Nova fase' escrita por HungerGames


Capítulo 4
Capítulo 4




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Mamãe se recusa a me soltar, ela passa o braço ao redor do meu corpo e se mantem junta a mim, papai para a alguns passos de distância, mais pro meio da sala.
– E então? Qual é o seu lado da história? – ele pergunta me encarando sério, eu respiro fundo, sabendo que não importa o que eu diga, nada fará diferença, mesmo assim eu tento, não por mim, mas por que sinto mamãe nervosa.
– Já era a segunda vez que ele tinha me procurado! Ele soube que eu e a Keyse brigamos e então usou isso pra me provocar! Ele disse um monte coisas dela e sobre ele fazer com ela e eu simplesmente não consegui ouvir e ficar parado, eu perdi a cabeça, avancei em cima dele e dei um soco! – falo e ele não muda o olhar, apenas continua me encarando.
– E por que você não foi embora da primeira vez? – eu solto um riso meio nervoso, por que eu sabia que não faria diferença pra ele.
– Eu me afastei, procurei os outros, mas ele acabou me encontrando...
– É claro que ele ia fazer isso, se ele estava te provocando!
– E a culpa é minha por que ele tem implicância comigo?
– E é claro que você nunca fez nada pra merecer isso não é? – eu desisto, solto um riso abafado e balanço a cabeça.
– É sério, não dá! Eu... Eu desisto, de verdade, não dá pra falar com ele – eu falo olhando pra mamãe e tentando fazer ela se soltar de mim.
– Pyter, calma! O que seu pai quis dizer é que...
– A culpa é minha! É isso que ele quis dizer, é isso que ele sempre quer dizer!
– Não se faça de vitima! – ele avisa apontando pra mim.
– Vitima? Claro que não, pra você eu sou sempre o carrasco – falo começando a me irritar.
– Se suas ações fossem diferentes, então talvez meus pensamentos também fosse – ele fala e eu paro.
– Então é isso? Finalmente você assumiu que o errado da família sou eu? É isso? – pergunto e por um segundo ele parece não saber o que dizer.
– Ele não disse isso! Vocês dois estão nervosos, mal sabem o que estão falando – mamãe tenta acalmar, mas eu mantenho meu olhar fixo nele.
– Eu não disse que você é o errado, só que nem todas as suas decisões são as mais corretas! – ele fala agora um pouco mais controlado que antes – Ou você acha que bater nele foi a melhor opção? – eu não respondo – Você está fora do Campeonato!
– Não precisa repetir isso toda hora – eu falo já não suportando mais ouvir isso.
– Mas essa é a verdade! Por causa da sua decisão idiota de agir como um moleque de rua, você perdeu a oportunidade da sua vida! Você está fora do Campeonato!
– O quê? Você foi excluído? – a voz é surpresa e eu fecho os olhos assim que ouço, era a ultima pessoa que eu precisava agora, Pérola entra em casa trazendo Louise nos braços e para na minha frente ao lado do papai – É sério isso, Pyt? – ela pergunta me olhando. - Ele acabou de receber a notificação! – papai fala e ela parece arrasada.
– Mas Pyt, e agora? Você esperou por isso tanto tempo, o que você vai fazer? – eu passo as mãos pelo rosto tentando manter o pouco de calma que ainda tenho – Tá vendo, você não devia ter caído na pilha dele, eu soube o que aconteceu e você sabe que ele sempre implicou com você, não devia ter dado atenção a nada do que ele falou, ele só queria...
– EU SEI! EU SEI TÁ OK? – eu grito e todos param me olhando, Pérola me olha assustada e recua um passo – Eu sei tudo que você vai falar! Eu não devia ter feito! Não devia ter brigado! Nem aceitado provocação! Eu sei! Mas eu fiz, então se você não tem outra coisa pra falar, só cala essa a boca! – perco todo resto de controle que eu tinha, ela me olha assustada e magoada.
– Não fala assim com a sua irmã! – papai fala vindo até a mim com raiva – A culpa não é dela se você estragou tudo!
– Claro que a culpa não é dela! Ela é A PERÓLA! Quem ousaria culpar ela por alguma coisa? - continuo falando alto e então Louise começa a chorar, Pérola a balança em seu braço e o choro fica mais forte.
– Satisfeito? – ele pergunta indo até Pérola e tentando também acalmar Louise.
– Muito! – falo com ironia e ele retorna pra mim.
– Você fez a besteira então aguente as consequências sem agir como um moleque mimado!
– HÁ, eu sou um moleque mimado agora? Jura? Eu? – pergunto mantendo a ironia pra tentar segurar minha raiva.
– Gritar com os outros não vai mudar nada!
– Dar sermão também não, e olha o que você tá fazendo – ele me encara mais sério e se aproxima quase encostando em mim.
– Você está errado e enquanto estiver debaixo do meu teto, vai ouvir tudo que eu tenho pra falar – ele avisa firme e com os olhos fixos no meu, então eu apenas confirmo com a cabeça e saio passando por ele, desvio da Pérola que continua tentando acalmar Louise e subo as escadas, corro até o quarto e entro já pegando minha mochila do chão, abro as gavetas e jogo o máximo de roupa que consigo dentro dela, eu empurro as roupas pra que a mochila se feche, pego algumas roupas que estavam jogadas em cima da cadeira, meu tênis debaixo da cama e então mamãe entra no quarto.
– O que... O que significa isso? – ela pergunta nervosa e vindo até a mim.
– A casa é dele não é? Então... – junto às roupas pra que não caiam da minha mão e ela puxa a mochila de mim.
– Você não vai sair dessa casa – ela fala e tenta pegar as outras roupas.
– Mãe...
– Para com essa palhaçada – papai fala entrando no quarto também.
– Mãe, devolve a mochila, por favor – peço e ela a agarra junto ao corpo.
– Você não vai sair dessa casa – ela afirma e eu tento manter a calma com ela.
– Ele não vai!
– Eu vou! – afirmo olhando pra ele que já ia discutir – Você tá certo, a casa é sua! Eu não tenho menor direito de discordar de você aqui, então é melhor assim!
– Você não precisa sair de casa por isso – mamãe fala caminhando até a mim.
– Preciso! Preciso sim, e você sabe que sim! – ela me olha e vejo as lagrimas em seus olhos e mesmo que já tenha tomado à decisão isso me faz vacilar, odeio ver ela mal, odeio saber que ela está sofrendo, desde pequeno me sinto inútil quando a vejo mal – Mãe, por favor... – peço tocando o rosto dela e ela segura minha mão.
– Você não precisa sair de casa! – papai fala com a voz mais calma.
– Mas eu quero! – falo sem dar muita atenção pra ele – Eu vou ficar no vovô – aviso a mamãe e pego minha mochila das mãos dela, beijo sua testa e saio antes que ela comece a chorar e eu sei que ver isso vai me fazer querer mudar de ideia, estava alcançando a escada quando Pietro sai do quarto.
– Pyt, tá todo mundo gritando – ele reclama ainda com cara de sono, eu sorrio, beijo a testa dele e desço, Pérola está parada próxima a escada, passo direto por ela também, saio de casa e vou direto pra casa da frente, entro sem bater e encontro vovô saindo da cozinha, ele para no caminho olhando pra mim, seus olhos descem pra mochila e minhas roupas, então me olha com uma pergunta silenciosa.
– Pyter! – antes que eu possa responder mamãe vem entrando correndo – Por favor! Por favor, volta pra casa – ela pede desesperada, eu respiro fundo, jogo a mochila no chão e abro os braços pra ela.
– Tá tudo bem! – eu afirmo passando a mão pelos cabelos dela.
– Então volta comigo – ela pede levantando o rosto pra me olhar.
– Eu não vou voltar mãe, eu não quero! – passo meus dedos enxugando as lagrimas que começam a escorrer dela.
– Por quê?
– Por que isso não vai parar e você sabe disso, ele vai continuar reclamando, e dando os discursos dele e sabe... Eu não tô mais afim de escutar as mesmas coisas de sempre! Eu sei que não foi uma ideia excelente, mas já foi! Ele ficar jogando isso na minha cara não muda nada!
– Eu sei, eu sei! Eu falo com ele, eu prometo que falo com ele e ele não vai mais fazer isso. Nunca mais – ela pede eu acabo soltando uma risada.
– Sério? Você acredita nisso? – ela não responde, toca meu rosto e outra lagrima escorre, eu a enxugo e forço um sorriso pra ela – Eu tô a menos de dez metros de casa, você ainda vai me ver quando quiser – eu falo e ela nega.
– Você prometeu que não ia sair de casa até o casamento! Você prometeu!
– Eu te amo mãe, mas isso não é por você, nem pra você! É por mim! Eu não aguento mais ouvir o quanto eu sou errado na visão dele!
– E você não é!
– Pra você não, mas pra ele...
– Ele te ama!
– E eu o amo! Mas isso não significa que a gente concorde em muita coisa! Nós somos diferentes, eu sei disso, sempre soube! Só que agora tá mais do que antes! Eu amo meu pai, ele é incrível e eu juro que queria ser mais parecido com ele tanto quanto ele queria, mas eu não sou e eu entendo essa frustração dele é só que...
– Não fala isso! – ela fala colocando a mão tampando minha boca – Nunca mais repita isso! – ela exige me olhando séria – Ele te ama Pyter, eu te amo! Do jeito que você é – eu confirmo mesmo que não acredite totalmente nessa versão dela – Vocês só precisam conversar!
– Nós já conversamos mãe, e eu já decidi! Eu vou ficar aqui! Se o vovô deixar é claro... – falo e olho na direção do sofá onde ele já está jogado, ele dá de ombros sem nem ao menos olhar na nossa direção.
– Eu não aceito você fora de casa, se alguém tem que sair então que ele saia... – no momento que ela fala isso eu acabo sorrindo de novo, eu passo meus dedos pelo cabelo dela e prendo atrás da orelha.
– Nós dois sabemos que você ficaria tão ou mais arrasada do que está – ela fica em silencio apenas confirmando o que eu disse – Você o ama mãe, o papai fora de casa seria... Eu nem sei como isso seria possível, você também não! Eu amo vocês dois e vocês dois juntos! Eu sair de casa é uma decisão minha e não tem que ter a ver com vocês – ela nega rapidamente, eu seguro o rosto dela entre minhas mãos e a faço me olhar – Eu preciso que você me prometa que não vai brigar com ele! – ela faz uma cara de que isso é impossível – Mãe, por favor! Eu não quero vocês brigando! Eu amo vocês dois, só não quero mais ouvir os sermões dele!
– Claro que não, o cara é um chato! – vovô fala rindo e mamãe o olha séria, eu também acabo rindo.
– Não é uma mentira – concordo e ela abre a sombra de um sorriso.
– Você não precisa nem falar com ele se não quiser, mas volta...
– Mãe, eu tô bem, vou ficar bem! E o vovô precisa mesmo de babá!
– Vai se ferrar – ele murmura e eu sorrio.
– Viu! É sério, se você ficar bem, eu fico bem!
– Eu fico bem se você tiver em casa – eu sorrio e beijo sua bochecha demorado.
