A única exigência de Lorde Galmon para nos entregar o fragmento de Eternium era ouvir a voz de sua já falecida neta. A descrição mais importante que ele nos deu era que ela tinha dois olhos de cor diferente: um verde e um castanho. Coincidentemente, nossa representante de sala, Bruna, também tinha olhos assim. Será que poderiamos contar com ela para

—Se conseguirem pelo menos me fazer ouvir a voz da minha neta – disse o lorde, seguido de algumas tossidas – Eu poderia partir desse mundo como um homem.

—Oh, pobre homem – lamentou Lady Glaumy, irmã do nobre homem com orelhas de coelho à nossa frente.

—Apenas por curiosidade – balbuciei timidamente – Como seria a aparência da sua neta.

—Tem uma foto dela bem ali – disse o lorde, apontando para a penteadeira logo ao fundo do quarto.

Estrela e eu nos aproximamos. Era uma garota de cabelos castanhos, orelhas de coelho e olhos com cores diferentes. Pior que isso: era realmente parecida com a Bruna.

—Nossa, é a Bruna desenhada – comentei com Estrela.

—Sim. Idêntica. Se colocar orelhas de coelho na Bruna é essa daí inteira – concordou Estrela.

—Vocês podem fazer isso? - perguntou Lady Glaumy – Vocês podem mesmo cumprir o talvez último desejo do meu irmão?

—Bem, você só quer ouvir a voz dela, não é? - perguntou Estrela.

—Sim. Isso já seria suficiente – respondeu Galmon.

—Nesse caso...acho que podemos conseguir até mais do que isso – falou Estrela – Não podemos trazê-la aqui, mas conseguimos um vídeo dela.

—Um o quê? - perguntou o lorde.

Estrela apenas suspirou.

—Consigo mostrar não apenas ela falando, mas também as imagens dela falando – falou Estrela.

—Sério? Sério mesmo? Podem mostrar até o rosto da minha netinha? - perguntou lorde Galmon, empolgado, mas rapidamente tossindo e voltando ao seu leito – Isso...isso me deixaria muito feliz.

—Desde que prometa nos entregar o fragmento depois disso – lembrou Estrela.

—Damos nossa palavra – disse Lady Galmy – Por favor, apenas atendam o desejo do meu irmão. Vocês são seres poderosos, não são?

—Pense o que quiser – disse Estrela – Apenas queremos o fragmento. Venha, Vitor, vamos resolver isso logo!

—A-Até mais – gaguejei, tentando compensar a falta de sensibilidade de Estrela com um tom gentil, antes dela abrir um portal que nos levou imediatamente para nossa cidade na Terra, mais precisamente na casa de Estrela. Nos sentamos no sofá (não sem antes eu quase ser derrubado por Plum) e começamos a pensar no problema.

—Tá legal. Precisamos de um vídeo da Bruna falando qualquer coisa para o velho – disse Estrela – Se conseguirmos isso, o primeiro fragmento já é nosso.

—Será que tem algum vídeo dela na Internet? Se encontrarmos, você poderia editá-lo e...

Mas Estrela me interrompeu na mesma hora.

—Esqueça – disse ela – Não temos tempo. Edições de vídeo são demoradas, mesmo com alta tecnologia. Seria mais fácil convencer a Bruna a gravar o vídeo.

—Mas como vamos fazer isso sem uma boa desculpa? - perguntei – Além disso, temos que fazê-la colocar orelhas de coelho para se parecer com a neta do lorde.

—É, eu sei de tudo isso – disse Estrela – Orelhas de coelho são até fáceis de adaptar com um editor simples. O problema mesmo é tornar a gravação convincente.

É verdade. Mesmo que pudéssemos editar, o lorde poderia suspeitar de fraude no caso da gravação não estar muito convincente (embora ele vivesse em um planeta sem muita familiaridade com essas tecnologias). Precisaríamos convencer Bruna a gravar o vídeo com a mensagem adequada.

—Acho que seria convincente se ela falasse algo diretamente ao avô – sugeri.

—É. Isso é o mais esperado – concordou Estrela – E o que ela poderia dizer?

—Bem...posso pensar em alguma coisa...poderia...

—Já sei. “Caro vovô. Por aqui está tudo bem. Espero que também esteja tudo bem aí desse lado. Essas pessoas precisam muito do fragmento de cristal que o senhor prometeu a elas. Não vá decepcioná-las, por favor. Até logo.” - sugeriu Estrela.

—Não acha meio maldoso colocar “até logo”? - comentei.

—Ele já está quase morrendo mesmo – respondeu Estrela.

