See The Light escrita por Junebug


Capítulo 17
Capítulo 17


Notas iniciais do capítulo

Oi! É. Eu sei... Faz quase um mês u.u
Mas fiquem sabendo que eu tenho essa meta pessoal de acabar a fic antes do fim do mês! e que eu farei o possível para cumpri-la rs... O próximo cap. deveria ser o último, mas acho bem provável que não seja suficiente e precise dividi-lo em dois... porém a meta continua valendo ;)

p.s: O trecho da música dessa vez é em japonês mesmo... ñ pense que está lendo a fic errada hehe



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Kimi ga iru to kikoeteta

Eu podia escutar sua presença

Uta ni natta waraigoe

Uma risada transformada em canção

Kazareru kotoba nante nani mo nai

Não havia palavras complicadas

Jikan wa tomattesuro o de nagareteru

O tempo para e começa a fluir lentamente

(Slow – Kiyoharu)

~

— Você vai sair hoje de novo?

— Vou. – Nico estava devorando o leite com cereal apressadamente, como tinha feito no dia anterior.

Do outro lado da mesa, Bianca mastigou um pedacinho da torrada, casualmente observando-o.

— Poderíamos marcar alguma coisa antes de eu ter que voltar... Nós três... Frank... E você pode chamar seu amigo também. Eu gostaria de conhecê-lo.

Nico estreitou os olhos para ela, que continuou impassível.

— Poderíamos ir até aquela pizzaria perto da pista de patinação – Hazel sugeriu.

Bianca assentiu, sorrindo.

Nico olhou de uma para outra.

— É... Quem sabe... Talvez. Agora eu tenho que ir.

Sentindo a neve que caíra durante a noite sendo triturada sob seus pés, Nico ia refletindo sobre o motivo de não ter contado a Will sobre Bianca estar em casa. Sem nem se dar conta, ele começava a girar o anel de caveira que ela havia lhe dado e que estava ali por baixo da luva.

Ele via o fato de sair de casa usando o anel como uma prova de que pretendia contar a Will. Ele via a cena se desenrolar perfeitamente. Will logo ia reparar naquele novo acessório e perguntaria onde Nico o arranjara e Nico diria que fora dado por sua outra irmã que tinha vindo para casa no natal. Simples.

A perspectiva do que viria a seguir era o que o incomodava. Os dois iam acabar se conhecendo. Bianca, que no mínimo já desconfiava de tudo, ia ter certeza. E Will ia saber que Bianca sabia. E os três sairiam para comer pizza e patinar no gelo junto com Hazel e Frank e... tudo ia ficar bem esquisito. Nico não estava pronto para isso.

Assim, mais uma vez, ele acabou tirando escondido o anel junto com as luvas, o casaco e o cachecol, para pendura-los ao chegar ao apartamento de Will.

Nico gostava da sensação de estar suspenso num universo alternativo nas horas que passava ali com Will. Ele não precisava se preocupar com nada enquanto os dois matavam o tempo fazendo nada de muito diferente do que eles já costumavam fazer (Hazel tinha razão. Os dois já passavam bastante tempo juntos), só que agora havia alguns “bônus”.

Um dia, por exemplo, Nico finalmente conseguiu convencer Will a assistir “Bellamy, o justiceiro dos mares”.

— Você sabe que isso tá errado, não é?

— O quê?

— Isso – Will gesticulou para a tela de TV. - De piratas com dentes brancos e retinhos.

— Pare de reclamar e assista o filme – Nico retrucou, com os olhos presos nas imagens. – Agora eles vão ser transformados em porcos na ilha da feiticeira Circe!

— Você está estragando a história... – reclamou Will, embora ele não parecesse muito interessado. Durante a cena, ele cobriu os olhos com as mãos por um momento, rindo e dizendo: - Até os porcos são sarados! Que bizarro!

Nico grunhiu e se inclinou para trás, relaxando as costas no encosto do sofá. Will aproveitou para apoiar a cabeça em seu ombro. Nico procurou ficar o mais imóvel possível com medo de perturba-lo. Will ficou quieto por alguns minutos até se afastar e perguntar, de repente, com a expressão séria:

— Eu devo me sentir incomodado com o fato de você gostar de ver o pai de Piper sem camisa?

