Night Visions escrita por Isaque Arêas


Capítulo 7
On Top of the World


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo foi baseado em "On Top of the World - Imagine Dragons": https://www.youtube.com/watch?v=e74VMNgARvY



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— Tenho plena convicção disso!

Gritou Martinez pela loja enquanto eu me preocupava com as minhas bochechas coradas na frente dos outros carpinteiros que riam da minha vergonha.

— Não aconteceu nada! — Eu tentava me justificar em vão, minhas mãos coçavam.

— Eu duvido!

— Eu juro!

— Ora, vocês dormem no mesmo apartamento há meses! Duvido que não tenham nada!

— Podemos não falar sobre isso?

                Todos riam, mas a verdade é que eu ainda não entendia direito o que queriam dizer. Haviam se passado três meses desde que eu comecei a trabalhar com Martinez, a essa altura já compreendia bastante sobre as relações humanas, mas os sentimentos ainda eram confusos para mim. Sam e eu éramos amigos, vivíamos juntos e aquilo parecia ir bem até as pessoas deduzirem que tínhamos algo a mais. A primeira vez que aconteceu Samantha disse que era para ignorar, pois as pessoas estavam fazendo piada comigo por brincadeira, mas todos os dias eram iguais agora.

                Samantha já havia me explicado o que era o namoro, noivado, casamento e outras convenções sociais como essa uma vez quando estávamos caminhando e vimos um casal no outro lado da rua escolhendo um vestido de noiva. Por mais que ela tentasse demonstrar o quanto aquela relação era bonita eu ainda não conseguia compreender o sentimento por trás dela com clareza. Para mim o que eu e Samantha tínhamos era especial como era, mas não era afetivo como eles deduziam.

                Era a hora do almoço e todos saíram para comer. Hoje eu almoçaria com Sam na lanchonete em que ela me levara no meu primeiro dia aqui e eu estava animado em vê-la, mas antes que eu saísse Martinez me chamou para ir até seu escritório. Atravessei a carpintaria. Atrás do depósito havia uma pequena sala onde Martinez se escondia constantemente. Entrei na sala, senti o cheiro artificial de pinho e me sentei na cadeira em frente à sua mesa.

— Garoto, fazem três meses que você trabalha comigo — começou ele — e bem, eu gosto bastante de você, também gosto bastante de Sam, trato ambos como filhos. Sei que você não gosta das brincadeiras, mas eu só quero te dizer que se você ama alguém é melhor dizer, antes que seja tarde... Antes que fujam de você...

— Sr. Martinez, mas eu e Sam não temos nada.

— Eu sei filho, apenas guarde essas palavras, de todas as merdas que eu falo, apenas aceite quando um conselho bom sai — sorriu Martinez.

                Agradeci com a cabeça e apertei sua mão. Saí logo em seguida. Se havia uma ideia que eu ainda não compreendia totalmente era a ideia do amor, a paixão e qualquer outra coisa do tipo. Em alguns livros que Sam havia me emprestado eu já havia percebido seu conceito, como “Romeu e Julieta” e outros romances. Perguntei uma vez para Sam o que Romeu sentia por Julieta e ela respondeu que ele a amava. Perguntei o que era isso e ela disse que não sabia explicar, que eu precisaria sentir e quando sentisse saberia o que é. Infelizmente aquilo era vago demais para alguém como eu que estava aprendendo sobre emoções. Tudo que eu senti à partir dali poderia ser o tal amor. Tomei Romeu e Julieta como uma base para o que é amor e quando passasse por algo como eles passaram talvez eu soubesse o que é isso.

                Nos encontramos na lanchonete e nos sentamos na mesma mesa de antes. Sam estava com os cabelos ruivos presos, um vestido azul e um casaco listrado de preto e branco. Estava radiante. Eu com a típica camiseta e blusão xadrez por cima e sujo de serragem. Sempre que eu chegava aos lugares podia sentir as pessoas à minha volta tossindo. Pegamos o menu para decidir o que iríamos comer, mas antes de pedir a comida, pedi que Samantha me dissesse porque veio até aqui hoje.

— É um dia especial David!

— O que houve?

— Eu finalmente larguei a faculdade! — disse Sam animada.

— Deveríamos comemorar?

— Sim! Claro! Até porque eu já sou formada David, agora abriram-se várias possibilidades pra mim. Posso trabalhar, curtir a minha vida ou abrir um negócio. Ainda não sei, mas essa é a graça de viver não é mesmo?

