Fabulosa Inconsistência escrita por Something Ville Citizen, Hope


Capítulo 7
T: Don't Worry, Peter Got The MADcines, Wendy - pt. 1


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoinhas! Quem vos escreve aqui é T. D. S. Domício, um dos co-autores dessa coisa MAGAVILHOSA. Finalmente apareci aqui para avisar que, pelo menos por enquanto (se você estiver lendo isso antes do dia 22 de Novembro, um domingo, quando eu postarei o capítulo COMPLETO), isso daqui é um preview do capitulo 7 "Don't Worry, Peter Got The MADcines, Wendy". O fato do capítulo ser enorme - mais de 3.000 palavras :o - e a junção da vida + procrastinação + imprevistos escolares, me fizeram atrasar um pouco - uhum, quase um mês é bem pouquinho, né? sqn. Então, enquanto eu não termino de editar todo o capítulo, resolvi mandar esse trecho, que apesar de ser parte de um, funciona muito bem como um capitulo só, para mostrar que nós não nos esquecemos de vocês. EU PROMETO que o resto dele vai sair NESSE DOMINGO, então aguardem que o negocio vai ser pesado. (Tá, vou parar com o caps lock)
Alías, só avisando que esse capitulo se passa no mesmo período entre o quarto e o sexto, ou seja, logo após o incidente do racha, sendo que do POV da Lana. Qualquer dúvida é só perguntar nos comentários ;)



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* Lana's POV *

A meia-noite e a insônia entraram sem pedir a minha permissão. Todos os meus velhos companheiros estão aqui e a anedonia vem exclusivamente para me possuir. Olho diretamente para o único ponto de iluminação - amarelada - no meu "quarto" e espero os meus olhos queimarem. Sem prazer, fecho-os e vejo através das pálpebras um mundo opaco e desfocado em chamas. Sonho, mas não durmo. Abro os olhos e a pele sob o meu corpo são dunas douradas de algum deserto no Oriente-Médio, iluminadas pelo sol do meu abajur. Me pergunto se assim seria ser uma deusa.

"Como alguém poderia devotar-se a uma deusa que se sustenta na areia? O homem é devoto a quem o castiga, pois ama limites", eles respondem, rindo sem realmente achar graça como de praxe, em uma voz uníssona. Talvez eles façam isso por medo...

Minha cabeça dói, estou em algum tipo de sonho febril. Eu deveria ter ido para o hospital depois da batida. Olho para o relógio e o diabo responde que são três da manhã. Fecho os olhos e eles ainda queimam. É o ciclo da noite e os olhos de Aurélio após os acidentes embalam o ritmo: eu tinha nove anos na época, fui adotada com sete. Minhas mães se chamavam Jéssica e Anabel e nós formávamos a família mais estranhamente perfeita que poderia existir.

"A primeira mais estranha do estado", disse Marcos, que era nosso tutor antes de Victor. Claro que, quando ele falou isso, mais de 90 outros casais homossexuais com filhos adotivos já existiam por todo o país. Não tinha como me sentir especial comparado à todas as outras crianças.

Mas, infelizmente, para alguns, especial tem um significado diferente do que poderia ter nas consultas de uma criança ao psicólogo. Estes entendem a palavra como desconhecido e não gostam de pisar ou até mesmo cheirar nada mais que não o seu conhecido piso branco abençoado por Deus. Sim, Aurélio, santo dicionário, estou falando de você.

A notícia nos jornais de que Jéssica, 29 anos, casada no civil com a sua companheira Anabel, 28, que juntas adotaram a pequena Lana, atualmente faltando apenas três meses para completar dez anos, como diziam as pessoas na rua, idade em que nossas crianças, para nossa infelicidade, inocentemente e com a sua insaciável curiosidade perguntam "de onde vêm os bebês", resolveu, após um longo tratamento psiquiátrico que variava entre hormônios e antidepressivos, fazer uma cirurgia de mudança de sexo para a sua identidade verdadeira, não caiu muito bem aos ouvidos da tradicional comunidade evangélica.

Na penúltima semana antes da viagem que antecederia a cirurgia para os primeiros exames, cartazes curiosos eram montados para o que seria o mais disfarçado protesto de ódio desde Hitler. Tomados por uma certa ilusão de auto-defesa, toda uma comunidade estava decidida a lutar contra o que é mais humano que a própria identidade numa marcha ao longo de todo o bairro da Igreja Pentecostal dos Desocupados. Nesse dia, por precaução, fui mandada para casa cedo da escola.

"Vai ser um dia difícil para sua... ah... mãe. Elas querem que você fique em casa enquanto, digamos, acontecem esses 'probleminhas' na rua". Disse Victor, antes de se apresentar e dizer que agora substituiria o Dr. Marcos enquanto ele estivesse afastado. Quando eu perguntei o que houve, ele hesitou, mas eu queria saber.

