Survivors escrita por Kaline Bogard


Capítulo 2
Capítulo 02


Notas iniciais do capítulo

Olá! Alguem, por favor, me salve desse frio '-'
E chuva... e... OMG calor, seu lindo, volte! :'(

Mais um pouco dessa aventura gostinho fim de mundo! Boa leitura!!



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Survivors

Kaline Bogard

O centro comercial não diferia em nada dos outros que já frequentara. Exceto pelo fato de que tinha mais gente. Daiki não podia negar que era surpreendente ver tantas pessoas juntas em um mesmo lugar. E assustador.

Carregava a pesada mochila nas costas e a mochila de Taiga, vazia, nas mãos. Deixara as latas no quarto, com um ruivo vigilante feito um tigre durante a caçada.

Seu primeiro objetivo foi mais comida, claro. Por isso rumou direto para a tal fábrica. Havia um grupo controlando a entrada. Apesar disso, não teve dificuldade para passar tão logo mostrou que tinha boas coisas para trocar.

Saiu de lá com a mochila abarrotada de latarias. Não podia estar mais satisfeito. Ainda assim, sobravam algumas bugigangas que queria se livrar, trocar por coisas que lhe fossem úteis. Por isso, deu uma volta pelo centro de trocas de Tokyo, usando sua ótima lábia para conseguir ótimos negócios. A honestidade de Taiga não encontrava reflexo em Daiki, que não tinha problema algum em passar a perna nos outros e conseguir todas as vantagens para si.

Graças a isso tinham se conhecido, alias. Numa negociação em uma cidade qualquer, Taiga tomou as dores da pessoa que estava sendo passada para trás por Daiki. O que veio em seguida? Uma discussão acalorada, trocas de socos, bebida compartilhada. E um relacionamento que durava quase dez anos.

Sem ter nenhum tipo de problema, com a sensação de dever cumprido e com um bom produto em mãos, Daiki voltou para o bar. Encontrou o rapaz de cabelos escuros atrás do balcão. O tal de Takao. Foi impossível não sorrir torto ao reparar que ele usava o relógio que Shintaro trocara na noite anterior.

Reconheceu o gesto de carinho. Ele próprio já fizera isso com Taiga mais de uma vez.

Cumprimentou o garoto com um gesto de cabeça e foi direto para o quarto em que passara a noite. Aproximava-se das dez horas da manhã, tinham cerca de uma hora pra arrumar tudo e partir.

Taiga estava sentado na cama, com a expressão mais entediada da face da Terra. Seu rosto iluminou-se ao ver o parceiro de volta.

— Demorou!

— Claro! Eu arrumei coisa pra caralho — foi dizendo e colocando tudo sobre a cama que Taiga já arrumara, quem olhasse não notaria que o estrado estava quebrado. Então Daiki foi mostrando o que conseguira.

Abriu uma das mochilas, cheia de latarias conseguidas na fábrica. A outra mochila tinha mais comida em lata, um blusão estilo militar e algo que parecia um carrinho dobrável, que Taiga não entendeu muito bem o que era.

— Trouxe pra você — Daiki estendeu o blusão.

— Não vai me comprar tão fácil — Taiga resmungou mal humorado, quase morrera de tédio esperando ali sem fazer nada!

— Não quer?

— Não disse isso! — mais do que depressa pegou a peça de roupa. Já vira algumas milícias usando aquele tipo de uniforme. Sabia que o chamavam de camuflado. Estava praticamente novo.

Daiki deu uma risadinha suspeita. Então mostrou o carrinho improvisado. Tinha quatro rodas não muito grandes, visivelmente fortes. E hastes longas e dobráveis, com a ponta um tanto curvilínea, facilitando segurar e puxar.

— Parece que era usado para carregar malas antes do Grande Cataclismo. Vamos colocar as mochilas aqui, assim não precisamos carregar a mochila nas costas.

— Que prático! — Taiga exultou.

— Quem é o cérebro fodão da dupla?

— Idiota — o rapaz mostrou os dedos do meio antes de ir pegar as latarias que tinham deixado no canto pela manhã e começar a ajeitar na mochila.

— Também reabasteci os cantis — exibiu as quatro peças feitas de couro — Agora é fazer durar por uma boa parte do caminho. E contar com a chuva.

— É o suficiente. Só temos que regular. Vamos arrumar tudo e ir embora logo.

Tiveram um trabalho danado para conseguir colocar todas. Uma delas acabou tendo que ficar entreaberta. Por fim, voltaram a colocar os blusões, Taiga ajeitou o boné sobre a cabeça, Daiki improvisou o turbante, encaixou o par de óculos de sol e com isso ficaram prontos para partir.