– Eu tô praticamente em casa – falo e ela segura meu rosto – Eu vou ficar bem!
– Uma semana – ela avisa me olhando – Você tem uma semana e então vocês vão se entender e você volta pra casa! – ela fala e então me solta parecendo mais calma.
– Mãe...
– Uma semana e eu não quero mais ouvir nada – ela fala e sai andando, assim que ela passa pela porta, olho pro vovô.
– Você lava a louça – ele fala e eu acabo rindo e me jogo ao lado dele no sofá.
– Droga – reclamo chateado – Esqueci meu vídeo game! – ele me olha e volta a olhar pra frente – Bom, vou pro meu novo quarto – aviso e me levanto juntando as minhas coisas, subo as escadas e entro em um dos quartos vazios, jogo a mochila na cama e dou uma olhada ao redor, o quarto está arrumado, mas o cheiro de mofo parece forte, então abro a janela pra entrar um ar, abro as portas do guarda roupa pra ventilar, entro no banheiro e me encaro no espelho, respiro fundo e prefiro não me dar tempo pra pensar, saio do quarto e desço as escadas – Tô saindo – aviso quando passo pela sala, saio de casa e vejo Pérola encontrando com Ian a poucos metros da casa dela, nossos olhares se encontram mas antes que ela tente me chamar, eu saio da Aldeia, vou direto pra casa do Ryan, encontro algumas pessoas pelo caminho, mas evito parar muito, quando chego a casa dele e a mãe dele abre a porta sorri como sempre faz e me deixa entrar, ela avisa que ele ainda está dormindo e eu vou pro quarto dele – BOM DIA! – grito enquanto bato forte na porta.
– Merda, cara! – ele xinga tampando o rosto e jogando o travesseiro em cima de mim, eu acabo rindo e jogo nele de novo, vou até a janela e abro deixando o sol atingir ele na cama – Fecha essa porcaria – ele fala com a voz meio abafada pelo travesseiro.
– Vim te contar as novidades!
– Você e Keyse voltaram? OH que novidade, estou muito surpreso, ninguém esperava! Pronto, contou, agora sai do meu quarto – ele avisa ainda enrolado na cama sem me olhar.
– É, e... eu sai de casa – isso faz ele empurrar o cobertor e o travesseiro e me olhar com olhos arregalados.
– Como assim, saiu de casa? – ele pergunta se despertando, ele esfrega o rosto e se senta na cama – Vocês estão... Morando juntos? – ele pergunta meio surpreso.
– Não! Eu briguei com meu pai, o clima ficou ruim e eu sai! Tô no meu avô – ele parece mais calmo.
– Sua mãe não vai deixar! – ele fala dando de ombros.
– Ela vai se conformar!
– E por que isso agora? Falta pouco pro casamento, você já ia sair de casa mesmo – ele pergunta curioso, saindo da cama e entrando no banheiro, eu me jogo na cama dele e começo a contar o que aconteceu desde o momento que voltei pra casa ontem a noite, ele escuta atentamente.
– Bom, eu acho que você volta, mas concordo que é melhor sair por enquanto – ele fala enquanto, escova os dentes no meio do quarto.
– Você não pode fazer isso no banheiro?
– Tô ouvindo a história dramática de um amigo, não quero parecer insensível – ele fala rindo e voltando pro banheiro.
– Aproveita e coloca uma calça – eu grito enquanto ele está lá.
– Você me acordou, eu estou no meu quarto, então... Vai se ferrar – ele fala, então anda até a parede de frente pra cama, liga a tv que eu mesmo dei pra ele de aniversário ano passado e me oferece aquilo que sempre é a nossa resposta pra tudo, eu pego o controle do vídeo game e sento na ponta da cama, ele se senta no chão e inicia o jogo.
Acabo almoçando por aqui e ele vai comigo pra casa do vovô pra que eu possa pegar minhas coisas pra gente ir pra quadra dar a aula pras crianças, deixo ele e o vovô conversando na sala e subo, despejo as roupas da minha mochila em cima da cama e jogo apenas minha roupa do treino, algumas coisas básicas e desço de novo, encontro ele e vovô aos risos no sofá, acho que depois de mim, Ryan é a única pessoa que consegue arrancar essas risadas dele, confesso que as vezes bate uma ponta de ciúme, mas é bem leve, Ryan é praticamente um irmão pra mim e pelo menos eles se dão bem.
– Vamos? – chamo já jogando a mochila nas costas, Ryan pega a dele do chão e também joga nas costas, nos despedimos e saímos, encontro com Pérola de novo, mas dessa vez ela é mais rápida.
– Ia fugir de mim de novo? – ela pergunta correndo e me alcançando.
– Pelo menos eu tentei disfarçar – falo com ironia e dando de ombros – Tô atrasado – falo já voltando a andar.
– Pyter! – ela fala daquele jeito sério que ela tem parecido com o da mamãe e é essa semelhança que me faz parar, Ryan para a alguns passos de nós, ela anda até a mim e para na distância de um passo – Você é meu irmão, e eu te amo! – ela fala com aquele jeito que de tão meigo acaba sendo irritante.
– E eu tô mesmo atrasado – falo rejeitando qualquer sentimento que ela tente despertar em mim, ela me força um sorriso que sai meio triste.
– Desculpa! – ela pede e é o olhar triste e magoado que me faz fraquejar, mas não dou tempo de mais nada, me viro e volto a andar, ela não tenta me fazer voltar e eu e Ryan saímos da Aldeia, assim que alcançamos a esquina da quadra noto alguma coisa estranha, o portão que sempre está aberto, está trancado ainda com as correntes e cadeado, algumas crianças estão paradas na frente dele sentadas em pedaços de tronco que tem próximo, Ryan me olha também confuso e nós nos apressamos.
– O que houve aqui? – pergunto pra um dos meninos que se levanta rapidamente vindo até a mim.
– Falaram que não vai ter treino hoje e tem um papel colado lá no portão – ele fala e eu me apresso ainda mais, colado no portão tem um aviso pregado.
“TREINOS CANCELADOS!”
Eu puxo o papel que estava colado e o encaro sem entender, passo o papel pro Ryan.
– A gente vai treinar né? – um dos outros meninos pergunta ansioso, olho pro Ryan e ele também não sabe o que dizer.
– Eu já volto – falo e saio contornando a quadra e indo até os fundos, Ryan me segue, alcanço a espécie de escritório que Seu Manoel fez nos fundos e bato na porta.
– Entra – ele fala parecendo meio irritado, abro a porta e quando me vê ele parece um pouco surpreso, ele falava ao telefone, mas murmura alguma coisa pra quem quer que seja e desliga, ele me olha de um jeito estranho.
– O portão tá trancado e não entendi o recado – eu falo e viro o papel pra ele, um sorriso forçado e sem graça aparece, ele coça a careca que já está se formando em sua cabeça, abre a gaveta de frente pra ele e tira de lá um papel.
– Eu sinto muito – ele fala e me entrega o papel, eu ando até ele e pego da sua mão, é um documento muito parecido com o que recebi hoje de manhã em casa, aquele que me exclui do Campeonato, começo a ler e é impossível acreditar no que está escrito, eu volto a olhar pra ele.
– Isso é brincadeira né? – pergunto sem conseguir acreditar.
– Eu sinto muito!
– Sente muito? Eles não podem fazer isso – reclamo e Ryan puxa o papel da minha mão.
– Cancelar o projeto? Eles são malucos? – ele pergunta o que eu mesmo estou me perguntando, eles não podem fazer isso.
– Olha, eu não sei, eu estava limpando a quadra hoje de manhã e então um homem de terno e bem vestido, me deu esse documento, ele disse que vocês não podem mais continuar com os treinos e que se eu resolvesse desrespeitar a ordem e continuar emprestando o lugar então eu terei problemas...
– Emprestar? Eu pago! – eu falo com raiva, mesmo que ele sempre tenha cobrado um valor mais simbólico do que real, ele abaixa a cabeça e de dentro da mesma gaveta pega um envelope.
– Aqui tem o dinheiro do ultimo aluguel, eu realmente sinto muito só que não posso fazer mais nada – ele fala e eu me recuso a pegar o envelope.
– Como assim não pode fazer nada? O espaço é seu! Eu pago por ele, ponto, fim de história – falo irritado.
– Olha, eu entendo que você esteja com raiva, garoto...
– Não, você não entende, por que se entendesse abriria aquela porcaria de portão...
– EU NÃO POSSO – ele grita e isso me chama atenção, já nos conhecemos a algum tempo e eu nunca o vi levantar a voz pra ninguém – Eu não posso, e eu... Eu sinto muito – ele fala passando a mão pelo rosto e parecendo realmente abalado com isso – O homem que veio aqui, eu nunca tinha visto ele por aí, acho que ele é do pessoal novo, ele disse que era da prefeitura e me deu esse documento, ele disse que você não tem mais autorização pra continuar com as aulas e que se eu tentasse te ajudar, desrespeitando as ordens superiores eu poderia ser preso, e meu filho, eu gosto muito de você, acho um trabalho lindo que vocês fazem com essas crianças, dando a elas o que fazer ao invés de fica na rua, mas eu não posso... Não posso me arriscar assim, eu tenho uma família que depende de mim... Eu sinto muito, queria poder ajudar, mas estou de mãos atadas aqui, tenta me entender – ele pede e posso ver que está sendo sincero, ele parece além de chateado, envergonhado e eu sei que não tenho o direito de pedir que ele arrisque nada por mim, nem pelo projeto, ainda assim isso não faz minha raiva diminuir, pelo contrário isso só me deixa ainda mais furioso.
– Eles não podem fazer isso! – eu reclamo dando um soco na parede, ele me olha assustado, Ryan pega o envelope que ele tinha deixado com o dinheiro em cima da mesa.
– Aqui a gente não resolve nada – ele me avisa colocando a mão no meu ombro em um movimento amigável – Obrigado – ele agradece ao Seu Manoel e eu apenas saio empurrando a porta e chutando qualquer coisa do lado de fora.
– Eles não podem fazer isso, Ryan! É o MEU projeto! MEU! Eu nunca pedi nada a eles, isso tá errado! – eu reclamo começando a realmente sair de controle, ele vem até a mim e me segura pelos ombros.
– EI, CALMA OK? – ele pede quase gritando comigo e me balançando – Você não vai conseguir resolver nada com toda essa raiva! A primeira coisa que temos que fazer é avisar as crianças que por enquanto não teremos treino – ele fala e já sinto o gosto amargo apenas em pensar em falar essas palavras – Pyter, olha pra mim, você pra eles é o cara, se você chegar desse jeito nervoso pra falar com eles, então teremos problemas, se acalma, fala com eles e então a gente vê o que faz! – ele aconselha e me solta, eu me afasto alguns passos chutando e socando o ar, levo alguns segundos, respiro fundo e tento me manter o mais firme possível, então olho pra ele acenando que estou pronto, contornamos o espaço novamente e assim que as crianças me veem correm até a mim ansiosas.
– Bom, eu tenho uma noticia ruim e uma boa! – aviso e eles param esperando que eu conte – Nós não vamos ter treino por enquanto, por que estamos com um pequeno problema, mas já estou resolvendo tudo!
