See The Light escrita por Junebug


Capítulo 6
Capítulo 6




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Waiting for the darkness now is all I can do

Esperar pela escuridão agora é tudo que eu posso fazer

It’s all I can do

Isso é tudo que eu posso fazer

(Yellow Sun – The Racounteurs)

~

– Você quer falar do início das aulas?

Nico suspirou. Estava deitado no grande e super macio sofá da sala onde era obrigado a frequentar a terapia todos os sábados.

Era um lugar de terapia “alternativa”, o que significava que a doutora, uma mulher de óculos sem aro, jeito paciente e que pedia para ser chamada de Íris, dizia utilizar de “métodos inspirados em filosofias orientais para o tratamento de perturbações da alma”. Era isso mesmo que dizia o panfleto.

Ela atendia num prédio um pouco afastado da cidade, bem perto de um penhasco à beira-mar. No andar de baixo funcionava uma loja de produtos esotéricos e alimentos naturais.

Em cima ficava o consultório. Se o dia não estivesse muito frio, a porta da sacada ficava aberta e, enquanto Nico aguentava aquela perda de tempo semanal, podia sentir o cheiro do oceano que se misturava ao cheiro do incenso de rosas e havia ainda o barulho dos sinos de vento. A sala e o prédio todo estavam cheios de badulaques zen.

– Nenhuma novidade? – Íris insistiu calmamente.

Ela nunca o obrigava a dizer nada, tipo nunca mesmo. Às vezes, Nico até chegava a cochilar naquele sofá. Mas quando ela fazia perguntas, eram quase sempre relacionadas com a escola. Nico suspeitava que ela precisava tentar verificar se ele estava tendo algum pensamento homicida em relação a algum colega ou funcionário.

Muita coisa tinha acontecido naquela semana, então ele achou que precisava contar alguma parte mínima que fosse.

– Tem um garoto novo com quem tenho algumas aulas...

– Ah, você tem um novo amigo – Nico viu com o canto do olho ela tomar nota discretamente. Nico odiava aquela prancheta e como ela anotava tranquilamente coisas que podiam ser usadas contra ele a qualquer momento.

– Não exatamente. Nós só... estamos fazendo dupla num trabalho.

– Hum, ele é uma pessoa agradável?

– Não chega a ser muito desagradável, acho.

– Humm – ela soava satisfeita, como se o que Nico acabara de dizer fosse um enorme elogio. – Vocês se viram fora da escola?

“Eu o levei para uma sessão de exorcismo perto do reservatório de água”.

– Ahn... Nós fomos ao parque. Comemos tacos.

– Ah, você comeu taco – Íris estava sorrindo.

Outro assunto recorrente em suas perguntas era o apetite de Nico.

Por algum motivo, ele quase nunca sentia fome. Isso o fazia muitas vezes passar o dia todo sem comer, porque simplesmente esquecia.

– Isso é bom. Sugiro que aproveite a onda de apetite e invista em alimentos saudáveis, que farão bem ao seu corpo e espírito.

“Onda de apetite... Essa é boa”.

________________________________________________

– Oi. Entre.

O domingo tinha chegado e Nico tinha ido ao apartamento onde Will morava, para fazerem o trabalho de Estudos Sociais do primeiro dia de aula.

Ali na sala de estar, havia duas pessoas no sofá, assistindo a um jogo de basquete. Nico parou como se tivesse atingido um poste ao andar distraído na rua ao reconhecer o garoto de cabelo loiro bem curto, cujos olhos azuis eram muito parecidos com os de Will. Nico conseguiu dizer:

– Ja-Jason Grace!?

O garoto sorriu e lhe deu boa-tarde.

– Nachos? – ele perguntou, mergulhando uma tortilha em molho cheddar, numa travessa na mesinha de centro.

– Hum... não, obrigado – respondeu Nico. Era a segunda vez em uma semana que Nico conversava com uma celebridade da escola. Não que ele fosse do tipo que valorizava esse tipo de bobagem, mas não deixava de ser perturbador.

Virou-se para Will, exigindo em silêncio uma explicação.

Will falou com um sorriso contido, como se estivesse se esforçando para não deixar a situação mais estranha, mas claro que não havia muito a ser feito:

– Eu falei para você que morava com meus tios.