— Vamos comer alguma coisa antes? — Taiga perguntou ao sair do quarto. Fizera questão de puxar o carrinho, feliz como uma criança que ganha um presente novo. Era infinitamente mais fácil do que levar o peso nos ombros.

— Melhor, né? Vai ser um longo caminho de volta.

O ruivo apenas acenou com a cabeça. Saíram no bar e foram para o balcão. Takao aproximou-se sorridente.

— Vocês não tem ideia de como Shintaro gostou daquela lanterna que vocês arrumaram para ele. Vão querer alguma coisa?

Daiki meteu a mão no bolso e puxou alguns objetos. Uma caneta de tinta vermelha, dois clips de papel, algumas moedas de antes do Grande Cataclismo.

— O que a gente consegue com isso?

Takao observou os objetos sobre o balcão, acabou pegando a caneta e os clips.

— Arrumo algo para vocês comerem e beberem em troca disso.

— Fechado.

E o rapaz sumiu pela porta que levava para o interior restrito do bar. Local que estava vazio aquela hora, com exceção dos dois jovens viajantes.

— Será que está tudo do jeito que a gente deixou? — Taiga perguntou pensativo. Sempre que precisavam fazer essas viagens sentia-se preocupado. Possuíam o melhor esconderijo daquele mundo alquebrado. Perder seria um duro golpe.

— Claro que está, não se preocupe — Daiki sabia que era quase impossível alguém encontrar o pedaço de paraíso perdido.

O outro rapaz balançou a cabeça e calou-se. Algum tempo depois, Takao voltou com dois pratos na mão, estendendo um para cada um de seus clientes matinais. Em seguida serviu mais daquela bebida de frutas fermentada.

— Aproveitem a comida.

— Só isso? — Taiga resmungou com uma careta. Estava faminto, pensou que mereciam mais.

— Você devia experimentar primeiro. Não sou muito bom na cozinha...

Daiki riu.

— Você não conhece esse cara. Se deixar ele come placa de metal e bebe óleo diesel.

— Oe! Teu rabo! — Taiga sentiu-se um tanto ofendido. Claro que tinha certo apetite, mas era normal. Ele era jovem, alto e forte, precisava se manter abastecido, oras.

— Meu rabo você não come!

— Caralho, Daiki!! — o pobre rapaz resmungou corando pela piada infame.

— Okay. Se ao final quiser mais dessa gororoba — Takao cortou o papo e indicou aquilo que parecia uma sopa um tanto rala, com pedaços escasso de verduras e alguns nacos de carne cozida — Eu encho seu prato o quanto quiser!

— Combinado — e Taiga atacou a comida, comendo tão depressa que mal dava a impressão de sentir o gosto. A cena fez Takao arregalar os olhos de susto. Seu freguês era um monstro.

Daiki, mais comedido, provou uma colherada e fez um careta. Aquilo tinha gosto de muitas coisas, menos de comida. Terminou o primeiro prato quando Taiga começara o terceiro.

— Preciso usar o banheiro — disse com um suspiro.

— Saia por aquela porta — o funcionário indicou uma outra porta lateral — No beco lateral.

— Hn. Já volto — falou para Taiga, mas seu companheiro estava com as bochechas estufadas de tanta comida e não pôde responder sem correr o risco de fazer sopa voar para todos os lados. Por isso apenas acenou com a cabeça, continuando a comer como se não tivesse sido interrompido.

Foi fácil achar o banheiro. Daiki não se surpreendeu pelo estado em que encontrou o lugar. Não diferia em nada de outros que via pelo que restara desses estabelecimentos públicos no dias atuais. Não podia exigir muito, no fim das contas.

Tampouco surpreendeu-se por voltar ao bar e encontrar três homens mal encarados cercando Taiga no balcão. O cara parecia ser um ímã de problemas!! Quando um dos desconhecidos ousou segurar na parte da frente do blusão que Taiga usava e puxá-lo para frente, Daiki praticamente rosnou. Em duas passadas estava ao lado deles, puxando um deles pelo braço e acertando-lhe o rosto com o punho fechado, com tanta força que quando o infeliz caiu ao chão já estava inconsciente.

Os outros dois se colocaram em posição de defesa, prontos para revidar e se vingar pelo companheiro derrotado. Por sorte, Shintaro escolheu esse momento para entrar pela porta principal do bar. Sua simples presença refreou o ímpeto dos mal feitores. Todos sabiam que ele era um dos principais responsáveis pelo bom andamento do comércio em Tokyo. E tinha regras muito firmes a respeito de brigas no seu prestigiado estabelecimento.

