Eu de Letras, ela de Irônicas escrita por Sr Devaneio


Capítulo 23
Capítulo 23 – Resultado


Notas iniciais do capítulo

Vocês acharam que eu não ia postar mais essa semana?
Não deu pra postar na quarta, vai hoje mesmo.
E só por causa disso, 11k de palavrinhas só para vocês. Quem gostou do capítulo anterior vai adorar este (creio eu).
E, se depois desse capítulo os fantasmas não comentarem, eu desisto. De verdade. Porque olha... não foi fácil passar noites e noites bolando esta maravilha.
Enfim, sigam-me nas redes sociais. Digo, espero que gostem.
Boa leitura,
Sr Devaneio



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— Nossa, adorei! Só espero não ficar rouca já que ainda não acabou! – disse Ellie, já no carro, quando conseguimos sair da área VIP (que por “sorte” ainda saiu primeiro) e voltar ao estacionamento.

Ah, é. A festa.

Ellie virou-se para mim e perguntou:

— Vamos juntos até o fim da noite ou vai querer que eu te deixe perto do seu bloco? Sabe que não é problema...

— Hum... Deixe-me ver que horas são.. 00h15, só? Vamos até o fim.

Ellie se admirou:

— Olha, eu não sei o que está acontecendo com você ultimamente, mas você está diferente e pra melhor. Adorei! Vamos zerar essa noite, uhuuuul!

Eu estava diferente?

Sorri. Era algo bom. Muito bom, na verdade.

Porque parando para pensar... de fato, há seis meses eu não me imaginava aceitando metade dos convites que me ofereciam, muito menos a ir a lugares extremamente movimentados.

Mas eu estava gostando e isso, eu sabia, era excelente. A mãe ia adorar saber que estou vivendo mais, me permitindo mais e me curando mais.

É, era bom ter um pouco de agito de novo na vida. Eu tinha me esquecido da sensação.

“’Cuz we do what we want!

We like it, we own it, we change it

We’re, we are the master chiefs!

(Yeah)

Oh, we do ( yeah) what we want!

We control, we rule, we boss’n here

We’re, we are the master pieces”

— Opa, R-E de novo, eu amo! – Ellie disse assim que entramos no local da festa do dia.

— Essa música tocou no show, certo? – perguntei.

Ela se virou para mim, cantando, e apenas balançou a cabeça sem perder a letra:

“Yeah! We love doing whatever... Oh, oh, oh we are the master pieces!

O.k., sendo sincero, esperava que a próxima música fosse de outro grupo ou cantor. O grupo era legal e tudo, mas já tinha tido o suficiente por um dia.

Como se ouvisse meus pensamentos, a música já estava no final e acabou assim que chegamos. Com Golden People, de Mister Jam tocando logo em seguida, Ellie me levou pelos cômodos da casa até encontrarmos seu anfitrião.

Eu o reconheci antes de ela se aproximar, cutucar e abraça-lo como se fossem velhos amigos.

— Ei Austin, quero que conheça meu amigo e colega de trabalho...

— Opa, e aí cara! Quanto tempo...

Ele estendeu a mão, que apertei por educação.

— E aí! – respondi sem o mesmo entusiasmo.

— Vocês já se conhecem? – perguntou Ellie, animada com nosso reconhecimento um do outro.

— Sim! Já fomos apresentados... – ele vasculhou suas memórias antes de estalar o dedo apontando-o para mim:

— Anders, né?

— Andrew.

— Andrew, isso! É bom te ver de novo, cara!

Assenti com educação:

— Obrigado!

— Bem, tenho certeza de que você não o conheceu da melhor maneira, Andrew – disse Ellie, ficando ao lado dele  e entrelaçando o próprio braço com o de Austin – Esse é Austin, melhor amigo de infância e conselheiro nas horas vagas.

Opa, ele era importante para Ellie. O que era uma pena, porque algo nesse cara não me deixava gostar dele. Austin tinha uma expressão sorridente, alegre, dentes, rosto e cabelo penteado para trás, brilhante e com topete perfeito demais. Me cheirava a cinismo e dissimulação sustentando um falso sorriso. O típico babaca popular.

Esperava que meu sexto sentido estivesse errado desta vez, apesar de ter escolhido confiar mais nele que na razão. Não acreditei na última e deu no que tinha dado... E também, eu não perderia muita coisa. Não tinha sequer vontade de ser muito amigável com Austin porque ele simplesmente não tinha importância alguma para mim.

— Oh, amigos de longa data! Jamais imaginaria...

Austin fez uma mesura teatral e falou:

— E pode colocar longa nisso. Essa aqui vale ouro, cuide bem dela, cara!

— Desculpe? – perguntei.

— Ah, não Austin – Ellie desvencilhou-se do mesmo –. Andrew é somente meu amigo.

— Ah sim, claro, claro. Desculpem-me! É que, bem, na nossa idade vocês sabem como é – Austin deu um sorriso sem-graça que nem eu nem Ellie retribuímos.

— Ei, você estava com Anna aquele dia, certo? Ah, agora me lembrei de você! O amigo das garotas!

Eu tinha quase certeza de que havia captado uma provocaçãozinha ali.

Ellie olhou de Austin para mim sem entender.

Dei de ombros, sem me importar caso realmente tivesse sido um pequeno ataque.

— É bom ter amigos – respondi com simplicidade.

Austin recebeu uma mensagem em seu celular.

— É, é sim... Bem, se me dão licença, preciso ir recepcionar alguns convidados – disse ele, ainda olhando para o celular e já se retirando.

— Vai lá! A gente se fala mais depois – disse Ellie.

— Não quer vir e aproveitar pra pegar uma bebida? – Ele olhou para mim – Se você não se importar, é claro.

— Hum... Eu estou com sede. Andrew...?

— Sem problemas. Vai lá – dei uma piscadela para Ellie, que sorriu em resposta.

— Vou trazer algo para você também. Alguma preferência?

— Temos de cerveja a vodca – acrescentou Austin, parado no portal que dava acesso a outro cômodo.

— Eu estou bem, obrigado Elly. Estarei por aí.

Ellie assentiu:

— Eu te acho! – disse.

— Perfeito!

Ellie saiu conversando animadamente com Austin.

Então me dei conta de que era a segunda vez que era deixado sozinho em uma festa na qual tinha sido convidado. Que coisa...

Decidi dar uma volta pela casa cheia de gente. Passeei por alguns cômodos cumprimentando vez ou outra um colega de classe cujo nome eu desconhecia, ignorando alguns casais que se curtiam em cantos mais reservados (ou não), respondendo a poucos acenos de garotas ao redor (que eu também não conhecia) até sair pela porta dos fundos e chegar ao quintal da casa. Como sendo maior que a casa da festa onde eu conhecera Austin, tanto o quintal quanto a piscina dessa também eram, e ambos estavam apinhados de pessoas.

O quintal era arrumado e bonito. Com a decoração de fios com lâmpadas (passando por cima dos galhos das árvores mais próximas, telhados, canos e qualquer coisa que fosse alta o suficiente e estivesse no caminho), além da própria decoração que as pessoas conferiam com a própria presença, aquela era uma visão agradável. Tinha gostado do lugar.

Fui até a churrasqueira, próxima à piscina, para ver observar a movimentação mais de perto – e talvez até achasse algo para fazer. Reconheci a garota de jaqueta jeans verde-militar com calças combinando e cabelo com a parte colorida presa em um coque firme no alto da cabeça, Resolvi me aproximar porque era o único rosto conhecido:

— Boa noite! – cumprimentei.

A garota que eu ajudara a não cair com uma fôrma de cookies quentes da aula de Serviços Domésticos – Chloe – virou-se para mim e, parecendo me reconhecer, disse em um tom amigável:

— Ah, ei! Como vai?

— Bem, e você?

— Estou de boa. Esperando eles tocarem alguma música boa... - ela deu um meio-sorriso que soou entediado, na verdade.

À sua diagonal estava a mesa de bebidas e ela aproveitou tal proximidade para esticar a mão e pegar um copo.

— E então, como tem se divertido nessa festa? – perguntou sem muito interesse genuíno, mas ainda soando como se quisesse saber. Estava puxando papo.

— Na verdade, acabei de chegar... ou quase. Não estou fazendo nada. E você?

— Eu vim com uma amiga que saiu com um amigo dela dizendo que voltava logo. Devem estar transando.

Sem saber ao certo o motivo, achei engraçada e amigável a forma aberta e direta com que ela falou a frase.

— Que coincidência, também vim com uma amiga que saiu com um amigo.

Comecei na mesma hora a fazer cogitações mentais baseadas no diálogo de Chloe e, tão logo percebi o que estava se formando em minha mente, afastei as imagens mentais no mesmo instante.

Chloe deu de ombros:

— É provável que eles também estejam transando...

— Será? Mas isso tem pouco mais de quinze minutos.

— Estou com sede – ela falou, virando-se para a mesa ao lado e servindo-se enquanto dizia –. Bem, hoje em dia as pessoas têm pressa para tudo, então não costumam perder tempo com nada. Ou pelo menos evitam – ela pegou outro copo e começou a servir também –. O fato é: pode ser que ela apenas tenha entrado em um assunto interessante e a conversa tenha rendido, também, claro... Não dá para saber ao certo e você não parece ser do tipo que pergunta.

Parte do riso acabou escapando.

Chloe se aproximou novamente esticando um braço para me entregar um copo plástico enquanto segurava o outro.

— Aqui, toma um pouco também.

