante. Lucas não era Katherine, e não tinha qualquer laço de sangue com a mesma - eu conseguiria entrar na mente dele? Observei novamente o humano, e fiquei levemente surpreso em descobrir que, apesar de não ser impenetrável como a mente de Katherine, a de Lucas exigia um pouco de esforço de minha parte para conseguir ler seus pensamentos. Logo suas memórias começaram a ser vistas pelos meus olhos.

"Era um dia como outro qualquer, estava jogando videogame no meu apartamento quando duas mãos cobriram a minha visão deixando tudo escuro.

— Adivinha quem é... - Uma voz feminina cantarolou alegremente. Comecei a balançar minha cabeça para me desvencilhar de suas mãos, mas a garota fazia de propósito.

— QUE MERDA, KATE! CÊ TÁ ME ATRAPALHANDO! - A morena soltou uma risadinha e tirou as mãos de mim.

— Nossa, o botijãozinho anda estressado, não? - Ela se jogou ao meu lado no sofá e observou o jogo por um tempo. - Eu vou participar do show hoje à noite. Da TWH. É beneficente, para ajudar na reforma de um orfanato. Eles precisam expandir. - Pausei o jogo e a olhei com um leve sorriso.

— Você vai cantar? - Ela assentiu.

— Você pode ajudar a gente? Com a iluminação e tudo mais. O palco não é lá essas coisas, mas com a luz certa...

— Claro que ajudo. - A interrompi. A morena abriu um enorme sorriso.

— Obrigada. - Desliguei o videogame.

— Okay, vem comigo. Vou te mostrar meu mini parque de diversões. - Me levantei, segui até o segundo quarto do apartamento e abri a porta; Kate estava logo atrás de mim.

— Wooow. - Ela encarou os aparelhos dentro do quarto. - Onde você conseguiu grana para tudo isso? - Me virei para ela dando de ombros.

— Sou um traficante de drogas. E fabricante de metanfetamina. - Ela riu. - Não, é sério. Eu tenho até um pé de maconha plantado lá nos fundos. Lembra aquele dia em que o Loki ficou chapado? Ele comeu algumas folhas.

— Ele ficou doidão porque a senhora Danvers bateu com a mala de viagem na cabeça dele. Não tente me enganar, Luke; você é um péssimo mentiroso."

Logo outra memória sucedeu, os pensamentos de Lucas eram interligados, e ao que parecia, uma palavra apenas podia ser o gatilho que levava a outra memória.

"Eu estava em um acampamento de férias para crianças, no meio de uma floresta. Infelizmente os pais de Dylan a haviam deixado lá também, e logo que me encontrou ela me bateu. (Ela tinha me perguntado o que eu achava de seus novos elásticos de cabelo de fadinhas, e eu a respondi que eram bonitos mas não iam adiantar muito porque nenhum elástico do mundo conseguiria encobrir o pêlo de porco arrepiado que era seu cabelo).

Meu olho esquerdo estava doendo e eu sabia que ele estava roxo. Sentia como se minha cabeça pudesse explodir. Estava sentado em uma pedra grande e lisa, longe o suficiente das cabanas para que nenhum funcionário pudesse me incomodar, porém não longe a ponto de sair do alcance dos postes de iluminação. Pelo menos ninguém me notaria ali. Senti as lágrimas ardendo por trás de meus olhos, não muito tempo depois elas estavam rolando pelo meu rosto. Amaldiçoava a minha falta de sorte por encontrar justo a garota que mais me maltratava nesse mundo, já estava cansado daquilo.

— Olá. - Ouvi uma voz perto de mim, rapidamente engoli o choro e me virei. Uma menina pálida, de cabelos negros e um chapéu viking em sua cabeça olhava para mim. - Por que você está aqui? - Franzi o cenho com seu sotaque alemão, e antes que pudesse mandá-la sumir de perto de mim a garota subiu na pedra e andou até mim. Ela segurava um grande livro que quase fez com que ela caísse devido ao peso do objeto; mas não parecia temer cair daquela pedra e estava determinada a chegar até mim. Sentou-se na pedra ao meu lado, e então pude notar que seus olhos eram extremamente verdes. - Alguém está te chateando? Brigou com um amigo seu?

— Não é nada. - Minha voz saiu trêmula, mas ríspida.

— Hm. - Tudo o que conseguia pensar é no quanto aquela garota transformaria minha vida no acampamento em um inferno quando contasse para todo mundo que eu estava chorando. Ficamos quietos por algum tempo, até que ela quebrou o silêncio. - Quer ouvir uma história? - A encarei.

— Como?

— Uma história. - Ela sorriu amavelmente para mim. - Vou te apresentar os meus heróis. - Pegou seu grande livro e o abriu, logo vi uma imagem de uma grande árvore com um arco-íris e longas raízes com bolas ao final de cada raiz, dando a impressão que a árvore as conectavam.

— O que são essas bolas?

— São Reinos. - A garota indicou a árvore. - Esta é Yggdrasil, a árvore que conecta todos os Reinos.

— E o arco-íris?