— Vai pagar por isso, moleque — um deles falou ameaçador para Daiki, então pegaram o colega desacordado e deram o fora dali.

— Você está bem? — Taiga girou os olhos diante da pergunta, um tanto irritado.

— Claro que eu estou bem, porra! Não sou uma garota que você precisa salvar. Eu podia ter cuidado muito bem deles!

— Sei disso, Taiga, mas não gosto que toquem em você. Perco a cabeça — Daiki disse como se não fosse grande coisa. Soou sincero. Se tinha algo que o fazia perder a razão era alguém tocando naquele ruivo.

— É melhor darem o fora daqui — Takao aconselhou — Esses caras fazem parte de uma milícia que “protege” Tokyo. Ouvi dizer que estavam patrulhando desde ontem e voltaram agora cedo para o centro da cidade. Aqui estão seguros, assim que saírem terão problemas. Melhor dar a volta pelos fundos.

A dica fez Shintaro erguer as sobrancelhas. Encarou seu amigo, que apenas deu de ombros. Aquele rapaz tinha devorado três pratos da sua sopa, e aparentemente gostara da comida. Uma pessoa assim merecia sua simpatia.

— Saia pelo beco e faça o contorno pela antiga avenida Ueno. É um atalho para a estrada, mas está arruinada depois do último terremoto — Shintaro acabou ajudando com uma dica.

— Vão ganhar tempo, mas esses caras tem carros que funcionam. Talvez alcancem vocês.

A esse ponto, os viajantes já tinham recolhido o carrinho e estavam prontos para partir. Um aceno de cabeça sinalizou a despedida e, quase com certeza, o adeus definitivo. Não pretendiam voltar ali tão cedo. E em um mundo tão conturbado a certeza do reencontro era uma promessa inexistente.

Sem delongas seguiram a indicação. Saíram do bar de modo fugidio, sem o malogro de encontrar com alguém daquela milícia. Foi fácil fazer o contorno e descobrir a tal avenida. O lugar estava deserto, e era visivelmente instável. O antigo asfalto estava quebrado, erosão do solo deixara tudo desnivelado e irregular. O carrinho seria inútil e os atrasaria.

— Vamos dividir o peso até voltar para a estrada — Daiki decretou enquanto ajeitava os panos ao redor do pescoço e rosto, improvisando um turbante. Em seguida o par de óculos de sol foi para o rosto e a mochila para as costas. Parecia pesar uma tonelada.

Taiga afundou o boné nos fios ruivos e imitou o gesto de colocar a mochila sobre os ombros. Dobrou o carrinho e eles retomaram a marcha.

Uma caminhada longa e exaustiva, debaixo do sol que queimava forte. Era por volta de uma hora da tarde. Pior horário para caminhar. Todavia não reclamaram. Todo fôlego precisava ser guardado para dar o próximo passo a frente.

Conversa era perda de tempo. Sabiam disso e dispensavam as palavras, ainda que se comunicassem o tempo todo. Um olhar para indicar algum animal peçonhento que podia ser perigoso, um aceno de cabeça alertando sobre um pedaço mais deteriorado da estrada; pequenos gestos que indicavam apenas preocupação com a segurança um do outro.

Quando a estrada se tornou visível foi um grande alivio. Os ombros queimavam com o peso e as pernas já davam sinal de bambear de cansaço. Mas reconheciam a paisagem: a carcaça do avião, o formato do mato seco ao largo... tinham ganhado um bom pedaço de terreno, apesar das dificuldades.

— Vamos parar um pouco — Taiga pediu sem fôlego.

Daiki concordou, igualmente cansado. Escolheram sentar-se bem na parte em que o asfalto acabava e dava vazão ao chão de terra batida e árida. Beberam um pouco de água, um mínimo para evitar a desidratação e economizar.

Descansaram um pouco, recuperando o fôlego sem nunca deixar de vigiar o horizonte. Qualquer sinal de poeira no horizonte podia indicar encrenca. Seria a milícia aproximando-se.

— Melhor partir — Taiga suspirou. Conseguira recuperar-se um pouco. Precisavam se por a caminho outra vez.

— Hn — recebeu o sussurro como resposta e deu-se por satisfeito — Mas precisamos fazer algo para encobrir nossos rastros.

Disse isso e caminhou até um dos arbustos secos. Quebrou alguns galhos e voltou para prendê-los no carrinho que agora comportava as mochilas.

— O quê está fazendo? — Taiga soou curioso.

— Um truque que meu pai me ensinou. Se prender os galhos na roda, quando andar com o carrinho eles apagam o rastro. Tenta.