Afirmei com a cabeça.

— Só não podia continuar fazendo algo que não quero mais — disse Sam fazendo um gesto impaciente — e tem mais uma coisa, mas essa eu preciso contar só depois de pedirmos!

                Escolhi uma sopa de legumes, Sam escolheu um hambúrguer. Pedimos um milk-shake de chocolate e fritas para acompanhar. A garçonete chegou com os nossos pedidos e Samantha parecia uma criança prendendo um grande segredo.

— Finalmente já posso falar!

— Diga logo!

— Eu tenho um encontro hoje à noite! — disse Sam mais animada ainda.

— O que é isso?

— Como assim o que é isso David? Um encontro... Vou sair com alguém...

— Estamos saindo agora, isso é um encontro?

— Não, é diferente... — Sam fez uma expressão confusa — estamos saindo como amigos... O encontro é como casal. Eu vou sair com um cara que está afim de mim, como namorado.

— Ah sim! — isso sim era novidade.

— É!

— E você o ama?

— Não David, eu nem o conheço...

— Mas você não disse aquela vez que casais se amam? — Tomei um gole da sopa e olhei atentamente Samantha enquanto esperava a resposta.

— Sim, se amam quando a relação dá certo. Nós não estamos namorando ainda, só vou conhecê-lo... Saber se ele é uma pessoa legal e quem sabe com o tempo eu não possa amá-lo?

— Entendi.

— Mesmo? Eu posso explicar de mais formas se você precisar — disse Sam com ar de superioridade.

— Bem, na verdade eu não entendi, mas acho que não importa como você explique, não é algo que eu entenda...

Sam riu e continuou a comer seu hambúrguer.

***

                Era tarde da noite e Sam ainda não havia voltado de seu encontro. Comecei a me perguntar se algo teria acontecido com ela, mas decidi deixar a dúvida de lado. Sam sabia se cuidar. Peguei um dos livros que ela havia me emprestado, “O Corcunda de Notre Dame” e comecei a folhear. Por mais estranho que Quasimodo fosse, eu me sentia como ele nesse momento: surdo, um pouco cego e mudo, sem ter notícias de Sam e sem ter como me comunicar com ela. Ouvi então vozes vindo da rua e decidi me esgueirar pela janela para ouvir.

                A voz soava bastante familiar e quando olhei por cima percebi que era Sam. À sua frente estava um homem alto, usava calças jeans um pouco surradas, uma camisa polo verde e tinha o cabelo bem preto. Samantha parecia desconfortável com a presença dele. Pude então ouvir a conversa dos dois.

— É, foi uma ótima noite... Obrigado por me trazer até em casa. — disse Samantha enquanto procurava as chaves na bolsa.

— Sim, que bom que sentiu o mesmo.

Samantha parecia ter encontrado as chaves na bolsa e preparava-se para abrir o portão quando o homem prendeu o portão com as mãos e sussurrou algo, não consegui ouvir.

— Desculpa, é que é nosso primeiro encontro... — respondeu Samantha.

— Nem pra subir você vai me convidar?

— Tom, é nosso primeiro encontro. A noite foi muito legal, não estrague tudo ok?

— Eu estragando? Por mim a noite só está começando! — Ele disse enquanto a prendia contra o portão e seu corpo.

— Tom, para com isso, por favor... — Disse Sam com a voz trêmula.

— Não precisa ficar com medo gata. Só quero que você me convide para subir.

                Pelo tom de voz de Samantha ela estava assustada. Não poderia deixar aquilo continuar. Botei minha jaqueta e desci as escadas. Tom fingiu que não me viu.

— Sai de perto dela! Ela já disse que você não vai subir — Eu gritei para ele.

— E esse quem é? — perguntou Tom para Sam.

—Por que não pergunta quem eu sou para mim e deixa ela em paz? — disse eu me aproximando do portão.

— Eu vou relevar a merda da sua opinião quando esse portão não separar mais nenhum de nós. Agora você dá meia volta e...

Antes que Tom pudesse terminar de falar eu saltei por cima do portão e parei atrás dele.

— Como você...

O peguei pela camisa enquanto ele falava e o empurrei contra o portão que sacudiu com o impacto.

— Eu pedi pra você deixar ela em paz — disse com raiva — É você quem vai dar meia volta, pegar essa sua atitude e sair daqui. Você nunca mais vai incomodá-la de novo ou eu não vou ser tão piedoso com você.