—Você é mesmo uma insensível! - reclamei – E essa mensagem não está muito curta e seca, não?

—Não temos muito tempo para ficar floreando, Vitor. Além disso, ele foi bem claro: só quer ouvir a voz da neta. Vamos até mandar um vídeo. Já é suficiente – disse ela.

Suspirei.

—Que seja. Se temos um roteiro, então agora precisamos convencer a Bruna a participar, não é? - perguntei.

—Exato – confirmou Estrela – Primeiro, vejamos se ela está em casa. Vou abrir um portal para a casa dela agora.

—Ei, ei. Calma aí, sua invasora de lares! - reclamei – Lembra que a Bruna não sabe do seu segredo. Teremos que ir do jeito convencional.

Estrela suspirou.

—Tá legal – disse ela – Vamos de portal até a entrada da casa dela.

—Vamos lá – concordei.

E assim foi feito. Abrimos o portal e chegamos próximos à entrada do portão de Bruna. Estrela tocou a campainha na mesma hora.

—Pois não? - perguntou a empregada que atendeu.

—Boa tarde. Somos colegas de sala da Bruna – disse Estrela – Ela está?

—Oh, sim, sim – disse a empregada – Irei chamá-la imediatamente. Qual é seu nome?

—Estrela – respondeu ela.

—E eu o Vitor – falei, embora não tenha muita certeza se fui ouvido ou não.

Após alguns instantes, a voz retornou.

—Por favor, entrem – disse a empregada – Bruna vai atendê-los agora.

—Até que está fácil, né? - comentei.

Entramos e, assim que passamos pela porta de entrada, Bruna nos recebeu alegremente.

—Vocês, vindo me visitar? - perguntou ela – Que coisa mais inusitada!

—Parece feliz – comentei.

—Claro. Por que não estaria feliz de receber meus queridos amigos? - disse ela, abraçando Estrela com toda a demonstração de alegria.

—Viemos aqui pedir um favor – falei.

—Um favor? - Bruna mudou para uma expressão um pouco mais desconfiada – Ora, ora, é claro que estou sempre disposta a fazer favores para meus amigos de escola. Afinal, nessa vida uma mão lava a outra, não é verdade?

—O que quer dizer? - perguntou Estrela.

—Bem. Se eu ajudar vocês, talvez vocês me ajudem em alguma coisa no futuro, não é? - explicou ela – Tipo...talvez eu precise dos serviços de vocês para descobrir umas coisas da Talita do segundo ano. Ouvi dizer que ela anda falando mal de mim pelas costas e...

—Nosso favor é bem simples – disse Estrela, interrompendo Bruna na mesma hora – Só queremos que grave um vídeo para deixar um senhor conhecido nosso feliz.

—Como assim? - perguntou ela.

—É que...você parece muito com a neta dele e um dos últimos desejos dele é ouvir a voz dela, ou um vídeo dela – expliquei.

—Pareço mesmo, é? - continuou Bruna.

—Exato. Ela também tinha olhos de cor diferente – especifiquei.

—Ah, então não é tão simples assim – disse Bruna – Se sou rara, então meu serviço deve valer mais, não acha?

—Na verdade, estávamos pensando na sua caridade e senso de solidariedade – continuei.

—Bom, vou pensar no caso de voces – falou ela – Preciso sair daqui a pouco, então não tenho muito tempo, sendo assim...dou um orçamento do preço do uso da minha imagem amanhã no colégio, pode ser?

—Amanhã? Mas nós precisamos...

Mas minha fala foi interrompida por Bruna na mesma hora.

—Puxa, preciso me trocar agora. Adoraria ficar conversando com vocês, mas realmente tenho mais o que fazer – disse ela – Até amanhã!

—Mas Bruna... - tentei falar algo, mas não adiantou muito.

—Até amanhã, lindos – disse ela, nos empurrando para fora do quarto – Vocês sabem onde fica a saída, né? Tchau! Beijos! Não me liguem!

E assim fomos expulsos (pelo menos não violentamente).

—O que você estava dizendo sobre ser fácil? - perguntou Estrela.

—Bem, pelo menos ela disse que vai pensar, né? - falei.

—Deixe de ser ingênuo, Vitor – falou Estrela, enquanto já abria um portal na parede mais próxima para sair da casa de Bruna e voltar para sua própria casa – Não temos tempo para os caprichos daquela idiota. Vamos ter que dar um jeito de convencê-las nós mesmos.

—E como vamos fazer isso? - perguntei.

—Não se preocupe. Vamos pensar em alguma coisa – disse Estrela. Será que vamos mesmo conseguir?