Nico sentiu o rosto esquentar um pouco. Pegou um punhado da pipoca na tigela em seu colo e tacou na direção de Will.

— Eu já disse para você parar de falar.

Will achou graça e, sem se importar, inclinou-se para roubar um beijo rápido de Nico.

Nico ia protestar, mas na hora teve mais vontade de dar o troco, roubando de volta o beijo, que acabou se prolongando.

— Você concordou em assistir o filme – Nico disse, ainda com seus rostos a poucos centímetros de distância.

— É que a coisa é pior do que eu esperava... – Will torceu a boca.

— O problema é que você só gosta de musicais.

— Eu não gosto de musicais.

— Ah, não... Mas você preferiria estar assistindo alguma coisa idiota chamada “Terminou com Nápolis” ou o que seja...

— “Começou em Nápolis” não é um musical... E eu achei que você fosse gostar da Sophia Loren. É como se ela fosse sua conterrânea.

Nico bufou.

— Fique sabendo que minha mãe era de Veneza— disse ele, se empertigando.

Como Will continuou olhando para ele como se não soubesse o que ele queria dizer, Nico explicou:

— Nápolis fica no sul da Itália... Jamais diga para um italiano do norte que ele é conterrâneo de algum sulista.

— Hmm... Acho que entendi. Desculpe, signore – disse Will, levantando as mãos.

Quando Nico procurou voltar novamente sua atenção para o filme na TV, Will começou a dizer:

— Mas... e quanto a sorvete napolitano? Vocês também não tomam?

Nico o ignorou. Gostava de sorvete napolitano.

Pouco depois, bem no momento em que Nico estava empolgado com a cena dos piratas fugindo da ilha de Circe, Will aproximou a boca de seu ouvido e começou a cantar uma música supostamente em italiano.

Nico teve que rir. Primeiro porque aquilo o fez sentir cócegas. Segundo porque o que Will estava cantando não fazia sentido em nenhuma língua que ele conhecesse.

— Que droga... Tudo bem. Você venceu! Chega de piratas bonitões... ops, quero dizer valentões.

Ele jogou o controle no colo de Will.

— Tome. Coloque “Mamma mia!” se você quiser. Eu não me importo.

Will juntou o controle, mas mudou de assunto:

— Lembra quando eu disse que você era bonitinho emburrado?

— Você estava só querendo me irritar? Eu já sabia – Nico o cortou, procurando não parecer envergonhado.

— Quando você ri, o efeito é muito melhor – Will prosseguiu. - Seus olhos ficam super brilhantes, aí é como se seu rosto todo brilhasse.

Nico queria deixar claro que considerava aquilo uma piada, mas o máximo que conseguiu foi sorrir a contragosto e dizer:

— Você tem umas ideias estranhas...

Numa outra tarde, Will decidiu que iam preparar brownies, e Nico descobriu que adorava beijos com sabor de chocolate. Ele ficava se perguntando como tinha conseguido passar tanto tempo perto de Will sem beijá-lo e sem aproveitar de fato quando o tocava, porque a parte mais legal dos beijos, fora os beijos em si, era o modo como eles lhe davam a coragem para tocar em Will sem precisar se sentir acanhado. Nico gostava particularmente da sensação super macia dos cabelos dele entre seus dedos ou da pele de seu pescoço.

Se tivessem perguntado a ele, teria respondido com bastante convicção que continuava a não gostar de ser tocado. Mas Will não se encaixava mais na regra geral. Talvez a coisa com os fantasmas tivesse sido um bom treinamento.

Se Thalia ou Jason estavam em casa, eles podiam ficar no quarto sem levantar suspeitas de estarem fazendo algo além do dever de casa do recesso de natal. Nico achava engraçado pensar que eles podiam fazer qualquer outra coisa e ninguém desconfiaria.

— O que é esse sorriso? – Will perguntou.

— Não sei do que você está falando – Nico retrucou, tratando de procurar parecer sério. Ele jamais imaginou que alguma vez na vida acharia tão difícil ficar sério. – E pelo amor de Deus, não comece com um daqueles papos de eu estar brilhando ou o que seja.

Will deu uma risadinha.