— Não esse tipo de coisa, pelo menos... – falei, tentando segurar o riso.

Chloe olhou para mim e sorriu um pouco intrigada:

— Acha engraçado?

— Sua forma direta e sincera de dizer esse tipo de coisa, sim. Também estou me perguntando por quê.

Ela riu brevemente e tomou um gole.

— Entendi. Nem todos tem a mesma cara-de-pau que eu, realmente...

— Mas você já parou para pensar que o mesmo pode ter acontecido à sua amiga? Digo, ela pode ter encontrado alguém com um papo interessante... – sugeri, começando a beber também.

Chloe fez uma expressão de descrença torcendo a boca e revirando os olhos enquanto eu engolia o líquido amargo:

— Há uma hora? Duvido muito. Ainda mais a conhecendo como eu conheço...

Assenti, comunicando que eu havia entendido. Depois disso a conversa morreu naturalmente. Chloe bebeu de seu copo e eu permaneci calado, observando o lugar e as pessoas e inevitavelmente pensando em Ellie e o que ela poderia estar fazendo.

— Cara, que saco. Detesto ficar sem fazer nada – protestou Chloe, assumindo um olhar cheio de tédio –. Imaginei que a festa estaria mais animada, confesso... O Austin não costuma decepcionar, mas dessa vez...

Olhei para ela.

— Ele mora na casa? – perguntei.

— Não sei, mas sei que organiza as maiores festas do campus.

Assenti.

— Realmente não está parecendo muito animada... Vai ver somos nós, desamigados – então acabei tendo uma ideia –. Ei, quer fazer alguma coisa, sei lá? – virei-me para ela.

A garota ao meu lado me olhou com a testa totalmente franzida e os lábios pressionados, indicando estranheza e desconfiança.

— Cara, eu não vou transar com você. Eu nem te conheço direito, aliás nem sei se lembro seu nome. Bebe tua cerveja.

— O quê? Não! Não estava sugerindo isso – longe de mim. Era mais algo como uma caminhada ou sei lá; imaginei que qualquer coisa que servisse para te tirar desse tédio perceptível fosse legal...

Chloe começou a rir.

— O que é tão engraçado? – perguntei confuso.

— Eu tava brincando. Relaxa amigo!

Então ela terminou de beber o líquido no copo plástico e, pousando-o na mesa, continuou:

— Mas não, obrigada. Acho que vou pro meu quarto, me sinto cansada.

E então ela olhou para mim.

— Pensando bem, não vou te deixar sozinho – sei o quanto isso é uma droga. Vou ficar até sua amiga ou alguém aparecer.

— Não precisa se não quiser, eu vou sobreviver.

— Tá de boa. O quarto fica quieto demais quando só eu estou lá e eu meio que comparo aquela calmaria ao tipo desolador às vezes. Sinto-me sozinha demais, algo assim. Enfim, Andrew-da-aula-de-Serviços-Domésticos, você não vai acreditar: aprendi a fazer cookies sem deixa-los cair!

— Opa, sério? Meus parabéns, Chloe-derruba-bandejas! Espero que todos tenham ficado sem micróbios terrestres...

Chloe riu divertidamente, eu também. Bebi mais um pouco enquanto ela falava:

— Ah, teria sido horrível! Mas não, nenhum deles caiu porque eu também aprendi a usar uma forma. E aprendi a esperar esfriar também, se quer saber.

Dei risada com a expressão comicamente autossuficiente da moça, que riu também.

— Agora eu posso vender cookies até formar um império gastronômico. Você ainda vai ler meu nome estampado nas colunas mais importantes dos jornais mais lidos do país, guarde minhas palavras!

— Certamente não esquecerei! Mas, fora os cookies, tem se distraído com algo ultimamente?

Ela parou para pensar:

— Hum... não. Acho que não. Essa competição maluca meio que tem tomado muito tempo. Graças a Deus que acabará amanhã!

— Ih, é mesmo... Eu tinha me esquecido pela segunda vez.

— Você já parou para pensar que, seguindo certa lógica, até amanhã nós meio que somos rivais? – perguntou, me observando.

— Pra ser sincero eu meio que não vim dando a mínima ultimamente. As obrigações e deveres ainda se mostraram mais importantes.

— Você não queria competir?

— Na verdade, eu nem sabia que tinha isso aqui. Aceitei o convite por causa de outra amiga. Ela disse que seria divertido e que não tinha ninguém para ir com ela, então aceitei.

— Ah! Você faz grupo com a Goldson, certo?

— Isso – falei e bebi.

— Entendo – ela respondeu balançando a cabeça –. Então não estão de fato competindo. Apenas... passando o tempo.

— Considerando que não estamos nos esforçando de fato... Sim, é por aí.

— Isso explica porque só constavam o seu nome e o dela na lista. Ela parece não fazer nada sem o grupo de amigas... Faz sentido agora. Se bem que as equipes de um modo geral parecem menos focadas esse ano, não sei. Deve ser o prêmio, a Casa Branca não anima muito mesmo...

— Bem, de qualquer forma tudo se encerra amanhã. Melhor assim, já deu a diversão que tinha que dar – comentei. Chloe concordou.

— É, já sim.  Põe diversão nisso...

Então Ellie surgiu na porta que dava acesso aos fundos, onde estávamos. Sorriu e acenou assim que me viu, vindo em nossa direção em seguida.

— Sua amiga te achou – Chloe virou-se para mim –. Bem, foi bom conversar nesses últimos minutos. Obrigada pelo papo, Andrew!

— Que isso, eu que agradeço! – Apertei a mão que ela estendera para mim – Obrigado pela companhia!

— Disponha! Melhorou um pouco as coisas – ela disse, por fim.

Então espreitou o interior do meu copo e levou o seu para debaixo do meu:

— Deixa eles juntinhos – falou um segundo ates de olhara para mim – Bem, tchau! –disse, por fim, antes de se virar e começar a caminhar.

— Boa noite!

Chloe, já passando por Ellie, levantou dois dedos da mão direita para mim fazendo o sinal de “V”, sem olhar para trás. Olhei para o copo quase vazio nesse meio tempo e terminei com o restinho de bebida que tinha.

Voltei minha atenção à loira que se aproximava. Ellie parecia animada:

— Ei, olha só, achou as bebidas primeiro que eu...

Olhei para a mesa ao lado, embora eu suspeitasse que ela se referia aos copos em minha mão:

— Ah, pois é. Quem diria...

Ela me entregou o segundo copo que segurava, encaixei-o por cima dos outros dois.

— Enfim, adivinha só: conheci a sua amiga legal. Ela é realmente cool e descolada. Agradável!

Olhei para Ellie:

— Conheceu? Então ela está aqui, afinal. Não me surpreende, já que Anna e festa parecem combinar.

Ela deu de ombros.

— Típico de pessoas cool e descoladas, meu amor! Porém duvido que combine mais que ela e você! – Ellie soltou juto com uma risada maléfica.

Revirei os olhos soando exageradamente estar mais enfadado que nunca. Ela riu.

— Ora que mundo pequeno! – ouvi atrás de mim.

Virando-me, pude ver Annabeth e Charloth atrás de mim, segurando copos de plástico também.

— Ah, e aí meninas! – Virei-me para Ellie – Ellie, essas são Anabeth e Charloth. São amigas da Anna, por sinal – tornei a olhar para elas – Anabeth, Charloth, essa é Ellie: minha amiga do trabalho.

Ellie estendeu a mão, de um jeito amistoso, brincando enquanto isso:

— Amigas muitas amigas... Prazer em conhecê-las, meninas!

Anabeth retribuiu, sorrindo:

— O prazer é  nosso!

E Charloth em sua vez:

— Oi Ellie!

— Estávamos falando agora da amiga de vocês e em como ela combina menos com festas do que com o Andrew.

Anabeth e Charloth pareciam um pouco confusas, então expliquei:

— Eu comentei com Ellie que Anna combinava muito com festas e ei! – A ficha da parte mais impactante da frase de Ellicaíra – Nós não combinamos, quero dizer, não estávamos falando disso, de fato.

— Eu estava – Ellie deu de ombros, disfarçando sem sucesso o sorrisinho.

Anabeth, igualmente contendo o sorriso, se pronunciou:

— Ah, esses dois aí são pura enrolação. Nem tenta que, pelo visto – me olhou de cima a baixo por um breve instante –, não vai dar em nada.

Epa! ANABETH? Está se revelando!

— Uou, como é que é? – perguntei surpreso com aquele comentário.

Ela olhou para mim com certo tédio:

— Querido, vocês são o shipp frustrado de todo mundo. Ninguém aguenta mais ficar frustrado não. Ninguém merece isso, na verdade.

— Eu realmente não entendo essa fixação que todos estão tendo nesse assunto. – comentei sendo sincero.

Então, surpreendendo ao que parece ter sido a todos, Charloth se aproximou, colocou a mão em meu ombro e disse:

— Só pra você saber, nem mesmo a Anna aguenta mais. Não que eu devesse ter te falado isso – ela acrescentou no mesmo instante em que Anabeth lhe lançou um olhar severo de repreensão –, mas talvez você precisasse saber. Bem, colher de chá ou não, o que fazer com essa informação sigilosa fica a seu critério agora.

Anabeth interveio:

— O que ela está tentando dizer é que, bom... – ela cochichou audivelmente para a amiga um “caramba, Charloth!” rápido – Você tem certeza de que não tem sequer um resquício de qualquer coisa com relação à Anna?