— A Bifrost. - A olhei com o cenho franzido. - É a ponte que liga Midgard a Asgard, e Heimdall é o encarregado dela.

— Não tô entendendo nada. - Ela riu de leve.

— Certo, deixe-me explicar os Reinos primeiro. - Ela indicou uma das bolas. - Nidavellir é o Reino dos anões. Eles são os responsáveis por forjar as armas mais poderosas dos Nove Reinos. Svartalfheim - Apontou para outro Reino. - é o lar dos Elfos Negros. É uma raça bem hostil, diferente dos Elfos da Luz. - Mostrou outro Reino. - Eles vivem em Alfheim, os Elfos da Luz. É o Reino mais pacífico e com elfos de vários tipos; Elfos do Ar, do Vale, dos Mares, da Lua... - A morena correu os dedos pela página até parar em outro Reino. - Em Vanaheim vivem feiticeiros e bruxos poderosos, os Vanir. Ogros e Trolls também vivem lá. - Seus dedos pousaram em outro Reino, uma bola avermelhada. - Muspelheim é o lar de Surtur e dos Demônios de Fogo. Pode considerá-los uma raça totalmente maligna, e muito hostil. Niflheim - Indicou outro Reino. - é escuro, frio, coberto de névoa e neve. Ninguém vive lá. Os que lá se encontram estão mortos, os não-dignos. É onde fica Hela, ela é a rainha deles. - Sua mãozinha deslizou novamente na folha até parar em outro Reino. - Jotunheim é o lar dos Gigantes de Gelo, e tem uma temperatura tão baixa que chega a ser letal. Os Jotuns também são hostis. Midgard - Ela retirou a mão do livro e indicou tudo a nossa volta. - é aqui. O lar dos humanos, de guerreiros e heróis. Acho que não preciso explicar Midgard a você, certo? - A garotinha sorriu, e neguei com a cabeça. - Muito bem. - Sua atenção voltou ao livro, e segui seu olhar, seu indicador parou no arco-íris. - A Bifrost, ou Ponte do Arco-Íris, como o Johnny me explicou, é a ponte que liga Midgard... - Voltou seu indicador ao início do arco-íris, em que Midgard se encontrava, me seguida traçou o caminho pela Bifrost até alcançar a outra ponta do arco-íris, e um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. - ...a Asgard. Asgard é o lar dos Aesir, o Reino Dourado. É o lar dos deuses, e onde fica o Valhalla. O Valhalla é o grande salão em que os mortos dignos, os guerreiros, festejam pela eternidade junto a Odin, ele acolhe todos os tipos de raça de Yggdrasil.

— Wow. - Era a única coisa que eu podia dizer. Conseguia ver o brilho no olhar da garota quando contava a história.

— Pois é. - Seu sorriso parecia inabalável, era puro, inocente, dava para perceber o quanto ela amava aquelas histórias. - Um dia eu estarei lá.

— Onde? Em Asgard? - Ela assentiu.

— No Valhalla, para celebrar pela eternidade. Mas claro, para isso acontecer eu tenho que me tornar uma boa guerreira.

— Acredita mesmo nisso? - Seus olhos verdes se fixaram em mim, e apontei para o livro. - Nessas histórias, nesses Reinos e em deuses...? Acredita em tudo isso?

— E você não? - Fechou o livro sem desviar seu olhar curioso de mim. Fiquei em silêncio pensando em sua pergunta. Eu acreditava em alguma coisa, porém aquilo não chegava nem perto do que eu imaginava. Encostou sua mão na minha. - Lamento pelo soco no olho. Vem comigo, vou pegar gelo para você.

— Eu bati a cara no poste. - Menti seriamente, e a menina riu.

— Qual é o seu nome?

— Lucas.

— Eu sou Kate. Não tente me enganar, Luke. Você é um péssimo mentiroso. Agora vamos logo. - Kate me puxou para fora da pedra e fomos cuidar do meu olho roxo".

Concentrei-me ainda mais em sua mente para tentar compreender seu funcionamento, afinal, nenhuma mente funcionava de maneira igual a outra. Quando desvendei suas engrenagens direcionei-me às memórias mais recentes.

"Estava nas instalações da SHIELD, socando um saco de areia quando a porta se abriu. Parei no mesmo instante e me virei, Natasha estava parada de braços cruzados me encarando. Me aproximei dela.

— Você que vai me treinar, certo? É verdadeiramente uma honra, Agente Romanoff. - Sorri amplamente.

— Lucas, eu li sua ficha, sei de suas habilidades. É muito talentoso com a tecnologia, e tenho certeza de que o Stark seria uma melhor opção para o seu caso. - Engoli em seco. Eu era tão patético que ela estava me dispensando antes mesmo de começar a me treinar?

— Não quer me treinar, Agente Romanoff? - Perguntei meio temeroso, e a ruiva negou com a cabeça.

— Não é o que estou dizendo. Estou tentando te dar uma escolha. Acho um desperdício te colocar em campo com tamanha habilidade. Pode começar trabalhando com o Tony, e depois eu o treinaria. O que me diz?

