À espera de Heloísa escrita por slytherina


Capítulo 1
A espera


Notas iniciais do capítulo

"Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor"

A banda por Chico Buarque



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Rio de Janeiro, 1972.

Heloísa pegou sua bolsa a tiracolo, contrabandeada do Peru e colocou de qualquer jeito sobre o ombro. Uma rápida mordida no pãozinho com manteiga, seguida de um grande gole de café com leite, deixou-a pronta para enfrentar mais um dia na PUC.

– Tchau, mãe! Tchau, pai! - Ela falou com a boca cheia, já correndo para a porta da rua.

– Filha, você nem tomou café direito! - Sua mãe reclamou inutilmente.

– Deixa, Marilda. Ela com certeza vai fazer um lanche na faculdade. - O pai de Heloísa falou pragmático.

– Esses jovens de hoje só andam correndo, parece que não há tempo para nada.

– No nosso tempo também corríamos.

– Corríamos da chuva, corríamos por brincadeira ou apenas porque tínhamos muita energia para queimar.

– O mesmo acontece com eles. São cheios de energia, e vivem com a cabeça no futuro, por isso querem se mover a jato, como se fossem máquinas ou super heróis.

– O que? - A mãe de Heloísa, Dona Marilda, riu gostosamente. - Você é que queria ser um super herói. Como era mesmo o nome? O Batman? Dick Tracy?

– Fantasma.

– É, as coisas mudam! - Ela suspirou. - Não acredito que nossa filha queira ser uma super heroína. Ela é muito lógica e sensata para isso.

– Eu também era ... quero dizer ... eu sou sensato e lógico. O que não me impede de sonhar. - O pai de Heloísa, Senhor Aldo, baixou os óculos de grau para olhar para a esposa. Ele sempre fazia isso como um chiste. Na verdade, gostava de observá-la sem as lentes que lhe corrigiam a visão, com aquela aura de luz matinal a envolvendo e tornando seu rosto etéreo com se fosse feita de luz.

Ela se aproximou do marido e beijou-o na testa. A seguir falou baixinho.

– Que tal sairmos para dançar hoje? Primeiro iríamos até à Colombo, comer doces dinamarqueses e licor de amarula. Você se lembra? Era nosso encontro perfeito.

– Ah ... licor de amarula! Bons tempos! - Ele sorriu e balançou a cabeça negativamente. - Infelizmente, minha gastrite não aguenta mais álcool.

– Podemos pedir milkshake, então. - Ela falou enquanto sentava ao lado do marido.

– Bons tempos! Sempre podemos ter a Colombo em nossas lembranças - Ele segurou a mão de sua esposa sobre a mesa. - Desafortunadamente, hoje não é um bom dia para sair. Tenho o trabalho acumulado da repartição. Preciso fazer hora extra. Sinto muito!

– Ok! Mas você vai ficar me devendo essa. Sábado você não me escapa. - Ela deu um selinho no marido, então se levantou e começou a recolher a louça da mesa.

Seu marido ainda a admirava como se estivessem ainda namorando, mas já se levantava e procurava o paletó para ir pro trabalho. Logo se despediram com um beijo e ele se foi.

O dia passou tranquilamente com os afazeres diários e conversas com as vizinhas. Ela almoçou sozinha, mas à noite sua filha voltaria da faculdade e seu marido do trabalho. Eles jantariam e assistiriam à novela na TV juntos. Então dormiria tranquilamente abraçada ao homem de sua vida.

Senhor Aldo voltou e eles voltaram a se comportar como dois namorados. Jantaram carne com batatas, assistiram as desventuras de Cristiano e Simone na telinha, e depois da novela resolveram jogar cartas. Uma disputa de pif-paf para saber quem era o ás da família.

– Oba! Ganhei de novo! Dois a um! Sou melhor que você! - Dona Marilda bateu palmas de contentamento.

– Vamos jogar melhor de cinco? Só pra tirar a dúvida. - Senhor Aldo falou calmamente enquanto ajeitava os óculos.

– Tudo bem, mas já vou avisando: Vou ganhar de lavada. Amor, você não acha que Heloísa já deveria ter voltado?

– Sim, acho. - Ele fêz um movimento amplo com o braço e conferiu a hora. - Ela já deveria ter chegado há quatro horas, mas se ela estivesse encrencada, já teria procurado um orelhão e ligado pra nós. Já, já, ela chega em casa.

Eles ficaram em silêncio um minuto e se concentraram no jogo de cartas.

Uma hora depois, o jogo já havia acabado. Dona Marilda ganhara, mas não conseguia mas sentir prazer ou diversão nisso. Ligara a TV, mas havia apenas um desenho geométrico estático na tela, simbolizando que a emissora parara de transmitir. Em breve a TV passou a apresentar estática e chiado.

Senhor Aldo levantou-se e foi até a porta da frente. Ele a abriu e saiu para a calçada. Ficou olhando para a rua por longos minutos, como se sua ansiedade e preocupação pudessem teleportar sua filha diante de si. Algum tempo depois ele desistiu e entrou.

Dirigiu-se à esposa.

– Querida, vá dormir! Deve estar exausta.

– Não vou dormir até minha filha voltar pra casa.

– Vamos fazer o seguinte: Você vai dormir, e quando ela chegar em casa, eu te acordo. Ok?

– Está bem! - Ela deu um selinho no marido e se retirou para seu quarto.

O marido ficou sentado no sofá simples, enquanto admirava o novo relógio de parede da sala. Era feito de plástico bege com grandes números pretos. Sua filha havia comprado no dia dos pais, pois sabia que ele gostava de organizar-se pelas horas. Ela era uma boa filha.

Ele percebeu quando sua esposa se esgueirou pela sala, vestida de camisola, e veio aninhar-se a seu lado no sofá. Ela o abraçou e beijou no rosto. Ele acariciou a mão dela.

– Ela vai levar uma bronca do tamanho de um bonde, sim senhor. – A mulher falou baixinho.

– Vai ver ela está dormindo na casa de alguém e esqueceu de nos avisar.

– Você sabe quem?

– Imagino que seja o Sérgio.

– Que filho de uma ...

– Marilda!

– Desculpe, mas isso é muita falta de consideração. Eles poderiam ter nos avisado.

– Você sabe como são os jovens, relapsos. Principalmente quando estão apaixonados.

– Aldo, você não acha que eles já ...

– Fizeram sexo? Não sei! Prefiro não me preocupar com isso agora. No momento a única coisa que quero é ver Heloísa entrando por aquela porta. Depois eu brigo com ela e o Sérgio. Eu só quero que ela esteja bem.

– Você é um bom pai.

Eles deram um beijinho, e ela sussurrou "eu te amo".

– Acho que é melhor irmos dormir agora. Amanhã vamos ter uma conversa franca e séria com Dona Heloísa.

Eles se levantaram e foram para o quarto.


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