Franzi o cenho.

— Nós somos amigos, sabia? Ou éramos... – falei um pouco mais baixo a segunda parte.

Anabeth revirou os olhos (Charloth também).

— Eu quero dizer qualquer coisa a mais— acrescentou –. Espera, aconteceu alguma coisa?

— Eu quem gostaria de perguntar. Inclusive é uma boa ideia, uma vez que você parece conhecer Anna muito bem... Aconteceu algo? Tipo, você sabe se ela está chateada ou coisa parecida?

— Com você? – perguntou Charloth.

— Bem, sim. – Com quem mais seria?

— Ah, não – Anabeth franziu o cenho –. Por quê?

— Bem, pode parecer coisa da minha cabeça, mas... Eu acho – digo, parece que a Anna tem me evitado nos últimos dias, algo assim. Se for o caso, eu gostaria de saber o motivo para, sendo necessário, poder pedir desculpas.

As expressões de Charloth e Anabeth (e de Ellie, eu não duvidava) mudaram instantaneamente:

— Aaah, que fofo! – Disse Anabeth –.

— Desculpe? – perguntei confuso.

— Você se importar com isso. Geralmente os caras não dão a mínima para os nossos sentimentos – explicou Charloth. Ela estava bem menos tímida aquele dia, não deixei de notar...

— É claro que eu me importo. Afinal de contas, ela é minha amiga. – Não parecia óbvio?

Anabeth ponderou sobre algo por um breve instante.

— Tem razão Andrew. Não creio que você vá entender. Só digo que Anna gostaria de ter ouvido isso, talvez você devesse ir falar com ela pessoalmente. O que acha?

O que eu achava. Hum... O que eu achava? Isso não tinha me passado pela cabeça ainda.

— Não sei... Se ela estiver mesmo chateada e não querendo me ver ou falar comigo, quero respeitar. E não quero parecer pegajoso ou qualquer coisa do tipo.

— Cara, por que você precisa ser tão... certinho? – disse Charloth –. Isso te cega, sabia?

— Não entendi.

Ellie interveio:

— Não entendeu mesmo. Só... vá falar com ela Andrew.

Eu, Anabeth e Charloth olhamos para ela. Ellie transmitia calma e seriedade – não de um jeito mais rígido como mais cedo, mas uma seriedade do tipo “tente fazer isso que estamos sugerindo, de verdade”. Uma seriedade de quem sabe o que está falando e todos reconhecem isso. Com toa certeza ela tinha estado todo esse tempo calada apenas analisando a situação para poder pensar em uma estratégia.

Essa era Ellie. Ela continuou:

— Se nem elas que – eu imagino – são tão amigas suas assim valorizaram o que você disse, imagina a Anna. Vai falar com ela. É uma decisão simples.

Aquela frase, dita daquele modo, me encorajou.

— E se ela estiver chateada com você, com certeza depois de uma frase dessas vai passar rápido. Mas pode ter certeza de que a amizade você não perde - disse Anabeth –.

— Nem vai soar pegajoso – acrescentou Charloth.

Anabeth me lançou um olhar intenso quando finalizou:

— Confie em mim.

O.k., o que quer que elas tenham feito comigo, tinha funcionado. Eu não tinha qualquer receio em falar com Anna sobre nossa amizade agora e era isso o que eu iria fazer.

Suspirei.

— Certo. Vocês venceram.

— Uma decisão simples – acrescentei, olhando para Ellie, que assentiu.

Fiz uma pequena pausa e captei trocas rápidas de olhares cúmplices entre as três.

— E mesmo que todo esse papo de interesse amoroso tenha me deixado meio saturado desde o começo do dia – olhei para Ellie, que retribuiu com um olhar inocente. Fiz questão de dizer que aquilo já estava me enchendo –, eu vou falar com ela. Afinal, o fato é que existe uma amizade precisando de ajuda.

— Um tanto quanto dramático, mas é. É isso mesmo – disse Anabeth. Charloth e Ellie riram baixo.

— Certo meninas – virei o líquido do copo de uma vez, cerrando os olhos enquanto uma leve queimação e o gosto amargo desciam pela mina garganta. O álcool daria uma ajuda caso a vontade desse uma vacilada no meio do caminho –, me desejem sorte.

— Eu ia, mas depois dessa você não vai precisar – falou Ellie, soando ligeiramente preocupada –. Mande-me uma mensagem quando acabar.

Assenti. Dirigindo-me à Charloth e Anabeth, perguntei em seguida:

— Aonde vocês disseram que ela estava mesmo?

— Não dissemos. Da última vez que a vi, que foi quando chegamos aqui, ela estava na casa, com Austin – respondeu Anabeth.

— Ele a tirou de nós, deve tê-la levado para alguma sala para conversar. Ele precisava mesmo – comentou Charloth.

Eu devia ter imaginado. Austin puxou Anna de mim da primeira vez e Ellie nesta. Qual seria a dele? Quanta inconveniência!

Rumei para a porta dos fundos, que nesse momento era a de entrada, mas não sem antes ouvir, atrás de mim:

— Gostei de vocês! Vamos conversar mais um pouco porque, pelo visto, temos algo em comum.

Era a voz de Ellie. E ela deve ter feito algo mais, porque as outras duas riram em seguida e aquela frase poderia ser tudo, mas não era engraçada.

O cheiro de movimentação em ambientes fechados, aliado ao cheiro de álcool e hormônios invadiu minhas narinas assim que abri a porta para entrar.

Comecei procurando na cozinha, que era automaticamente o cômodo em que qualquer um que entrasse pela porta dos fundos estaria na casa. Várias pessoas, mas nenhuma delas era Anna nem Austin. O mesmo se repetiu na copa, salas e em todo o andar de baixo.

Quando estava próximo da escada, alguém que vinha na direção contrária quase esbarrou em mim, equilibrando dois copos plásticos.

— Ai, descul–ah, oi Andrew!

— Liu! Oi, como vai?

Ela sorriu o que fez seus olhos parecerem serem ainda mais puxadinhos:

— Bem, obrigada. Que bom te ver aqui! Chegou agora?

— Tem uns quarenta minutos eu acho. Vim de outro lugar.

— Ah, entendo. Está sozinho de novo?

Sorri.

— Não, não. Quero dizer, não como daquela vez.

— Entendi. Bem, as meninas estão me esperando – ia perguntar se você gostaria de vir junto...

— Obrigado, mas estou procurando por alguém hoje. A propósito, você viu a Anna? Preciso falar com ela um instante...

O sorriso de Liu foi se desfazendo.

— A Anna? Bem, eu a vi agora a pouco lá em cima... É com ela que você gostaria de falar?

— É sim. Pode me dizer onde ela está exatamente, por favor?

Liu ponderou.

— Andrew, talvez não fosse uma boa ideia falar com ela exatamente agora – desviou o olhar –. A Anna está um pouco... ocupada.

— Poxa, eu demorei a tomar coragem... até bebi um pouco pra isso. Hum, o que tanto ela faz que é melhor esperar para falar depois? Quero dizer, quem fica ocupado assim numa festa? – sorri – Festas são para se divertir e conversar com os amigos.

Liu ergueu as sobrancelhas e torceu a boca bem rápido antes de sorrir de volta:

— Beber também – brincou, levantando um pouco os copos em sua mão. Será que eu estava cheirando a álcool? – Bem, há muito que fazer em uma festa.

— É... tem razão.

— Desculpe perguntar, sei que não é da minha conta, mas... O que você tem para falar com ela é tão importante assim?

Balancei a cabeça. Talvez um pouco lentamente o suficiente para indicar que a bebida começava a fazer efeito em meu corpo.

— Vou falar sobre amizade. O quanto u aprecio a nossa e que por isso, se eu tiver feito algo que a chateou, pedirei desculpas.

Liu fez a mesma expressão que Anabeth, Charloth e Ellie, levantando ambas as sobrancelhas de forma que dava a impressão de que iria chorar e abrindo a boca em forma de “o”. Antecipei-me:

— É fofo, eu sei. Já me disseram isso – ri.

Liu desfez sua expressão afetada e sorriu também:

— É, isso mesmo. Você é fofo... Ela tem sorte, na verdade. Bastante.

Ela fez uma pausa breve e então continuou:

— Você gosta dela, né? – vi um brilho passar no olhar de Liu num flash surpreendentemente efêmero.

Três vezes. O.k.

— É a terceira vez que alguém me pergunta isso hoje. Pelo tanto que me perguntam isso, eu devo gostar. Mas respondendo à pergunta, de fato... bem, pela primeira vez eu não sei.

Liu assentiu.

— Entendi. É que, bem... A Anna precisa de um pouco de privacidade agora, só isso. Mas olha, você pode falar com ela amanhã durante o show! Será até melhor que não vai ter ninguém por perto para atrapalhar e tal... O que acha? – ela sorriu persuasiva. Estava querendo me convencer.

Ponderei.

— Hum. Parece ser algo bastante sério então. Mais importante que a nossa amizade... Mas, droga, agora eu tenho que pelo menos tentar – ou terei bebido em vão!

Olhei decidido para Liu:

— Lá em cima, você disse?!

Ela meio que arregalou os olhos um pouco.

— Ah...

— Com licença, preciso subir as escadas – falei já passando por ela –. Mande meus cumprimentos às suas amigas, se elas forem as mesmas daquele dia.

Primeiro degrau, segundo, tercei..

— Andrew.