"Ele tem câncer. Alguém que queria o bem estar de todos nós, eu garanto, inclusive o dele, ajudou-o a tomar consciência e se cuidar". Essa resposta foi como o impacto da batida de um carro para mim.

Uma das minhas pessoas favoritas no mundo estava com câncer e nós dois, no carro, assim como a doença, imperceptivelmente - pelo menos para quem dirigia -, estávamos nos dirigindo para lugares indesejados, onde nossa presença poderia ser fatal. Primeiro o fígado, mais para cima o estômago, pela laringe e seguindo reto chegamos ao pulmão e ali, virando a esquina estava a Igreja Universal do Reino de Deus. Quando Victor se deu conta que havia passado da linha, não havia mais um meio de saída rápido.

Ali estavam, desejando o bem estar de todos nós, os fiéis parados estendendo faixas e cartazes. A maneira como eles cinicamente promoviam que queriam o melhor para mim, ao mesmo tempo em que expressavam que o estilo de vida e as atitudes das minhas mães seriam prejudiciais a uma criança com a minha idade, que elas deveriam perder a minha guarda, que se elas tivessem sido satisfeitas de verdade entre as pernas nada disso aconteceria... Eu quase vomitei quando vi um, entre eles, pedir pela morte delas. Ninguém ali parecia compreender que aquilo era muito mais cruel e influenciador que um simples ato de amor. Toda igreja se tornou um pesadelo vívido no período em que eu ainda buscava o colo de uma delas, enquanto a outra tocava blues.

Victor conseguiu sair de lá junto comigo, envergonhado e sem dizer uma única palavra. Não foi a primeira vez em que ele falhou. Enquanto nos distanciávamos, virando outra esquina, não resisti em olhar para trás novamente e, no meio da multidão, segurando o pé do pai que de costas o ignorava, estava um garoto aborrecido com toda a situação - tanto quanto eu. O pai se virou e pareceu notar Victor e eu no carro. Acredito que foi a primeira vez em que vi Daniel.

E foi também a primeira vez em que me senti inteiramente viva, sem realmente querer estar.

Quando chegamos no apartamento, Victor não quis entrar e esperou na porta enquanto falava ao telefone. Ele discutia com alguém sobre um assunto que parecia envolver a minha mãe. Corri para o quarto o mais rápido que pude, ignorando tudo além o meu objetivo. Essa também foi a última vez em que vi a minha própria casa. Com a porta fechada, fui em direção às janelas para abri-las. O meu quarto é a única parte do apartamento que tem acesso às escadas de incêndio e foi por elas que eu fugi.

Foi rápido chegar na rua sem ser notada. A vontade de encontrá-las foi tanta que eu não percebi o quanto andei, na minha memória tudo se parece com um sonho formado por intervalos, daqueles em que você não se lembra de nada depois. E então eu vi toda a multidão aglomerada ao redor de um ponto.

Não havia sangue ainda, mas lá estavam os corpos. As duas morreram juntas, numa batida entre dois carros. O outro fugiu, sem ao menos socorrê-las. Eu queria ser cega, extremamente insensível. Perder a habilidade de me lembrar, pelo menos isso. Por um momento eu absorvi-as dentro de mim, na morte delas eu consegui força. Num instante, eu estava lá parada, com a mente inerte, tentava falar alguma coisa, mas não me lembro o que era exatamente. Todos, ou pelo menos uma parte dos que antes estavam na marcha, agora faziam o máximo possível para ajudá-las, nisso eu os perdoo. Só ele estava em pé, tão disperso segurando o filho quanto eu no meu choque. Por um momento ele olhou para mim, os mesmos olhos... eu o encarei e esperei os meus olhos queimarem.

São cinco da manhã, luto para conseguir me levantar. Eu preciso de um banho para me libertar dos meus demônios.


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Notas finais do capítulo

"The first time I discovered death... me and my mother and father, and my grandmother and grandfather, were driving through the desert at dawn. A truckload of Indians had either hit another car or something- there were Indians scattered all over the highway, bleeding to death. I was just a kid, so I had to stay in the car while my father and grandfather went to check it out. I didn't see nothing- all I saw was funny red paint and people lying around, but I knew something was happening, because I could dig the vibrations of the people around me, and all of a sudden I realized that they didn't know what was happening any more than I did. That was the first time I tasted fear... and I do think, at that moment, the souls of those dead Indians- maybe one or two of them-were just running around, freaking out, and just landed in my soul, and I was like a sponge, ready to sit there and absorb it." - Jim Morrison.

Essa foi realmente um noite terrível para Lana, não tão quanto foi para o Daniel, mas é uma pena que ambos partilhem de um passado ( e presente) tão duros. Ela literalmente estava delirando um pouco, mas não é nada que justifique o titulo do capítulo. A verdadeira loucura ainda está por vir, então só posso dizer para aguardarem a parte 2.



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