Contra o Tempo escrita por Giovannabrigidofic


Capítulo 1
Ela: Sobre Despedidas


Notas iniciais do capítulo

Bem, aqui estamos, espero que gostem do capítulo! Até as notas finais ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/645947/chapter/1

São Paulo, 22 de agosto de 1964

Ela

O vento frio de agosto entrava furtivamente pelas janelas. Clara estava com a cabeça encostada no batente da porta, observando o namorado beijar o topo da cabeça do filho. Ela tentava não chorar ali mesmo para que o pequeno Roger não acordasse, porém, estava sendo cada vez mais angustiante encarar aquela situação.

Ela havia entrado em desespero quando William tinha resolvido se alistar. Era um absurdo o que ele pensava em fazer. Embora fosse uma boa oportunidade financeira, sua família corria sérios riscos: Clara era comunista; aceitava com fervor as propostas impostas por eles.

William se levantou com a mochila, carregada dos objetos pessoais, nas costas; a expressão cansada. Ele caminhou fitando-a, Clara abaixou a cabeça, envergonhada por ter sido pega espionado. Ele suspirou e passou a mão sobre o cabelo preto e trançado dela. Os olhos pretos bastante marcados pelas olheiras e choro recente, a boca seca e o nariz vermelho;

Ela pensou por alguns instantes, ainda relutante em perguntar se era mesmo aquilo o que ele queria.

Mas era nítido nos olhos dele que ele faria aquilo. Além do mais, eles não tinham alternativa. Clara tinha perdido o emprego no teatro e já não mais tinha o direito de tocar.

– Vai dar tudo certo. - Ele sussurrou, segurando o rosto delicado dela.

Àquela altura, ela já não conseguia segurar o choro. Willian calmamente passou o braço em volta da cintura e lhe abraçou; ela não se moveu, porém deixava as lágrimas caírem. Tentava de todas as formas ser forte para ele, no entanto, estava sendo uma tortura;

Até aquele momento, ela não tinha sentido dor mais profunda. William passou a mão sobre o cabelo escuro dela, enquanto a mesma soluçava. Ela tentava não fazer muito barulho para que pequeno não acordasse. Ele ainda não sabia que o pai iria embora - e nem adiantava dar-lhe muitas explicações, ele não entenderia. A roupa grossa abafava os soluços de Clara e após alguns minutos, ela se desvencilhou-se de seus braços e limpou o rosto com as costas das mãos.

– Promete que vai voltar - ela falou, com uma expressão abatida.

– Prometo. - O jovem colocou uma mecha solta atrás da orelha dela e beijou-lhe a testa. - Assim que a poeira abaixar, vamos ficar juntos novamente.

– Vou cobrar isso de você - Clara brincou, arrancando um sorriso dele.

– Eu sei que vai. - Ele riu.

William encarou-a e em seguida selou seus lábios aos dela. Apesar de tanto, tanto, tanto tempo, ela ainda sentia certas malditas borboletas no estômago. Era como se todas as vezes que ela o beijasse, fosse levada para outro mundo, longe dos problemas, longe dos militares, longe do governo, longe de tudo!

As coisas sempre davam um jeito de se tornarem piores para eles.

Eles se separaram com um beijo rápido - para a tristeza de ambos - e ela deu um sorriso amarelo, insatisfeito.

– Tenho que ir. - Ele sussurrou no ouvido dela, provocando-lhe um arrepio na nuca.

Os dois se abraçaram. Se tivessem mais tempo, provavelmente ficariam agarrados um ao outro por longas horas. No entanto, William não queria - nem podia - se atrasar. Ele ainda teria de ir á rodoviária até chegar em outra cidade.

Ela concordou um pouco hesitante.

O namorado deu um pequeno sorriso á ela antes de cruzar a porta do minúsculo apartamento.

Deu um olhada rápida no filho deitado no sofá e caminhou vagarosamente para o quarto.

Debruçou-se sobre a cama e chorou.

(...)

14 de janeiro de 1965

Ela

Clara se cobriu com o lençol quando sentiu o vento frio bater sobre seu corpo. Resmungou ao constatar que não se passava das sete da manhã.

***

Pôs sobre a mesa uma cesta de pães do dia anterior, copos e pratos, e uma jarra de leite e outra de café para ferver no fogão. Após ter certeza de que o leite estivesse pronto, ela o colocou sobre a mesa e sentou-se. Comeu devagar e mastigando várias vezes o pão - um pouco duro, repetiu o a xícara de café duas vezes, por costume. Pelo que pareceram horas, ela ficou sentada olhando o nada através da única janela da cozinha - tudo simples e um pouco velho.

– Mamãe.

– Oi meu querido. - Ela falou, se levantando da cadeira e pegando o pequeno no colo.

Roger enterrou a cabeça no pescoço da mãe e passou os bracinhos pequenos ao redor dela.