Parei. Virei-me novamente para Liu, que me olhava um tanto quanto apreensiva:

— O quanto exatamente você bebeu?

Conferi minhas memórias por um instante:

— Hum... Dois copos cheios.

— Desses? – Ela ergueu um dos copos vermelhos que segurava.

Assenti.

— Merda. – Liu falou baixo, mas eu consegui ouvir. – Bem... Vai soar estranho, mas você pode me esperar aí? Vou levar isso aqui até as meninas e então volto. Eu subo com você.

— Hum? Por quê?

— Só me espere o.k.? Eu não demoro nem dois minutos! – ela se virou e saiu apressada.

 Eu ainda não tinha entendido o motivo daquele pedido. Não fazia sentido e soava estranho sim, uma vez que eu havia deixado claro que ia tratar de assuntos mais pessoais com Anna.

“É cada uma...”.

Virei-me e continuei a subir, mais rápido conforme os números correspondentes a degraus avançavam. [...] terceiro, quarto, quinto, sexto sétimo...

O andar de cima estava apenas um pouco menos movimentado que o de baixo. Pelo que eu conhecia de casas de fraternidade, no andar superior ficavam todos os quartos da casa.

Escolhi o corredor da direita e fui atravessando-o observando pelas frestas das portas que estavam abertas e das que estavam escancaradas se eu conseguia ver Austin ou Anna. Vi grupos de amigos conversando, jogando qualquer coisa, rindo, fumando, alguns relances de casais se pegando... Tanto as portas quanto o corredor estavam acabando e nada de Austin ou Anna. Sons de conversas, risadas, sussurros, música, passos, alguns gemidos, ofegos e sons de corpos vinham de dentro dos quartos.

Então, as duas últimas: a da direita estava completamente fechada.

A da esquerda estava um pouco mais aberta que as outras. Não muito, mas o suficiente para ver o interior. Ouvi o som de uma risada que parecia ser a da Anna junto com alguns cochichos e outros risinhos.

Um casal, que estava do lado fechado do quarto. Eles pareciam caminhar, e de fato vi que estavam quando saíram do lado onde a porta impedia minha visão e vieram para a parte onde era possível ver alguma coisa.

O típico quarto de homem, analisei. Estava um pouco bagunçado: vários pôsteres na parede, videogame, uma estante abarrotada de coisas e, ao que tudo indicava, uma cama de casal. Eu analisei por um instante porque meu cérebro se recusava a acreditar no que meus olhos viam.

Eu havia achado os dois.

De uma forma bem desagradável (para mim) e bastante íntima, por sinal.

Dei alguns passos para trás como se aquilo fosse ajudar de alguma forma enquanto tirava o celular do bolso. Quando dei por mim, o contato de Ellie estava aberto diante dos meus olhos com o cursor piscando na tela, pedindo para apresentar letras e palavras ao destinatário.

Se eu enviasse uma mensagem agora, ela iria me achar. Ellie me consolaria e diria as palavras certas porque ela era muito boa nisso.

De novo?

Lutando para afastar pensamentos ruins e recobrando todo o meu autocontrole, enfim percebi: não. A promessa fora nunca mais. Seria cumprida.

Não haveria palavras certas para serem ditas e isso era muito bom.

Decidi guardar o celular no bolso enquanto fazia o caminho inverso no corredor. Mandaria uma mensagem à Ellie somente quando chegasse ao quarto para não atrapalhar a festa dela. Não seria justo e não tinha necessidade alguma. E decidi guardar também porque uma caminhada respirando o ar fresco da noite seria bom.

Quando ergui os olhos da tela para a frente, vi Liu na beira da escada me olhando com tristeza. Não, tristeza não, pena. Que coisa...

Passei por ela parando somente para dizer:

— Entendi.

— Eu tentei... Tentei mesmo te avisar... – ela respondeu.

— Eu entendi agora. Não precisa se preocupar. – falei, por fim, dando um sorriso para ela ficar tranquila. Porque estava mesmo tudo bem.

Desci o primeiro degrau e parei.

— A propósito, a resposta para a sua pergunta é não – olhei para ela –. Eu não gosto – acrescentei, sorrindo com mais verdade no fim.

Retomei meu caminho quando o som de alguma das portas se abrindo soou. Liu ficou ali em cima, parada e, creio eu, confusa.

Suspirei jogando para fora tudo o que estava sentindo junto com o ar. Aliviou.

Último degrau. Porta de entrada, que agora era de saída.

Minha última decisão da noite tomei enquanto pensava em não mandar uma mensagem à Ellie. Abri a porta, fechei com calma antes de dar uma boa puxada naquele ar ligeiramente frio e totalmente refrescante. Cara, eu gostava muito da noite...

Seria uns 10 minutos de caminhada até o meu bloco. Decidi mandar uma mensagem no caminho de volta mesmo.

VOCÊ:

Ei! Então, você pediu para eu te mandar uma mensagem quando terminasse.

A resposta não demorou nada para chegar:

ELLIE:

E AÍ! Eu e as meninas estamos esperando com certa ansiedade – admitimos. Como foi a conversa?

 

VOCÊ:

Não há muito o que dizer, mas no fim das contas deu tudo certo. Está tudo bem.

VOCÊ:

A propósito, vim embora logo depois. Desculpe não me despedir nem nada, a noite foi realmente cansativa – embora tenha sido extremamente divertida, obrigado! Amanhã me despeço direito *risos*

 

ELLIE:

Não se preocupe com isso, foi realmente um dia cheio.

ELLIE:

Amanhã nos falamos então, boa noite!

 

VOCÊ:

Boa noite!

 

ELLIE:

Feliz e aliviada que tudo tenha ficado bem! :)

Observei a mensagem por alguns segundos e sorri. Ela nem imaginava o quanto!

 

VOCÊ:

:)

 

~*~

No dia seguinte, acordei com uma ligeira dor de cabeça que passou depois de eu tomar um bom banho e descer para comer alguma coisa. Não sem antes ficar mais tempo na cama – eu havia me permitido descansar mais um pouco (e precisava devido à agitação da noite anterior).

Estava uma manhã ensolarada e bonita quando saí do bloco. Eu sentia paz em olhar para o céu com poucas nuvens e a grama verde cheia de gotas da chuva que caíra na noite anterior, aliadas ao orvalho matutino. É um bom dia para se fazer um show.

Estranhei eu estar com tanta expectativa para o evento, então me lembrei de que Ellie estaria lá também... e que seria o fim da competição pela Casa Branca. Menos uma coisa requerendo atenção.

Visto que eu estava sem obrigações acadêmicas, decidi fazer um treino de boxe pra compensar o tempo que havia passado sem treinar. Foi bom porque aproveitei melhor meu resto da manhã.

O dia seguiu sem muitos inconvenientes. Pouco antes da hora do almoço Ellie entrou em contato sugerindo que almoçássemos juntos para conversar sobre a noite passada. Às 12h28 estávamos nos sentando à mesa de um restaurante local próximo. Estava charmosa usando uma bata mais solta, longa e ligeiramente transparente por cima de uma blusinha justa, calças legging e botas pretas de cano baixo.

Ellie colocou sua bolsa encostada à própria cadeira no chão quando nos sentamos. “Conversa primeiro, almoço depois” dissera Ellie.

— Então – ela começou já puxando o assunto com um sorriso de expectativa.

A dúvida que não queria calar... claro. Mas eu não esperava nada muito diferente, para ser sincero.

— Então – respondi sorrindo também, porém um sorriso tranquilo, sem nada de mais.

— Vai, conta! – insistiu com igual expectativa.

— Certo. Só que, hum... talvez eu acabe com suas expectativas.

Seu sorriso se desfez um pouco e uma expressão confusa começou a surgir.

— Como assim?

— Bem, digamos que não foi como eu imaginei – e nem você, presumo.

Ellie franziu o cenho. Estava totalmente confusa e intrigada agora.

Então contei a ela uma versão mais resumida:

— Digamos que pós procura-la, obtive informações com Liu de seu paradeiro, embora ela não recomendasse que eu fosse me encontrar com Anna naquele momento. Simplesmente decidi ir mesmo assim e quando consegui encontra-la, ela não estava sozinha. Anna e o seu amigo estavam em uma situação extremamente íntima em um espaço bastante reservado na casa. Eu, obviamente, não iria nem queria interrompê-los ou atrapalhar, então dei meia-volta e fui para casa. A essa altura estava cansado demais devido à intensidade de todo o dia. Precisava de um descanso.

Ellie me olhava como se não acreditasse. Ou pior: como se eu estivesse fazendo algum tipo de brincadeira de mau gosto. Ela piscou várias vezes enquanto tentava formular uma frase de reação ao meu relato.

— Espera, quer dizer então que você flagrou a Anna... e o Austin? – confirmei com um aceno de cabeça – Er... Juntos?!

Assenti mais uma vez:

— É. Isso mesmo.

Ellie permaneceu em silêncio por um instante. Provavelmente estava absorvendo meu relato.

— E você... – ela engoliu em seco – Bem, eles estavam...?

— Ainda não. Anna estava completamente vestida e a única peça fora do corpo era a camisa de Austin.

Ellie assentiu devagar.

— Cara... que coisa. Que merda! – comentou.

Dei de ombros.

— É, fazer o quê.

— Eu estava torcendo por você... – Ellie ainda parecia não acreditar.

— Eu também... Mas é a vida, não? Faz parte. E agora nem é tão importante mais.

Ellie me observava com um olhar que eu já conhecia. Estava me analisando.