– Mas a gente tem que treinar pro Campeonato!
– Já tá chegando!
– Minha mãe disse que a gente vai aparecer na televisão!
– Igual você, tio!
Elas se empolgam falando todas juntas e tenho que pedir atenção, demora alguns segundos, mas logo elas estão me ouvindo.
– Eu sei que está perto por isso já estou resolvendo tudo! Então a noticia boa é que vocês terão uma folga, podem treinar em casa ou descansar um pouco mais! Mas a noticia ruim é que quando vocês voltarem, irão treinar tanto que nem terão pausa pra beber agua e eu não quero ver ninguém chorando nem pedindo pra parar, combinado? – pergunto e eles comemoram rindo.
– Eu não choro! Homem não chora – um dos garotos fala fazendo uma pose de durão.
– Mas no ultimo treino ficou pedindo pra parar – o outro implica e as crianças entram na onda.
– O que eu já disse? Sem ficar rindo do colega lembram? – Ryan avisa e eles se controlam um pouco – Agora, vocês vão pra casa e depois a gente volta aos treinos normais, combinado? – eles concordam e saem apostando corrida, eu soco o muro que cerca a quadra e apoio a testa nele – Merda! – ouço Ryan xingar e então ele se aproxima de mim rapidamente e coloca a mão no meu ombro – Só fica frio, pode ser? – ele pede parecendo realmente nervoso com algo e embora toda essa situação seja tensa, eles estava segurando a onda até alguns segundos atrás, eu já ia lhe perguntar o que tinha acontecido, quando olho pra ele e vejo por cima do seu ombro o carro parado do outro lado da calçada, a janela aberta é proposital, ele quer ser visto e o sorriso triunfante já brilha na sua boca.
– Desgraçado! – eu falo e começo a andar, Ryan entra na minha frente com as duas mãos no meu peito me empurrando.
– NÃO! – ele grita me impedindo de avançar – PARA, PYTER – ele exige e dessa vez eu paro – Presta atenção, isso é tudo que ele quer! Por favor, não piora as coisas! Ele só precisa de mais um deslize seu! Eu que tô te pedindo, como seu melhor amigo, por favor, não faz nada – ele pede e eu vejo o quanto ele está preocupado, eu paro de tentar andar e solto o ar derrotado me encostando no muro, com as mãos esfregando o rosto, ele permanece ao meu lado com a mão no meu ombro me encorajando a me acalmar.
– Não vai ter treino hoje? – a voz me faz levantar a cabeça e a alguns passos de nós George está fingindo uma cara confusa – Não vai me dizer que foi por causa daquele confusão de ontem... Não! Eu estou até me sentindo mal por isso! – ele fala levando a mão ao coração – É lamentável, um projeto tão bonito! Eu sinto muito! Deve ser horrível o que você está sentindo – ele fala mantendo a expressão.
– Nós agradecemos a preocupação, mas está tudo bem – Ryan fala se virando pra ele.
– Eu espero que sim! Ninguém ia querer ter algum inimigo na prefeitura ou talvez com o filho de alguém importante lá dentro não é? – e é quando ele fala que as peças se juntam, foi ele, de novo.
– Seu desgraçado – eu falo e ameaço ir pra cima dele, Ryan entra na frente e me olha sério, eu cerro os punhos, mas desisto da ideia, viro as costas e saio andando no sentido contrário, Ryan logo está ao meu lado – Ele me paga! Eu juro que ele me paga – eu falo enquanto ando me controlando pra não voltar e quebrar a cara dele – Agora tudo faz sentido, esse filhinho de papai, imbecil, deve ter ido chorar com o pai dele e foi assim que eles conseguiram me tirar o projeto!
– Ninguém te tirou nada ainda, Pyter!
– Você é burro, Ryan? – pergunto alto demais e parando no caminho, ele também para – Por que só sendo muito burro pra não enxergar isso! Ele me tirou tudo! Ele venceu! OK? Olha isso... O campeonato! Os treinos! O projeto! ACABOU! ACABOU! – eu grito sem me importar com ninguém que esteja passando.
– Ainda não acabou...
– CHEGA! Eu não tô no clima pra ouvir você dizer como tudo vai dar certo no final, ok? CHEGA! Isso é irritante e não ajuda em porcaria nenhuma! Você quer me ajudar agora? Então cala essa boca e me deixa sozinho! – eu falo e volto a andar, deixando ele pra trás, ando rápido e acabo esbarrando em algumas pessoas, a tarde está começando a cair e eu sigo pra praça central, pelo horário Keyse ainda deve estar na loja, então é pra lá que eu vou, assim que entro no lugar, um senhor que estava escolhendo alguns materiais vem me cumprimentar, ignoro sua mão esticada pra mim e passo direto, tia Grace que estava atendendo ao homem me chama, mas eu também a ignoro e já estava alcançando o balcão quando ela ouve meu nome e se vira pra me ver, levanto o compartimento do balcão e passo pro outro lado apressado, a boca dela estava se abrindo em alguma pergunta quando eu simplesmente a abraço apertado, meus braços a apertam em mim e eu afundo meu rosto entre seu ombro, sentindo seu perfume e deixando parte de toda a raiva e irritação que eu estou se perderem, por que a única coisa que sempre importa quando estou com ela, é no quanto eu preciso dela, seus braços também me apertam e ela não tenta me afastar e nem fazer perguntas, apenas me abraça como se soubesse exatamente do que eu preciso e ela sabe, sempre sabe, ela passa a mão pelo meu cabelo e me faz levantar o rosto e olhar pra ela, nossos olhares se encontram e eu só consigo pensar no quanto eu queria que tudo isso fosse um pesadelo.
– Mãe, eu tô saindo agora! – ela avisa sem desviar os olhos do meu, ela segura minha mão e me leva para os fundos da loja, numa porta alternativa, nós caminhamos até a pequena praça com bancos próxima dali, ela me senta e se senta perto de mim – O que aconteceu? – ela pergunta olhando nos meus olhos e segurando minhas mãos e então eu conto a ela tudo que houve, desde a briga com meu pai, eu ter saído de casa, os treinos cancelados, o projeto parado, ela ouve atentamente, conto sobre George ter planejado cada detalhe por que depois do que ele disse ficou completamente claro que ele tem algo a ver com isso, ela me olha atentamente e só depois que eu termino de falar tudo que ela solta o ar e parece pensar no que dizer.
– Ainda não acabou, Pyter! Eu tenho certeza que a gente encontra uma saída pra isso – ela fala tentando parecer otimista assim como Ryan, eu nego.
– Não tem como! Ele venceu, acabou! Eu perdi dessa vez e ele conseguiu a vingança com estilo – falo sem ter nenhuma esperança de recuperar nada, ela me olha parecendo furiosa com algo, então se levanta e para na minha frente.
– Escuta aqui – ela fala apontando o dedo pra mim – Eu vi durante anos você entrar em dezenas de lutas e sair vitorioso, mesmo quando parecia que ia ser difícil, então não começa a chorar agora, dizendo que não tem jeito, por que tem, eu sei que tem! Eu não vou me casar com um cara que vive entregando os pontos, você não é assim! Eu entendo que pode ter sido um choque, mas já tá na hora de levantar e pensar no próximo golpe! Você fez besteira? Fez! Paciência, já está feito! Mas ninguém, escuta bem, NINGUÉM, em todo o Distrito pode falar mal de você, da sua conduta nos treinos, de como você trata as crianças, nem nada disso! Pyter, elas adoram você! TODAS elas! Os pais delas, as mães e até algumas irmãs atiradas... – ela fala e faz uma careta, eu me permito abrir um sorriso – Ninguém, nunca vai aceitar isso! É matemática simples! VOCÊ é o treinador delas e sempre vai ser! Não há nada a se discutir, você só precisa esfriar a cabeça e relaxar um pouco! É difícil, eu sei, mas as coisas vão se resolver, eu garanto! Só que não agora, talvez não hoje, mas amanhã é outro dia e acredita em mim quando eu digo que nem que eu tenha que ir pessoalmente falar com a presidente, eles vão te devolver o projeto, aliás, eles vão implorar pra você continuar – ela fala com tanta certeza e firmeza que eu não consigo nem ao menos duvidar de nenhuma palavra que ela diz, eu sorrio e a puxo pros meus braços, fazendo ela cair sentada no meu colo, ela passa a mão pelo meu rosto e me olha sorrindo – Você é um vencedor, Pyter e ninguém derruba o meu vencedor! – ela garante e então me beija, eu nem ao menos tento resistir, tudo que eu preciso nesse momento é dela, o beijo é lento e demorado, mas completamente eficaz, quando termina sinto que parte de todo aquele desespero se dissipou.
– Obrigado! – eu falo e ela faz uma careta.
– Sabe do que você precisa? – ela pergunta e abre os olhos animada, eu sorrio já sabendo o que ela vai dizer – Sorvete! – ela fala e pula do meu colo me estendo a mão, eu sorrio e aceito sua mão, passo meu braço ao redor dela e beijo sua testa, eu a levo até a barraca de sorvete e como sempre ela demora vários minutos decidindo o sabor, pra simplesmente escolher o mesmo de sempre.
– Eu ainda não entendo por que você sempre demora tanto – falo quando ela já está tomando seu sorvete, ela faz uma careta e suja meu nariz.
– Você é um rabujão – ela fala mas me dá um beijo rápido, nós voltamos pro banco em que estávamos antes e enquanto ela toma o sorvete dela eu apenas encaro um ponto fixo a minha frente, sem olhar pra nada em especifico – Fala alguma coisa – ela pede balançando minha perna! - Minha cabeça tá explodindo – eu falo e ela me olha de um jeito preocupado, então passa os dedos pelo meu rosto.
– Você precisa de um banho e de tentar descansar um pouco! Vai te fazer bem – ela fala e eu concordo, então nos levantamos e saímos da praça, ela me acompanha até a Aldeia depois de insistir que eu não precisava levar ela em casa antes por que ela ainda ia voltar pra loja, por isso ela nem entra na casa e nos despedimos do lado de fora depois que ela me faz prometer que vou tentar descansar, ela promete que me ligará mais tarde e eu vejo quando ela sai da Aldeia, entro na casa e não acho vovô em nenhum canto da casa e com certeza ele deve estar lá em casa implicando com a mamãe ou brincando com Pietro, deixo o documento que estava segurando em cima da mesa e vou até o banheiro onde sei que ele guarda os remédios, puxo uma cartela pra dor de cabeça, e pego dois comprimidos, encho a mão com a agua da torneira e engulo, saio do banheiro e quando chego na sala encontro meu pai entrando pela casa, ele diminui os passos quando me vê.
– Eu acabei de chegar da padaria! Estavam comentando sobre os treinos terem sido...
– Agora não, pai! De verdade! Agora não! – peço balançando as mãos pra interromper ele – Você pode, por favor, ir embora, o vovô não tá aqui! E eu não quero falar com ninguém – aviso e ele parece ofendido, acena concordando e antes que ele saia, eu solto o ar cansado, subo as escadas e entro no quarto que por enquanto é meu e me jogo na cama, minha cabeça lateja de dor como se tivesse alguém socando um martelo varias e varias vezes dentro dela, cada vez mais forte, mais rápido, tento manter minha mente focada em alguma coisa, mas é inútil e em algum momento eu simplesmente apago.
