Contra o Tempo escrita por Giovannabrigidofic


Capítulo 4
Ela: Sobre Momentos Inesquecíveis




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São Paulo, 23 de Junho de 1965

Ela

Um emaranhado de roupas infantis foram jogadas com fúria dentro da mochila.

Clara jogou tudo e depois fez com que Roger se agasalhasse, vesti-o com um casaco grande e trocou sua calça jeans por um moletom. Lhe deu luvas e um par de sapatos confortáveis acompanhados de meias, quentinhas. A própria se vestiu com várias peças.

– Roger, quer levar mais alguma coisa?

– Pra onde?

– Nenhum lugar em especial.

Ela fechou o zíper com uma certa dificuldade.

– Onde a gente vai?

– Já disse, nenhum lugar em especial.

– Vamos procurar o papai? Vamos encontrar ele, não é?

Clara colocou a mochila de lado na cama, suspirou e olhou com atentamente para o garoto curioso, os olhinhos castanhos brilhando e implorando uma resposta convincente.

– Talvez, Roger. Talvez.

Jogou a mochila sobre os ombros e pegou a mão do filho, foi até a sala de estar. O pano sofá estava do mesmo jeito fazia dois dias. O violino intacto num canto, empoeirado, ao lado do arco, as cordas um pouco gastas. Ela não se atreveu a tocá-lo.

– Filho, vai para o seu quarto, sim? Já vamos. - Ela disse.

A jovem andou calmamente até o canto solitário. Ela colocou atrás da orelha uma mecha de cabelo, ouviu o tilintar na pulseira no pulso. As lembranças daquele dia entraram com rapidez em sua memória.

"– Se importa se eu te beijar, tipo agora? - Ele perguntou coçando a nuca.

Ela fingiu pensar.

– Acho que não me importaria. - Ela sorriu.

Seus rostos foram se aproximando aos poucos. Clara estava um pouco nervosa, no entanto, sua apreensão foi desaparecendo, ainda mais quando seus lábios tocaram os dele.

Anotou mentalmente que aquele beijo era único, especial. Clara sabia que precisaria voltar pra casa em breve, mas não se importou. William era com quem ela queria estar. Não importasse onde."

***

27 de junho de 1965

Clara segurava a pequena mãozinha dele, bem apertado, para que não se perdessem na multidão da rodoviária. Os ônibus estavam estacionados numa organização além do comum para um domingo.

– Mamãe, estou com fome.

– Quando entrarmos, você come, está bem? - Ela massageou a mão dele.

Clara puxou o filho para mais perto do seu corpo e andou alguns passos para acompanhar a fila. Era loucura o que estava prestes a fazer. Mas idaí?

Pagou e entrou no ônibus, equilibrando sua mochila. Sentou-se com o filho no colo e o fez segurar a mochila. O veículo se pôs a andar.

– Pegue - ela abriu a mochila e tirou de dentro um pacote de biscoito. -

Não podemos comer tudo, ok?

– Tá. - Roger abriu e comeu algumas bolachas.

Clara virou-se encontrando ao lado uma garota. Não aparentava ter mais de dezesseis anos. O rosto estava inchado, como a saliência sob a blusa - ligeiramente larga, para disfarçar.

– Hum, oi, aceita? - Clara ofereceu o pacote á garota, percebendo que ela não tinha mais que uma bolsa tiracolo.

A morena de cabelos loiros com californiana azul-claro - as pontas ressecadas pelo spray - olhou de soslaio e se virou. Aceitou o pacote.

– Qual o seu nome? - Clara tentou puxar conversa.

– Juliane.

O comportamento reservado e discreto (ainda um pouco rebelde) da menina lembrava vagamente o antigo jeito calmo e indiferente de William. Por muitas vezes ela sentava-se com ele na mesa do refeitório e era ignorada, já que os dois não tinham nada em comum. Absolutamente N-A-D-A.

Ela, do grupo dos populares. Ele, leitura.

– E o seu?

– Clara. E esse é Roger, meu filho.

– Não é muito nova? - A garota falou, porém, mordeu os lábios e os olhos se encheram de lágrimas em seguida, arrependida. - Como é ser mãe? - Ela sussurrou.

Clara olhou para o pequeno que estava prestando atenção na paisagem da janela.

– È a coisa mais maravilhosa que pode acontecer. È a melhor experiência da sua vida. È fantástico.

– Como foi? Digo, no começo, quando ele nasceu?

– Difícil, admito. Mas quando você ver ele dar os primeiros passos, te chamar de mãe... - Clara suspirou.

Alguns minutos de silêncio se passaram.

– E estou esperando uma menina. - Juliane falou

– È o que você quer?

– Pra mim tanto faz. Não importa qual seja. Ninguém se importaria.

– Já sabe o nome? - Ela perguntou.

– Não pensei nisso.

Clara voltou o olhar para a janela. Roger se aconchegou em seus braços e fechou os olhos. Clara fez carinho em seu cabelo claro e sussurrou uma música para ele dormir.

Uma lágrima escorreu. Talvez, só talvez, ela ainda tivesse sérias dúvidas do que encontraria depois de descer aquele ônibus.

Talvez, só talvez, ela não estivesse cantando apenas para Roger. Era para alguém mais. Só ela saberia dizer.

– Você é uma mãe maravilhosa. - Juliane se pronunciou, quando viu Roger adormecido.

– Ainda falta muito para eu ser a mãe ideal. Ele merece mais.

– Tenho absoluta certeza de que se outra estivesse em seu lugar, ele não seria feliz. Não tanto quanto se fosse você. È como um jogo de loteria. Você aposta e tem uma chance em um bilhão. Não é você quem escolhe se vai ganhar. È uma questão de sorte. - Juliane prendeu um fio loiro atrás da orelha.

– Ele - Juliane continuou - ganhou na loteria em ter uma mãe como você, não tenha dúvidas. Clara abriu um leve sorriso. Um alívio percorreu todo o seu corpo com as palavras da garota. Ela á achava uma boa mãe, um bom exemplo.

– Obrigada.

– Só disse a verdade.

Algumas poltronas a frente delas um casal de namorados trocavam beijos e palavras de afeto. Juliane grunhia a cada palavra e fechava os ouvidos a cada "eu te amo" trocados.

– Você não é gosta muito de romance, né? - Clara indagou.

– Odeio. Eles falam isso como se fosse insignificante. Eu te amo é uma frase forte e eles a dizem como se não valesse nada. Isso me irrita.

– O amor deles é verdadeiro. - Clara afirmou.

– Como sabe?

– Os olhos, os olhos dizem tudo. Era os mesmos olhares que eu e meu namorado trocávamos.

– Ele já morreu? - Ela tentou mudar o que disse, se desculpar.

– Eu acho que não.

O sol começou a desaparecer aos poucos do horizonte. A pulseira no pulso tilintou ao bater no relógio. As pessoas agora começavam a silenciar-se.


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