— Não esse sorriso. Parecia mais que você estava tendo algum... pensamento impróprio.

Foi a vez de Nico rir, embora o fato de Will estar naquele momento deitado ao seu lado com a cabeça apoiada em uma das mãos falando sobre pensamentos impróprios de repente o deixar nervoso e ao mesmo tempo estranhamente empolgado.

— Pensamento impróprio? Você deve estar me confundindo com outra pessoa – brincou ele, mas isso o fez lembrar-se das dúvidas e confusão que tinha sentido enquanto Will estava longe, e já não se sentia muito à vontade.

— Qual o problema? – perguntou Will.

Nico balançou a cabeça, sem olhá-lo.

— Garanto que não estou confundindo você com ninguém – Will falou sorridente e deitou a cabeça ao lado da sua, beijando rapidamente sua bochecha.

Nico suspirou. Se sua cabeça simplesmente parasse de ficar levantando questões estúpidas, ele teria admitido que sentia que podia ficar ali para sempre, naquele espaço aquecido e aconchegante ao lado de Will. Mas não. Ele precisava estragar tudo. Era bom nisso.

— Bom, ano que vem você consegue alguma coisa melhor – Nico disse com uma risada forçada.

Ele se sentiu mal logo depois de dizer isso, mas já estava feito. Houve um instante de silêncio, até que Will se apoiou no cotovelo para encará-lo com a testa franzida.

— O que isso quer dizer?

Nico procurou evitar os olhos dele e continuou a falar como se não fosse nada de mais:

— É só que...No ano passado, você estava com Steve Calendar e... Bem, Jason vai para a faculdade no outono, não é? Imagino que você deva voltar para a Califórnia. Talvez até consiga seu pedido de desculpas do garoto russo.

Nico achava que merecia uma pancada por ainda estar tentando soar engraçado, mas o pior era perceber que no fundo ele via lógica no que estava dizendo.

Will sentou-se sobre as pernas, olhando para Nico como se nunca o tivesse visto. Sua voz era uma mistura de mágoa e irritação:

— Quando eu disse que aceitaria suas desculpas se ele se dignasse a pedir, nunca quis dizer que queria voltar para ele!... Não sou idiota, nem masoquista... E você tem alguma noção do quanto está sendo cruel?

— Eu estou sendo realista.

Will bufou e se jogou de volta na cama, cruzando os braços.

— Obrigado por me contar sua visão da nossa realidade.

Ele parecia mesmo magoado, e Nico se odiou por isso. Ergueu-se e se sentou na beirada da cama, de onde ficou observando a prancha de surf e o violão de Will encostados na parede à frente, melancolicamente iluminados pela fraca luz de inverno.

Will tinha confessado que a única coisa que sabia tocar era a versão acústica de “Heal the World” do Michael Jackson. Nico lembrou de como ele o tinha feito acompanha-lo na letra e ainda tinha dito que Nico cantava bem. Ele teria esboçado um sorriso com a lembrança, mas só suspirou e disse baixinho:

— Talvez eu não sirva para isso. Você devia mesmo arranjar algo melhor.

“O que você está falando seu idiota?”. Ele ouviu um suspiro cansado às suas costas e a voz de Will pouco depois:

— Você não está feliz?

— Eu nunca estive tão feliz! – Nico disparou sem pensar. Só para depois esconder o rosto corado nas mãos.

Nisso, houve uma ligeira agitação na cama e ele sentiu um beliscão abaixo da costela, que doeu mesmo por cima da camisa e da lã de seu suéter.

—Ai!

— Idiota! – Will disse com o rosto logo atrás dele, mas com a voz já mais amena. – Você não pode dizer que não serve para ser feliz...

Enquanto dizia isso, ele envolveu os ombros de Nico que sentiu como se algo dentro de si estivesse derretendo. Ergueu uma mão para segurar o braço de Will logo abaixo do seu pescoço. Como um cara desses podia sequer ser real? Ele se perguntou, não pela primeira vez. Os dois permaneceram assim por alguns segundos, até que Will arrastou-se para o seu lado para dizer:

— Você está aqui comigo só porque não conseguiu coisa melhor?

— Quê?

