Alien Panic escrita por Metal_Will


Capítulo 20
Crise 20 - Garoto Propaganda


Notas iniciais do capítulo

Eu devia estar estudando, mas não resisti. Estava morrendo de vontade de escrever a continuação desse arco do mercado e cá estou. Boa leitura :)



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Crise 20 - Garoto Propaganda

Estávamos ali, em um mercado há centenas de milhares de anos-luz da Terra, onde tudo que queríamos era comprar uma marca de fermento mais poderosa para ajudar Mabi no preparo de sua pizza e o que acontece? Uma criança correndo me empurra, fazendo com que eu derrubasse vários produtos no chão e gerasse um prejuízo considerável. Por sorte, o gerente do local, uma espécie de alienígena lesma, disse que havia algo que eu poderia fazer para compensar o problema. E logo estávamos ali, andando mais uma vez na esteira, tentando chegar em algum ponto do mercado, onde meu destino me aguardava.

– Chegamos - disse o gerente, quando nos aproximamos de uma parte do mercado com um tipo de balcão em volta e pessoas filmando alguma coisa. Quando digo pessoas, falo de uma criatura humanoide roxa com três olhos amarelos, cabelo crespo cumprido (por mais que o cabelo não combinasse com ele) e boné virado para trás atrás da câmera, enquanto um outro, também com três olhos, mas com pele verde e bigode, estava sentado em uma cadeira com uma inscrição em uma língua que desconhecia.

– O que está escrito ali? - perguntei.

– Diretor - respondeu Estrela - É verdade, o meu tradutor só ajuda vocês com as vozes, por isso não conseguem ler.

– Diretor? - repeti - Mas o que isso tem a ver com o que eu preciso fazer?

– Você achou alguém, Lerby? - disse o tal diretor (acho que Lerby é o nome do gerente) - Não temos o dia todo!

– Sim. Por sorte, encontrei esse rapaz que está me devendo um favor - falou o gerente, apontando para mim.

– E-Espere um pouco - falei - O que eu vou fazer?

– Precisamos de um ator - disse o tal diretor - Estamos lançando um novo produto no mercado e precisamos gravar uma propaganda em vídeo dele.

– Interessante. Então propagandas também são importantes para as vendas em outros lugares do universo - comentou Eduardo.

– Sim. Quase todos no universo passam horas assistindo televisão - completou Estrela.

– Curioso. Achei que com acesso à uma rede mundial, a televisão fosse sendo abolida aos poucos - comentou Eduardo.

– No início até que foi assim. Mas com o tempo começaram a preferir que houvesse uma programação pronta, assim eles não teriam o trabalho de escolher um programa para assistir. Com isso, a televisão voltou com força total em muitos planetas - explicou Estrela.

– Ora, ora, então preguiça de pensar e passividade são fenômenos universais. Muito interessante mesmo - Eduardo parecia estar levando tudo numa boa. É claro. Não era ele quem precisaria assumir algum papel para vender algum produto que eu não tinha a menor ideia do que seja.

– É isso, garoto - disse Lerby - Quero que você seja o ator da propaganda. Aceita?

– Sim, ele aceita - respondeu Estrela.

– Por que está respondendo por mim? - retruquei, virando para ela com uma cara de assustado.

– Eu não vou pagar tudo aquilo. Faça a propaganda e vamos embora logo.

– Mas eu nem sou ator de verdade! - reclamei.

– Não importa - disse o diretor - Você só precisa ir atrás daquele balcão e ler o texto que vamos mostrar para você.

– Viu só? Vai ser algo bem rápido - disse Estrela, embora sua face séria nunca me passasse o mínimo de segurança.

– Posso saber que produto é? - perguntei.

– É um novo cereal matinal feito pelo próprio mercado - disse Lerby - Queremos conquistar o público infantil e crianças como você seriam excelentes para a propaganda!

– Mas eu já tenho catorze anos - falei.

– Anos? - Lerby parece não ter entendido bem aquele palavra.

– É o equivalente a trinta voltas desse planeta ao redor da estrela de vocês - explicou Estrela.

– O quê? Mas você tem cara de criança! - disse Lerby, se aproximando ainda mais de mim. Queria que ele não se aproximasse tanto. Já comentei que o hálito dele não é muito agradável.

– É um caso não muito comum no planeta dele - disse Estrela - Aliás, isso seria um ótimo caso de estudo.

– Vitor é apenas um pouco pequeno para a idade dele - complementou Eduardo - Eu tenho a mesma idade que ele, aliás.

– Vocês são uma raça esquisita - falou Lerby - Mas isso não importa. Aqui está sua fantasia.

– O que é isso? - indaguei, ao ver a fantasia de tigre na minha frente.

