Night Visions escrita por Isaque Arêas


Capítulo 10
Hear Me


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo foi baseado em "Hear Me - Imagine Dragons" (https://www.youtube.com/watch?v=1Yr683VLxes) e "Bleeding Out - Imagine Dragons" (https://www.youtube.com/watch?v=gJEoxeW7JvQ)



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Aquele cheiro.

O maldito cheiro.

O mesmo cheiro de antes.

Não podia acreditar que estava de volta ao mesmo lugar fétido onde acordei. Sentia minha mente despertando e com ela meus sentidos, mas meu corpo ainda parecia extasiado. Foi quando abri meus olhos e apenas vi borrões em tons de cinza. Bastou alguns segundos para o borrão cinzento se materializar em paredes. Ergui um pouco minha cabeça. Paredes e mais paredes. Estava preso. Me levantei por instinto, mas uma corrente prendia meus pés e meus braços. Estava de volta ao laboratório, podia sentir isso. Minha respiração pesou e meu coração acelerava. Não conseguia pensar direito.

Uma luz intensa se acendeu no teto da sala. Agora eu podia ver que era uma grande sala oval. As paredes agora eram de um tom mais claro de cinza. Haviam trocado minhas roupas pelo que parecia ser uma camisa e uma calça, ambas do mesmo material, um tipo de tecido sintético bem resistente. Ambas pretas. Levei um tempo até que meus olhos pudessem se acostumar à luz, mas o que importava era o som que veio logo a seguir:

— O cão retornou — disse uma voz — Experimento 675.2013. Devo dizer que fomos surpreendidos. Antes mesmo de você acordar no laboratório acreditamos que estava morto.

Pude ouvir risadas do outro lado. Não era apenas uma pessoa.

— Onde vocês estão?! Quem são vocês?! — gritei.

— Bom, somos seus criadores... — disse uma voz diferente da primeira.

—Os sinais estão estáveis. Não precisa de alimento por hora. Os níveis de radiação estão equilibrados. — disse uma voz feminina ao fundo.

— Bem, parece que você esteve bem esse tempo todo. Isso já não me surpreende tanto, pois o criamos para ser quase invencível... Digo quase, por que bem... Precisamos evoluir sempre. — disse a primeira voz.

— Me tirem daqui! E-Eu quero ir para casa!

— Você não tem casa 675. Não importa o que aconteceu durante esses meses em que esteve fora... Você nunca teve casa. É por isso que sempre esteve aqui. Você nasceu aqui, foi criado aqui e não pode sair. Sua saída é um risco não só para você mesmo quanto para todos que estão a sua volta.

— Não! Isso é mentira! Eu estava na minha casa! Vocês me tiraram de lá! Vocês me tiraram da minha mãe e meu irmão! Eu quero voltar!

— Você se lembra de alguma dessas coisas?

Me calei por um momento. Queria responder que sim, mas não me lembrava de coisa alguma.

— Foi como pensei. Você não se lembra por que seja lá o que você esteve pensando não aconteceu.

Pensei em contar sobre Samantha e as fotos, mas eles estavam jogando. Tentavam desafiar minha inteligência para que eu denunciasse o que havia ocorrido. Eu não iria cair no jogo deles novamente.

— Eu não vou dizer outra vez! Vocês viram o que eu fiz no laboratório, eu posso fazer isso novamente!

— Gostaríamos que tentasse.

Malditos. Eu senti a ironia do pedido. Fizeram alguma coisa comigo, não conseguia sentir o calor no meu corpo. Eu tentava lançar os raios, mas não conseguia de maneira alguma, nem mesmo voar era possível e eles perceberam. Estavam me assistindo.

— Foi o que pensamos. Bem, sua hora está próxima 675. Sugiro que descanse.

— Eu não vou descansar! Eu vou sair daqui!

Silêncio.

— Ei?!

Silêncio.

Eles haviam ido embora. A luz continuava acesa, porém agora em um tom mais fraco do branco. Minha primeira reação foi puxar as correntes. Eu fazia força e podia sentir o suor escorrendo pelo meu corpo, mas elas não pareciam se mover. Minha força tinha ido embora também. Puxei as correntes de meus pés e em um momento dei um impulso tão forte que fui ao chão. Lá permaneci por um momento.

“Não há mais o que fazer”. Eu dizia internamente, mas pretendia continuar tentando. Puxei e puxei as correntes pelo que pareceram dias e provavelmente eram. Eles colocavam a comida na cela e eu não comia, tiravam e punham outro prato, eu mal tocava. Repetiram isso várias vezes até que deixei de contar. Assim como deixei de contar, deixei de puxar as correntes. Deixei de tentar. Eu estava preso há dias ali puxando e sem raciocinar direito. Era hora de me render. “Não há mais o que fazer” eu dizia e eu agora ouvia.