— E quanto a Katherine? Ela também vai para o laboratório? - Natasha respirou fundo.

— Não exatamente. Avaliamos a ficha da Katherine e seu perfil, constatamos que ela seria uma boa agente de campo. Steve vai prosseguir com o treinamento dela, desde o básico. Você está um pouco mais adiantado, por isso foi designado a mim, entende? - Assenti.

— E quando vamos ver a Agente Hill?

— Ainda não estão prontos para Hill. Na hora certa, contaremos o que devem saber.

— Certo. E o Agente Barton nos ajudará com as armas?

— Sim, exato. O Clint vai ensiná-los a manusear as armas. Mas não vai ser apenas isso, vocês também terão acesso ao laboratório quando o Tony e o Bruce estiverem lá. Claro, não poderão tocar em nada ou podem explodir alguma coisa.

— Entendi. Muito obrigado por esclarecer minhas dúvidas, Agente Romanoff. - Ela assentiu uma única vez e descruzou os braços.

— Vamos começar o treino."

Saí da mente de Lucas assim que a memória se dissipou. Eles eram recrutas da SHIELD! Não era à toa que Katherine estava tão próxima a Sigyn, ela trabalhava para a agência de espionagem americana. Sentia a fúria me consumindo e pensei em quebrar alguma coisa, porém o mini espião ainda dormia no sofá. Eu o mataria, isso era certo. Porém antes iria diretamente à raiz de toda a minha perturbação e a arrancaria de uma vez por todas. Me virei, segui pelo corredor até a porta do quarto de Katherine, fiz com que fosse destrancada e aberta sem emitir ruído algum e adentrei seu quarto. Uma adaga surgiu em minhas mãos enquanto pensava no quanto ela havia me enganado, a mim, o deus da mentira em pessoa! Katherine havia me traído. Ela pagaria por isso com sua vida. Estava decidido a matá-la, e a prova disso era a firmeza com a qual segurava a adaga em minhas mãos.

Me aproximei de sua cama, observando-a fixamente. Sua testa estava suada, ela murmurava baixo em alemão pedindo misericórdia em meio a um pesadelo, lágrimas escorriam por sua face enquanto dormia, ela estava presa em seu próprio terror pessoal. Sentei-me ao seu lado, Katherine mantia seu corpo imóvel durante o pesadelo, como se estivesse à mercê do mesmo. Eu poderia facilmente cortar seu pescoço ou perfurar seu coração, estava decidindo exatamente como a mataria enquanto as feições da garota ficavam cada vez mais angustiadas e aterrorizadas, no mínimo.

Foi então que compreendi: Katherine sofria de pesadelos tão ruins que eram como uma tortura para ela. Tinha que assistí-los repetidas e repetidas vezes, o que era ainda pior. Sabia o quanto aquele tipo de pesadelo era poderoso, tomava conta de seu ser completamente e parece interminável, te faz ansiar pela morte. Com o tempo aprendi a controlá-los com a ajuda de minha magia, mas a midgardiana não possuía nada disso para ajudá-la. Katherine morreria angustiada e seria assombrada pelos pesadelos pelo resto de sua existência, e desejaria a morte mais de uma vez. Isso com certeza seria pior que a morte. Fiz a adaga desaparecer de minha mão assim que constatei que a morte seria mais um ato de misericórdia para a garota do que uma sina truculenta e perversa. Sua punição seria a vida. Permiti-me desfrutar de seu sofrimento para saborear minha amarga vingança, cada vez mais convencido de que minha decisão era a mais certa.

Com um movimento rápido, ela girou para o meu lado ficando de bruços na cama enquanto sua mão irrequieta tateava em busca de sua salvação. Foi quando sua mão tocou a minha, e senti algo como uma faísca elétrica me percorrer por completo. Engoli em seco de imediato encarando a garota, suas feições não se contorciam em agonia, estavam calmas e pacíficas, um pequeno sorriso de alívio adornava seus lábios em meio ao sonho. Observei minha mão, e conforme suspeitava, vi que a aparência de um Gigante de Gelo se revelara mais uma vez. Era até bom, de certa maneira, que isso acontecesse cada vez que a humana me tocasse; me recordaria de que eu não podia desejá-la, e que ela era um risco que não valeria a pena correr - arruinar meus planos por uma mera mortal? O que eu era, um adolescente com os hormônios incontroláveis à flor da pele?

— Loki... - Katherine sussurrou em seu sonho, e me encontrei hipnotizado pela midgardiana. O modo como chamava meu nome, como clamava por mim... Tive que respirar fundo para controlar os meus mais profundos instintos. A humana era uma tentação a qual não podia me dar ao luxo de provar, e nossa proximidade se tornava gradativamente mais perigosa. Sabia o que aquilo significava; se não conseguisse controlar meus instintos com todas as minhas forças, minhas emoções me dominariam. E Katherine seria a minha ruína.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Lembrando: tem Talk Show depois do capítulo 20, então já podem mandar as perguntas. E desafios também. Muito obrigada por lerem Liars and Killers!
P.S.: Fiz uma montagem para o capítulo, disponível na página da fanfic no Facebook.



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