Taiga obedeceu. Puxou o carrinho por quase um metro e comprovou as palavras do companheiro. Ao invés de deixar as marcas das rodas, os galhos secos arranham a terra e se sobrepunham apagando qualquer vestígio que pudesse denunciá-los.

— Caralho! Que ótima ideia, Daiki!

O rapaz sorriu e começou a caminhar sendo seguido por Taiga. Ao invés de rumar para a estrada usada normalmente, continuaram avançando pela margem, protegidos pela vegetação. Era um tanto difícil, pois o chão batido não colaborava; ainda que mais rápido do que pela avenida destruída e mais seguro do que se usassem a via principal.

Por duas ou três vezes viram poeira erguer-se alto no horizonte. Havia grande chance de ser os inimigos caçando a dupla. Toda precaução era pouca. Apesar disso, caminharam por um longo espaço de tempo, até o sol começar a esconder-se no horizonte antes de parar para passar a noite.

— O avião está bem mais perto — Taiga sentou-se no chão, soltando o carrinho ao lado dele. Quando alcançassem aquela carcaça de metal faltaria por volta de quatro dias para chegar ao esconderijo.

Daiki sentou-se de frente para ele, parecia tão cansado quanto estava.

— Dessa vez a gente se deu bem pra caralho — não esperava que fossem conseguir tanta comida de qualidade quanto o que estavam levando de volta. Deixou-se cair para trás, pouco incomodado por deitar-se no direto no chão duro.

— Quanto tempo acha que vai durar? — Taiga tirou a grossa blusa e improvisou um travesseiro, imitando a pose do companheiro. Os olhos de íris avermelhada fixaram-se no céu que enegrecia. Quando criança, ouvira histórias contando sobre as milhares de estrelas que iluminavam a noite como olhinhos curiosos. Observando a lua solitária que erguia-se soberana era difícil acreditar nos contos.

— Saa. Do jeito que você come, nem um mês...

— OE!

— Tô te zoando, Taiga, relaxa. Juntando isso com o que a gente tem no esconderijo acho que podemos ficar um bom tempo sem aparecer em alguma cidade de novo — a comida desidratada podia render de três a cinco vezes mais quando misturada com água. Dependia do tipo de cada uma, desenvolvida para situações de longa privação. Eram doze vezes mais nutritivas do que comida normal, por isso uma porção menor saciava e mantinha alimentado por um período maior de tempo.

— Hn. Tá com fome?

— Tô. Ainda tem algo pra comer aí?

Taiga revirou um dos bolsos exteriores da mochila até encontrar um pano em que enrolara várias tirinhas de carne tratada com sal. Estendeu para Daiki que pegou algumas. Aquela era um forma muito peculiar e utilizada de manter a carne. Fazia com que durasse mais e pudesse ser consumida sem precisar aquecer. Não era a mais agradável, embora fosse a mais segura em uma situação como a deles.

— Acha que aqueles caras vão desistir? — Taiga perguntou mastigando um pedaço de carne.

Antes de responder, Daiki arrastou-se pelo chão até ficar perto do companheiro, de modo que a presença de ambos fosse captável por outros sentidos, não apenas audição.

— Provavelmente. Mas se não desistirem a gente lida com isso.

Taiga não respondeu. Comeu mais duas tirinhas devagar. Aquilo não estava nem perto de aplacar sua fome, mas aliviava um pouco a sensação. Bocejou cansado.

— Andamos pra caralho hoje — sussurrou.

— E vamos andar pra caralho por mais um tempo — Daiki devolveu no mesmo tom. Todavia, seu companheiro já estava dormindo, vencido sem luta pelo cansaço.

Terminou de comer suas tirinhas de carne e tomou um pequeno gole de água, antes de voltar a deitar-se coladinho ao outro rapaz e envolvê-lo meio desajeitado com os braços. Pouco antes de render-se ao sono teve a impressão de ouvir sons distantes, estampidos secos e assustadores.

Algo que parecia o som de tiros. Longe demais para o preocupar ou ter qualquer certeza.

D&T

Numa rotina normal, Daiki nunca acordava cedo. Mas quando estavam em uma viagem como aquela, seus instintos sempre falavam mais alto. O sono era leve e ele costumava despertar antes do sol nascer com seus raios impiedosos.

Daquela vez foi diferente, pois acordou esporadicamente a noite toda, com medo de serem surpreendidos por alguém.

Principalmente pelos sons suspeitos que escutara pouco antes de dormir. Sentou-se com cuidado para não acordar seu parceiro. Os olhos azuis foram atraídos para o horizonte, onde uma fina fumaça branca subia em direção ao céu.