— Como – pigarreou – você se sente?

Eu sabia o que ela queria dizer.

— Eu estou bem. Muito bem, na verdade. Sinto-me como se tivesse tirado um peso das minhas costas.

Ellie arregalou os olhos bem pouco por um momento rápido. Depois me olhou com incredulidade.

— Entendi – disse por fim, após um curto período de tempo em silêncio.

— Bem, é isso. Desculpe desaponta-la... Podemos comer?

— Ah, claro! – ela disse começando a se levantar.

— Agora vamos focar no hoje: animada quanto ao evento? – perguntei, mudando de assunto.

Ellie sorriu:

— Impossível não ficar. Eles estarão tão perto, o suficiente para, com um pouco de sorte apenas, conseguir tirar uma foto.

Sorri de volta ao ver seu entusiasmo começando a ressurgir.

— Hoje é seu dia de sorte, moça! – falei.

Um leve incômodo bateu em meu peito e eu sabia que era devido ao substantivo usado. Que estranho.

Afastei a sensação e segui em frente.

— E agora que começamos oficialmente, gostaríamos de perguntar quem está apaixonado aqui – falou a asiática linda de cima do palco –. Podem levantar a mão, isso... Uau, quanta gente!

A área verde do campus, próxima às quadras estava apinhada de gente. Eu havia reconhecido algumas cabeças familiares em distâncias aleatórias umas das outras e, por acaso, consegui encontrar a de Anna e seu séquito. Era de se esperar que a maioria esmagadora – senão todos – do campus estivesse ali. Evento inédito com pessoas bem-vindas.

A asiática continuou:

— Bom, e quem aqui se faz de difícil? – ela perguntou em tom brincalhão.

Uma quantidade grade de pessoas abaixou a mão enquanto outra um pouco menor – a maioria levada pelos companheiros ao lado, que riam – levantou. Ellie segurou meu braço por um instante rápido, porém logo desistiu.

— Desculpe – falou.

— Sem problemas – respondi.

Outra cantora assumiu a saída principal de áudio:

— O.k., e quantos aqui... têm algum tipo de trauma causado por um romance malsucedido?

A quantidade que levantou a mão dessa vez era impressionante. Cerca de 85 a 90% do campus. Dias difíceis esses em que vivíamos...

— Certo, saibam que essa música é para vocês – a cantora continuou –, tão jovens e alguns infelizmente tão desiludidos. É para que vocês saibam que apesar de tudo o amor não deve nunca ser esquecido ou desacreditado. Dedicamos esta canção nova, que vai estrear exatamente nesse momento, a todos os corações partidos ou que já sofreram algum tipo de ruptura um dia. Esperamos que gostem.

Algumas pessoas aclamaram enquanto os seis integrantes do grupo se posicionavam no palco. O zumbido de instrumentos sendo ligados soou, reinando no silêncio que surgira logo antes.

Guitarra, baixo e bateria começaram devagar para elevarem os ânimos do público logo depois das primeiras notas iniciais. Após alguns instantes de introdução, a asiática começou:

— Eu percebi enquanto estive ao su lado...

A garota negra assumiu:

— Que sua revolta é uma atitude inconsciente.

Em seguida, as duas foram juntas:

— Mas você vai lutar infinitamente contra o coração...

E então, o menino que não era o brasileiro se juntou para o coro:

— Nunca resista, não tenha medo de ouvir seu coração.

— Faça o sentimento ser seu motivo, faça ele ser sua razão.

— Eu tenho certeza, sei que aí dentro há um tesouro maior!

Então as duas meninas do início seguiram sozinhas alternando as estrofes:

— Você tem que ouvir...

— Só o seu coração...

— Ele vai mostrar...

Em uníssono:

— Que você pode ser feliz!

— Ouça a voz do coração!

Um solo de guitarra. O brasileiro assumiu o vocal:

— Andando milhas incessantes sigo sonhando... E me perdendo em meio a tantos pensamentos.

A asiática juntou-se à ele e eles cantaram juntos lado a lado:

— Entre o dizer e o fazer construo um dilema...

— Mas todos sempre querem decidir por mim!

A negra assumiu:

— Eu não vou me render, vou lutar com tudo o que tenho aqui...

E então, todos os seis ao que parecia ser o segundo coro:

— Sempre vivendo, sempre sonhando, eu sigo assim a cantar.

Então eles foram alternando, um por frase. Começou pelo brasileiro:

— Os seus milhares de inimigos quero tirar de você!

Seguido pela asiática:

— Mas suas barreiras intransponíveis não me permitem chegar...

E a negra charmosa:

— Sentimentos são... o que quer enfrentar.

E o outro menino:

— Você quer combater, pois teme que eles vão ferir.

E a menina loira:

— Esse duro coração!

A música tinha um tom alto, mas os seis cantavam direitinho. O som tinha uma pegada de pop-rock clássico e o tempo era rápido; a letra era profunda e tinha sido bem construída. Eu tinha gostado.

Eles seguiram para o que parecia ser a última estrofe.  A garota de cabelo cacheado assumiu a primeira frase:

— É só acreditar e o destino assim segue o seu curso...

E então, todos novamente. Seguiram até o final revezando-se em duplas para cada frase:

— Tudo é mais belo quando estamos juntos, pois o amor nos uniu!

— Tudo se revela, não há segredos entre os seus olhos e os meus!

— Algum dia, eu sei: você vai perceber...

— Então vai me contar todos os sentimentos seus...

Todos pela última vez:

— E eu te contarei os meus! Sem ter medo de arriscar!

Um solo de guitarra encerrou com chave de ouro.

A galera aplaudia e ovacionava em uníssono. A música mais que tinha sido aprovada.

— Obrigado galera, vocês são incríveis demais! – agradeceu o outo integrante masculino enquanto os outros bebiam um pouco d’água.

Por ser um show mais informal, creio que eles deveriam ter mais liberdade no palco.

— Antes da nossa próxima música, uma cortesia surpresa da própria universidade – disse a negra, erguendo algo azul em uma mão –. Sabem o que é isso? É uma bexiga. E dentro dela, adivinhem... há tinta.

— O quê? – ouvi Ellie dizer.

Da distância em que eu e Ellie nos encontrávamos a bexiga mais parecia uma pequena massa azul. A galera pareceu ter levado um choque repentino, tamanha foi a estática do ambiente. A garota chegava mais perto da plateia com a bexiga em mãos.

— Imagino que alguns devam estar se perguntando o que eu vou fazer com isso. Bem, o próprio reitor me autorizou – ela estava bem na beirada do palco agora – a jogar isso pra cima, na direção de vocês.

— Ah, eles só podem estar bricando... – disse Ellie, soando estupefata.

— Bem, parece sério o suficiente para mim – falei. Não sabia o que achar daquilo tudo ainda, era um pouco surreal e eu precisava absorver os acontecimentos primeiro.

Aquela garota gostava do malfeito e gostava muito. Era perceptível em sua risada divertida e malvada.

— Pois é meus queridos. Guerra de tinta. Alguns de vocês devem ter percebido que havia vários baldes espalhados pela área quando chegaram aqui. Esses baldes contêm várias dessas aqui – ela ergueu um pouco a mão que segurava a massa azul –. Bem, presumo que já tenham deduzido o restante.

Algumas pessoas foram devagarinho em direção aos baldes.

— E antes que vocês entrem em desespero: as tintas são completamente laváveis, então fiquem tranquilos quanto à manchas – avisou a asiática, também parecendo se divertir –. E não se preocupem, vamos tocar enquanto vocês curtem. Será um show extremamente colorido – ela riu –. A diversão começa quando a querida Erica jogar a bexiga para cima. Preparados?

— Não acredito... – sussurrou Ellie ao meu lado.

Estávamos bem no meio da multidão, o que dificultava pra caramba uma escapada para qualquer lugar. Havia um ou dois baldes por perto, eu tinha visto (meio difícil não ver na verdade. Os baldes eram relativamente grandes e largos).

— Vai ser INCRÍVEL! – ela pulou de excitação ao meu lado.

— Espera, pensei que você não estivesse gostando disso – olhei para ela, que parecia uma criança brincando no playground mais louco do país.

— Três... – algum dos cantores contou.

Uma agitação na plateia começou devagar. Instrumentos soaram baixo, como se anunciando que o show começaria, de fato, agora.

— Andrew, eu vou te sujar tanto... – disse Ellie com o sorriso da própria traquinagem estampado no rosto.

— Dois...

— Poxa, pensei que fôssemos amigos! – respondi. O sorriso de Ellie só aumentou.

 — Um...

— Que filhos da puta – ouvi alguém dizer, por fim, em algum lugar.

Enquanto a bexiga subia no ar parecia que o mundo tinha silenciado. Como tudo o que sobre tem de descer... Ela ganhou velocidade rapidamente.

— JÁ! – Erica gritou do palco no mesmo instante e que a bexiga sumiu entre algumas cabeças e alguns gritos femininos foram soltos.

Os instrumentos vieram com tudo em trazendo uma música animada, excitante e que exigia movimento. Imediatamente logo depois, começou o som de gritos e gargalhadas se espalhou.

— PORRA! – deixei escapar quando percebi que estava chovendo tinta. Alguém devia ter ligado uma mangueira – ou várias.

Enquanto a música não começava, todos os seis integrantes do Royalt-E ajudavam a colocar lenha na fogueira jogando mais bexigas em nós e rindo horrores.

Pensei que eles parariam quando tivessem que cantar. Ledo engano.