Acordo com meu nome sendo chamado baixo e com o toque suave no meu cabelo, abro os olhos e eles parecem mais pesados que o normal, porém a dor de cabeça desapareceu.
– Como você está? – mamãe pergunta sentada na beirada da minha cama, com olhos preocupados, eu forço um sorriso.
– Tô legal!
– Você não parece legal – ela fala me olhando com mais atenção, eu faço uma careta, olho pra janela e a noite já caiu.
– Eu vou ficar, só estava com dor de cabeça, tomei uns remédios e vou ficar bem – ela ainda não parece convencida, mas se levanta da cama, caminha até a mesa e pega uma bandeja.
– Pra isso você precisa se alimentar – ela fala e coloca a bandeja na minha frente.
– Eu não tô com fome!
– Eu não perguntei se você estava – ela fala e me entrega o garfo e eu a conheço perfeitamente pra saber que não sairei dessa, então aceito e mesmo que não esteja com fome, faço o que ela quer, primeiro por que ela não desistiria mas acima disso por que a última coisa que eu quero é deixar ela preocupada – O Pietro não parou de perguntar de você e por que você não está em casa, ele dormiu te esperando! – ela fala avaliando meu humor.
– O dia foi corrido hoje, amanhã eu vou falar com ele – aviso e ela concorda parecendo pensativa.
– O que aconteceu com o treino de hoje? – ela pergunta tentando parecer apenas curiosa, mas sei que ela já deve estar preocupada, por isso decido não piorar ainda mais.
– Só um mal entendido! Amanhã eu resolvo! Não tem que se preocupar – aviso com a voz mais confiante que consigo, ela parece desconfiada, mas acaba sorrindo.
– Pérola também passou o dia tentando falar com você – ela fala avaliando minha reação.
– Amanhã eu falo com ela também – falo sem entrar muito no assunto, então termino de comer e me levanto pra levar a bandeja, ela insiste que pode levar sozinha e eu me recuso, então descemos os dois, estávamos no final da escada quando ouvimos a discussão do vovô com meu pai, não deu pra escutar exatamente o que diziam, mas era sobre mim e assim que mamãe e eu aparecemos, eles se calam, eu passo direto e levo a bandeja pra cozinha, sinto o clima meio tenso como se todos estivessem procurando o que dizer sem causar nenhuma discussão.
– O clima tá ótimo, mas eu vou deitar – aviso já passando por eles, sem esperar que digam nada, entro no quarto, vou direto pro banheiro e tomo um banho demorado, volto a me jogar na cama e então todos os pensamentos parecem chuva na minha cabeça, refaço tudo que aconteceu nessas 24 horas e nas possíveis saídas pra isso e então chego a meu maior medo, que se eu realmente não conseguir recuperar o projeto então a verdade é que não tem mais nada que eu realmente saiba ou queira fazer, treinar aquelas crianças é o que faz as coisas terem algum sentido, tudo que eu sempre fiz foi lutar, desde o colégio e eu sei que sou bom nisso, é o que eu sei fazer, e agora se me tirarem isso eu não faço ideia de qual outra serventia eu posso ter, não sou como a Pérola e nisso meu pai tem razão, eu não tenho toda essa capacidade de fazer tudo como ela tem, desde criança ela sempre foi assim, ela sabe pintar e desenhar e cozinhar, quando éramos pequenos ela passava horas na cozinha da padaria e foi assim durante nossa adolescência também, além disso ela agora é uma estilista reconhecida, respeitada, com centenas de modelos desenhados por ela sendo vendido por todo país, não satisfeita ela ainda dava aulas na escola, só parou agora com o nascimento da Louise, e comparando nós dois eu realmente tenho que concordar com meu pai, se por um lado Pérola é tudo isso, do outro lado tem eu, que a única coisa que eu sei fazer acaba de ser tirada de mim, e as crianças irão pagar por isso também, e isso eu não posso aceitar, nem que pra isso eu tenha abrir mão de tudo, mas não é justo elas serem prejudicadas por mim, eu estava encarando o teto e formulando meu plano de ação quando o barulho de algo estalando na janela me despertou, eu olho e como não vejo nada volto a me concentrar mas dessa vez o barulho é mais forte, me levanto e caminho até a janela, abro e então alguma coisa me acerta, eu me abaixo e pego uma pequena pedra, já estava pronto pra reclamar com as possíveis crianças na rua quando vejo Keyse, eu sorrio e ela acena também sorrindo.
– O que eu fiz pra você tentar me matar? – pergunto segurando e mostrando a pedra, ela ri – Achei que você fosse me ligar!
– Tô tentando ser romântica! – ela fala sorrindo.
– Não era pra eu estar na sua janela?
– E quem disse que eu sigo alguma regra – eu sorrio de novo, por que só ela consegue fazer isso comigo, transformar um momento desastroso em algo suportável.
– Sobe – eu falo apontando o lado de dentro do quarto, ela nega.
– A noite tá linda – ela sorri daquele jeito que me faz me apaixonar novamente, então puxo uma camiseta e desço as escadas vestindo, vovô está roncando no sofá e eu saio sem fazer barulho, dou a volta na casa e a encontro me esperando com um sorriso ansioso, ela praticamente se joga em cima de mim, eu a beijo e aperto cada vez mais contra mim – Vem – ela fala segurando minha mão e me levando com ela, nós alcançamos a Campina e nos sentamos na grama próximo a um tronco envelhecido, onde é mais escuro e escondido, ela aponta a lua logo acima de nós e está simplesmente linda, cheia e brilhosa como eu não me lembrava de ter visto, quando volto a olhar pra ela, sua boca me recebe urgentemente e demoradamente, porém quando o beijo para ela parece preocupada, ela apoia a cabeça no meu peito e seus dedos deslizam pelo meu ombro, eu aperto meus braços em volta dela e inspiro seu perfume.
– O que foi? – pergunto e então ainda com o corpo colado ao meu ela levanta o rosto e me olha.
– Eu não consigo parar de pensar que isso tudo é culpa minha! – ela fala e eu nego rapidamente – Se eu não tivesse brigado com você por uma coisa tão estúpida então nós estaríamos juntos no Festival e ele não ia ter como te provocar!
– Não foi sua culpa! E nem era algo estúpido! Eu errei...
– Eu não devia ter exagerado!
– Então você não seria a garota que eu me apaixonei e nem a mulher que eu vou me casar – eu falo e ela me olha curiosa – Você É exagerada! Sempre foi assim e eu amo isso em você! Essa coisa de tudo ou nada! Agora ou imediatamente! Sai ou desaparece! – eu falo achando graça e ela acaba sorrindo – Você é assim e eu gosto disso! Nada disso foi culpa sua, as coisas só aconteceram!
– E eu sinto muito! Sinto muito mesmo! Se eu pudesse voltar no tempo e fazer tudo diferente, eu faria!
– E se eu pudesse voltar no tempo e me apaixonar por você exatamente igual, eu faria! – ela sorri.
– Eu tô falando sério!
– Eu também! Quantas vezes fossem possíveis – garanto e beijo sua boca rapidamente.
– Duvido, você nem ia olhar na minha cara!
– Ah com certeza não ia olhar só na cara – falo e pisco um dos olhos enquanto subo minha mão por dentro da camiseta dela, ela ri e se vira de frente pra mim, sentando no meu colo.
– Você é uma má companhia, Pyter Mellark – ela fala com a boca próxima a minha.
– E você é uma influencia pior ainda – ela finge estar ofendida e me acerta um tapa no braço, mas quando puxo sua cintura pra mais perto de mim, ela ri e não tenta sair dos meus braços, eu a beijo e ela corresponde com a mesma vontade que eu.
Nós passamos um bom tempo sentados, nos beijando, conversando e deixando o tempo passar por nós como se não existisse mais nada além de nós dois no mundo, sua respiração, sua voz, sua risada, tudo me acalma e me faz ter a certeza de que por pior que tudo pareça ainda pode dar certo e é esse sentimento que ela desperta em mim que me deixa mais confiante, então quando o relógio dela apita indicando que está no seu ‘’toque de recolher’’ eu me levanto e vou deixar ela em casa, nós paramos em frente a varanda da casa dela e quando o beijo de despedida começou a esquentar a luz foi acesa, nós acabamos rindo, lhe dou um outro beijo rápido antes da porta abrir e tio Benny aparecer.
– Já não tá muito tarde não? – ele pergunta e eu faço um sinal de continência, viro as costas e saio, mas ao invés de voltar pra Aldeia entro na rua ao lado, ainda vejo a luz da sala acesa então bato na porta, é o próprio Ryan quem atende.
– Demorou – ele fala como se já estivesse me esperando, e na verdade eu sei que estava, sempre é assim quando a gente briga, um dos dois sempre volta.
– Me desculpa! Eu fui um idiota! Um grande, grande idiota com você! Você é meu melhor amigo, eu.. Eu nem sei por que fiz aquilo!
– Por que você é um idiota, você mesmo acabou de dizer – ele fala como se fosse óbvio, eu sorrio e ele abre a porta pra que eu entre, seus pais estão na sala assistindo ao noticiário e não estranham quando me veem, nós vamos para o quarto do Ryan.
– Preciso de você – eu falo assim que entramos.
– Cara, você sempre precisa de mim! – ele fala dando de ombros, puxando a cadeira e se jogando nela, eu me jogo na cama dele – Mas fala aí, qual a loucura dessa vez? – ele pergunta e então eu conto o que quero fazer, como sempre ele me escuta atentamente.
– Foi mal, mas eu não posso fazer isso – ele fala parecendo nervoso.
– Claro que pode! E você não vai me negar isso!
– Pyter, você é louco, eu... Eu não consigo fazer isso! Eu não sou você! Não sou como você, nem sei por onde eu ia começar... Não dá!
– Vai dar tudo certo e eu vou tá com você o tempo todo!
– Pyter...
– Ryan, é o único jeito! Eu preciso mesmo de você, as crianças precisam, o projeto precisa! Eu tô te pedindo, por favor... – ele me encara alguns segundos, respira fundo e então solta o ar.
– Eu odeio ser seu melhor amigo – ele fala e eu abro um sorriso sabendo que o convenci.
Depois de marcarmos tudo eu volto pra Aldeia, vovô continua roncando no sofá, eu diminuo o volume da TV e subo pro quarto, dessa vez quando me deito estou um pouco menos angustiado e consigo dormir.
Acordo um pouco mais tarde do que planejei mas não irá afetar em nada os meus planos, desço pra tomar café e encontro vovô tentando pegar um dos gansos dele que fugiram, claro que esses são novos gansos, mas a incapacidade dele de pega-los, ainda é a mesma, eu o ajudo e volto a colocar o bicho no quintal, volto e tomo um café rápido junto com ele.
– Será que você quer me contar o que está acontecendo? – ele pergunta e só agora percebo que mal falei com ele desde que tudo aconteceu, então lhe conto tudo, inclusive da ideia que tive pra consertar as coisas.