Algo queimara até o fim. Talvez tivesse a ver com a noite passada, talvez não. Não era da sua conta.

Pouco tempo depois Taiga também despertou, flagrando Daiki separando tirinhas de carne para que pudessem fazer uma refeição e enganar o estômago para continuar o caminho de volta. Quando estivessem longe o bastante, arriscariam acender uma fogueira para comer algo decente.

— Bom dia — o ruivo bocejou.

— Bom dia.

— Por que não me chamou? Estamos perdendo tempo...

— Porque eu não acordei muito mais cedo e você estava exausto de puxar aquele carrinho. Vamos revezar.

— Não — Taiga apressou em negar o pedido. Ainda estava maravilhado por conseguirem tal comodidade — Deixa comigo. Ei, você viu aquilo? — perguntou apontando a fumaça que se erguia perdida no horizonte.

— Aa — Daiki deu de ombros — Queimaram alguma coisa. E eu tive a impressão de ouvir tiros durante a noite.

Taiga não respondeu. Manteve os olhos fixos naquele ponto, tão concentrado que teve um pequeno sobressalto quando Daiki tocou em seu ombro para lhe chamar a atenção.

— Come.

Ele acabou pegando as tirinhas de carne, mas não obedeceu.

— Daiki, temos que ir lá...

— Uma porra que temos — rebateu amargurado. Imaginava que Taiga fosse sugerir algo assim. Ficava um pouco irritado que seu companheiro pudesse ser tão preocupado com o bem estar de outras pessoas quando o mundo estava a um passo do colapso total — Não é da nossa conta.

— Oe, como não? Aqueles caras da milícia juraram que iam nos caçar. Se eles se encontraram com pessoas inocentes e causaram algum mal a elas é nossa culpa!

— Não seja idiota, Taiga. Como pode ser nossa culpa? Não causamos nada disso, somos tão vítimas como qualquer um.

O rapaz não respondeu. Concordava que Daiki tinha certa razão: pessoas más existiam aos montes. Não podia se culpar por todos os males do mundo. Mas, ainda assim, era impossível não deixar de pensar que se tivessem enfrentado aqueles três caras de forma limpa ao invés de fugir talvez algum viajante desafortunado não tivesse se encrencado.

— Taiga, nem sabemos se eles estão envolvidos ou causaram isso. Pode ser qualquer coisa.

— É... você tem razão — tentou se convencer enquanto enrolava as tirinhas de carne e voltava a guardá-las. Perdera o apetite.

Daiki observou seu namorado em silêncio. Conhecia-o bem o bastante para saber que não tinha opção a não ser ceder. Odiava que tivesse um coração tão bondoso, na mesma proporção em que o amava por preservar um pouco do que o mundo tentava com afinco destruir: a pureza e magnitude de ainda se importar.

— Vamos até lá — suspirou, exagerando no sofrimento.

— Ee? Tem certeza — apesar da dúvida, os olhos de raras íris avermelhadas brilharam com empolgação.

— Claro. Se a gente não for, você vai ficar com essa tromba pro resto da vida.

— Tromba?!

— Mas é melhor comer a sua... — nem terminou a frase. Taiga já estava abrindo o paninho e atacando as tirinhas. Recuperava o apetite muito facilmente.

D&T

Fazer aquele desvio acrescentou um aumento significativo no tempo que demorariam para voltar para casa. Apesar disso, Daiki não reclamou. Não seria a primeira vez que mudariam os planos em prol de alguém que sequer conheciam. Rezava apenas para que não fosse a última.

A paisagem seca e árida era alquebrada por destroços, amontoados demolidos, vegetação desértica, igual em muitos lugares. A única que conheciam desde que nasceram. E isso fornecia certa camuflagem para se aproximar cada vez mais do ponto que dera origem à linhazinha de fumaça, já quase invisível aquela altura.

Não se encontraram com ninguém no caminho, ainda que a dado momento as marcas no chão deixaram clara a passagem de dois veículos movidos a energia solar. Sem sombra de duvidas pertenciam a milícia que vivia em Tokyo.

E essa não foi a pior constatação a que chegaram. Quando a distancia se acabou e puderam finalmente ver o que acontecera, até Daiki ficou chocado. Desejou com toda a sua alma que não tivessem ido aquele lugar, pois; em alguns casos, a confirmação podia ser pior do que a incerteza.

continua...


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Notas finais do capítulo

Fim da parte dois.

O que será que aguarda nosso casal preferido na conclusão dessa aventura? O próximo é o ultimo! Vejo vocês em breve :D