***

Eu constantemente gritava na esperança de que alguém me ouvisse do outro lado. Meus pulsos continuavam vermelhos desde as semanas em que tentei fugir. Pensava em Samantha constantemente, mas ela começava a me parecer um sonho. Não vou negar, estava ali há bastante tempo e o que eles disseram pairava na minha mente. Será que foi apenas um sonho? Será que quando eu despertei, explodi o laboratório e fui direto pra aquela casa por instinto? Talvez Samantha tenha sido fruto da minha imaginação... Talvez tudo que eu vivi foram âncoras da minha mente para que eu não ficasse completamente louco.

—Argh!

De que adiantava? Eu não estava louco antes, mas estava começando a ficar agora. E não havia saída daquela situação. Por mais que aceitasse que Samantha nunca existiu eu podia visualizar claramente o seu rosto e seu sorriso, o jeito como ajeitava os cabelos alaranjados constantemente e a voz fina e confortável. Eu podia me lembrar de seu toque e seu beijo e quase não conseguia respirar ao pensar nela. Me lembrava do amor que sentia e do amor que ela também sentia por mim. E se aceitasse que ela era completamente real... Bem, eu não me lembrava de coisa alguma do meu passado... Por que não inventaria alguém como Samantha simplesmente para ter um passado? Eu precisava de um passado, todos existiram e tiveram um início, porque o meu início seria naquele laboratório sujo?

Quanto mais eu pensava, a menos conclusões chegava e mais aterrorizado ficava.

— ALGUÉM PODE ME OUVIR?!

Eu tenho tanta coisa em minha mente... Se Samantha estivesse aqui ela ouviria. Nos deitaríamos no assoalho e ela acariciaria meu rosto enquanto eu falava. Samantha, por que você não está aqui? Se você era fruto da minha mente você devia estar aqui, mas por que não me ouve? Pensei em gritar seu nome, mas algo dentro de mim me dizia que se ela fosse real isso daria pistas aos homens que poderiam estar me ouvindo.

Estava ficando paranoico... E cansado. As correntes me incomodavam. Eu continuava sem saída. Sempre que adormecia torcia para acordar e ser tudo um sonho ou para nunca mais acordar. Me decepcionava quando abria os olhos e me percebia vivo naquela sala cinza que a princípio parecia grande, mas agora já estava bem menor... E a cada dia parecia diminuir mais. Até quando deveria aguentar aquilo?

***

O que mais me matava era o tédio que a cela me proporcionava. O tédio fazia parecer que o tempo levava embora pedaços da minha alma e o tempo não passava. Havia dias em que me parecia que estava preso há semanas, mas em outros dias pareciam segundos. Eles não apagavam a luz por completo. No início foi difícil descansar, mas me acostumei. A luz artificial acabou me fazendo perder a noção de manhã, tarde, noite, horas e dias, mas por incrível que pareça não me sentia mais fraco.

Como disse, não comia no início, mas com o tempo os meus instintos falaram mais alto que a minha mente e eu passei a comer tudo o que despejavam na cela. Eu nunca entendi o que era a comida, não tinha um bom sabor, mas me mantinha. Eles despejavam o prato por um buraco à minha direita e logo em seguida uma portinha automática o bloqueava. À minha esquerda havia um buraco no chão por onde eu poderia defecar. Fui recebido sendo chamado de cão e cada vez mais me sentia como um animal.

As correntes eram longas, no fundo me sentia grato por isso, pois podia caminhar pela cela. Não havia entendido ainda porque me mantinham presos às correntes e ao mesmo tempo em uma cela. Talvez as correntes servissem apenas para me torturar ou me colocar no meu lugar de prisioneiro. Eu as detestava. Meus pulsos estavam sempre vermelhos, pois elas me incomodavam. Vez ou outra eu tentava quebrá-las, mas já havia perdido as esperanças nessa tentativa. Precisava pensar em outras alternativas de fuga.

Os únicos locais que davam acesso para fora da prisão era a porta da comida, o sanitário e de resto algumas grades de ventilação no teto. As grades eram a melhor opção, mas o teto era extremamente alto e as correntes por mais que fossem longas não alcançariam. Sempre que começava a planejar minha fuga, a vontade de desistir me trazia para a realidade. Meu maior motivador para fugir de vez com certeza era Samantha. Eu precisava saber se ela era real, eu precisava descobrir. Até que tive uma ideia diferente.