– Isso me parece meio... Precipitado – ele fala avaliando a situação.
– O Campeonato é em duas semanas, eles tem que treinar – garanto sem conseguir pensar em outra opção, ele assente e me olha.
– Boa sorte então – eu agradeço e saio, vou pra casa do Ryan e ele ainda está tomando café, acabo tomando de novo, até por que a mãe dele fez um bolo de laranja que é irresistível e eu não quero fazer desfeita, depois repassamos a ideia e então saímos da casa dele direto para o Edifício da Justiça, caminho até a mesa na recepção e peço pra falar com o Senhor Montanes, pai do George e o novo vice prefeito do Distrito, a secretária pede licença e vai falar com ele pra saber se podemos ser recebidos.
– Tem certeza disso? – Ryan me pergunta e antes que eu confirme, ela volta.
– Ele vai receber vocês – ela fala e nos mostra o caminho, abre a porta e nos deixa entrar.
– Eu não quero ser incomodado! Por ninguém – ele avisa deixando bem claro pra ela que concorda e sai fechando a porta – Pyter! – ele vem até a mim e aperta minha mão, seu olhar é firme e fixo ao meu – E você é o...
– Ryan! – ele fala e aperta a mão dele firmemente.
– Ah sim, um nome tão comum – ele fala com a mesma arrogância que o filho tem, não me impressiona como ele pode ser tão imbecil – Sentem-se e me digam... O que vocês querem aqui? – quando nos sentamos ele completa – Imagino que seja sobre a decisão do rompimento dos treinos – ele fala e nos olha com um leve sorriso vitorioso.
– Exatamente isso! – confirmo mantendo o mesmo tom impassível que ele.
– Bom, eu sinto muito, mas a decisão já foi tomada, comunicada e não será revogada! – ele fala juntando alguns papéis de cima da mesa – Se era só isso...
– Eu realmente não entendo o por que dessa decisão – ele solta uma risada irônica quando eu falo e para o que estava fazendo pra me encarar.
– O senhor se envolveu em uma briga, aliás, não uma briga e sim uma demonstração de força e desrespeito as nossas leis, o senhor estava consciente de que além da punição normalmente aplicada estava sujeito a penalizações maiores e ainda assim o fez, então, honestamente, quem não entende a sua confusão, sou eu! – ele fala sem mudar seu olhar frio e sua voz inalterada.
– Tem uma coisa que eu também não entendi – Ryan fala e ele lhe lança um olhar superior – O senhor está analisando isso como um defensor da lei ou como pai do cara que apanhou? – o olhar dele finalmente muda de frio para furioso, quase posso ouvir ele cerrando os dentes e se controlando.
– Antes de pensar como pai, eu penso a altura do meu cargo!
– Eu não sabia que era da responsabilidade do vice prefeito, apartar brigas na rua – ele provoca novamente e eu dou um leve empurrão na sua perna, não foi pra isso que viemos aqui.
– É de minha responsabilidade qualquer coisa que tire a ordem do nosso Distrito – ele fala e mantem o olhar no Ryan.
– Eu entendo! E entendo também que eu errei, inclusive deixo claro meu arrependimento... – ele me olha com um pequeno sorriso e acena indicando que eu continue – Eu agi de forma infantil e exagerada, entendo que sofra consequências pelos meus atos, mas, mesmo assim não posso deixar de dizer que as crianças não tem culpa do que aconteceu, eu aceito o fato de ser excluído do Campeonato, mas o Projeto não tem absolutamente nada a ver com isso!
– Nada? Tem certeza? – ele pergunta com ironia – Então a imagem de que o treinador delas se meteu em uma briga é normal? Deve ser considerada normal? – eu nego – Não a nada que você possa fazer ou dizer que vai fazer com que a decisão mude! Você está excluído da Competição e o Projeto cancelado!
– E se houvesse outro treinador! Alguém que se responsabilize por tudo e que não tenha nenhuma complicação? – ele me olha com atenção – Eu entendo que não posso assumir, mas como eu disse as crianças não tem culpa, elas estavam esperando ansiosas pelo Campeonato e não seria justo com elas, eu só peço que então outra pessoa continue os treinos, alguém que já conheça a rotina deles... Como o Ryan! – falo e ele olha de mim pra o Ryan – Ele assume o projeto, a responsabilidade e os treinos! Então as crianças continuam a rotina e o Distrito ainda terá a apresentação delas pra mostrar pra todo o país e tenho certeza que isso contará pontos positivos pro nosso Distrito e também pra forma como ele é governado – ele parece pensar, mas antes que diga algo batem a porta.
– Desculpa, mas é que o Senhor Peeta Mellark insiste em falar com o senhor agora – me viro quando ouço o nome do meu pai e o vejo entrando na sala, passando pela garota que ainda tenta impedi-lo.
– Acho que ele já entendeu – ele fala e a mulher só sai depois que o senhor Montanes a dispensa, eu me levanto pronto pra falar com meu pai, mas ele me ignora e passa direto por mim indo para o senhor Montanes, ele estica a mão pra ele e o aperto é firme, porém rápido – Acho que as apresentações são desnecessárias, correto?
– Correto! Mas se o senhor veio apelar pelo seu filho, lamento dizer que é perda de tempo – ele fala com aquele ar vitorioso.
– E é claro que o senhor não tem tempo a perder não é mesmo? – eu começo a estranhar o tom de voz irônico e superior do meu pai, ele nunca age assim – Bom, eu também não tenho, então tentarei ser o mais direto e rápido possível – ele garante e então abre uma pasta preta que carregava, ele tira algumas folhas de lá – Eu não sei o quanto o senhor sabe sobre projetos sociais, mas acredito que com um cargo como o seu, o senhor saiba pelo menos o essencial – ele fala separando algumas das folhas que segura – Acredito que saiba também que minha esposa, Katniss Everdeen, é a fundadora e coordenadora do primeiro projeto social daqui do Distrito e um dos melhores do país, claro que o projeto começou bem pequeno, com ajuda de alguns comerciantes e mercadores, mas aos poucos foi tomando uma proporção maior, e então a coisa toda mudou quando o governo apoiou o projeto, fazendo dele hoje um dos grandes exemplos pra todo país, claro que isso só foi possível por que ela teve uma grande ajuda e inclusive eu trouxe aqui comigo alguns dos documentos – ele fala e coloca algumas folhas na mesa, reconheço de tanto ver mamãe assinando e relendo os documentos pela casa, mas ainda não entendo onde ele pretende chegar com isso, acredito que nem o Senhor Montanes que começa a olhar impaciente pro meu pai, porém ele não se incomoda e parece não se abalar – Bem, como o senhor pode ver esses são documentos oficiais do governo, coisas formais e absolutamente necessárias pra se ter um projeto social mantido pelo governo e é sobre isso que quero falar... Antes queria só fazer uma rápida explicação, é que eu tenho aqui comigo também um documento que diz exatamente quais são as obrigações do governo quanto a um projeto reconhecido... Coisas como pagamentos de conta, quantias de dinheiro, transporte, caso necessário, materiais em perfeito estado...
– Senhor Mellark, achei que o senhor fosse ser direto, como eu disse não tenho todo tempo do mundo! – ele fala irritado e se levanta.
– Então eu aconselho você a conseguir esse tempo – papai fala e o encara friamente, depois de alguns segundos volta a falar – Como eu estava dizendo, o governo tem obrigações quando isso se torna oficial, se tornando responsável pelo sucesso ou fracasso do projeto e uma das formas de mostrar a sua responsabilidade e participação vem através desses documentos oficiais, e se você não souber como reconhecer um documento oficial basta reconhecer a insígnia do governo, as tarjas de reconhecimento, carimbo e é claro a assinatura da presidente – ele fala apontando para cada item respectivamente – Você pode ver todos esses aqui! Agora o que me deixou realmente confuso e um pouco curioso, não foi nada nesses documentos e sim, nesses – ele fala e pega de dentro da pasta o documento que eu recebi quando as crianças foram convocadas para participar da abertura do Campeonato e outro que eu devo ter deixado no escritório de casa, ele os coloca ao lado dos outros papéis na mesa – Se você olhar bem pode ver a semelhança, o mesmo tipo de papel, formato da letra, carimbo, insígnia, tarjas e claro, a assinatura da presidente – Senhor Montanes mal olha pro papel e parece revirar os olhos entediados, então meu pai pega outro documento, o que recebi ontem do Seu Manoel e devo ter esquecido na casa do vovô, ele coloca o documento acima dos outros – Agora, se você olhar pra esse outro documento que chegou ontem vai ver que não tem nenhum dos itens que eu disse, nenhuma insígnia, nenhuma tarja, nem assinatura da presidente – então pela primeira vez vejo o Senhor Montanes perder toda a superioridade do olhar – E foi isso que me levou a começar a pensar... E em primeiro lugar não consigo entender... Como esses documentos são oficiais? Por que se eles são realmente reconhecidos pela própria presidente, então quer dizer que o projeto também é reconhecido, mas, isso não pode fazer sentido, por que eu não me lembro do projeto de luta ter recebido nenhum dos benefícios que eu falei antes... Ou... Ou talvez, eu esteja errado... Pyter, quando foi que o governo começou a mandar o dinheiro pro aluguel da quadra? – ele pergunta e então eu realmente entendo onde ele chegou.
– Nunca!
– Nunca? Tem certeza? – ele finge confusão – Tá, mas e o dinheiro pros materiais?
– Nada!
– Nada? Estranho! Mas a ajuda com os uniformes e equipamentos tem chegado direitinho né?
– Também não!
– Não, você deve estar confuso! – ele fala e olha pro Senhor Montanes – Ele não tem memória muito boa, péssima organização! Ryan... Você sempre esteve envolvido no projeto e deve se lembrar! Quando as ajudas começaram?
– Nunca começaram – ele fala dando de ombros.
– Impossível! – ele fala e então encara o Senhor Montanes – Imagino que o senhor esteja tão confuso quanto nós, mas já que estamos aqui pra resolver, então nós podemos ligar pra alguém da Capital, talvez até a própria presidente, claro que ela é uma mulher ocupada, com milhões de coisas pra resolver, mas tenho certeza que ela entenderá e nos ajudará a resolver esse terrível mal entendido, além do mais, acho que ela não rejeitaria uma ligação minha – ele fala e ameaça pegar o telefone, mas a mão o para, eles se encaram.
– Onde você quer chegar? – Senhor Montanes pergunta diretamente deixando de lado todo teatro.
– Eu quero que alguém me explique como há 4 meses atrás o projeto de luta passou a ser reconhecido pelo governo e no entanto até hoje nenhuma ajuda chegou lá! Quero que me expliquem também a enorme coincidência de isso ter acontecido na semana que você entrou aqui! E talvez se não for pedir demais, quero entender por que nesse ultimo documento a assinatura da presidente foi substituída pela sua!
– Isso é um problema local, nem tudo precisa ser reportado até a Capital, nossas coisas nós resolvemos! – ele fala mantendo sua postura.
– Entendo! E quem achou justo que você tomasse uma decisão dessas quando o seu filho está envolvido? – papai pergunta e ele o encara.