— É. Tipo... Já que não pode ser Percy Jackson, tem que se contentar comigo...

Will estava com cara de filhote de gato abandonado.

— Isso não... Ei! Você está sorrindo!

Estava mesmo. E o sorriso aumentou.

— Eu queria que você visse o quanto isso soa patético.

— Haha... – resmungou Nico, fechando a cara para ele.

— Sério, você precisa parar de complicar tanto as coisas. Nós temos quinze anos! Você parece um velho de setenta com todo esse realismo... Que tal um pouco de imaginação? Eu, por exemplo, gosto de imaginar que tenho um motivo para ficar em algum lugar, para variar, sabe... Jason vai para a faculdade, Thalia diz que está cansada desta cidade e quer ir embora também, mas para tudo existe um jeito...

— Você pode pedir um mordomo de presente do seu pai... – sugeriu Nico, segurando um sorriso.

— Ou eu posso morar no carro que eu já vou ter idade para dirigir no verão...

— Ou eu posso mantê-lo lá em casa escondido... como um bichinho de estimação clandestino...

— Você me levaria para passear? – Will perguntou com uma ridícula cara de expectativa.

— Só se você se comportasse bem.

— Eu me comportaria bem! Seria um bichinho de estimação exemplar!

Os dois riram juntos por um tempo. Will estendeu a mão para segurar a de Nico, que devolveu o aperto encarando os olhos azuis mais brilhantes que o normal com a pouca luz no quarto. A tarde estava acabando, Nico se deu conta. E ele lembrou que havia um lugar onde deveriam estar.

— Will – começou a dizer. – Eu... é... tem uma... pessoa que eu gostaria que você conhecesse...

Will piscou.

— Você vai me apresentar para sua irmã?

Nico mexeu os lábios por uns segundos sem produzir qualquer som, até que conseguiu perguntar:

— V-você... Hazel tinha contado?

— Não. No dia da peça, eu vi essa garota que era a sua cara, só que com um pouco de cor na pele e meio que... adivinhei.

Nico decidiu ignorar a provocação e apenas perguntou:

— Por que não me falou nada?

— A decisão era sua – Will encolheu os ombros. - Eu posso entender que você não se sinta muito à vontade com...

Nico o interrompeu atirando-se em sua direção e beijando-o como se nunca mais fosse poder fazer isso, no que logo foi correspondido. Quando tiveram que parar para recuperar o fôlego, ele conseguiu com algum esforço perguntar:

— Então... você quer ir?

— Hm... – Will ainda estava um pouco atordoado. - Claro... Claro... – ele respondeu, com um selinho para cada “Claro”.

Nico voltou a segurar a mão dele e o arrastou para fora.

Eles encontraram Bianca, Hazel e Frank já acomodados numa das mesas da pizzaria.

— Que bom que já está melhor – comentou Hazel para Will. – Nico disse que você estava de cama.

Nico meio que escondeu o rosto no cardápio de pizzas sentindo o rápido olhar de esguelha que Will lhe lançou antes de dizer:

— Ah, sim. Obrigado, Hazel. Agora eu já estou distribuindo saúde.

Will cumprimentou Bianca como se estivesse conhecendo sua própria irmã. Ele logo a encheu de perguntas sobre a Itália, e os dois ficaram falando de experiências com colégios internos. Em certo momento, a conversa foi parar em histórias de infância.

— E havia ainda a mitomagia...

— Ah, não... – resmungou Nico.

— Ei! Mitomagia é legal! – disse Frank animado. Vendo todos se voltarem para ele, ficou sem graça e pigarreou, acrescentando: – Eu... hã... já joguei.

— O que é isso? – perguntaram Hazel e Will ao mesmo tempo.

— Um jogo com umas cartas de seres da mitologia grega – respondeu Bianca, sorrindo. - Nico também adorava. Estava sempre pedindo dinheiro para comprar novas extensões... Um dia o inspetor do colégio em que estudávamos, confiscou as cartas e as estatuetas que ele colecionava. Ele, então, me fez ajuda-lo a entrar escondido na sala do homem para pegar de volta. Fomos apanhados e ficamos suspensos por dois dias.

Nico sobreviveu a toda a conversa e, felizmente, no final eles tinham comido muita pizza para querer procurar uma indigestão na pista de patinação do lado de fora.