O larguei e ele caiu no chão. Ele se levantou, estava furioso, arrumou a camisa e saiu andando. Quando me virei, pude ouvir um som metálico vindo pelas minhas costas. Um canivete.

— Você não quer fazer isso — eu disse enquanto ele corria na minha direção.

                Tom tentou me acertar com um golpe no peito e eu abaixei. Entrei com um golpe por baixo, na barriga, fazendo com que tanto eu como ele fôssemos ao chão. Sam gritava ao fundo pedindo para que parássemos. Posicionei um dos joelhos na barriga dele para que não se movesse e dei um soco em sua bochecha. Ele balançava o canivete para todos os lados na tentativa de me acertar, mas o soco o havia desnorteado tanto que não conseguia. Dei outro soco, dessa vez na outra bochecha e ele acertou meu braço com a lâmina. O corte havia sido bem profundo e começava a doer.

                Consegui prender cada uma de suas mãos no chão com a minha. Senti meus ossos esquentarem mais uma vez e minhas mãos em seguida. Ele gritava.

— Você vai sair daqui e você não vai voltar — disse eu irado por conta da dor.

                Eu me levantei enquanto Tom rolava no chão enquanto massageava seus pulsos queimados pelo calor das minhas mãos. Gritava “Eu vou matar vocês!”, mas eu e Sam não nos incomodamos. Andei na direção dela e ela me levou para cima para cuidar do meu braço. Sam correu para o armário de primeiros socorros e voltou com gaze e remédios para limpar o ferimento.

                Nos sentamos no chão da sala, de frente um para o outro. A aplicação do remédio ardeu bastante e eu gemi de dor, mas depois aquela sensação foi passando. Para alguém que sobrevivia aos ossos queimando diariamente, aquilo era bem comum. Sam continuava a limpar e começou a chorar.

— O que foi? — perguntei.

— Nada. Me desculpa por isso... Ele era um babaca.

— Tudo bem, não foi nada demais...

— Obrigado por me ajudar — Sam sorriu — Eu fiquei com medo de ele te matar.

Olhei para Sam com uma expressão incrédula.

— Eu lanço raios de energia Sam. Não é um canivete que vai me matar.

— Mesmo assim... Tive medo... — Ela disse, dessa vez sem rir, ela falava sério.

                Naquele momento percebi que, talvez, Samantha sentisse algo a mais por mim, o tal algo a mais que todos vinham comentando. E eu não sabia o que eu sentia, era estranho.

— Sam... Você está bem?

— Estou.

— Porque saiu com ele?

— Ele parecia ser legal... Não imaginava que era um idiota. Só falou sobre coisas superficiais a noite inteira. Eu não me senti bem, queria que terminasse logo... O que você ficou fazendo por aqui?

— Lendo. Era o que tinha pra fazer — arqueei os ombros.

Sam se posicionou ao meu lado, pegou a gaze e começou a enrolar o curativo no meu braço. Ela o apertava para estancar o sangue e eu sentia sua respiração ofegante no meu ombro. Ela terminou o curativo e recostou a cabeça sobre meu ombro. Sam voltou a chorar e eu realmente percebi que Haia algo que ela não estava me contando.

— Sam... Me diz o que é, eu vou entender.

— Você não vai David. Eu sei que você não vai — disse Sam secando as lágrimas.

— Tente, eu já entendi tantas coisas.

— Nós não éramos só amigos David. Droga... — Sam se levantou e se sentou no sofá, com a cabeça baixa e as mãos no rosto. Eu me sentei ao seu lado e esperei ela continuar — Você não sabe como dói, acordar e ver você todos os dias, sem saber nada... Como doeu quando você perguntou sobre amor e disse que não entendia. Isso dói toda vez.

— Por que?

— Nós estávamos namorando David — Sam disse desviando o olhar e chorando ainda mais, eu continuei quieto — estávamos fazendo planos antes de você desaparecer e quando eu soube que você havia voltado e não se lembrava de nada preferi ficar por perto, ser sua amiga...

— E por que não me contou antes?

— Eu não queria que você e eu tivéssemos algo novamente porque havíamos tido antes, eu queria que você sentisse e agora eu estraguei tudo. Eu acabei de te contar. Eu não quero que você se sinta na obrigação de corresponder, David — disse baixando a cabeça de novo — Decidi seguir em frente hoje, talvez fosse melhor pra você nunca saber disso, mas aqui estamos. Eu já havia tentado sair com outras pessoas enquanto você estava desaparecido, mas sentia que estava te traindo e agora sinto isso ainda mais forte. Eu... Estou envergonhada.