Durante todo esse tempo eu me concentrava em quebrar as correntes como único meio de saída, mas minha mente me levou de volta à floresta. Eu não sabia se havia sido real ou não, a única coisa que sabia é que foi lá e com muito esforço que aprendi a dominar minhas habilidades. Me lembrei da tempestade que enfrentei e da dificuldade que tive para voar. Eu não podia desistir facilmente. Não quando toda a minha vida estava em jogo. Eles disseram que ainda não era a minha hora, mas como eu não podia deixar o meu destino nas mãos deles ainda que estivessem certos sobre quem eu era.

Ainda sentado tentei acessar o calor dos meus ossos. Fechei os olhos. Tentei me concentrar ao máximo e decidi que não pararia até conseguir. O tempo passava e as ondas pareciam distantes. As correntes apertavam meus braços. A ira. A ira havia sido meu principal motivador. Talvez não tivesse conseguido acessar meus poderes por que não estava sentindo corretamente. Desde que cheguei, o único sentimento que corria pela minha mente era o medo e esse sempre foi um sentimento que me travou. Eu precisava ficar furioso e as correntes eram prefeitas para isso.

Me levantei e andei alguns metros para esticar completamente as correntes. Puxei. Puxei. Puxei. Nada. Puxei novamente. Puxei. Puxei. Ainda nada. Repeti o processo várias vezes, cheguei a contar quarenta e sete. Desisti de contar depois disso, mas não desisti de tentar. Meus pulsos começavam a sangrar por conta do atrito com o metal. Podia sentir a minha pele rasgando aos poucos e o sangue aquecido pingava e escorria pelas minhas mãos.

Puxe.

Eu lembrava do seu rosto.

Puxe.

Eu me perguntava o que havia feito para estar ali.

Puxe.

Podia ouvir sua voz me dizendo para continuar e aguentar firme.

Puxe.

Uma centelha.

Eu pude sentir uma centelha correndo pelos meus dedos. Aquilo me deu energia o suficiente para continuar. Puxei e puxei. A centelha começou a ficar mais forte. Podia sentir a energia percorrendo meus dedos e chegando ao meu braço. Descia pelo meu torso e agora chegava aos meus pés. Puxei e puxei. O calor havia voltado, eu podia sentir minha pele se aquecendo e minha força voltando. A dor me fazia ficar cada vez com mais raiva, mas eu não podia desistir agora. Foi então que ouvi um tilintar e meu corpo caindo para frente. Quando olhei para trás, o lugar que antes segurava meus braços se encontrava vermelho como o fogo e completamente derretido.

Quando percebi, a raiva havia ido embora. Eu agora estava muito feliz. Minhas mãos tremiam e meu corpo se arrepiou. Olhei para os meus pés e comecei a flutuar na cela. Eu estava de volta! A energia havia voltado! Mirei em uma das grades de ventilação e estava pronto para disparar quando a sala estremeceu.

— O que? O que está acontecendo?

As paredes da cela começaram a descer e o teto subia. Eu olhava em volta tentando entender o que estava acontecendo, mas nada parecia fazer sentido. Tudo à minha volta ficava mais escuro à medida que o teto, de onde vinha a luz se afastava. Então tudo ficou completamente escuro até que de algum lugar distante eu pude ouvir a voz que falava comigo anteriormente:

— 675. Nosso cão. — Nesse momento algumas luzes no chão começaram a acender, uma a uma, revelando uma sala oval ainda maior — Se você deseja tanto a sua liberdade, precisa lutar por ela. Precisa provar o que deseja — Foi então que entendi que eu não havia recuperado meus poderes e sim eles haviam me dado eles de volta, não sabia como, mas foram eles — Sua missão é destruir a coruja à sua frente.

As luzes se acendiam em sequência e quando ele citou a “coruja” uma estranha figura apareceu do outro lado da sala. Eu não a via muito bem, só pude vê-la de pé bem à minha frente e seus olhos reluzindo um brilho amarelo, a sala continuava escura, mas sabia que eu a destruiria se isso me fizesse sair dali e ver Samantha uma última vez.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por ler mais um capítulo! Esse foi postado essa semana ainda pra compensar o atraso XD
Estamos chegando à reta final da história (aaaaaaah), mas espero que estejam gostando. Se quiserem deixar um comentário ou sugestão vai ser um prazer! Se quiserem indicar a fanfic também ou favoritar fiquem à vontade!
Mais uma vez obrigado!
Abração!!