Bianca pegaria o vôo de volta para a Itália cedo no dia seguinte. Os irmãos ficaram conversando no quarto dela até o momento em que Hazel pegou no sono.

Vendo Bianca cobri-la, Nico decidiu sussurrar uma pergunta que tinha tido receio de fazer até então:

— Você se candidatou a alguma universidade por aqui?

Ela assentiu cautelosamente e sussurrou de volta:

— Nova York... Mas ainda não sei...

— Talvez você queira continuar na Europa...

— Talvez. Mas ainda não sei.

Os dois ficaram em silêncio por uns segundos até Nico dizer:

— Entendo... Só não suma de novo. Tá bom, mana?

Bianca sorriu de volta, aliviada, e garantiu:

— Não vou sumir... Vou ser a madrinha do casamento, não é?

— Quê? – Ele sentiu o rosto arder.

— Eu estava falando de Frank e Hazel...

Nico apenas girou os olhos para o rosto sorridente dela e saiu do quarto sem fazer barulho.

Ele achava que estava preparado para se despedir de novo de Bianca, mas mal pôde não parecer um bebê chorão ao abraça-la muito forte e depois vê-la desaparecer em meio aos outros passageiros no portão de embarque.

Para fazê-lo se sentir melhor, Will até disse que concordava em assistir “Bellamy” sem reclamar nem uma vez. Nico disse que se lembraria da oferta no futuro.

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Uma semana depois das aulas recomeçarem, todas as turmas do primeiro ano saíram para uma visita a uma grande caverna sob uma das colinas que cercavam a cidade. Ela era conhecida como A Caverna dos Sussurros, porque os cursos d’água que corriam por ali produziam sons parecidos com sussurros, segundo o professor.

Mas naquela época não havia água correndo. Eles estavam ali para estudar as rochas e entender como o inverno mais rigoroso que o normal tinha feito surgir estalactites compridas que lembravam colunas de gelo. Era lindo de um jeito misterioso e um tanto amedrontador. Para Nico, parecia um grande santuário, com uma beleza hipnótica.

Ele parou enquanto subiam as escadas, para observar o modo como a luz artificial colocada para os visitantes produzia sombras nas colunas de gelo. Parecia até que havia uma pessoa do outro lado delas lá em baixo, onde várias finas estalactites tocavam o chão. Nico estreitou os olhos e, definitivamente havia uma pessoa ali... Ele soube o que isso devia significar, mas nem assim conseguiu desviar o olhar. Queria enxergar melhor. Achava que podia distinguir olhos encarando-o de volta numa brecha entre as estalactites...

— Nico.

Nico percebeu que sua turma tinha desaparecido escadaria acima e outra turma agora subia. Era a turma onde estava Will, que tinha chamado seu nome.

— Está tudo bem?

Nico olhou de volta para o ponto que tinha chamado sua atenção, e Will fez o mesmo, mas já não havia nada, provavelmente por causa da mão dele que tinha segurado seu braço.

— Sim. Eu só... – Nico disse.

— Garotos – a professora que estava com a turma de Will aproximou-se deles. – Sr. Di Angelo, não deveria estar aqui, não é?

— É. Desculpe. Eu acabei ficando para trás...

Nico procurou esboçar um sorriso para Will antes de se apressar escadaria acima para encontrar o resto da turma.

Esse pequeno episódio já estava praticamente esquecido quando Nico acordou na manhã seguinte com o som de uma voz suave cantando. No início, ele pensou que estava sonhando, até que percebeu que quanto mais se sentia acordado, mais nítidas ficavam as palavras da canção.

Corra, coelhinho, corra, que a raposa vai chegar

Se você não se esconder, ela vai te abocanhar

Nico grunhiu, abrindo os olhos.

— Ah, você acordou. Finalmente – a voz que cantava anunciou.

Uma figura de cabelos castanhos encaracolados ergueu-se do chão e passou a encará-lo de cima com olhos de um misterioso tom verde oliva. Nico se virou para o lugar onde ela estivera sentada. Era o lugar ao lado de sua cama que ele tinha se acostumado a pensar como “o lugar de Timothy”, onde o garoto sempre ficava sentado. Tim agora estava ali aparentemente adormecido sobre o carpete com as mãos juntas como um travesseiro sob a cabeça.