Continuei em silêncio por alguns segundos.

— Você disse que primeiro as pessoas se conheciam e depois o amor talvez surgisse não é?

— Sim... — disse Sam suspirando.

— Nos conhecemos há três meses Sam... Eu... Acredito que sinto isso por você.

— Não David, foi porque eu falei. Tenho certeza.

— Não Sam, eu perguntei o que Romeu sentia por Julieta e você disse que era amor, ele morreu por ela. Eu não morri, mas estive disposto a morrer por você... Eu finalmente sinto o que Romeu sentiu. Eu não consigo viver sem você Sam.

Sam continuou a chorar e nos abraçamos.

— Me desculpa por ter saído com esse cara David... Sério... Eu, não sei o que dizer.

— Tudo bem. Eu estava desaparecido, acho que o que tínhamos também estava. Não era justo não dar uma chance para você seguir em frente.

— Eu não quero seguir em frente sem você David.

Sam beijou meus lábios. Sua boca era macia. Tinha o gosto de morango do seu gloss labial e suas lágrimas a deixaram salgada. Eu sentia o calor pelo meu corpo. O beijo continuava. Eu me deitei no sofá e Sam acima de mim, beijando meus lábios. Cuidei para que o braço enfaixado não atrapalhasse. Seus cabelos caíam sobre meu rosto, eram cheirosos e suaves.

Sam se levantou e pegou minha mão. Subimos as escadas em direção ao seu quarto. Ela me beijou mais uma vez até que caíssemos na cama. Suas mãos passaram pelo meu peito e pela barriga. Ela tirou minha camisa. Enquanto estava sentada sobre minhas pernas, ela também tirou seu casaco. Se levantou e tirou minhas calças. Eu me sentei na cama e beijei seus ombros. Quando ficamos completamente nus, pude ver seu corpo completamente. Seus cabelos alaranjados em contraste com o branco de sua pele. Naquele momento eu pude sentir algo que jamais havia sentido: prazer.

Terminamos suados, um ao lado do outro. Sam se arrastou até o meu peito e me abraçou. Eu beijei sua testa. Ficamos ali durante algum tempo, apenas respirando ofegantes. Foi quando Samantha riu.

— O que foi? — perguntei preocupado.

Ela se levantou levemente olhando para o meu rosto.

— Você caiu mesmo no meu choro? Era uma desculpa para te levar pra cama.

Olhei assustado.

— Você não tem noção de como é bom zoar você. Você sempre cai!

— Eu não tenho memórias. Isso não se faz!

Sam riu ainda mais.

— Mas era verdade? — perguntei ainda preocupado.

— Não, seu besta! Você e eu realmente éramos namorados.

Ela deitou a cabeça sobre o meu peito. Minha barba roçava seus cabelos.

— Eu te amo David. Sempre te amei — disse Sam.

— Eu também te amo Sam.

***

                O tempo passou. Eu e Sam estávamos cada vez mais unidos. Toda vez que eu pensava nela ou que seu nome era mencionado o calor invadia meu peito. Desde então passamos a dividir a mesma cama, sempre acordava e podia observar seu rosto pálido. Ela era linda. Todos os dias acordávamos, tomávamos café juntos, eu saía para trabalhar e ela ficava em casa planejando o que faria com sua vida. Na noite passada ela disse que estava pensando em se tornar designer de interiores já que eu ia bem na produção de móveis. Eu não sabia o que um designer de interiores fazia, mas se ela se sentia bem com isso, por mim estava ótimo. Eu queria vê-la feliz.

                Ela me levou uma vez a um escritório de designers para me explicar o que era. Era um local muito colorido, com diferentes papéis de parede decorados para que os clientes pudessem escolher. Havia móveis de diferentes modelos e materiais espalhados pelo salão de acordo com o ambiente exposto. Era muito bonito e eu podia ver os olhos de Samantha brilhando. Ela havia me contado que era apaixonada por arte na escola, mas seus pais não valorizavam muito isso.

                Eu queria fazer algo especial por Sam. Algo que ela pudesse sentir. Ela já havia me mostrado muito da vida dela e eu sentia que nunca poderia fazer o mesmo, pois não lembrava muito da minha vida antes dos acontecimentos. De qualquer forma, não é porque eu tinha vivido pouco antes que ela não poderia conhecer esse pouco. Nunca as sabe quanto tempo temos para aproveitar esses momentos e era assim que eu queria gastar aquele momento.