– Tios?

Nico olhou, então, melhor para a outra pessoa sentada. A garota, uma jovem mulher na verdade, também lhe era familiar.

– Você! Você é aquela garçonete do Café da Esquina! – O dia em que conheceu Will e os dois foram até lá não tinha sido a primeira vez que Nico a tinha visto.

– Bravo! Como você é esperto! – ela disse, com um olhar irônico para ele. Usava uma regata folgada, intencionalmente rasgada e manchada em alguns pontos onde se lia “A Moda muda. O Rock é eterno.”

Jason dirigiu um sorriso maior a Nico, como um pedido de desculpas por aquele comportamento.

Nesse momento, outro garoto apareceu, vindo do que devia ser a direção da cozinha, segurando uma lata de soda.

– Leo Valdez – ele disse. – Se acalme. Não sou da família, ao contrário do que pode sugerir toda minha beleza de nascença. Só estou aqui hoje pelos nachos.

Ele se jogou no sofá do outro lado de Jason. Nico o conhecia de vista da escola, mas até então não sabia seu nome.

– Own, Valdez, claro que você é da família – disse Jason, esfregando os cabelos encaracolados de Leo de brincadeira.

– Jason, não me faça corar na frente da visita.

– Jason e Thalia são meios-irmãos do meu pai – explicava Will para Nico. – Thalia, sendo a única maior de idade por aqui, meio que aceitou tomar conta de mim por uns tempos. Isso quer dizer que ela precisa ver se escovei os dentes todos os dias antes de dormir e se fiz o dever de casa...

– É um trabalho pesado, mas em troca, posso morar nesse apê super bacana.– Thalia acrescentou, agora sorrindo um pouco. - Então dá pra aguentar.

– Poxa. É bom saber – disse Will a ela, também sorrindo. Depois para Nico, ainda um tanto boquiaberto: - Venha.

O apartamento não era mesmo qualquer coisa. Tinha um estilo moderno e elegante que contrastava com uma certa bagunça adolescente espalhada. Por trás do sofá, havia uma boa vista da cidade além da parede de vidro.

– Foi assim que você conseguiu convencer Percy Jackson a ir nos encontrar, não foi? – Nico conseguiu falar quando achava que já não seria ouvido da sala. – Ele e Jason Grace são amigos... Por que não me disse nada?

– Eu disse para você não se preocupar – Will deu de ombros.

Nico não sabia se ficava irritado ou só impressionado, aí Will abriu uma porta no corredor.

Para descrever o quarto de Will Solace com uma única palavra, Nico diria ‘ensolarado’. Assim como a sala, uma das paredes era só vidro, e tudo ali, dos móveis ao lençol de cama, tinha um tom claro que parecia deixar mais forte a luz do sol que invadia o lugar.

Nico teve que resistir à vontade de cobrir os olhos. Tanta claridade o deixava desconfortável. Ele se sentou na beirada de uma parte da cama que ficava de frente para o canto mais escuro que ele encontrou. Ali estavam apoiados na parede uma prancha de surf e um violão.

As fotos em dois porta-retratos na mesinha de cabeceira chamaram sua atenção. Numa delas, Will estava no que parecia ser um restaurante a céu aberto na praia, ao lado de um homem loiro de sorriso ofuscante contrastando com o típico sorriso tranquilo de Will. Por algum motivo, Nico achava que conhecia o homem de algum lugar, mas não conseguia saber de onde, até que reparou numa assinatura no canto inferior da foto. Nico quase caiu na gargalhada.

– Você tirou uma foto com Apolo?! E ainda pegou um autógrafo! Você é fã do cara?

Mesmo que ele não cantasse exatamente o tipo de música que Nico costumava ouvir, era impossível não saber quem era Apolo, o cantor/deus grego com as fãs mais histéricas da atualidade.

Will tinha se sentado ao lado de Nico e respondeu calmamente:

– Ele adora tirar fotos e é difícil impedi-lo de autografar as coisas...

Nico ficou alguns segundos pensando no que ele queria dizer, até virar-se com a testa franzida. Will o encarou de volta por um tempo e perguntou apontando para o próprio rosto:

– Você percebe alguma semelhança?