— O que fez com ele? – Nico perguntou.

— Só cantei para ele dormir. O coitado está exausto. Você o tem torturado mantendo-o preso aqui.

— Eu o mantenho preso? Do que você está falando? – A voz de Nico ainda estava meio grogue.

— Sabe os mosquitos que estão sempre voando perto da luz? Pois é... Eles precisam dessa energia para não desaparecer.

— Quê? Isso não é verdade.

— É verdade para o seu amiguinho aqui.

Nico voltou a grunhir e levou as costas da mão à testa, bloqueando parte da visão.

— Quem é você?

— Aquilo ontem no santuário foi muito rude, sabia?

— Você não vai querer ficar morando aqui também, não é?

— Aquele seu truque com o outro garoto... – ela continuou, sem lhe dar atenção. - Eu fiquei tonta e sem conseguir enxergar nada por um tempo. Se eu não soubesse que já estou morta, acharia que ia morrer.

Nico parou um pouco para pensar nisso. Nunca tinha se perguntado o que exatamente os fantasmas sentiam quando Will o tocava e eles sumiam.

— Você veio exigir desculpas? Desculpe. – “Agora você já pode ir”, ele deixou implícito.

— Não foi para isso que eu vim – disse a garota, afastando-se de perto da cama dele e girando para observar o quarto – Fazia tempo que não conhecia alguém assim... como você... como nós. – Ela fez um gesto abarcando também o garoto Tim no chão.

Nico se sentou na cama devagar, procurando fazer o cérebro acordar de uma vez.

— Você...

— As pessoas me chamavam de bruxa – ela disse num misto de zombaria e orgulho com as mãos na cintura. Era muito magra e isso a fazia parecer mais jovem do era e ela era só uma adolescente. Usava um vestido longo de mangas compridas e aspecto surrado. – Atiravam pedras em público, mas me procuravam para conseguir coisas às escondidas... Conversar com os que já tinham partido... E eu conversava, por uma ou duas moedas... Até mesmo com os que não via – ela finalizou com uma risadinha astuta. Falava com ele enquanto parecia mais preocupada em observar bem cada objeto que havia no quarto, até mesmo a pequena lata de lixo.

— Você se aproveitava das pessoas...

— Ora, eu precisava ganhar a vida. Minha mãe vivia com um lenhador grosseirão, mas ele nem era meu pai. Ela era inglesa, sabe. Ia para a forca, mas arranjou um jeito de escapar ficando grávida de mim... Então ela foi mandada para cá.

— Poxa... – Nico não sabia bem como reagir àquilo, então comentou: - Você não parece ser assim tão velha... Quero dizer, suas roupas sim, mas não seu jeito de falar.

— Ah, eu aprendi muito ao longo de muitos anos. Muitas coisas que pessoas do meu tempo jamais sonhariam em saber... Só me isolei no meu santuário nos últimos tempos porque estive me sentindo meio cansada...

— Você chama o lugar de santuário... É lá que...?

Nico temeu ter falado demais. A garota de repente assumiu um ar amargo.

— Havia uma epidemia na cidade e praga nas plantações... Eles acharam que se dessem um jeito em mim, tudo voltaria ao normal – Ela bufou. – Pobres coitados. Eles me arrastaram até aquela caverna, que pensavam ser amaldiçoada por causa dos sussurros, e me jogaram na direção das pedras... Ficaram com medo quando me viram desacordada e me deixaram ali... Não sabiam que eu ainda não estava morta. Tive tempo de amaldiçoar todos eles com meus últimos suspiros... – A garota riu. - Ainda houve fome e mortes suficientes para que não pudessem me esquecer.

Nico não sabia se sentia mais pena ou medo. Quando falou, foi com a voz bem cautelosa:

— Você... ainda não disse por que veio aqui.

— Ora, bobinho, porque você precisa de mim! – Depois ela acrescentou para si mesma: – Muito brilhante, mas pouco esperto... – E voltou a se dirigir a Nico: - A propósito, meu nome é Eve.


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Notas finais do capítulo

Bjs!