Get Back escrita por Mags
Ambos estavam no parquinho que costumavam amar na tenra infância.
Os brinquedos enferrujados pareciam apresentar mais lascas nas respectivas pinturas do que no começo do verão anterior e Jojo podia notar um amassado novo no velho escorregador.
Era engraçado o quanto a atmosfera espectral que o parquinho carregava era, de certa forma, bastante convidativa para a alma masoquista e ligeiramente suicida de Jojo, que gravitara quase que instintivamente para lá quando Saturn enxarcara sua camiseta de tristeza.
"Me tira daqui"
Jojo ainda não fazia a menor ideia do porquê das lágrimas (e isso o matava um pouquinho).
Ele havia cedido sua camiseta para Saturn mais cedo e agora admirava o quanto até aquele pedaço de tecido largo, velho e amarelado lhe caíra ridiculamente bem.
(Jojo teve de se esforçar para não bater os dentes quando uma brisa gélida chocou-se contra suas costelas descobertas).
— Só pra você saber, esse seu olhar fixo em mim é meio psicótico - Saturn comentou abraçando os próprios joelhos contra o peito sem desviar os olhos do chão coberto de areia.
— Eu sou meio psicótico - ele a corrigiu em tom sarcástico.
Saturn revirou os olhos ainda inchados pelo choro.
— Ta bom então, Charles Manson - debochou. A retaliação veio com um punhado de areia jogado em sua direção por Jojo. Ele lhe sorria como uma criança travessa esperando que ela devolvesse o ataque, mas Saturn não parecia ter notado. Ela caminhou até as gangorras enferrujadas e se virou para Jojo - Você ainda anda com seu canivete?
Ele tateou o bolso do jeans surrado e entregou-o à ela:
— O que você vai fazer com isso?
— Vandalizar - respondeu com uma naturalidade deveras assustadora.
— Faz sentido - Jojo sorriu.
Saturn escolheu uma gangorra amarela com os acentos azuis desgastados e começou a talhar algo.
— Ei, eu sei que você não gosta de falar sobre essas coisas, mas queria que você soubesse que pode sempre contar comigo pra qualquer coisa - ele murmurou com um sorriso tímido e ela permaneceu em silêncio, compenetrada demais em sua tarefa. Ao longo de todos esse anos de convivência, Jojo Harris havia notado que o silêncio era a forma que Saturn respondia a qualquer comentário que julgasse irrelevante ou inconveniente. Sentiu suas bochechas esquentando e tentou ignorar o constrangimento.
— Você sabe o que isso quer dizer? - perguntou, referindo-se ao que tinha acabado de escrever.
Ele se levantou para espiar a gangorra.
Talhado em letras grosseiras e rabiscos ilegíveis, Jojo conseguiu ler com dificuldade:
"Você pode pintar sobre mim e eu ainda estarei aqui"
— Engraçadinha - ele murmurou ainda encarando a gangorra.
Jojo levantou a cabeça e olhos de libélula o fitavam sem nem ao menos piscar.
Saturn avançou para mais perto dele, um passo de cada vez até estar a uma distância torturante e deliciosamente perigosa.
Ela enlaçou os braços em volta de seu pescoço e se inclinou para frente.
— O que você está fazen...? - ele não teve tempo de terminar a frase.
Fechou os olhos e os meteoros começaram a cair.
Saturn tinha gosto de vanilla coke e damascos desidratados.
E as borboletas em seu estômago na verdade eram libélulas.
Ela se afastou bruscamente.
Ele se esqueceu momentaneamente de como falar.
— Desculpe, eu só... Achei que devia fazer isso - Saturn sorriu.
Ela se esparramou na areia fina do parquinho e ele teve a impressão de que ela nunca estivera tão bonita.
Jojo deitou-se ao seu lado e as partículas de areia pinicaram suas costas nuas. E os ruídos do vai-e-vem do balanço martelaram suas entranhas. E o vento lhe causou calafrios. Mas Saturn apoiou a cabeça sobre seu peito. E subitamente tudo ficou bem.
Jojo sentiu que se não a envolvesse com seus braços ossudos e pálidos até que estes necrosassem e se não beijasse seu couro cabeludo molhado de suor até que seus lábios sangrassem, ele morreria.
Mas seus braços não eram fortes e quentes e seus lábios eram finos e rachados. Não era o bastante, porque Saturn parecia um poema de cabelos verdes que respirava. Porque Saturn tinha dois furacões dentro de seus olhos castanhos. Porque Saturn era tão bonita que fazia seus pulsos latejarem e seu coração se comprimir.
Jojo sempre gostava de imaginar o quão maravilhoso seria se, de um segundo para o outro, ele simplesmente parasse de respirar. Mas com ela ali, deitada em seu peito e praticamente desacordada, Jojo só quis ser salvo. Imóvel e segurando a respiração para não a incomodar, ele não quis morrer. Pela primeira vez em muito tempo, ele só quis ser o suficiente e acima de tudo, Jojo não quis estar em mais nenhum outro lugar.
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