                No dia seguinte acordamos, tomamos café como de costume. Sam sempre fritava ovos e comíamos torradas. Ela ainda estava um pouco descabelada, usava uma camiseta velha e parecia enjoada. Samantha não era muito amigável ao acordar, seu humor ia melhorando com o passar das horas.

— Sam, você tem algo pra fazer hoje? — perguntei.

— Não muito... Eu ia começar a procurar alguns cursos e mandar currículos, por que?

— Bem, eu queria te levar a um lugar.

Sam me olhou fixamente.

— Você? Me levar a um lugar? Geralmente quem leva sou eu...

— Sim, por isso mesmo.

— Você descobriu uma loja nova de donuts? Se for isso só te digo que eu já conheço, mas que mesmo assim você pode me levar lá.

— Não, é melhor.

— Agora você me pegou. Vamos logo! — Sam deu um pulo da mesa e foi se trocar.

                Nos preparamos para sair. Martinez me emprestou seu carro e eu pedi para que Sam dirigisse até a entrada da floresta. Ela logo percebeu o que era, eu também não pensei em fazer muita surpresa sobre. Apenas curtimos a viagem. Cantamos algumas músicas que tocavam no rádio. Sam era apaixonada pela Beyoncé e sempre imitava as danças enquanto cantava. A viagem levou cerca de cinquenta minutos.

                Por mais que eu tivesse pensado em levá-la ao ponto onde tudo começou, não achei que chegar lá fizesse eu me sentir tão diferente. Voltar ao ponto de partida era algo estranho, eu estranhamente sabia todos os caminhos daquela floresta após quase cinco meses distante. Descemos do carro, parei algum tempo para olhar a paisagem. Sam segurou minha mão.

— Foi aqui que você viveu? — ela perguntou gentilmente.

— Na verdade não, aqui é a entrada. Eu vivia... Bem, acho que posso te mostrar.

                Pedi que Sam me abraçasse. Ela perguntou o que eu ia fazer e essa era a real surpresa. A segurei firme e me lancei pelo ar. Sam gritou por impulso, mas depois percebi que ela havia se animado com o passeio. Não há como não gostar do ar da floresta.

                Atravessamos alguns metros do tapete verde escuro. Passamos por pinheiros suntuosos. Ela não imaginava onde eu queria levá-la e eu pensava se conseguiria chegar até lá. Eu queria que Sam mais do que apenas me entendesse, mas que sentisse tudo o que eu senti. Queria que ela visse mais em mim do que apenas as sombras do meu passado ou mais do que um eterno bebê que ela deveria cuidar e orientar. A floresta é o que eu sou. Esse campo aberto, o rio, as montanhas, foram tudo o que eu tive durante o tempo em que me lembro de estar vivo. Isso sou eu e não havia como ela ter mais contato com quem eu realmente sou que ali naquele lugar.

                Finalmente chegamos à caverna. Meu lugar misterioso, ainda que não muito aconchegante mostrou a Sam onde vivi e como vivi. “Você morava ali?” perguntou ela e eu calorosamente disse que sim. Sam entrou na caverna, passou as mãos sobre as paredes úmidas e rochosas, saiu depressa e foi observar a paisagem. “A floresta é ainda mais fria que a cidade”, ela disse. Se ela já estava com frio, a segunda surpresa a faria surtar:

— Vamos entrar no rio? — eu disse empolgado.

— Você ficou louco?! Eu estou congelando aqui! — ela exclamou com os braços cruzados para se aquecer.

— Eu a aqueci durante o voo, não vou deixar de te aquecer agora... — estendi a mão, ao que Samantha revirou os olhos — É sério, confie em mim.

Ainda relutante decidiu se entregar, fosse para me fazer feliz, fosse porque era uma oportunidade única. Tiramos nossas roupas e pouco a pouco entramos juntos no rio. Meu corpo começou a se aquecer completamente e estabilizou minha temperatura. Eu pude ouvir os dentes de Samantha batendo, então a abracei para que o calor dos meus ossos irradiasse pelo seu corpo e pude senti-lo derretendo em meus braços. O cheiro do seu perfume era mais doce que o das flores e seus olhos brilhavam. Cada vez que eu a olhava a desejava mais. Ela era linda e eu era o homem mais sortudo do mundo. Beijei seus lábios. A textura era deliciosa e quanto mais a beijava, mais eu queria que aquele momento não acabasse jamais.