– Minhas decisões como governante estão acima de qualquer coisa!
– Tenho certeza que sim! – papai fala com ironia – Mas nada disso responde as minhas perguntas! Eu quero entender como um projeto reconhecido pelo governo fica sem receber nenhum apoio, totalmente desamparado e agora, do nada, simplesmente resolvem cancelar mesmo que não tenham nenhuma ligação com isso!
– Seu filho se comportou de forma inadequada...
– Eu sei o comportamento dele! Não é isso que eu quero discutir! O que eu exijo saber é por que nenhuma ajuda chegou ao projeto!
– Eu não sei!
– Não sabe? – papai o encara – Ok, então eu vou descobrir! E eu te garanto, eu vou até o inferno, mas eu vou descobrir... – ele fala, junta os papéis e vira as costas pra sair da sala.
– Espera! – o homem fala nervoso, papai para e se vira pra ele – Eu... Acho que podemos resolver isso aqui mesmo!
– Você acha?
– São muitas informações e decisões que chegam a todo tempo aqui, eu estou aqui a poucos meses e realmente ainda tem coisa que não consegui examinar... – ele começa a falar com cautela, mas posso ver ele engolindo a seco cada palavra que diz – Talvez os documentos referentes ao projeto possam estar em uma dessas situações, eu posso verificar com calma! – papai ri e volta a se aproximar da mesa, apoiando as mãos nela.
– Você é um mentiroso – papai fala e antes que ele negue continua – Você não deveria estar aqui! Não deveria estar nesse cargo e acima de tudo, não deveria ter mexido com meu filho! Eu vou ser bem claro... Eu quero essa suspensão do projeto cancelada agora, eu quero todos os documentos garantindo ao projeto a ajuda que eles tem direito, e eu quero cada centavo que eles já deviam ter recebido! Ou eu garanto que te tiro dessa cadeira antes do pôr do sol! – ele ameaça com a voz baixa e fria.
– Eu não vou ser ameaçado por ninguém, ainda mais quando eu não tenho nada a temer!
– Você tem duas opções! Eu saio dessa sala com um novo documento liberando os treinos e o projeto ou eu saio daqui pronto pra entrar com uma denuncia de verbas desviadas! Se você não tem nada a temer, então... – ele levanta as mãos, o encara alguns segundos e então se vira novamente, continuo apenas parado ao lado Ryan observando a cena como se nem ao menos estivéssemos aqui.
– Vai levar alguns minutos – ele fala e papai para com a mão na maçaneta.
– Eu posso esperar – ele garante se virando pra encará-lo, então o Senhor Montanes se senta e começa a mexer no computador que tem em cima da mesa dele, ele digita alguma coisa e então pela primeira vez desde que entrou aqui meu pai finalmente me olha nos olhos, eu ainda estou processando tudo que está acontecendo, mas forço um sorriso, ele continua sério e pensativo, alguns minutos se passam e então o documento é impresso, carimbado e assinado – Quanto ao resto, você tem até o final da semana! – papai avisa pegando o documento da mão dele.
– O que aconteceu aqui não precisa...
– Eu decido o que precisa ou não! – papai afirma e vira as costas dessa vez saindo da sala.
– Tenha um bom dia – Ryan fala com ironia e nós também saímos – Isso foi muito, muito maneiro – Ryan fala rindo enquanto saímos do Edifício logo atrás do papai.
– Isso não foi maneiro! O que ele fez, o que ele está fazendo, é errado! Usar o poder que conseguiu pra esse tipo de coisa, é nojento – papai fala e Ryan concorda um pouco envergonhado.
– Mas o senhor arrasou com ele! Eu duvido que ele faça algo assim de novo!
– Eu queria concordar com você – ele fala um pouco pensativo, então respira fundo e me estica o documento – Isso é seu! – ele fala e olha nos meus olhos.
– IH acabei de lembrar que tenho que ver um negócio lá em casa! Depois a gente se fala – Ryan fala já se afastando e nos deixando parados um de frente pro outro.
– Obrigado! – eu falo e ele libera um sorriso cansado.
– Não tem nada pra agradecer!
– Claro que tem, você foi... Foi incrível! Eu não teria conseguido se não fosse você – ele me olha como se quisesse tomar coragem pra alguma coisa.
– Eu preciso falar com você – ele fala e eu concordo – Não aqui no meio da rua! – ele completa e me acena chamando para seguir ele, eu concordo e nós vamos pro carro, ele dirige mas não vai pra casa e nem pra padaria, eu estranho mas não digo nada, ele para o carro em frente ao campo onde ele e mamãe construíram minha pista de alvos a anos atrás, quando eu finalmente a convenci a me dar aulas de arco e flecha, antes era só na floresta mas depois criamos esse espaço, é um campo que estava abandonado, então espalhamos alguns alvos e passávamos horas e horas aqui, as vezes ainda retornamos o velho habito, quando ela vem me dar algumas dicas no meu treinamento, já que eu continuo treinando e em breve terei uma competição de arco e flecha, com tudo que havia acontecido tinha até me esquecido disso, eu caminho até uma arvore que está marcada com o alvo e me encosto nela, papai para encostado ao meu lado e por alguns minutos apenas o som do vento e dos pássaros são ouvidos.
– Você tinha uns doze anos quando já conseguia acertar qualquer um desses alvos, a qualquer distância que sua mãe te colocasse – ele fala e eu sorrio orgulhoso, por que é realmente verdade – Eu me lembro que quando você me mostrou isso, eu me peguei pensando em como era incrível você ser tão novo e ser melhor do que eu jamais seria, e talvez ninguém mais fosse tão bom assim como você! Eu lembro que você estava tão orgulhoso de si mesmo e ao mesmo tempo tão empenhado em continuar melhorando que eu só conseguia olhar pra você e pensar em tudo que você ainda podia conquistar, em tudo que um dia você se tornaria e foi naquele dia que eu soube que você nunca teria um limite pra atingir, você nunca seria controlado, está na sua natureza, no seu sangue! – ele me olha e força um sorriso – Eu nunca tive isso! Nunca tive essa certeza de ser quem você é, nunca tive toda a coragem de fazer tudo que eu queria fazer como você sempre teve! E eu acho que é esse seu jeito de sempre estar pronto pra qualquer coisa que me assusta... – ele confessa e passa a mão no meu cabelo – Eu sempre preferi as coisas certas, as coisas previsíveis, aquelas que eu sabia que poderia controlar, e de certa forma eu sempre tive isso com a sua irmã, era mais fácil de ler ela, talvez por ela ser mais parecida comigo e também preferir o certo ao duvidoso, isso deixava as coisas mais... Fáceis talvez! Mas com você nunca houve uma ordem, você sempre teve as próprias escolhas, as próprias decisões, desde pequeno você é assim, ninguém nunca conseguia te fazer mudar de ideia, quando você decidia por alguma coisa era aquilo e acabou, você sempre foi fiel a você mesmo e ao que você quer, não que sua irmã não seja, não é isso, mas você nunca se permitiu se influenciar, mesmo que eu tentasse te fazer mudar de ideia ou tentar alguma troca, não, você nunca abriu mão do que você queria e por mais que eu admirasse isso em você, eu sempre tive medo... Você é meu filho, sempre que eu olhar pra você eu vou ver não só aquele menino de 12 anos que me surpreendeu mas também aquele bebê recém nascido que chorava quando precisava de alguma coisa ou aquele garotinho de 3 anos que corria pra pular na cama e não ter que tomar banho ou aquele garoto que me olhava como se eu fosse uma espécie de herói pra ele... E eu realmente queria ser esse herói pra você, mas a verdade é que você nunca precisou de um! Nunca precisou de ninguém pra te encorajar por que você já tem isso de sobra dentro de você mesmo! Mas mesmo assim eu queria ser, eu queria poder ter o poder de afastar qualquer mal, qualquer coisa que pudesse te atingir, eu sempre quis que você fosse inalcançável pra todas as coisas ruins e enquanto eu estava apavorado você não tava nem aí pro medo, e acho que é essa minha mania de querer te proteger de tudo que me faz ser assim! Eu sei o quanto eu sou chato, sei que sou repetitivo e sinceramente as vezes nem eu aguento comigo mesmo, mas sempre que eu vejo alguma coisa que pode te machucar, que pode te atingir, eu não consigo me controlar, e ver que você não tem medo de nada, que sempre tá de peito aberto pro que vier, me assusta, me deixa completamente apavorado com o que pode acontecer, daí eu acabo fazendo e dizendo coisas que eu não acredito! – ele avança e para na minha frente – Você não é irresponsável ou mimado ou inconsequente ou qualquer outra coisa que eu possa ter dito, pelo contrário, você é meu maior orgulho e eu sei que não sou de ficar dizendo isso, mas eu realmente achava que você sabia! Por que pra mim é tão obvio que eu não achava necessário ter que te dizer, mas essa é a verdade... Poucas pessoas tem a capacidade de me impressionar e você com toda certeza é a primeira delas, tudo que você se tornou me impressiona! Você é a pessoa com o maior coração que eu conheço, eu nunca vi você negar nada a alguém que estivesse precisando, nunca vi você abandonar um amigo, pelo contrário, eu vi você dezenas de vezes tomando as dores dos outros pra você, vi você protegendo sua irmã, seu amigo, sua namorada, vi você agindo como um moleque quando podia, mas também te vi agindo como um verdadeiro homem! E se você tem alguma dúvida disso eu quero que você saiba com todas as letras, que o maior orgulho da minha vida é ser seu pai, é poder olhar pra você e poder dizer... “Esse é o meu filho!” Nada, nunca vai me dar mais orgulho do que isso! – eu tento controlar minha emoção e então o abraço apertado, ele também me aperta e ficamos assim por alguns minutos, então ele segura meu rosto e vejo seus olhos com lagrimas – Eu amo você por tudo que você é e mesmo brigando com você e reclamando eu jamais mudaria uma única coisa em você, eu sei que as vezes pensamos diferente, mas é exatamente isso que me faz te amar mais, é a capacidade que você tem de me mostrar o quanto você pode ser melhor do que eu jamais fui e jamais serei, é olhar pra você e ver que você não é o filho que eu imaginei mas é surpreendente e infinitamente melhor! – ele sorri e me abraça mais uma vez, quando ele se afasta tenho que enxugar as lagrimas que não consegui segurar.
– Pra mim você sempre vai ser meu herói, tudo que eu sou, tudo que eu tenho, tudo que eu ainda quero ser, é por você e pela mamãe... – eu começo a falar e sinto um nó na garganta – Eu sempre quis ser mais parecido com você, com a Pérola...
– Não! Por favor, não tenta mais fazer isso – ele pede e me força um sorriso – Eu amo sua irmã, mas ela nunca conseguiria deixar minha vida tão agitada quanto você faz! Nunca conseguiria encher aquela casa com tanta alegria e bagunça quanto você faz... – ele solta um sorriso meio triste – E você faz falta! Um dia fora e parece que foi um mês! Pietro não parava de perguntar de você, até sobrou panquecas no café da manhã – ele fala e nós rimos – Eu faço qualquer coisa pra você voltar pra casa! – ele fala me olhando nos olhos e eu abro um sorriso sincero.