– Não é óbvio? É uma fantasia de Listrado - respondeu Lerby - Vocês vieram de longe mesmo?

– "Listrado"? - olhei para Estrela imediatamente procurando uma resposta.

– É uma espécie de animal comum em muitos planetas daqui. Lembra um gato gigante, de cor laranja e com listras, se quiser comparar com um animal da Terra.

– Temos um animal assim na Terra - comentou Eduardo - Chama-se tigre.

– Eles também soltam bolas de fogo pela boca? - perguntou Estrela.

– Bem, até onde eu sei, não - respondeu Eduardo.

– Então não são listrados - prosseguiu a garota - Listrados soltam bolas de fogo quando se sentem muito ameaçados. São um símbolo de força em muitos planetas.

Mas para mim era uma fantasia de tigre.

– Tudo que você precisa fazer é vestir isso, comer uma colherada e dizer "Desperte o listrado em você!" - disse Lerby, com todo o entusiasmo.

– Acho que já vi uma propaganda parecida em algum lugar - comentou Eduardo.

– O universo é grande. Ideias parecidas já devem ter acontecido em outros planetas - falou Estrela.

– Só isso? - comentei, um tanto quanto aliviado.

– Sim - confirmou o gerente.

E foi o que fiz. Segundos depois, eu estava ali, fantasiado de tigre, digo, listrado e diante do balcão. Fiz justamente o que me mandaram, mas o diretor mandou cortar.

– Corta! - disse ele.

– O que eu fiz de errado? - perguntei.

– Precisa de mais entusiasmo - falou o diretor - Já sei! Por que não dá um rugido no final?

– Rugir?

– Sim - confirmou o diretor.

Tudo bem. Foi o que eu fiz. Meu único consolo é que aquilo só seria transmitido em uma região anos-luz de distância da Terra.

– Acho que agora melhorou - comentou o diretor. O cinegrafista fez um sinal com o polegar para cima para o diretor e, pelo visto, havia terminado. Era aquilo? Aquilo pagava o prejuízo?

– Até que foi fácil - falei, olhando para Eduardo que educadamente segurava seu riso e Estrela, que apenas olhava a tudo de forma indiferente (ou talvez estivesse rindo por dentro, sei lá) - Podemos ir embora?

– Onde você vai? - disse o diretor - Agora vem a parte de ação!

– Ação? - estranhei.

– É isso aí! Vamos seguir para o cenário de ação! - gritou o diretor, repentinamente animado.

– Oh, sim. É nessa parte que os outros atores recusaram o serviço - falou Lerby - Ainda bem que você está em débito comigo e vai ter que fazer a cena de qualquer jeito.

Ele deu uma bela gargalhada depois de proferir aquelas palavras que não me animaram nem um pouco. Pegamos uma esteira secreta no depósito logo atrás e nos dirigimos, mais uma vez em alta velocidade, para um cenário do lado de fora do mercado. Enquanto me recuperava dos excessos da viagem, olhei para um enorme poço com algo quente borbulhando lá embaixo. Do lado que estávamos até o outro lado do poço só havia uma corda amarrada em duas estacas dos dois lados e uma bicicleta. Por que eu já estava sentindo que algo de estranho iria acontecer para o meu lado? Já estava começando a suar dentro de minha roupa de listrado.

– Tudo que você precisa fazer é andar de bicicleta até o outro lado e mostrar que é um verdadeiro listrado! - disse o diretor.

– Então existem bicicletas fora da Terra? - perguntou Eduardo - Não é muito ultrapassado?

– O fato de existirem meios mais avançados, não significa que os meios antigos deixem de existir - respondeu Estrela - Na verdade, o retrô tem sido uma moda e tanto nessa região do universo. Ter uma bicicleta aqui é até bem esperado.

– Isso aí embaixo é o quê? - tive a pachorra de perguntar. A moda retrô daquele lugar era a última coisa que me interessava agora.

– Ácido laranja - respondeu o diretor - É bem barato de arranjar no planeta vizinho.

– E isso...é perigoso, não é? - questionei.

– Sim. Uma gotinha disso já derrete a sua pele - falou o diretor.

– E vocês querem que eu ande nisso? Não é à toa que os outros atores desistiram! - falei, mais assustado do que furioso - Não é contra a lei fazer algo assim?!

– Mas recebemos esse estoque de ácido laranja em excesso da indústria do planeta do lado - falou Lerby - Ninguém compra esse negócio aqui, precisávamos aproveitar de alguma forma. E imagine só que incrível? Se você conseguir cumprir o trajeto, nossos cereais receberão uma credibilidade e tanto!

– E o fato de eu morrer se cair dentro desse negócio não conta? - estava realmente desesperado.

