Estávamos assistindo a etapa final do concurso de culinária em um dos maiores eventos gastronômicos do universo conhecido, onde criaturas de toda parte do espaço se reuniam para experimentar os mais diversos tipos de iguarias. Nossa amiga (e única que sabia cozinhar bem!) Mabi estava ali, tentando ganhar o prêmio que continha um dos fragmentos de cristal que precisávamos.

—Vai Mabi! - gritei. Estrela permanecia séria.

—Não sei, não – disse Estrela – Parece que a Mabi está mais nervosa do que o normal, não acha?

—Você acha? - perguntei.

—Olhando bem – comentou Eduardo, sem tirar as mãos do bolso – Ela parece mais agitada do que na outra etapa.

—Sendo que é a etapa final, acho que é normal ficar nervoso, não? - comentei.

—Que seja – falou Estrela – Desde que isso não influencie na qualidade do prato.

—Confiem nela – disse Eduardo – Se tem algo que a Mabi ama na vida é cozinhar.

De fato, ela amava cozinhar. Desde que conheci Mabi, já faz alguns anos, ela sempre trazia coisas que preparava em casa para os colegas de sala. Era uma garota gentil e doce, além de bonita, é claro. Mas devo concordar com Eduardo que culinária era a paixão dela. Só que a observação de Estrela também me deixou preocupado. Será que ela conseguiria manter a qualidade do prato estando nervosa?

“Vai, Mabi. Você consegue”, pensei, enquanto me segurava firme na barra de proteção do mezanino onde assistíamos tudo. Ela olhou para cima e me viu ali. Deu um sorriso e, por mais que ela é quem mais deveria estar nervosa, quem ficou calmo fui eu. Assim eu me derreto...mas preciso continua falando sobre o concurso. Enquanto Mabi preparava seu prato, uma pizza de marguerita (mas talvez com algum toque especial), os outros concorrentes também prosseguiam em suas atividades de preparação. Um deles era a tal alien com forma de jacaré Keka e, o outro, era um alien com duas cabeças. Dizem que duas cabeças pensam melhor que uma, mas, naquele caso, não sei se era bem assim.

—Lug, idiota. Falei para não colocar tanto sal – reclamou uma das cabeças.

—Cala a boca, Lig – disse ele – Eu sei o que estou fazendo. Esse prato precisa de mais sal.

—Não, não é sal, é pimenta e...

—Lembramos aos competidores que resta menos de uma hora – disse o apresentador.

Mabi seguia em sua preparação. Sei que ela estava fazendo o melhor que podia, mas sua outra concorrente, Keka, era uma excelente cozinheira. E ela não parecia nem um pouco nervosa. Pelo contrário, estava cantando alegremente enquanto cozinhava.

—Hoje soou feliiiz e caaantooo...sóóó por causaa de vocêêê – não me pergunte como ela conhecia Ivete Sangalo.

E o tempo continuava passando.

—Muito bem. Apenas dez minutos – anuciou o apresentador.

—Oh, droga! - reclamaram as duas cabeças Lug e Lig que cozinhavam à frente de Mabi.

E, finalmente, o tempo acabou. Mabi terminou com o tempo cravado, mas estava com a pizza pronta. Os outro dois (ou três, se imaginarmos que cada cabeça é uma pessoa) também estavam com seus pratos prontos. Keka fez um tipo de torta enquanto Lug e Lig parecem ter improvisado um tipo de carne (talvez alguma carne alien). Chegou a hora da avaliação.

—Muito bem, nosso jurado, Gourmet Berto, irá provar os pratos dos concorrentes – disse o apresentador – Vamos começar com eles, os irmãos Lug e Lig, veteranos de nosso concurso e vencedores de algumas competições passadas. Por favor, tragam seu prato.

Eles levaram a bandeja com o assado. Pelo cheiro, Berto parece ter apreciado.

—Parece bom – disse Berto – O que exatamente é isso?

—Pavout assado com um molho à base de sal – disse Lug.

—O quê? - perguntei para Estrela.

—Pavout é um tipo de ave da região deles – explicou ela – Nunca experimentei, mas dizem que é muito bom.

—Ah, tá – entendi.

—Pimenta. A base principal foi pimenta – disse Lig.

—Apenas prove, senhor – disse Lug.

Berto provou, mas não parece ter apreciado muito.

—Está horrível – disse ele – Já provei pratos dos senhores em outras competições, mas dessa vez está horrível. O sal e a pimenta estão totalmente desequilibrados, apesar da carne estar bem preparada. A não ser que os próximos concorrentes apresentem algo pior que vocês, sinto dizer, mas...vocês não tem muita chance.

As duas cabeças se entreolharam. Keka seu uma risadinha.

—Na cozinha, o psicológico conta muito – disse ela para Mabi – Conversei com eles antes da rodada começar e comentei que Lig parecia entender melhor de cozinha do que Lug. Depois disso, eles começaram a perder qualidade no trabalho em equipe. Cozinhar em grupo pode ser uma vantagem, mas pode ser uma baita desvantagem se todos não estiverem afinados.

—O quê? Isso...foi cruel – comentou Mabi.

—Eu só fiz um comentário – disse Keka – Se eles se deixaram levar por isso, a culpa não é minha.

—Próximo... - disse o apresentador – Que tal você, Keka. A grande chef conhecida em várias partes do universo.

—Com licença – disse ela – Vou ali ganhar mais um troféu e já volto.

E ela se aproximou, entregando sua torta para Berto.

—Devo dizer que está impressionante como sempre, gourmet Berto – disse ela.