– Nada de precisar lavar a louça do jantar, o carro liberado todo fim de semana e panquecas extras no café da manhã... aí eu posso pensar sobre isso – eu falo e ele solta uma risada divertida e me abraça de novo – Vou encarar como um sim!
– Só aceito as panquecas!
– Todos os dias?
– Sábado e domingo
– E então não preciso lavar mais a louça?
– Você vai acabar pegando a louça do almoço também! – ele fala rindo.
– Achei que você estava desesperado pra me ter em casa de novo!
– Desesperado? Eu? Quando eu disse isso? – ele finge estar confuso.
– Logo depois daquela parte que você disse que eu sou incrível e chorou como um bebê!
– Eu não chorei, foi um cisco que caiu no meu olho – ele fala já andando na direção do carro, eu solto uma risada, nós entramos no carro e ele começa a dirigir.
– Então, acho que eu nunca tinha te visto bancando o dono do poder – eu falo brincando e ele sorri.
– Ainda não tinham me dado um motivo pra isso – ele fala dando de ombros, porém um pouco desconfortável.
– E o que nós vamos fazer agora? – pergunto e ele desvia os olhos da rua e me olha.
– Não sei! E eu ainda não parei pra pensar nisso!
– Mas nós vamos fazer alguma coisa, certo? Por que ninguém pode garantir que ele só fez isso comigo, ele pode muito bem estar desviando mais dinheiro!
– Eu sei... Só preciso pensar antes! Eu ainda não quero nem ver quando sua mãe souber o que aconteceu!
– Ela não sabe que você ia lá?
– Nem o que eu pretendia fazer! – ele fala parecendo preocupado – Ela vai ficar furiosa!
– Pai, é da mamãe que a gente tá falando, ela sempre tá furiosa – ele solta uma risada, porém seus olhos ainda parecem preocupados, ele para o carro ao lado de casa e nós descemos.
– Então você volta pra casa? – ele pergunta parecendo nervoso.
– Com você implorando assim? Também não sou cruel né – ele ri e passa o braço pelos meus ombros me levando em direção a porta de casa.
– Eu tenho que pegar minhas coisas no vovô!
– Depois você pega! Pietro não para de perguntar de você nem um minuto e sua mãe mal consegue ficar parada em algum lugar de tão inquieta – ele fala e me olha.
– Aham, só eles, sei – falo implicando com ele.
– Não, não é só eles! Eu também não suporto mais entrar nessa casa e saber que você não está lá! – sua voz é baixa e sincera.
– Uau e isso foi só 24 horas... O que eu não conseguiria com uma semana ein... – ele ri e volta a me puxar pelos ombros, dessa vez eu vou com ele, ele abre a porta e me deixa entrar primeiro, eu dou alguns passos pra mais dentro de casa e confesso que até eu senti falta daqui, a casa do vovô tem praticamente a mesma formação daqui, mas só aqui tem o cheiro deles.
– PYYYYYYYYYT – Pietro corre desesperado assim que me vê, eu me abaixo pra abraça-lo, mas ele pula tão forte no meu colo que acabo caindo sentado, ele não se importa e me abraça apertado se recusando a me soltar, seus bracinhos em volta do meu pescoço – Você sumiu! – ele fala de um jeito que faz meu coração se apertar de culpa.
– Mas eu voltei! – garanto enquanto ele sorri animado.
– Voltou mesmo? – mamãe pergunta parando a nossa frente, eu sorrio e concordo.
– E antes de uma semana - então ela também sorri animada e se abaixa junto com a gente nos abraçando – O velho chorou tanto que eu fiquei com pena! Não que eu estivesse morrendo de vontade de voltar pra casa... – finjo desinteresse e ela ri e beija minha bochecha várias vezes, Pietro imita ela beijando o outro lado do meu rosto e eles quase me sufocam assim – OK, entendi que você me amam, mas posso respirar? – eles riem e param, mamãe se levanta com a ajuda do papai, e eu me levanto com Pietro ainda pendurado no meu pescoço, caminho até a sala onde ia jogar ele no sofá, mas paro quando vejo que o espaço já está ocupado, Pérola está sentada e ao lado dela está a cesta onde Louise brinca animadamente com o mesmo coelho que Pérola quando era criança, eu me abaixo a frente do sofá e dessa vez Pietro me solta, ele como sempre vai dar atenção a Louise e eu me ajoelho a frente deles e pego o coelho brincando com ela, mas ela não gosta muito.
– É que esse coelho é muito feio! – Pietro fala fazendo uma careta.
– Não fala assim do Senhor Coelho – eu falo fazendo uma voz mais grossa e fingindo brigar com ele enquanto levo o coelho até seu pescoço e ele ri com cócegas.
– Você sabia que o Senhor Coelho já foi muito bonito? – Pérola pergunta pra ele, que para de rir e se concentra nela duvidando – Ele era amarelo, da cor do sol e tinha cheirinho de fruta! – ela fala e ele me olha fazendo careta.
– Ele não é da cor do sol – ele fala pegando o coelho da minha mão e esticando pra ela ver.
– Mas isso foi por que alguém deu um banho de tinta nele! – ela fala e me olha.
– Quem? – ele pergunta com aquele jeito curioso e ela aponta pra mim, ele ri e me olha – Você vai pintar meus brinquedos?
– Hum, deixa eu pensar... – finjo uma cara de pensador – Me dá um beijo? – peço virando o rosto pra ele e ele segura minha cabeça enquanto dá um beijo demorado – E um abraço? – ele me aperta o máximo que consegue – E quem é o melhor irmão do mundo?
– PYYYYYYYYT – ele fala alto e levantando os braços animados.
– É, acho que seus brinquedos estão a salvos! - Mas eu queria que pintasse – ele fala e então eu e Pérola acabamos rindo – Você chorou? – ele pergunta voltando a olhar pra ela.
– Quase! - Quase nada, ela chorou como um bebê – eu falo e ele gargalha alto demais.
– Péla é uma chorona! Péla é uma chorona... – ele sai pulando pela casa e repetindo cada vez mais alto.
– A gente sempre brigou! Desde pequeno, mas sempre fizemos as pazes depois! Você não está planejando mudar isso agora, está? – ela me pergunta parecendo realmente preocupada – Pyt, eu te amo, você é meu irmão, meu melhor amigo e uma das coisas que eu mais odeio no mundo, é brigar com você! É como se uma parte minha sumisse e... É a melhor parte! – ela confessa e entrelaça os dedos como ela sempre faz quando está nervosa ou ansiosa.
– E com quem mais eu ia implicar nos almoços de família? – ela abre um sorriso e escorrega do sofá parando ajoelhada na minha frente, ela me abraça e encaixa o rosto entre meu ombro.
– Eu te amo, Pyt! Muito, muito, muito!
– Eu também te amo, não com tantos muitos assim, mas um pouquinho – ela ri e para o rosto na minha frente.
– Eu juro que não falei por mal, eu só não sabia de nada, eu não quis piorar nada, nem jogar nada na sua cara...
– Esquece isso! Eu estava irritado, com raiva, falei demais – falo passando a mão pelo cabelo dela – Sem falar que a gente ainda vai brigar muito, então guarde seus melhores discursos pra quando a culpa for sua! – eu falo sorrindo.
– Ah sem chance, a culpa nunca é minha, lembra? Foi você mesmo que disse – ela fala com um sorriso vitorioso.
– OK, pode começar as desculpas agora e pode exagerar no discurso – falo soltando ela e cruzando os braços.
Ai que menino mais bravo, que coisa mais linda e fofa e gostosa da minha vida, que vontade de apertar – ela fala usando a mesma voz que ela fala com a Louise, então ela começa a fazer cócegas no meu pescoço, o único lugar que ela sabe que eu sinto cócegas, enquanto me desvio dela acabo no chão, como sou mais forte consigo segurar seu braço e fazer na barriga dela, imediatamente ela desiste – PAREI,PAREI! – ela fala se retorcendo no chão, ela tenta se levantar, mas começa a rir descontroladamente, então Pietro pula nas minhas costas e eu pego ele colocando no nosso meio e eu faço as cócegas nele que ri descontrolado também, por isso paro antes que ele fique com falta de ar, Pérola está se endireitando no sofá.
– Eu odeio você! – ela fala e faz uma cara feia e eu faço uma careta pra ela.
– E fala aí, cadê o príncipe encantado, marido e pai exemplar? – pergunto com a mesma ironia de sempre, mas dessa vez ela não briga imediatamente comigo, apenas revira os olhos e responde.
– Foi na casa da mãe dele!
– Desde quando ela virou a mãe dele e não a “tia Delly”? – pergunto já estranhando a reação dela – Tá bom, me conta, o que ele aprontou?
– Nada! – ela garante enquanto finge endireitar o lençol na cesta da Louise.
– Tá, eu vou contar até três e quando eu chegar no três quero a história completa... 1, 2... 2,5 – olho pra ela levantando as sobrancelhas.
– A gente só discutiu! Nada demais! Quando você casar vai entender do que eu tô falando!
– HÁ, sem chance! Não vai ter essas frescuras entre a gente – eu falo dando de ombros e ela solta uma risada divertida.
– Vocês já são o casal que mais brigam que qualquer um de nós conhece – ela fala achando graça e eu faço uma careta – Eu sei que vocês serão muito e muito felizes juntos, mas vai ter brigas, sempre tem – seu olhar muda rapidamente parecendo preocupada.
– O almoço está pronto – mamãe avisa antes que eu consiga perguntar mais alguma coisa.
– Nossa, o papai conseguiu fazer tudo assim tão rápido – eu falo e ela revira os olhos.
– Eu fiz o almoço e quem não quiser comer, só não comer – ela fala dando de ombros, por que já sabe que nosso passatempo preferido sempre é implicar com ela na cozinha, mesmo que ela tenha melhorado bastante ao longo dos anos, por que pelo menos ela parou de errar os potes de açúcar e sal.
– E eu tenho certeza que está tudo perfeito – papai fala abraçando ela por trás e beijando seu ombro.
– Não começa! – ela fala empurrando e afastando ele – Quer saber, eu não cozinho mais, agora cada um faz o seu! - Mas eu te elogiei! – ele fala rindo.
– Não quero seu elogio! – ela fala e ele ri e abraça ela mesmo que ela esteja empurrando.
– Anda, Pietro, almoçar – papai fala o chamando e arrastando a mamãe pra cozinha, quando entramos ela está tentando empurrar ele mas tem um leve sorriso no rosto.
– A pia do banheiro quebrou e tá tudo molhado – vovô avisa enquanto entra pela cozinha.
– Qual seu problema com as pias! Já é a terceira – papai reclama e ele dá de ombros.
– Foi o Pyter!
– Eu? Mas eu nem usei o banheiro de baixo, só o do meu quarto!
– Ex-quarto! E você não lavou a louça do café!
– Por que eram só duas xicaras!