Ellie sumira. Droga.

Ousei chamar:

— Ellie?

Olhando ao redor via vários rostos, porém nenhum era o dela.

— Surpresa! – gritou Ellie atrás de mim.

Virei-me apenas para sentir o impacto, frieza e cheiro do líquido grosso e colorido me atingir no peito e espalhar bastante tinta azul pela minha camisa branca.

— Caramba... – falei observando o trabalho de artista dela. Lancei-a um olhar de  quem tinha sido chamado para a briga.

— O.k., é guerra que você terá! – falei, já avistando o balde mais próximo.

Corremos juntos até ele, fui atingido uma vez mais antes de poder pegar uma bexiga para mim. Tinta escorria por meu rosto e tive a impressão de tê-la espalhado ainda mais quando limpei para poder enxergar alguma coisa. Eu ouvia a risada desenfreada de Ellie bem perto.

E ela estava, de fato, bem à minha diagonal. Se divertindo sem se conter nem um pouco. E ela estendeu uma mão e mexeu os dedos para frente e para trás, me chamando.

— Ora, sua atrevida! – brinquei me aproximando e preparando para sujá-la também.

Ellie não recuou. Em vez disso, permaneceu parada, me encarando e sorrindo de maneira divertida descaradamente.

Logo todo mundo ali estava extremamente pintado. Inclusive o grupo que começara toda aquela bagunça (embora bem menos que nós). Royalt-E chamou-nos de volta à organização e civilidade quando anunciou que iria declarar o grupo vencedor da gincana.

Quando tudo estava em ordem novamente, Enzo – o outro integrante masculino do grupo, Ellie comentara – começou a anunciar:

— Em quinto lugar, com 2.240 pontos: MiuTau;

Aparentemente, das dez equipes finalistas, eles só iriam anunciar as cinco primeiras. Emi, a asiática, continuou:

— Em quarto lugar, com 2.920 pontos: Beladona Prime;

Em seguida veio a morena de cabelo cacheado – Eleonor, segundo Ellie:

 — Em terceiro lugar, com 3.157 pontos: Lambda Knox;

Erica, a negra sádica, continuou com animação:

— Em segundo lugar, a dupla dinâmica: com 3.160 pontos, Anna e Andrew.

Ellie bateu palmas ao meu lado e me parabenizou.

Concordei que tinha sido uma pontuação espantosamente alta, para quem não estava competindo de fato... Estaria a contagem correta?

E o brasileiro, Ezra, terminou:

— E por fim, com 3.789 pontos: Pi-Ro-Chi. – Ele assumiu uma expressão de ligeiro pesar logo em seguida – Porém, Pi-Ro-Chi infelizmente foi descoberta trapaceando. Sendo assim, está oficialmente desclassificada, o que faz a nossa lista subir... Meus parabéns, Anna e Andrew, vocês venceram! – bateu palmas, sorrindo.

Espera.

Como?

— Andrew... – ouvi Ellie dizer ao meu lado.

Virei o rosto lentamente para ela, ainda sem ter absorvido a informação.

— Olha só, que coisa... Pra quem não estava participando ativamente, acho que nos saímos bem, heim – comentei com ela, sem saber ao certo o que estava dizendo.

Ellie sorria que seus olhos brilhavam:

— Andrew, vocês ganharam! Meus parabéns, você vai ter um quarto inteiro só pra você!

— O quê? Ellie, não seja boba. A contagem está claramente errada. Nós nem participamos ativamente do negócio...

Ouvi Ezra voltar a falar no microfone:

— Pedimos aos ganhadores que subam ao palco para receber a chave das mãos da Reitoria e tirar a foto oficial, por favor.

Ellie olhou de Ezra para mim com expectativa contida:

— Eles detectaram a farsa da primeira equipe. Parece-me estar correta o suficiente...

Não respondi nada porque minha cabeça parecia incapaz de formular alguma resposta. Apenas procurei instintivamente com os olhos um rosto específico em meio à multidão: o rosto que eu conhecia bem, que tinha estado bem perto do meu várias vezes, que havia caído em cima de mim, que tinha me feito rir e ficar zangado também.

E, nesse rosto, eu procurava os olhos castanho-claros amendoados que pareciam me desafiar ao mesmo tempo em que tentavam me decifrar todas as vezes em que trombávamos um no outro, azuis versus castanhos. Eram olhos que me confundiam ao transmitir sensações ora diferentes, ora exatamente iguais às palavras ditas pelos lábios abaixo de si; olhos que me observavam e liam-me como se eu fosse um enigma.

Porém, fato que talvez eles não tenham percebido: o verdadeiro enigma não era eu nem estava comigo. Era eles; estava com eles. Sempre.

Os olhos me fitavam quando os encontrei, tendo-me achado primeiro.

Seus olhos.

Eu não sabia o que transmitiam naquele momento. Praxe. Porém, Anna estava com ambas as mãos encostadas no peito, uma cobrindo a outra. Surpresa? Felicidade? Tristeza? Eu não sabia dizer, pois seus lábios sorriam ao mesmo tempo em que pareciam estar curvados para baixo. Um sorriso ligeiramente triste.

— Andrew... estão te chamando no palco – avisou Ellie, como se eu não tivesse ouvido. Eu tinha?

— Desculpe?

Ela franziu a testa:

— O que é que deu em você? Parece que acabou de acordar, mas ainda está dormindo. Presta atenção: você ganhou a competição. Vá lá em cima pegar seu prêmio! – Ela me deu dois tapinhas na testa, como que para me deixar alerta – eu, heim... Você estava normalíssimo agora há pouco.

— O.k., enquanto eles sobem, gostaríamos de fazer alguns anúncios aqui – disse Ezra, do palco.

Ellie gritou meu nome quando percebera que eu não reagi. Algumas pessoas me encaravam. O que elas tinham perdido em mim?

Acho que Ellie me pegou pela mão, pois senti meu corpo se mexendo ao ser puxado por algo. Eu via sua cabeça amarela à minha frente, abrindo caminho, comigo seguindo atrás. Só que eu ainda estava digerindo tudo.

Eu tinha ganhado. Anna também. Nós, que não queríamos participar... a Casa Branca...

Ganhado como? Parecia surreal demais para ser verdade. Com Anna?

Então, a ficha caíra. Ai caramba... A competição! EU TINHA GANHADO A COMPETIÇÃO!

— Ellie... eu ganhei.

Ela respondeu por cima do barulho de conversa das pessoas ao redor sem olhar para trás.

— É, e se não andar mais rápido, vai perder. Se apresse, homem!

— Mas não é só isso... ela ganhou junto comigo. Ellie, Anna vem também. Ela deve estar indo agora em direção ao palco, assim como nós...

— É, deve.

E então, eu senti um incômodo e uma vontade de desistir veio logo depois.

— Hum... acho que não quero isso.

Ellie andou mais devagar, virando-se imediatamente:

— Como é que é? – Soava ligeiramente irritada. Opa!

— Esse prêmio... quero dizer, eu já tenho um quarto. Não preciso de uma casa na universidade. Estou bem no meu canto.

Ellie parou. Consequentemente eu parei também. Puxei gentilmente minha mão da sua.

— Você não vai fazer isso. Ah, mas não vai mesmo! Quer dar um piti? Tudo bem, mas depois que essa cerimônia acabar. Primeiro porque eu não sou reboque de ninguém e mesmo assim já te arrastei por metade do caminho; segundo porque a galera está encarando desde que o resultado saiu. Não vou passar um vexame de ter que ir embora com você sendo que fomos chamados para subir ali. Terceiro e mais importante: eu vou subir e tirar uma foto nem que seja com pelo menos um integrante do R-E. Mas preciso de você para isso. Então, meu querido, em suma: não, você quer isso sim. E eu não estou falando só da minha oportunidade de tirar uma foto com eles. Você quer muito, embora não saiba ou tente enganar a si mesmo ao ficar autoafirmando o contrário.

Dito isto, ela simplesmente se virou e continuou a me levar.

Ela tinha razão em muitos pontos. Eu não iria fazer uma desfeita dessas para ninguém porque não tinha necessidade nenhuma. Sem dramas, Andrew. Quanta bobagem! Depois você pode simplesmente deixar Anna com a casa e voltar para o quarto, se esse é o problema. Pronto, simples assim!

Logo estávamos lado a lado e pudemos separar nossas mãos.

— Fico feliz que tenha decidido vir. Obrigada.

— Pelo quê?

— Não ser um idiota. E de nada também.

— Hm?

— Você sabe do que eu estou falando. Chegamos.

Havia um segurança abrindo caminho para nós. Ele perguntou quem era Ellie e ela, após uma breve explicação de que era uma amiga que só queria me acompanhar – não de todo mentira – recebeu ajuda para subir em uma elevação que separava o público do palco e dava acesso ao mesmo.

Subimos um pequeno lance de escadas e logo o palco tomou todo o meu campo de visão. A vista era parecida com a do show: cantores no tablado, músicos e equipamentos atrás, multidão à frente. As únicas diferenças eram: estar de dia, o Reitor e a Vice-Reitora e Anna, que já estava lá com Anabeth. Esperando-me. Achei irônico em alguns pontos de vista...  Ela era toda irônica. Até mesmo quando não queria.

Aquilo me irritava e fascinava, e eu me pegava irritado por estar intrigado com seu jeito de ser. Que merda, o que estava acontecendo comigo? A certeza que eu tinha, felizmente, era de que não era como da primeira vez. Da última vez.