– O quê? Não. Isso já é demais! – ele voltou a observar a foto. De fato, Will tinha os mesmos cabelos louros e olhos azuis, mas... – Seu pai?

– É.

– Seu pai... que está no Japão? Que é meio-irmão de Jason Grace?

– Sim. Ele está em turnê pela Ásia – Will parecia um pouco desconfortável com a revelação, mas prosseguiu: – Quando eu nasci, ele ainda não era Apolo, sabe. Ele e minha mãe se conheceram na faculdade de medicina...

– Faculdade de medicina?

Will sorriu.

– É. E ele gosta de contar isso para as pessoas. Mostrar que é bonito e inteligente. Ele diz que apesar de gostar da ideia de ser médico, o mundo precisava ouvir sua voz... Meu pai tem um probleminha de ego, mas no geral é um cara legal...

Nico percebeu que ele sorria meio triste, parecendo agora recordar coisas nada legais. Por isso, perguntou:

– Vocês brigaram? Por isso você veio para cá?

– Não. Eu quis sair do internato em que estudava...

Nico estava curioso, mas estava claro que Will não ia contar mais nada sobre aquilo. Decidiu mudar de assunto:

– Então... Essa é a sua mãe?

O outro retrato continha a foto de uma mulher de camisa branca sentada num chão de terra batida, rodeada por crianças negras sorridentes. Ela era muito bonita e tinha um sorriso que transmitia confiança e calma. O sorriso de Will era bem mais parecido com o dela.

– Sim. Ela faz parte do Médicos Sem Fronteiras. Eu tinha uns nove anos quando ela decidiu que ia seguir esse seu sonho. Ela achava que eu poderia acompanha-la. Fiquei com ela menos de um ano no Camboja... Um dia, me viu tentando ensinar basquete para umas crianças mais novas. Nós tínhamos nos afastado do vilarejo e, sem saber, estávamos brincando bem perto de um campo minado... Ela chorou muito, mas me mandou de volta pra cá para ficar com meu pai, que na época já estava se transformando em Apolo, pelo bem da humanidade e tal.

Ele riu, e Nico também tentou abrir um sorriso, mais por solidariedade. Will tinha um jeito simples e sensato. Nico se simpatizava ao imagina-lo vivendo longe da mãe, com quem aparentemente mais se identificava, e tendo que lidar com aquele pai, o que devia incluir paparazzi e outros famosos egomaníacos.

– Mais alguma celebridade na família que você queira declarar? A hora é agora.

Will fingiu que repassava mentalmente a árvore genealógica da família.

– Hummm... sabe, a mãe de Thalia e Jason foi uma estrela de TV do final dos anos 80, mas não é uma história nada feliz – ele sacudiu a cabeça. – Ninguém mais a declarar.

Will, então, estendeu-lhe umas folhas de ofício perguntou:

– Você já ouviu falar do equinócio de outono no Japão?

Nico fez que não, olhando para o que havia impresso no papel. Falava do tal equinócio e tinha imagens de árvores com folhas amareladas e cemitérios budistas.

– Shuubun no hi? – ele falou devagar, testando a pronuncia.

– É. Eles aproveitam a época para homenagear os mortos. Levam presentes, como flores e comida.

Nico estava lendo sobre uns bolinhos que eram preparados. Segundo o texto, os espíritos ancestrais gostavam de comidas com formato redondo.

– Você quer preparar os bolinhos dos mortos?

– Achei a ideia interessante... – disse Will, cauteloso. Parecia com medo de ofende-lo.

– Tudo bem – Nico falou. – Se algum espírito ancestral vier atrás dos bolinhos, você pode coloca-lo para correr.

Will sorriu aliviado.

Pouco depois, Nico descobriu que fazer aqueles bolinhos era uma verdadeira chateação, uma luta contra uma massa de arroz muito grudenta e, julgando só pela aparência, a coisa não passava de uma gororoba intragável. O Sr. D. e seus trabalhos estúpidos...

Em certo momento, Leo Valdez apareceu na cozinha. Ele se sentou em frente a eles na bancada, onde começou a mexer com um fuê e alguns garfos freneticamente enquanto conversava com Will. Aquele garoto exalava hiperatividade.