—Não vai ganhar nada me bajulando – respondeu o gourmet – Sua torta parece boa, mas será que o sabor está tão bom quanto o cheiro?

Lembramos que Berto tem um olfato extremamente aguçado. Passar pelo teste de olfato dele já é um bom ponto para o seu prato.

—Certamente que sim – disse Keka – Ainda mais...com um novo tipo de fermento que decidi implementar.

Mabi parecia desolada. Sim, Keka havia roubado o fermento dela (não deu para ver isso na hora, mas Mabi nos contou depois). Se aquele fermento era tão bom assim, somado com as habilidades de cozinha dela, não tínhamos muitas chances.

—Bom – disse o gourmet – Seu prato está...

—Eu sei, está maravilhoso – disse Keka.

—Está horrível. Tão ruim quanto o dos dois irmãos ali – disse Berto.

—O QUÊ?! - exclamou Keka, espantada – O que está dizendo sua aberração de boca gigantesca!

—Sua boca é tão grande quanto a minha – reclamou Berto.

—Como pode estar tão ruim?! E o fermento que usei?! - disse Keka, furiosa.

—Exatamente. Já sei o fermento que você usou. Não é muito comum nessa região do universo, mas sei muito bem qual é e, de fato, é um excelente realçador de sabor em qualquer prato que leve massa. O problema...é que você usou ervas na sua torta que modificam os efeitos do fermento. Infelizmente, isso deixou o seu prato péssimo – explicou o jurado.

—Não pode ser – Keka pegou um pedaço da torta e, de fato, o gosto estava tenebroso. Dava para ver pela cara dela – Que ruim! Como pode?

—Você devia experimentar o prato antes de servi-lo – disse Berto – Uma chef como você já devia saber disso há muito tempo. Ou será...que confiava tanto no fermento que nem se preocupou com o que poderia acontecer com ele?

E de fato foi isso. Keka ouviu nossa conversa e decidiu roubar o fermento de Mabi para garantir sua vitória. Mas, pelo visto, o feitiço virou contra a feiticeira.

—Infelizmente – prosseguiu Berto – O máximo que você pode ganhar é um segundo lugar.

—Droga – reclamou Keka, voltando para sua bancada.

—S-Sinto muito – gaguejou Mabi.

—Sua falsa – disse Keka – Achei que aquele fermento fosse um realçador infalível de sabor.

—Sim. Eu sei que você roubou meu fermento, dona Keka, mas... - Mabi tentava falar timidamente – Mas não vou culpá-la, na verdade, até gostaria de agradecê-la. Não queria usar um realçador tão forte para garantir minha vitória. Fora que...também não sei que efeitos ele teria.

—O que me consola – disse Keka – É que por pior que esteja o prato dos irmãos, eles ainda são profissionais. Você não tem chance contra eles.

—Ainda assim, quero ir até o final! - disse Mabi.

E foi o que ela fez. Levou sua pizza para Berto que, logo de cara, já ficou satisfeito com o cheiro.

—Também está cheirando bem – disse ele – Espero que não me decepcione com o sabor como os outros dois.

—Também espero, senhor – disse ela.

E Berto experimentou um pedaço da pizza. Sua expressão não poderia ser melhor.

—Explêndido – disse ele – O que você usou nessa pizza?

—É uma pizza de marguerita, muito comum em meu planeta – disse Mabi – Mas acrescentei uma erva com um gosto semelhante ao manjericão que achei na cozinha daqui. Achei que dava uma aprimorada no sabor.

—Acertou em cheio. É kripsty – disse ele – Fica muito bem junto com esse queijo e o tomate.

Aliás, o queijo utilizado era de outra regiões do universo, o que deve ter influenciado no sabor também.

—Garota – disse o gourmet – Não há dúvidas. O seu prato é o melhor.

—E temos um vencedor! - disse o apresentador do concurso – A grande chef...err...qual é o seu nome, querida?

—Mabi – disse ela, toda sorridente – Vim do planeta Terra.

—Mabi, do planeta Terra! - exclamou o apresentador – Vamos comemorar!

—Ela ganhou! - gritei – Ela ganhou! Isso!

Nisso, quase caí do mezanino se não fosse Estrela me puxando.

—Quem diria – falou ela – Já estava preparada para arrancar o troféu deles assim que anunciassem a derrota de Mabi.

—Mas não precisamos fazer isso. Conseguimos vencer honestamente. E agora temos o fragmento honestamente! - comemorei - Tudo é tão bom quando termina bem.

Em poucos instantes, Mabi recebia seu troféu. Keka estava se corroendo por dentro de inveja, mas ela mereceu essa derrota. Já nós, só estávamos interessados no fragmento de Eternium que estava encravado no troféu. Depois que toda a comemoração passou, Estrela conseguiu remover o cristal e deixou o troféu com Mabi.

—Meus parabéns, Mabi – disse ela – Graças a você, não precisamos criar inimizade com várias e várias galáxias por roubar o prêmio deles.

—Sei que você não faria isso – disse Mabi – Certamente iria pensar em outro jeito.

—De qualquer modo, ainda resta mais um fragmento, não é? - lembrou Eduardo – É o último.

—Sim – disse Estrela – Verei agora mesmo onde ele está.

Estrela ativou seu Portal Gun e o radar em busca dos fragmentos. Foi aí que ela se surpreendeu.

—Não pode ser – falou ela.

—O que foi? - perguntei.

—Esse último fragmento...- disse ela, pausadamente – Está no Setor W!

Então teríamos que buscar o último pedaço justamente na terra natal de Estrela? Com certeza, isso não será nada fácil.