Aproximamo-nos e os cantores passaram um microfone para o Reitor. Anna se pôs ao meu lado e eu não pude tentar decifrar seu olhar porque não havia olhado para si. Frederick, após saudar a todos e lamentar o grupo que fora desclassificado congratulou-nos e nos entregou uma caixinha de madeira pequena.

— Uma breve cerimônia para vocês,, pois mereceram este prêmio. Meus parabéns e façam bom uso da propriedade – ele finalizou, e a Vice-Reitora começou a aplaudir.

Logo todos estavam aplaudindo. Sorri um pouco sem-jeito por estar sendo observado por simplesmente todos os alunos da universidade e apertei a mão do Reitor, agradecendo-o. A Vice-Reitora, Alexia, aproximando-se, entregou a caixa para Anna, parabenizando-a em seguida.

— Todos se juntem para a foto oficial, por favor. – Disse Piper, com uma câmera em mãos apontada para nós. Até então eu não havia percebido que ela estava ali.

E foi o que fizemos. O reitor se pôs ao meu lado, Alexia ficou ao lado de Anna.

Piper desviou o olhar da câmera para nós:

— Por favor, juntem-se mais um pouco – fez um gesto com a mão indicando aproximação.

Fiquei tenso porque:

Estava molhado de tinta e o reitor estava de terno, ao meu lado;

A universidade inteira tinha parado para aquele momento e

Anna estava encostada em mim e não era pouco. Não era por nada, mas eu gostaria de manter certa distância física ao me lembrar da cena da noite anterior;

De bônus, eu ainda sentia o peso do olhar de Ellie e tinha certeza de que estava adivinhando seus pensamentos.

Então, surpreendendo-me (confesso), ela passou um braço ao redor da minha cintura me puxando ainda mais o tanto quanto era possível. Lancei um rápido olhar de relance para si e vi que olhava para frente sorrindo para a foto. Imediatamente tratei de ocultar meu desconforto e fazer o mesmo.

— Excelente! Obrigada. – Disse Piper, sorrindo após alguns instantes.

Frederick e Alexia despediram-se e oram logo saindo. Eu e Anna fomos impedidos por Emi e Enzo, que aproximaram=-se para perguntar qual música gostaríamos que eles tocassem para encerrar enquanto os outros integrantes anunciavam próximo do fim do evento. Uma cortesia, quanta gentileza.

Ellie se aproximou, ficando ao meu lado e parecendo bastante contente ao ver o grupo tão de perto. Eu não conhecia nada deles, então fiquei sem ter o que falar.

— Você quer pedir alguma? – Anna tomou a frente, virando-se para mim em seguida.

E novamente estávamos próximos, olhando um para o outro. Notei a intensidade contida no olhar de Anna e senti que ela queria transmitir algo ali.

— Não tenho nenhuma – falei, olhando dela para a dupla à nossa frente.

— Hum... pode ser qualquer música? – perguntou Anna para os dois.

— Desde que conheçamos e saibamos tocar, sim – brincou Emi.

— Vocês conhecem Carly Rae Jepsen? “I Really Like You”?

Os dois assentiram.

— Eu gosto dessa música – disse Anna, por fim.

Emi assentiu e Enzo sorriu. Eles se voltaram para a plateia:

— Atendendo ao pedido especial, vamos interpretar uma conhecida: I Really Like You, de Carly Rae Jepsen!

— Desculpe – entrou Ellie quando os dois se voltaram para nós –, posso tirar uma foto com vocês? – ela levantou o celular, esperançosa.

— Claro! – Emi sorriu.

— Certamente – disse Enzo. E os dois se aproximaram.

Após vários cliques de Ellie e um número bem menor de sorrisos e poses diferentes do trio, Emi chamou-nos para nos juntarmos à foto. Antes que eu pudesse responder, Anna segurou meu pulso e me puxou com leveza junto consigo.

Sorri para a câmera de Ellie assim como os outros e a loira capturou aquela imagem. Parecia até que éramos melhores amigos.

— Muitíssimo obrigada mesmo. Queria acrescentar que vocês são incríveis, desejo-lhes todo o sucesso do mundo! – disse Ellie com os olhos brilhando de alegria.

Os cantores, extremamente simpáticos, agradeceram e pediram desculpas por ter de voltar ao show. Emi se despediu de nós com um tchauzinho. Logo um segurança chegou para nos indicar o caminho de saída do palco.

Assim que descemos, Ellie virou-se para mim e agradeceu:

— Meu Deus, que oportunidade! Andrew, você é o melhor, cara! Obrigada! –ela levantou a mão e fizemos um highfive.

Antes que eu pudesse responder, ela olhou para Anna e sorriu de novo:

— Ah, olá! Que legal te rever. – Cumprimentou Anna com simpatia – Ah, e aí! – foi claramente mais afável com Anabeth, que sorriu amistosa. E eu podia imaginar por quê.

Anna foi simpática, cumprimentando-a em seguida e depois olhando para mim.

— Oi, Andrew... – lançou-me um sorriso um pouco mais contido que o que mostrara à Ellie.

Assenti uma vez, respondendo com educação:

— Oi Anna.

— Que bom que você veio... Obrigada. E obrigada também por isto – levantou a caixinha em uma das mãos.

— Não há de quê. Espero que, enfim, tenha se divertido.

— Ficaram boas recordações para eu me lembrar.

— Que bom – dei o assunto por encerrado.

Estranhei o clima diferente que ficou depois. Ellie, que não perdia uma vírgula do que estava acontecendo, interveio:

— Ei, que tal darmos uma olhada na casa?

E ela conseguiu a atenção de todos:

— Agora? – perguntou Anabeth antes que eu o fizesse.

— Claro! Por que não?

Anna e Anabeth entreolharam-se por um instante.

— Sim, claro. Por que não?! – respondeu Anna.

— Aceito. – Concordou Anabeth.

Ellie olhou para mim:

— Andrew?

Pensei por um instante.

— Não tenho nada para fazer por agora, pode ser.

Ellie mostrou o caminho:

— Bem, então vocês vão à frente. Final, é a casa de vocês.

Lancei a ela um olhar fechado, reprovando a piada subliminar enquanto Anna assumia a dianteira sem argumentar. Ellie apenas me lançou uma piscadela, confirmando minhas suspeitas. Ela estava tramando alguma coisa.

Fomos caminhando à frente, como Ellie sugerira e, não fosse Anabeth e a própria Ellie um pouco atrás de nós conversando, o trajeto todo seria feito em silêncio absoluto. Eu olhava um lado do caminho, pensando em muitas coisas enquanto Anna olhava o outro, de igual forma.  

Quando chegamos em frente ao local, percebi talvez pela primeira vez em o quanto era grande, me surpreendendo com o fato de nunca ter reparado de fato na construção antes. Paramos em frente à porta, com Anabeth e Ellie atrás das escadas de acesso observando ao redor.

Anna passou uma mecha de cabelo por detrás da orelha.

— Ah... quer fazer as honras? – Perguntou-me.

— Estou bem.

— Certo.

Ela abriu a caixinha devagar. A chave estava envolta em um pano vermelho-escuro, era prateada e tinha poucos detalhes. Anna olhou para mim e sorriu fraco:

— E não é que conseguimos?

— Que coisa, não?!

Ela deixou um riso breve escapar.

— Bem, obrigada. Mesmo.

Anuí.

— Não há de quê. Como eu disse, espero que tenha valido a pena para você.

Ela deu um meio-sorriso:

— Valeu sim. Valeu para você?

Pensei por um instante.

— Foi bom – concluí, sendo sincero. – Mas, melhor ainda, é ter acabado.

Anna riu.

— Uma coisa a menos para se preocupar... concordo.

— É hoje mesmo que essa porta abre? – perguntou Anabeth atrás de nós.

— Ah, claro... – disse Anna, pegando a chave e colocando na fechadura.

O som da porta se abrindo foi ouvido e a maçaneta girou sob a mão de Anna. 

A casa tinha um cheiro agradável de lar, o que era no mínimo curioso. Havia uma sala à esquerda com três sofás formando um “U” à frente de uma televisão de muitas polegadas. Um corredor curto levava à cozinha e sala de jantar. Escadas pro andar superior estavam no meio do mesmo. Em cima, quartos. Vários deles, de ambos os lados. Cada um podendo alojar duas pessoas com conforto e espaço de sobra. Dois banheiros estavam no meio, dividindo os quartos em alas masculina e feminina, supus.

Eu estava descendo as escadas quando Ellie surgiu no corredor, animada:

— No porão há uma sala de jogos e meio que uma biblioteca. Fascinante!

— Nossa! Por essa eu não esperava... – Confessei.

 

— Cara, a gente precisa dar uma festa nesse lugar. Acho que até eu vou vir morar aqui por uns tempos... – comentou Ellie.

— Opa, festa?! Como é isso? – ouvi Anabeth dizer, em algum lugar à esquerda.

— Ora, Andrew e Anna que decidem. Mas por mim, seria o mais rápido possível. Antes do Natal, até. – respondeu Ellie.

— Ellie... – comecei a comentar, mas Anna e Anabeth surgiram de repente.

— Hum? – perguntou Ellie, com olhos curiosos e um sorriso fixo que não mostrava dentes no rosto.

Eu não tinha coragem de comentar na frente de Anna. Não naquele momento, por algum motivo que eu desconhecia. Estranho ao quadrado...

