Apesar dos primeiros dias de aula já começarem agitados, os próximos três dias até que foram tranquilos. Lá estava eu, em minha primeira semana de ensino médio, tentando me esforçar com as dificuldades das matérias. Já conhecemos praticamente todos os professores, exceto o professor de inglês. Mas eu não estava tão preocupado com isso, afinal, nunca tivemos um professor de inglês definitivo – todo ano mudamos de professor de inglês umas três vezes e é sempre a matéria mais atrasada. Mas, pelo que parece, aquele ano seria diferente.

—Caraca, o professor está atrasado – comentei com Estrela, sentada do meu lado.

—Só se passaram dez minutos desde que o sinal tocou – disse ela.

—Mas se perdemos dez minutos, temos só mais quarenta minutos de aula – falei.

—Qual é a pressa? Temos um ano inteiro pela frente – ela disse.

—Mas é o Ensino Médio. Todo tempo perdido pode contar para o vestibular – respondi.

—Está tão preocupado assim com isso? - perguntou Estrela.

—É fácil falar quando você já tem uma carreira definida, né? - retruquei.

—Relaxe. Você ainda precisa sobreviver à escola antes disso. Na verdade, o seu planeta precisa sobreviver até lá – respondeu ela.

—Isso não está ajudando em nada! - reclamei.

Nossa discussão continuaria se Bruna, nossa representante de sala, não chamasse a atenção da classe para um comunicado. Sim, ela também estava na nossa sala naquele ano. E, sim, ela continuava sendo nossa representante pelo simples motivo de ninguém querer fazer um trabalho tão chato, a não ser pela vontade de inflar o próprio ego – coisa que a Bruna adorava fazer.

—Atenção, gente! Aqui, por favor – disse ela, em um tom fofo demais para uma pessoa tão má – Bem, a coordenação pediu para avisar que a professora da próxima aula ainda está se preparando, mas deve chegar em breve.

—É aula do quê? - perguntou um aluno.

—Inglês – respondeu Bruna – Parece que é uma professora nova na escola.

—Professora nova – comentei – Espero que seja uma boa professora.

—Tanto faz – disse Estrela – Tenho um tradutor universal instalado no meu cérebro e posso entender qualquer idioma. Por que preciso de inglês?

—Mas eu não vou ter um tradutor universal no dia da minha prova! - retruquei.

—É, você precisa mesmo se esforçar mais – disse Estrela.

—Ei, parem de conversar – disse Kevin, o agente secreto da CICE da nossa sala (que também é um aluno responsável nas horas vagas) – Respeitem um ambiente de ensino.

—Já falei que você é chato hoje, Kevin? - disse Estrela.

—É uma professora nova – disse ele – Precisamos recebê-la com respeito.

—Então, é isso. O recado está dado. Sou mesmo uma representante eficiente como sempre, não acham? - disse Bruna.

Não demorou muito para a sala começar a conversar e bagunçar (o que é esperado de qualquer sala sem professor), para o desespero de Kevin.

—Como podem ser tão desrespeitosos? - disse ele – Não durariam uma hora no treinamento da CICE...

—Calma, a professora já está chegando – comentei.

E, de fato, não demorou muito para a professora chegar. E ela chegou realmente com bastante presença, afinal, não é todo professor que abre a porta com um belo pontapé.

—Chegueeeeei! - gritou nossa nova professora e, nessa hora, acabei quebrando o lápis novinho que estava segurando na mão. Estrela também estava pasma, assim como Kevin.

—Mas é a … - eu mal podia terminar minha frase.

—Desculpem o atraso, meus lindos! - disse ninguém menos que Lua, a irmã louca de Estrela. Ela estava usando avental e óculos, além de segurar vários livros e apostilas de inglês – Mas, vocês sabem, preciso me preparar psicologicamente para me apresentar para minha primeira turma. Ai, é uma emoção muito grande.

—Lua! - gritou Estrela, se levantando imediatamente – O que está fazendo aqui?

—Ah, maninha! É verdade! Você estuda nessa escola, né? - disse nossa nova professora – Prazer. Serei sua nova professora de inglês!

—“Maninha?” - repetiu Bruna – Espera. A Estrela tem uma irmã.

—Olhando bem...até que elas são parecidas, né? - comentou Priscila, que também continuava em nossa sala e continuava grudada em Bruna.

—Ora, ora...por essa eu não esperava – comentou Bruna, com um tom cínico.

—Como você pode estar lecionando aqui? - perguntou Estrela – Eu te deixei na clínica psiquiátrica, não deixei?

—Mas, como pode ver, eles me liberaram – disse ela – Fiz um curso de licenciatura à distância e descobri que minha verdadeira vocação é o ensino. Como viram meu empenho, perceberam que eu podia atuar na sociedade novamente e decidiram me dar alta para exercer meu talento!