Permanecemos ali por algum tempo e quando decidimos sair percebemos as pontas de nossos dedos enrugadas. Não sei como havia sido essa experiência para ela, mas ela parecia mais leve do que antes e era assim que eu me lembrava daquele lugar: um refúgio. Nos vestimos. Samantha prendeu seu cabelo molhado e eu tentava observar nossa próxima parada. A abracei mais uma vez e decolamos juntos em direção ao pico mais alto da floresta.

Queria que ela conhecesse o lugar em que vivi, o meio que habitei e o desafio que superei. Precisava que ela vivenciasse isso. Voamos e voamos, começávamos a ficar desnorteados por conta da altura, mas pedi que Sam tivesse paciência. Eu já estava acostumado com a rotina de voos, mas imagino como deve ter sido nauseante para ela.

Finalmente pousamos. O vento batia tão forte contra nossos corpos que Samantha não deixou de me abraçar mesmo em terra. O topo da montanha era ainda mais maravilhoso do que eu podia me lembrar, até mesmo porque da última vez que eu estivera ali era uma noite chuvosa. Nos sentamos e pedi que Sam admirasse a floresta, que visse dali de cima toda a imensidão.

— Agora eu entendo o porquê de você não querer abandonar esse lugar... É incrível! — disse ela ainda me abraçando.

— Sim. É imenso.

— Por que você ainda vive comigo?! — disse ela rindo ironicamente.

— Eu tinha tudo isso, a montanha mais alta, o rio mais fundo, eu tinha tudo, mas a vida precisava continuar...

— Eu não sei se trocaria... Bem, mas você não conhecia o mundo lá fora não é mesmo? Pra você era tudo novo, não te julgo.

— Não sei se você acredita, mas foi como se meu tempo aqui tivesse chegado ao fim... Eu tinha medo de enfrentar meus problemas fora daqui, mas parece que a floresta tentou me expulsar daqui. Tem algo lá fora que me chama.

— Nossa, você fala como se fosse um desses eremitas malucos! É isso que você é não é? — disse ela ainda zombando de mim.

— Sei que você acha bobagem, mas se tivesse vivido aqui talvez entenderia, de qualquer forma, já paguei minhas dívidas à terra... Já estou livre da floresta — eu sorri.

— Não acredito tão... Filosoficamente quanto você, mas eu acredito e agradeço pelo seu tempo de sair daqui ter chegado e você ter voltado pra mim — ela sorriu — e muito obrigado por ter me trazido aqui. Quando éramos adolescentes eu queria as estrelas e agora você me traz pra o topo do mundo?! Você é incrível mesmo! — ela beijou minha bochecha.

 — Assim que pudesse eu te traria comigo... A floresta me ajudou por um tempo e você logo depois e só eu sei o quanto é difícil se levantar quando você está caindo. Eu amo você Samantha.

Nos beijamos mais uma vez.

— David... Eu tive medo de perguntar isso, não quero estragar o momento, mas...

Uma sensação ruim invadiu meus pensamentos.

— Você me levaria até... Você sabe...

— Não — Me afastei um pouco.

— Tudo bem... Eu pensei que...

— Eu já disse não! — disse com grosseria.

— David, não precisa falar assim! Não é para o seu mal... Só queria entender o que houve...

— Você não precisa entender! — continuei grosseiro.

— Você quer que eu te conheça e eu quero te conhecer David!

— Eu já disse não! Não preciso continuar falando!

— Você conhece tudo da minha vida! Conhece o momento em que eu larguei meus estudos, em que quase fui violentada e a droga dos meus pontos fortes. Eu quero conhecer você David! Até o seu pior... Eu não vou te amar menos...

Meus olhos lacrimejavam.

— Não é você... Eu não quero voltar lá.

Samantha então entendeu o que eu estava tentando dizer.

— Me desculpe David, por favor, me desculpa — ela me abraçou — mas sendo sincera com você, talvez você precise enfrentar esse medo e deixar que alguém entre nesse passado. É um peso muito grande pra carregar sozinho e se eu e você vamos fazer isso valer a pena, faremos isso juntos — ela segurou minha mão com firmeza — eu disse que não te amaria menos, mas agora eu também estou dizendo que eu não vou te abandonar.

Samantha me abraçou.


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Notas finais do capítulo

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