Em certo momento, Will comentou, parecendo estar arranjando uma desculpa para incluir Nico na conversa:

– Leo, você devia contar a Nico sobre sua ideia para o festival de inverno.

– Ah. – Leo abriu um sorriso que alertava: “perigo”. – Ele está interessado em entrar para o lado negro das festividades natalinas?

– Que história é essa? – perguntou Nico.

– Lembra da peça da ‘Pequena Sereia’ que fizeram há uns dois anos? – Mesmo com toda sua energia e humor, Leo não parecia totalmente confortável se dirigindo a Nico, mas isso não era novidade, então Nico só assentiu. – Todo mundo queria que Percy Jackson fosse a sereia – continuou Leo, rindo, enquanto fazia funcionar a nova hélice de cozinha que tinha criado com o fuê e três garfos. – Pois bem, euzinho aqui decidi tornar isso real!

– Você quer fazer uma peça da ‘Pequena Sereia’? Mas o Sr. Brunner disse que o clube de teatro já vai fazer ‘O Quebra-Nozes’...

– E daí? Eles não são os únicos que podem decorar umas falas e subir num palco, não é?

– Leo está revoltado porque o pessoal do clube de teatro teve medo que ele pusesse fogo no palco durante a apresentação – disse Will.

– Vou mostrar para eles que perderam o melhor garoto de cenário que poderiam querer.

– Mas eu achava que a apresentação precisava ter algo relacionado com o inverno... – comentou Nico.

– É. Por isso nossa ‘Pequena Sereia’ vai se passar num lugar com geleiras.

– Uma sereia na Antártida? – Nico não conseguiu não rir.

– Uma ótima ideia de título, cara. É. Tudo vai começar com uma baleia assassina presa num lago congelando, aí um príncipe sereia aparece para resgata-la, porque ela é tipo sua melhor amiga, e conhece uma cientista mercenária por quem se apaixona. Ele vai pedir para se tornar humano e precisará que ela lhe jure amor verdadeiro, mas isso não vai rolar, então ele vai morrer, e fim.

– Você ainda não tinha me contado essa parte – disse Will. - De onde diabos tirou isso?

– Eu comentei brevemente sobre essa ideia com sua amiga, sabe.

– Piper?

Leo fez que sim.

– Ela que me falou que o fim da história da ‘Pequena Sereia’ de verdade era trágico. Disse que pode ajudar a escrever a peça. Vou tentar fazer Annabeth se juntar a ela.

– Annabeth vai ser a cientista?

– Dã. Percy Jackson e Annabeth Chase como protagonistas e nossa peça já vai estar dez passos à frente do ‘Quebra-Nozes’ no quesito empolgação da plateia.

– Isso é tão louco que eu tenho certeza que vai dar certo – disse Will sorrindo e sacudindo a cabeça. Depois voltou-se para Nico: - E então, o que você acha?

Nico não conseguia acreditar que Leo estava falando sério e, de qualquer forma, não estava a fim de discutir aquilo ali naquele momento. Teve vontade de dar um pisão no pé de Will para fazê-lo parar, mas o pé dele não estava a seu alcance.

– Ah, vamos lá – disse Will. - Eu posso até participar também. Você arranjaria um papel para mim? – perguntou a Leo.

– Claro, cara.

Para tentar ganhar tempo, Nico deu de ombros e disse:

– Sei lá. Pode ser, m... – ele ia acrescentar “mas, preciso pensar”. Só que então, Jason surgiu na cozinha.

– Vamos, Leo?

– Vamos – disse Leo, pondo-se de pé. - Beleza, então – acrescentou para Nico. – Você pode até ser a baleia.

– Vocês vão sair com Piper? – perguntou Will.

– Pois é. Nós ficamos de mostrar a cidade a ela. Eu vou, mesmo suspeitando que ela tenha me incluído só por educação...

– Pare de falar besteira – Podia ser imaginação de Nico, mas Jason Grace parecia estar corando enquanto ajeitava os óculos no nariz.

Enquanto eles saiam, Nico baixou os olhos para a massa branca grudada em seus dedos. Em que raios tinha se metido?


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Notas finais do capítulo

Noite de Halloween ontem e eu em casa gripada :x... O jeito foi me divertir escrevendo esse capítulo hauhsuehu... Espero que tenham gostado :)
Bjssss...