—Você só pode estar brincando...deve ter fugido de lá novamente! - reclamou Estrela.

—Nãããão – disse Lua – Pode apostar, estou perfeitamente bem. Estou ótimo. E estou pronta para ensinar tudo desse idioma maravilhoso que é o inglês!

—E-ela consegue ensinar um idioma? - perguntei.

—Essa é a parte fácil. Provavelmente ela deve ter aprendido tudo sobre a língua em menos de três dias – disse Estrela, com cotovelos sobre a mesa e mãos na cabeça em sinal de preocupação – O problema é...o que exatamente ela quer com tudo isso.

—Estrela – disse Kevin em voz baixa, cutucando Estrela com uma caneta – Sua irmã quase destruiu a Terra poucos meses atrás. Você é totalmente responsável por ela, está ouvindo?

—Estou – disse ela – Também não me agrada a ideia da minha irmã aparecer aqui do nada.

—Muito bem, galera! - disse Lua – Voltando a me apresentar...meu nome é Lua e serei a professora de vocês durante todo esse ano.

—Todos os nossos professores de inglês falaram a mesma coisa – disse um aluno mais engraçadinho.

—Mas eu dou minha palavra de que vou continuar por aqui – insistiu ela – E, para começar, vamos revisar o que vocês sabem de inglês. Você!

Ela apontou para o Veterano Caio que, finalmente, havia passado para o ensino médio com seus dezenove anos. Sim, dessa vez ele teve sorte em chutar mais de cinco alternativas corretas na vigésima vez que a coordenação o forçou a fazer uma prova de recuperação sobre a matéria do novo ano na mesma semana. Ouvi dizer que os professores até fizeram uma festa em comemoração.

—O quê? - Veterano Caio estava ocupado enfiando canetas no nariz, mas Lua insistiu.

—É. Você mesmo. Diga alguma coisa em inglês.

—You tá de brincation with me? - respondeu ele.

Lua se espantou por um instante, mas riu logo em seguida.

—Muito boa! - disse ela, enquanto se recuperava da gargalhada – Caraca! Adoro esse comercial!

—Ela continuou assistindo vídeos da Terra, não é? - comentei baixinho com Estrela.

—Nunca consegui tirar esse hábito dela – respondeu Estrela.

Apesar dos pesares, até que a aula inaugural dela não foi ruim. Não demorou muito para tocar o sinal e Lua sair de cena. Ainda não conseguia acreditar no que estava havendo.

—Isso não pode ser verdade – disse Estrela que, pelo visto, também não podia acreditar.

—Como ela chegou até aqui? - perguntei.

—Estrela! - Kevin realmente parecia preocupado, na verdade, parecia trêmulo – Se essa garota tentar algo de novo...você vai assumir a responsabilidade, está ouvindo?

—Não me enche – reclamou ela. É. De fato, aquilo era muito estranho.

—Nenhum professor começa a trabalhar numa escola sem autorização – falei – O diretor deve saber de algo.

—É isso. Vamos falar com o diretor – disse Estrela, enquanto me puxava.

—Ei! Aonde pensam que vão? - disse Bruna – A aula ainda não acabou!

—O Vitor não está passando bem – disse Estrela – Vou levá-lo à enfermaria.

—O que ele tem? - perguntou Bruna. Como sempre, interessada na vida alheia.

—Comeu algo estragado – falou Estrela.

—Ah, por isso esse cheiro... - reclamou Bruna, tapando o nariz.

—Na verdade, esse aí fui eu – disse Veterano Caio em tom orgulhoso, para desgosto de todas as meninas ao redor.

Enquanto isso, Estrela me puxou e abriu um portal para a sala do diretor. Ainda bem que o diretor sabia muito bem dos problemas alienígenas que nossa região estava passando.

—Muito bem – disse Estrela – Pode ir abrindo o bico.

O diretor estava aéreo, pensando em alguma coisa – provavelmente na garota de cabelos brancos.

—Ah, é você, Estrela? - falou ele em tom tedioso – O que aconteceu agora? Mais algum dos seus problemas de ficção científica?

—O que você tem na cabeça em contratar uma maluca para dar aula nessa escola? - exclamou ela.

—Está falando da nova professora de inglês? - perguntou ele.

Nisso, ouvimos batidas na porta.

—Entre – disse o diretor.

—Diretor, preciso falar com o senhor sobre meu pagamento e – falou Lua – Ah, maninha. Matando aula, sua danadinha?

—Dane-se a aula – disse Estrela.

—Na verdade...estou meio preocupado em ter que perder a aula de física... - comentei.

—Quieto, Vitor – bronqueou Estrela – Abra o jogo, Lua. O que você veio fazer aqui?

—Tá bom, vai...vou explicar tudo – falou Lua.

Afinal, será que vamos ter uma explicação para tudo aquilo?