– Por que você precisa pensar tão negativo? - reclamou Lerby - Como empresário, devo dizer que as coisas só melhoram depois que você assume riscos.

Mas um risco desses? Estrela e Eduardo também não pareciam muito abalados.

– Já aviso que não vou pagar pelo seu prejuízo - disse Estrela secamente.

– Se você conseguir, pode se tornar um grande herói, Vitor - disse Eduardo, tentando ser otimista de alguma maneira.

– Mas...mas...eu vou morrer - minhas lágrimas já estavam saindo.

– O que você precisa para chegar do outro lado? - perguntou Estrela.

– Acho que é me equilibrar na bicicleta, não?

– Nesse caso, não é tão difícil - disse ela - Suba na bicicleta.

Obedeci e olhei para ela, intrigado. Estrela ativou o Portal Gun. Parece que ela tinha um plano, afinal.

– Usarei um tipo de campo de força que ajuda a manter o seu equilíbrio. É uma função do Portal Gun chamada Campo de Equilíbrio Estático. O campo garante que todas as forças e torques (*) agindo no seu corpo irão se equilibrar. Vou atirar em você assim que começar a andar pela corda e seu equilíbrio será mantido.

– Sério? - respirei aliviado - Que bom! É justamente o que eu precisava!

– Não tem problema usar isso, tem? - perguntou Estrela a Lerby.

– Só quero que o comercial fique bom - disse ele.

– Podemos começar? - disse o diretor - Você só precisa rugir enquanto desce. Lembre-se disso.

– T-Tá - eu gaguejei, com a bicicleta já na posição para descer na corda. O ácido lá embaixo não era uma visão muito agradável. "Não olhe para baixo" era a frase que mais se repetia dentro da minha cabeça, mas era inevitável não olhar.

– Ação! - gritou o diretor. Dei um impulso com a bicicleta e Estrela atirou em mim para ativar o tal campo. Senti um leve formigamento, mas isso não era nada comparado à adrenalina que senti. Eu tentei usar o rugido como uma forma de grito. Mesmo com o campo de equilíbrio em volta do meu corpo, o medo dominava o meu pobre coração. Por que eu tive que me meter em situações assim?

– O campo é mesmo confiável? - perguntou Eduardo.

– É 99% confiável - disse Estrela, embora tenha colocado a mão no queixo de forma pensativa e dito - Mas aquele 1% é que me preocupa.

Quais as chances de alguma coisa dar errado? Bem, poucas. Mas existem. Assim que desci da corda, passando incólume pelo lago de ácido (ainda bem que os 99% estavam do meu lado). O problema mesmo foi parar a bicicleta depois, afinal, parar implica desacelerar. E eu estava em equilíbrio, ou seja, manteria a velocidade constante até que uma força me parasse. Nunca pensei que aprenderia física de maneira tão prática.

– Ah, sim. Acho que já posso desligar o campo - falou Estrela. Ela o fez. Com isso, consegui apertar os freios e quase parar. Digo quase, pois não consegui evitar bater na parede logo à frente.

– O seu rugido ficou horrível - disse o diretor.

– Vamos ter que gravar novamente? - perguntou Lerby.

– Não. Podemos editar isso no computador - falou o diretor - Mas bem que você podia se esforçar um pouco, heim, ator?

– Já falei que não sou...ator... - balbuciei, ainda com a bochecha encostada na parede. Apenas me deixem ali, quero descansar.

Nessa hora, o tal funcionário do caixa, o Mason, chegou correndo, quase tropeçando ao cair da plataforma.

– Senhor, senhor - disse ele - Pare tudo! Eu cometi um erro!

– Erro? - Lerby não estava entendendo nada. Muito menos eu.

– Vi as imagens da câmera de segurança - disse Mason - Realmente, um garotinho empurrou esse garoto e por isso ele caiu. De certa forma, ele também é uma vítima.

– Câmeras...de segurança...- balbuciei.

– Oh, sim, é verdade. Um dos mercados mais avançados do universo deveria ter um sistema de câmeras - disse Eduardo.

– Deveríamos ter pensado nisso logo no começo, não? - comentou Estrela.

– Pois é, mas ainda bem que tudo deu certo - disse Eduardo.

– Sim, peço desculpas - disse Mason. Pelo menos ele parecia um jovem honesto.

– Tsc. E agora? Já gravamos o comercial - reclamou Lerby.

– Tanto faz - falei - Só quero ir embora daqui em paz.

– Mesmo? Podemos cobrar uma boa indenização por isso - disse Estrela - Mas, é claro, a burocracia seria enorme, considerando que vocês são de outro planeta.

– Eu..só quero...ir...para casa - falei, pausadamente, quase me rastejando após me deslocar da parede.