– Está com fome meu amor? - Ela indagou, acariciando o cabelo castanho de seu bebê.

Ele era muito pequeno para alcançar a mesa, por isso sempre comia no colo de William. Porém ele não estava lá e Clara quem fazia isso no exato momento.

Ela fez um sanduíche. Encheu um copo de leite e pediu para o filho a acompanhar até o outro cômodo, colocou a comida na mesa de centro. Ele escalou o sofá e recostou no peito da mãe - como fazia com William. Ele comeu fazendo grunhidos;

Limpou a cozinha e ambos os quartos da casa. Os músicos e outros artistas estavam sendo censurados pelo governo e não podiam mais exercer com total liberdade suas profissões. O teatro onde Clara trabalhava havia ido para o brejo e ela não podia expressar sua raiva e ódio pelo que estava passando. Ela amava tocar seu violino e simplesmente não podia mais trabalhar com o que tanto amava.

Ela bufou assim que terminou seu serviço doméstico e lavou as mãos.

Depois ferveu alguns baldes de água e despejou todo o líquido na banheira. Como tinha gasto boa parte do dinheiro enviado por William no aluguel e comida e conta de luz, não havia sobrado para a conta d´água. Embora fosse terrível tomar jatos frios todas as manhãs, ela não ficaria suja.

Chamou Roger até o banheiro e lhe deu um banho. Os dois conversavam animadamente sobre os desenhos que ele mais gostava.

– Mamãe, você tinha que ver. - Roger começou. - Ele correu e jogou uma panela na cabeça dele! - Ele se referiu ao Tom. Roger riu de uma maneira engraçada, enquanto Clara passava sabão em seu corpo.

– Sério?

– Sim! Ai, o ratinho correu! Mamãe, você tinha que ver! Ele saiu correndo e o gato foi atrás, ai eles correram e correram mais ainda. O gato deu milhões de voltas atrás do rato.

Clara ria com os comentários hipérboles do pequeno.

– Vem mocinho, vamos sair dessa água. - Ela disse colocando a toalha ao redor dele. Ele balançou o cabelo molhado para os lados, fazendo-a rir e recuar.

– Danadinho! - A garota advertiu com um sorriso brincalhão.

Roger retribuiu com uma risada gostosa.

– Mamãe, onde vamos? - Ele perguntou depois de ser vestido.

– Vamos dar uma volta e ao mercado. - Clara respondeu, dobrando as roupas que tinha tirado do lugar.

Ele concordou e Clara rumou novamente para o banheiro e se arrumou.

***

– Mamãe?

– Sim - ela disse, segurando sua mão para atravessarem a rua.

– Onde está o papai? - Ela parou no meio fio e se agachou para ficar do tamanho dele.

– Ele está procurando um tesouro perdido - ela respondeu, tentando ser sincera. As vezes ela conseguia inventar coisas tão idiotas!

– Que tesouro?

– Para falar a verdade, eu não sei - ela respondeu, franzindo a testa. Tenho certeza de que é muito legal.

– Agora vamos, sim? - Ele concordou com ela, o que lhe proporcionou um grande alívio.

Entraram num estabelecimento e pegaram uma cesta. Clara pegou somente o necessário e voltou para casa.

***

Clara se sentou na mesa, aparentemente cansada.

Ela só queria poder voltar a mesma rotina de antes; embora gostasse tanto da companhia do filho. Quanto mais ela pensava no que podia fazer se, algo em sua vida fosse diferente, mais se martirizava. Ela amava-os tanto! E não compreendia o porque de pensar em asneiras. Ela tinha certeza de que seu amor pelos dois era correspondida.

***

São Paulo, 15 de março de 1965

Ela

Clara fingiu não perceber os olhares que recebia de esguelha enquanto andava com Roger até o parquinho. Desde que tinha descoberto a gravidez a quatro anos atrás, ela tinha ficado mal falada por todo bairro; os pais a tinham expulsado de casa; tinha perdido os amigos. No começo, era ruim; principalmente quando precisava pedir emprego de porta em porta ou quando ia até lugares improváveis para tocar seu violino com uma barriga enorme.

Ela sorriu quando viu o filho correu em direção aos brinquedos do parquinho de areia, subiu as escadinha do escorredor e subiu e desceu por ele várias vezes. Clara se sentou num banco solitário, longe das outras mães e babás que conversavam.

Desviou o olhar do pequeno por breves instantes para ajeitar a pulseira de contas que William tinha lhe dado.

– Mamãe! - Roger gritou.

Clara bateu palmas para ele e abriu outro largo sorriso.

Quando ele corria para subir as escadinhas do escorregador, trombou com outro menino, ambos caíram no chão.

Clara correu até eles, desesperada. Os dois meninos, quase da mesma idade sorriam, esfregando a mão na testa.