– Que ainda estão lá... – ele fala já pegando um prato e começando a se servir, nós almoçamos juntos enquanto ele continua afirmando que a culpa da pia ter quebrado é minha, mamãe me defende e eles começam a discutir, papai tenta acalmar os dois e então os dois se juntam pra falar que ele nunca escolhe um lado, enquanto isso Pérola tenta comer e não deixar Louise se sufocar com o lençol e Pietro reclama que não quer comer legumes por que tem gosto ruim, eu tento convencer ele que isso fará ele ficar mais forte e mesmo assim ele se nega fazendo caretas, a falação durante o almoço continua e isso só me faz me lembrar mais uma vez por que isso faz tanta falta em tão pouco tempo, por que qualquer segundo longe dessa nossa bagunça parece muito maior, eu cresci assim, no meio de todas essas vozes e reclamações e discussões que sempre acabam e se iniciam novamente, mas que só servem pra mostrar o quanto nós nos amamos, não importa qual foi o motivo da briga, sempre resolvemos, acho que é isso que nos torna tão unidos mesmo tão diferentes uns dos outros.
Eu estava saindo do banheiro de cueca quando mamãe entra no quarto com uma cara nada boa.
– Não fui eu – eu falo levantando as mãos em inocência, mas ela parece tensa.
– Seu pai falou comigo! Ele contou tudo que aconteceu – ela fala e eu concordo esperando ela concluir – O que esse homem fez foi errado, horrível e sujo, isso realmente é inaceitável e ele deve pagar pelo que ele fez... Mas eu quero, aliás, eu preciso que você me prometa que não vai se envolver nisso – ela pede se aproximando de mim.
– Eu já estou envolvido mãe, ele tentou tirar o projeto de mim, ele mentiu e provavelmente estava roubando tudo que o projeto deveria receber – eu falo e ela fica ainda mais nervosa, segura minha mão forte e me olha.
– Seu pai disse que ele já entregou o documento liberando o projeto, a quadra e eu tenho certeza que ele vai devolver tudo e cumprir tudo que seu pai disse, ele não vai arriscar...
– E o resto mãe? E se não for só comigo? E se ele fizer isso com outros?
– Não interessa! Não importa mais ninguém...
– Não mãe, importa sim! Ele pode...
– NÃO PYTER – ela fala mais alto me cortando, então aperta ainda mais forte minha mão – Não importa mais ninguém, acabou! Eu não quero você envolvido ainda mais nisso, toda essa sujeira... Eu... Não quero você nisso, eu não vou conseguir ver você nisso, Pyter. Se ele continuar ou não é problema dele, mas eu não quero você nisso!
– Não é uma questão de querer, mãe...
– Pyter, por favor, por favor... Eu tô te pedindo, eu te imploro, por favor! Isso nunca tem fim, é perigoso, sujo, nojento e eu não quero te perder, Pyter, por favor... por favor... – ela se descontrola e começa a chorar nervosa e assustada, os tremores começam pelas suas mãos, mas se espalham por todo seu corpo, e eu sei que esse é o sinal que ela está prestes a se perder, depois de tantos anos vendo suas crises de certa forma acaba sendo estranhamente e dolorosamente familiar, e assim como meu pai, Pérola e o vovô, eu também aprendi a ver os sinais que vem antes dela perder o controle e é graças a isso que conseguimos contornar a situação antes do caos, por isso eu seguro seu rosto entre minhas mãos e a faço olhar nos meus olhos.
– Você NUNCA vai me perder e eu prometo, eu juro, que meu nome não vai estar em nada disso! É uma promessa, você tem minha palavra – garanto falando lentamente pra que ela possa assimilar tudo que eu digo, então ela me abraça apertado.
– Obrigada, obrigada – ela fala beijando e acariciando meu rosto.
– Agora me diz, por favor, que foi o papai que fez o jantar – eu falo brincando e implicando com ela, então ela sorri e me dá um tapa no braço.
– Você não vai jantar! – ela avisa, mas apenas de vê-la sorrindo já me se sinto aliviado, eu abraço e aperto ela nos meus braços e queria que apenas fosse sempre assim, que eu sempre conseguisse evitar que ela caia, que eu sempre conseguisse colocar um sorriso no rosto dela, infelizmente eu sei que nem sempre é possível, porém me apego ao momento que foi.
Os dias foram se passando, os treinos com as crianças voltaram, materiais foram entregues, roupas para o treino, mas antes eu chamei elas pra uma conversa e expliquei sobre a briga e do quanto foi errado o que eu fiz, disse que tinha me arrependido e que a briga nunca justifica nada, nós treinamos por esporte e não pra isso e só volto aos treinos quando eles me prometem que jamais farão algo parecido com isso, Ryan também volta aos treinos dele e embora eu tenha o projeto de volta isso não quer dizer que fui aceito no Campeonato, afinal me meti mesmo em uma briga e tenho que encarar as consequências, por isso dedico todo o meu tempo de sobra pra treinar ele, nós passamos horas e horas repetindo os mesmos golpes, aperfeiçoando cada técnica e só paramos quando ele não consegue mais aguentar nada, ele reclama e ainda parece receoso mas não pode negar que está preparado pra luta, mas quando chega o dia do Campeonato e o Distrito inteiro está cheio, movimentado e inundado de câmeras até eu fico ansioso, os atletas de outros Distritos também parecem muito bem preparados mas modéstia parte, somos melhores, as crianças tem a apresentação delas logo na abertura, o projeto é reconhecido na frente de todas as câmeras, tem a rápida cerimônia de mudança de faixa e então eles saem radiante pra ocupar seus lugares e as competições de verdade começam, consigo um lugar logo no primeiro banco, junto com os outros e no meio da Keyse e da Nathy que gritam histericamente, e ainda mais quando Ryan aparece, e na hora que Paul é apresentado elas vaiam tão alto quanto antes, durante a luta eu mal consigo respirar e percebo que é muito mais difícil assistir do que participar, a luta dura alguns minutos até que Ryan derruba ele no chão, finalizando a luta de forma completamente perfeita, dessa vez até eu mesmo gritei, ele correu na nossa direção e todos o abraçamos juntos, ele segurou Nathy pela cintura e a deitou dando um beijo bem exagerado, Paul saiu mancando e envergonhado, na hora da premiação Ryan levantava o troféu e a medalha como se ainda não acreditasse e ele brilhava tanto que mal se enxergava George no outro pódio enquanto levantava seu trófeu por W.O e realmente ninguém prestou atenção nele, talvez essa seja a explicação pro seu olhar furioso e a terrível falta de educação que ele teve ao se recusar cumprimentar qualquer um dos vitoriosos, mas não prestei muita atenção nele, Ryan se juntou a nós, foi parabenizado e estava orgulhoso, fomos para a comemoração que a própria Capital preparou e as câmeras estavam por todo lugar, Ryan me levava com ele me mostrando como seu treinador e eu tenho que confessar que gostei disso, além do mais todos perguntavam do projeto e isso com certeza será algo muito bom. Quando cheguei em casa já estava no meio da madrugada, a casa estava silenciosa e subi devagar, cai na cama e apaguei quase que imediatamente, acordei na hora do café da manhã, entrei na cozinha e as vozes altas e animadas ecoavam dando o clássico ar de domingo, papai já estava no fogão fazendo as famosas panquecas e Pérola brigou quando eu peguei um pedaço da dela, nosso café foi movimentado como sempre, depois Pérola, Louise e Ian saíram e não pude deixar de perceber que eles ainda não estão o casal perfeito de sempre, por isso anoto mentalmente que devo conversar com ela sobre isso, Pietro estava pulando no sofá tentando convencer vovô a passear na praça quando mamãe aumenta o volume da TV e pede silêncio, então no noticiário vemos a foto do Senhor Montanes e a matéria que fala do misterioso e repentino afastamento do mais novo vice prefeito do Distrito 12.
– Me digam que vocês não tem nada a ver com isso – mamãe fala apontando pra TV e nos olhando.
– Nós não temos nada a ver com isso – papai fala levantando as mãos sem precisar pensar duas vezes, mas eu não digo nada, por isso os dois se viram e me encaram.
– Pyter? – ela me encara nervosa.
– Eu jurei que meu nome não estaria envolvido em nada e não está – eu falo agora sim levantando as mãos, então papai se levanta e vem na minha direção me levando pra cozinha, mamãe vem logo atrás dele.
– O que você fez? – ele pergunta me olhando enquanto tenta se manter calmo.
– Nada! – nego fingindo confusão – Talvez eles tenham recebido uma denuncia anônima.
– Anônima? Anônima, Pyter? Você acha mesmo que ele vai acreditar nisso? Você acha que eles não tem como descobrir o numero que ligou? – mamãe pergunta nervosa.
– Claro que tem! Por isso eu liguei do telefone que fica na praça, perto do armazém e além do mais a denuncia não foi sobre desvio de verba... – eles se olham e voltam a me encarar – George, o filho dele, estava usando um carro que era de uso exclusivo do governo, além disso ele fazia questão de falar em alto e bom som que tinha um pai na prefeitura e que isso lhe dava todo direito e privilégio que ele quisesse, ele se meteu em confusões e saiu limpo, além disso o Distrito inteiro comenta que o pai dele também usa o cargo pra conseguir ‘’beneficios’’ pelo Distrito, então.... pode ser qualquer um. Talvez ‘’alguém’’ tenha falado isso e resolveram investigar ele – eu falo e papai sorri e coloca a mão no meu ombro.
– Não tem graça e não incentiva ele – mamãe fala e empurra a mão dele do meu ombro – Ele ainda pode querer se vingar!
– Se vingar de que? Ele nem sabe o que aconteceu! Confia em mim – peço e ela me olha triste.
– Você me jurou Pyter!
– Bom, a culpa não é minha! É de vocês – eu falo e papai que estava sorrindo fica mais sério e mamãe me olha surpresa – Eu não tenho culpa se vocês me ensinaram a diferença de certo e errado, não tenho culpa se vocês me ensinaram todos os valores e bons ensinamentos, não tenho culpa se quando eu olho pra vocês eu vejo dois exemplos de força, não tenho culpa se vocês me mostram todo dia que não importa o quanto as coisas sejam difíceis não se deve escolher outro caminho só por que é o mais fácil, e acima de tudo a culpa não é minha se eu tenho os melhores pais do mundo – papai abre um sorriso e me abraça apertado.
– Eu tô muito orgulhoso de você! – ele fala e segura minha nuca me fazendo olhar direto pra ele – E você sim, é o melhor filho que eu poderia querer!
– Xiii, ninguém quer o Pietro magoado – eu falo fingindo sussurrar e ele ri, mas mamãe ainda nos olha séria – E você? Não tá nem um pouquinho orgulhosa? Nem um pouquinho assim? – simbolizo com os dedos um pouco, então ela apenas toma o lugar do papai e me abraça forte.
– Eu te amo! – ela fala no meu ouvido, eu sorrio e aperto em mim.
– Claro que ama, eu sou incrível – isso arranca uma risada dela e papai também ri.
Então voltamos pra sala e encontramos Pietro animado por que o vovô resolveu ir com ele pro parquinho, eu decido ir com eles e aproveitar cada segundo do meu tempo perto de cada um deles, por que a cada dia que passa tenho mais certeza da sorte que eu tenho.


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