– Está bem - disse Estrela - Vamos pelo menos levar nossas compras de graça e deixamos tudo como está. Pode ser?

– Bom, vocês só compraram doces e...fermento - disse Lerby - Não querem levar mais nada?

– Agora que você falou - disse ela - Vou levar um pacote desses cereais matinais. O meu já está acabando.

– Viu só? - comemorou Lerby, dando um belo tapa nas costas do diretor, quase derrubando o pobre homem (ou alien, ou o que for) - Nosso comercial já rendeu frutos. Você é mesmo muito bom!

– Pelo visto valeu a pena pedir para o meu filho pensar em um roteiro de comercial depois de voltar da creche - respondeu ele, se recuperando do tapa.

Creche? Tipo, ele tinha uns três anos? Eu gostaria de dizer que ele isso era brincadeira ou piada, mas o diretor não falou mais nada depois daquilo. Enfim, depois de tudo isso, retornamos ao nosso planeta...vivos. Exatamente no mesmo lugar de onde partimos, na praça vazia próxima à casa da Mabi.

– E então? O que acharam de sua primeira viagem fora da Terra? - perguntou Estrela.

– Poderia ter sido mais tranquila - comentei.

– Foi uma experiência e tanto - disse Eduardo - Gostaria de viajar pelo espaço mais vezes.

– Não se acostumem - falou Estrela - Foi uma exceção. Levar terráqueos para outros lugares do universo é uma violação clara da regra 3456 do manual da minha agência. Só fiz isso...para ajudar no sonho de Mabi.

É verdade. A Mabi. Ela ainda estava na casa, terminando os preparativos da pizza que levaria para o concurso. Assim que abrimos a porta, ela nos recebeu com um sorriso (e um...tenho mesmo que escrever isso? Um selinho em Eduardo).

– Nossa, vocês demoraram - disse Mabi - O mercado estava muito cheio.

– Mais ou menos - respondi - Mas trouxemos o fermento.

– Puxa, obrigada. Agora já posso terminar a massa da minha pizza! Ué? Nunca vi essa marca - disse ela.

– Estavam fazendo promoção de uma marca nova - falei - Edição limitadíssima!

– Que legal. Mas não importa. Hora de voltar ao trabalho!

E ela voltou para a cozinha, até que Eduardo, muito observador, deu uma olhada mais atenta para o armário logo acima do fogão.

– Ei, amor - disse ele.

– Sim? - respondeu Mabi, sorridentemente.

– Parece que ainda tinha um tablete de fermento escondido aqui no fundo - disse ele.

– Sério? Puxa. E eu fazendo vocês comprarem um novo. Que vacilo! - reclamou ela - Mas tudo bem, vou usar o que vocês trouxeram. Não vou deixar esse esforço ser em vão.

Não tenho palavras para descrever minha cara quando ouvi aquilo, mas se ela soubesse o esforço. Pelo menos era a Mabi. Por ela, acho que até gravaria outro comercial. Ai, ai. E o dia acabou em...pizza. Literalmente. A pizza que Mabi fez realmente ganhou o primeiro lugar. Será que foi o fermento?

– Não - disse Estrela, quando perguntei isso para ela discretamente na hora do concurso, quando Mabi estava recebendo sua medalha - Quando Mabi se distraiu, eu troquei rapidamente o fermento que compramos pelo tablete que ela não viu.

– Por quê? - estranhei.

– Acabei mudando de ideia e pensando melhor. Acho que Mabi tem condições de vencer da forma mais justa possível. Um ingrediente que nenhum outro candidato poderia ter acesso seria mesmo trapaça.

– E no fim fomos a outro mundo por nada - reclamei.

– Mas você aprendeu uma lição - disse Eduardo, entrando na conversa - Nem sempre nossas boas ações são recompensadas. Mas ver Mabi feliz já é uma recompensa e tanto, não acha?

Sim. E como. E pelo menos comi bastante pizza naquele dia. É, nem tudo foi tão ruim afinal. Vamos ver o que vem por aí...

(*); Torque é uma grandeza física que permite a um corpo rígido rotacionar com a ação de uma força aplicada a uma certa distância de um eixo de simetria. Quanto maior essa distância, maior o torque gerado pela força. Traduzindo: é o que faz a porta abrir mais fácil com a maçaneta longe da dobradiça do que perto. Se os torques estiverem em equilíbrio, o corpo não irá girar (o que seria muito bom para o Vitor, nesse caso).


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Notas finais do capítulo

E é isso aí. No próximo capítulo começamos um novo arco. O foco da fic é humor, mas espero iniciar alguma aventura maior e jogar mais mistérios no ar logo. Afinal, o universo é enorme e está cheio de seres malucos. Hehe. Até mais! =)