– Vocês estão bem? - Ela perguntou, dando a mão para cada um se levantar.

– Tire a mão do meu filho, vadia! - Uma mulher de meia idade tomou a mão do menino e o levou para onde as outras mulheres estavam.

– Vamos embora - ela lhe deu a mão e saíram rapidamente do parque.

Rumaram em silêncio.

– Mamãe, o que é vadia? - Roger perguntou enquanto subiam as escadas do apartamento.

Clara o olhou com reprovação quando viu a senhora de idade (e fofoqueira) passar ao lado deles e arregalar os olhos com as palavras do menino.

– Em casa conversamos.

***

Ela botou a tábua de passar roupas num canto e ligou o ferro a seco na tomada mais próxima. Pegou a cesta de roupas limpas na área e se pôs a passar primeiro as roupas do filho.

– Mamãe... - Roger chamou.

– Sim?

– O que é vadia?

Clara sentiu todos os seus músculos se contraírem.

Ela colocou o ferro no suporte e foi até o filho, sentou ao seu lado no sofá.

– Você quer mesmo saber, não é? - Ele assentiu rapidamente, ansioso. Clara suspirou. - È uma coisa muito feia.

– E porque ela chamou você disso, mamãe?

– Porque ela é uma pessoa má, que não tem o que fazer. Não quero que volte neste assunto, está bem?

– Tá bom.

Clara balançou a cabeça e voltou a passar as roupas. A sensação de mágoa estava escrito em sua testa.

Ela ouviu batidas na porta e foi atendê-la. A porta entreabriu-se revelando a senhora baixinha e esguia, cabelos grisalhos e presos num coque malfeito, olhos pretos contornados pelas olheiras e rugas, lábios grossos se destacando com a pele negra; Clara segurou uma expressão surpresa. Fazia um bom tempo que não recebia a visita da adorável vizinha.

– Olá menina, vim ver como estavam - ela sorriu, mostrando em seguida um prato coberto por um pano xadrez. - E um bolo, sei que o pequeno Roger gosta.

– Claro dona Maria, entre. - Ela abriu mais a porta.

Dona Maria colocou o prato em cima da mesa de centro e se sentou na ponta do sofá.

– Oi. - Roger falou timidamente á velhinha.

– Olá meu querido - ela bagunçou o cabelo dele, fazendo-o rir. - Como está? Sua mãe tem deixado você assistir Tom e Jerry?

Clara riu.

– Então, preciso conversar com sua mãe, se importa? - Maria perguntou.

Roger negou com a cabeça, desligou a TV e voou para seu quarto - não antes de pegar o copo de leite.

Clara sentou-se ao lado da velhinha e ambas serviram-se. O clima estava um pouco tenso, e só acabou quando Dona Maria o quebrou:

– Como está o garoto? Recebeu alguma carta?

– Faz mais de dois meses desde a última. Porém, ele continua mandando o dinheiro.

– Isso é bom.

– Não, não é, Dona Maria. - Ela deu de ombros. - Não sei o que está acontecendo...

– Ele deve estar muito ocupado, menina, não se preocupe, está bem? - Clara assentiu, descrente.

– Vou tentar - ela murmurou.

– Ei, pare com isso! - A senhora ralhou - lamentar não vai resolver o problema, digo isso por experiência própria.

Clara sabia do que ela estava falando. Maria era viúva fazia quase dezoito anos.

– E o que devo fazer, esperar? E se acontecer alguma coisa com ele?! - Ela deixou algumas lágrimas caírem.

– Não vai acontecer nada que não esteja programado - a senhora sorriu. - Deus cuida das coisas menina.

Dentre todas as pessoas daquele prédio, a velhinha era a única que desde a chegada do casal (Clara ainda estava grávida), se despusera a ajudar.

– Espero que sim. - Clara se levantou, porém, sentiu tudo ao seu redor girar, se sentou novamente no sofá com as mãos na cabeça.

– Menina, o que aconteceu? Está bem? Vou buscar um copo d´água pra você!

A garota segurou firme a cabeça e se levantou seguindo até a cozinha, tentando não tropeçar nos móveis.

– Clara! Não deveria ter vindo. Tome - a senhora estendeu-lhe água.

Ela bebeu o líquido e depois ingeriu alguns remédios.

– Não acha que é muito? - A senhora perguntou.

– Tomo essa quantidade quase todos os dias - ela falou dando de ombros. - Não me faz mau nenhum.

– Você está muito estressada, tome cuidado menina.

– A senhora tem razão.

As duas tiveram um rápido diálogo e Maria foi embora.

Clara voltou aos seus afazeres, agora, com uma leve dor de cabeça. Pediu para o filho não ligar a TV por algumas horas e tentou se concentrar em afastar a dor que estava sentindo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então, o que acharam? Aguardo a opnião de vocês ^^
Beijos com muito chocolate!