— É que, bom... – cocei a cabeça enquanto pensava em como ia falar aquilo.

Por que raios eu estava hesitante? O que tinha dado em mim? Era meu direito escolher ficar no apartamento ou me mudar para a casa.

— É que eu...

Ellie me interrompeu:

— Andrew. Posso falar com você um minuto?

Anna e Anabeth nos observavam com expectativa. Anna olhava para Ellie, mas assim que minha amiga terminou a frase, seus olhos vieram para mim, encontrando os meus. As sobrancelhas de Anna ergueram-se um milímetro por um milésimo de segundo. O que aquilo significava? Ela tinha sigo pega de surpresa ao notar que eu a encarava primeiro? Eu não sabia ao certo, como sempre...

Olhei de volta para Ellie e confirmei. Ela indicou as escadas, dizendo sem dizer para subirmos.

— Podem ir marcando a festa, nós já voltamos. – Disse Ellie antes de subir atrás de mim.

No andar superior, andamos mais alguns passos para evitar que sermos ouvidos.

— Você não vai recusar a mudança.

Como era?

— O quê? Como você sab...

— Andrew, eu te conheço. Você é fácil de ler para alguém com os meus conhecimentos. Qual é o motivo da hesitação? A Anna?

Às vezes, acho que Ellie era direta ao extremo. Custava não citar o nome de ninguém?

— Hã? Não! Eu só... Er...

Droga. Ela sabia que eu estava inventando alguma desculpa. Desisti de formular uma mentira barata quando Ellie me lançou um olhar de enfado.

Ela suspirou antes de dizer:

— Por causa de birra, Andrew? Sério?

— Não é birra. Você sabe muito bem.

— Então o que é? Para mim está bem claro, já que você nem olhou na cara dela antes de ser obrigado a fazê-lo pelas circunstâncias. Você a está evitando descaradamente de uma forma não muito legal, porque está sendo frio.

— Eu estou sendo frio? Ellie, qual é! Você entendeu o que eu falei hoje mais cedo? Aconteceu uma coisa que me mostrou algumas outras, só isso. Eu finalmente entendi.

— Entendeu o quê?

— Que não estou interessado na Anna! Digo, em ninguém...

Ellie congelou em sua expressão de uma sobrancelha levantada e boca torcida por um momento para, em seguida, cair na gargalhada. Aquilo me irritou um pouco.

— Qual é a graça? – perguntei tentando soar indiferente mas sem sucesso.

— Você realmente não falou com ela, não é? Desde ontem? Imaginei, é típico.

— Não e nem pretendo. Estou muito bem, obrigado.

— E está claramente enciumado.

— Desculpe?

— Tudo o que você fala e faz comunica o contrário do que sai da sua boca. O motivo dessa conversa, inclusive, talvez seja a maior contradição do momento. Você está tão decidido a ficar tentando se enganar que não se deu conta de um fato sublime, até.

— Que seria...?

— Ela está arrependida.

Não era do meu feitio, mas nesse momento eu revirei os olhos. Com vontade para demonstrar que o que Ellie tinha dito era esdrúxulo.

— Ellie, não é da minha conta o que qualquer pessoa aqui faz ou deixa de fazer. Eu não tenho nenhum compromisso com ninguém. Se ela escolhe sair e ficar com outros caras, ótimo. Se não, ótimo também. Eu não tenho nada a ver com isso.

— Vai me deixar terminar? – Me cortou.

— Ah, ainda tem mais. Desculpe Professora Xavier; Pode falar.

— A questão é que, se você tivesse preocupado um pouco menos em sustentar um muro desnecessário, teria conseguido uma oportunidade para descobrir.

— Descobrir o quê, Ellie? Pelo amor de Deus seja clara.

— Que o que você acha que aconteceu ontem não aconteceu de fato. Anna não terminou nada. Nem começou, na verdade.

Lancei meu melhor olhar de confusão.

Ellie devolveu com um olhar de tédio.

— Você sabe do que eu estou falando. – Disse.

Suspirei.

— Por que está me dizendo tudo isso? Não faz o menor sentido.

Ellie se aproximou, diminuindo mais o tom de voz:

— Andrew, ela está apaixonada. Não é óbvio para você?

— Ah... não. Deveria ser?

Ellie cerrou os olhos e inspirou fundo.

— Você é muito tonto. – Falou ainda de olhos fechados. Então os abriu.

— Olha, eu falei com Anabeth essa manhã e ela me disse que, assim que você saiu a Anna. Interrompeu tudo. Austin tentou insistir, mas ela recusou veementemente e saiu do quarto. Então ela foi procurar Anabeth, que estava comigo, e quando nos encontrou, de fato, ela parecia mal. Estava à beira de um choro, Andrew. Anabeth a levou embora depois disso, mas o que me contou depois foi o que me fez entender tudo: Anna fez o que fez porque queria sufocar o que sente por você. Porque você não correspondeu às expectativas dela ao mesmo tempo em que foi deixando rolar, entende? Quando duas pessoas se gostam e não assumem, aquele desejo escondido tende a tornar tudo mais intenso. Foi o que aconteceu. E ela tentou uma medida drástica quando você a rejeitou. E qual foi o resultado? Não deu certo e ela se sentiu mal por estar meio que usando alguém para se ver livre desse sentimento.

Enquanto ela falava, um filme passou pela minha cabeça. A cena final foi a festa pós-evento da Piper. O beijo de esquimó, minha reação e a saída de Anna logo depois. O que estava acontecendo ali, o que tinha acontecido desde aquele momento, era resultado daquela noite.

— Você já sabia o que tinha acontecido... Por que não me disse mais cedo? – Falei.

— Você precisava colocar para fora. – Fora sua resposta.

— E eu não... deixei rolar. Só aconteceu. – Comentei, contrariado.

— Não conscientemente, mas deixou sim. E acabou se enrolando também. Admite logo, por você mesmo. Pare de se torturar e torturar outra pessoa dessa forma. Isso é crueldade, Andrew.

Aquelas palavras chegaram até mim com impacto. Crueldade.

Mas pensando bem, não sei se era mesmo. Não daquela forma que Ellie falava. Eu não sou cruel, sou sensato. Estou me autopreservando. Ellie não fazia ideia do que estava dizendo.

Neguei com a cabeça.

— Não. Não é crueldade, é amor próprio. E outra: se bem me lembro, era a própria Anna quem não queria muito contato comigo.

— Exatamente porque estava chateada com você.

— E custa vir falar para mim?

— Para quê? Iria resolver alguma coisa?

— ...

Abri a boca e fechei e seguida. Nisso ela tinha razão, afinal.

Ellie suspirou soando cansada.

— Você é um amigo querido e eu quero sua felicidade sempre. Por isso fiz questão de vir aqui, ter essa conversa com você e te fazer mudar de ideia. Entendeu agora?

— Eu não sei não...

— Vai ser bom para você, acredite – ela me deu dois tapinhas leves no ombro –. Espero, de verdade, que reconsidere e reconsidere logo. Estava falando sério quanto à festa de casa nova. Fora o fato de que vocês conquistaram isso juntos. E por fim: você ainda precisa falar com ela, sabe disso não é?!

Ela me observou por um momento. Como não respondi, ela se virou e começou a andar até as escadas. Fui atrás, pesando em muita coisa. Descemos em silêncio, Anabeth estava parada no mesmo lugar.

— Ainda está aí? – surpreendeu-se Ellie.

— Anna pediu para que eu esperasse por aqui.

— Você estava ouvindo a conversa? – Perguntei.

Anabeth corou:

— Não! Pelo menos, não era minha intenção. Só imaginei que seria rápido e quis ficar aqui mesmo.

— Você conseguiu ouvir algo? – perguntou Ellie.

Anabeth desviou o olhar, ainda com vergonha:

— Algumas coisas.

— Tá, mas cadê a Anna? – perguntei.

— Foi ao sótão. Para sua sorte.

Suspirei. Coloquei-me a ponderar.

O.k., estava decidido. Eu ia conversar com Anna. Ela... nós precisávamos disso.

— Ellie? – Chamei. – Você quer um resultado, você terá um. E eu também. E todos nós. Esperem aqui se quiserem.

— Aonde você vai? – Anabeth quis saber, quando me viu ir em direção às escadas que davam para baixo.

— À sala de jogos e quase-biblioteca – respondi por cima do ombro. E então abri a porta e comecei a descer.

Anna se virou quando percebeu minha chegada e, ao ver-me sozinho, surpreendeu-se.

Inspirei fundo.

— Precisamos conversar. – Falei.

Séria, Anna sustentou o olhar e balançou a cabeça concordando.


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Notas finais do capítulo

Eu tava pensando em voltar com a escolha de melhores capítulos... Parei para pensar e percebi que caraca, vocês se esforçam pacas pra escrever os reviews e eles são lindos demais. Então não acho justo só gostar sem "oficializar" isso, sabem? E suspeito que isso motive mais comentários... hihihih
Enfim, quem quiser levanta a mão! o/ Ou me chama no privado mesmo. Se tivermos dez pessoas a favor, fechou.
Espero que tenham gostado e por favor, comentem suas impressões. Dessa vez eu meio que preciso saber. Passei a escrita do capítulo todo pensando nas reações de vocês, não me decepcionem. e convenhamos: dois, DOIS capítulos na mesma semana. Eu mereço, né! Poxa, eu tô de parabéns!
Vejo vocês logo!
Só avisando: tô de viagem e vou ficar fora uma semana, então o próximo provavelmente vai demorar.