Codinome: Estelar escrita por Ana Clara Medeiros


Capítulo 5
V - O Dia Mais Claro


Notas iniciais do capítulo

Após a batalha das noites mais densas, a paz volta a reinar no planeta Terra. Porém, os Jovens e antigos Titãs parecem ter esquecido de sua essência, ao ponto de se permitirem desmanchar os que os mantinha unidos primeiramente. Kory, totalmente machucada por si e por todos, recorre a ajuda da psicóloga dos heróis.

Vixen¹ = Foi a primeira super heroína negra da D.C Comics. É uma importante integrante da Liga da Justiça.

Notas Adicionais: este capítulo da fic foi totalmente embasado na edição de número 16 dos Jovens Titãs V2. Para mim, particularmente como fã do grupo (e da Kory, em especial), foi muito incrível escrever sobre esse momento tão íntimo da personagem. Para quem quiser conferir essa HQ SENSACIONAL da D.C., deixo a disponibilização online aqui: http://hqcomicsonline.com.br/leitor/Os_Titas_V2/16



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/643760/chapter/5

Os tamaraneanos são treinados para a guerra desde que nascem. Por mais que meu povo fosse pacífico, nos precaver de ataques era o que sabíamos fazer de melhor, além de claro, ter os melhores guerreiros da galáxia. Do meu nascimento até o momento em que meu planeta fora destruído, eu havia presenciado vários combates, chegando a participar de alguns. Querendo ou não, minha fuga ao planeta Terra não deixara de ser uma batalha árdua a qual só tivera a chance de sobreviver graças aos Jovens Titãs. No mais, nada do que eu já tinha visto se comparou com aquilo.

Centenas de amigos e inimigos revividos graças a um defeito no material usado para a produção de anéis no planeta do Lanterna Verde. Uma onda de morte se espalhou por todo a Terra, nos fazendo tentar vencer o que já se fora. Aquele foi, sem sombra de dúvidas, o nosso maior desafio.

Desafio esse que precisou de muitas pessoas envolvidas, tanto vivas quanto mortas no campo de batalha. Os Renegados, Os Fora da Lei, R.E.B.E.L.S, Liga da Justiça, até a Colmédia e Star haviam se unido contra a ameaça. Tivermos de nos curvar aos nossos maiores inimigos por uma causa maior. A palavra “difícil” passou a não suportar o tamanho significado para nós. Contudo, ao fim de tudo, mesmo em meio a muito sangue, perca e destruição, vencemos. Vencemos bravamente como os super heróis, protetores do lugar que tanto amamos, faziam. A ameaça finalmente acabara e os anéis deixaram de ser produzidos e distribuídos.

Modéstia parte, eu me dediquei 100%. Todo o conhecimento que aprendi ao longo da vida foi usado e re-utilizado no campo de batalha. Era como se meus problemas em relação ao medo de perder os Titãs, ao Dick, a qualquer outra coisa que me atrapalhasse simplesmente evaporassem. Cheguei até a fazer escolhas das quais eu jamais faria se tivesse parado mais de um segundo para pensar com o coração. Aquela não era a Kory, aquela não era eu. Mesmo assim, fora um mal que veio para o bem. Seria isso?

O que mais me deixou pensativa foi o fato de Dick não dar as caras. Mesmo que tivesse abandonado tudo para fazer não sei o que da vida, a convocação para salvação da humanidade foi geral. Querendo ou não, o coração de Dick sempre pertenceu ao seu amor por ajudar as pessoas da melhor maneira. Seria possível que eu não chegasse nem ao menos a reconhecer o amor da minha vida?

Com a destruição da Torre Titã de NY – Soquei Tara até a morte só como acerto de contas por ter desmontado meu lar -, todos os Titãs tiveram de se reagrupar novamente na Torre de São Francisco. Por um lado, aquela atitude nos tornou bem mais próximos, fazendo a então mais nova família Titã até que mais unida. Porém, era como olhar para todos os lugares e enxergar apenas conchas vazias.

Os novos recrutas estavam se dando tão bem que Tim Drake foi nomeado oficialmente como líder dos Jovens Titãs após os conflitos. Nós, os “velhos titãs”, não precisávamos mais supervisionar os treinos com frequência. Nos era exigido apenas atenção e cuidado com os novos, além de ajudá-los em piores situações. O único que ainda se mostrava totalmente a favor da causa era Cyborg, o qual não parava de trabalhar com as pesquisas. Fora isso, nós, os antigos, nunca estivermos tão distantes.

Donna, gravemente ferida nas batalhas, se encontrava em um centro de recuperação na ilha das amazonas na qual fora treinada. Mutano largara tudo para viver a herança deixada pelo tio milionário. Se Ravena não aparecia para nós antes, agora suas visitas eram assim por dizer, nulas. Arqueiro Vermelho ainda dava as caras. Querendo ou não, tinha apreço pelos mais novos. Talvez aquilo fosse uma consequência devido a sua filha pequena.

Meu temido fim havia chegado. Já não sabia mais o que fazer além de me trancar em meu quarto e esperar pelo pior.

Até que uma ligação me fez abandonar o fardo escuro do meu quarto. Um encontro havia sido marcado comigo em um café próximo. Ao dar as caras nas ruas, todos me reconheciam como a heroína dourada que, ao lado de tantos outros, tinha salvado o mundo. De certo modo, sentir aquele carinho até que não fora nada ruim. A solidão tendeu por se tornar tão presente em minha vida que eu havia esquecido como era receber atenção dos outros, um tratamento diferenciado.

Vixen¹ segurava uma caneca de café, tomava-a descontraidamente. Seu sorriso extremamente branco se estendeu ao me ver.

Havíamos batalhado lado a lado, obviamente, ela sendo uma das super heroínas mais importantes da Liga, estando em quase todos os confrontos. Ficara sabendo que durante muito tempo, Vixen havia servido como recrutadora de novos heróis para o grupo mais famoso do mundo, o que fazia com que qualquer pessoa mascarada quisesse ter um encontro com ela. Por mais que os sinais quisessem demonstrar algo maior, eu não conseguia me animar nem com o fato de sair de “casa”, quem dirá ter um encontro com aquela mulher.

Mas lá estava eu, sorrindo como se tudo estivesse nas mil maravilhas. Sentei-me frente a ela, pedindo aquela bebida horrorosa que os humanos gostavam tanto.

– Olá, Kory! – Cumprimentou-me. – Obrigada por vir.

– Oi, Vixen. – Por mais que não quisesse, acabei sendo um pouco grossa.

– Como estão as coisas? Os Titãs já conseguiram se reagrupar?

– Mais rápido do que você imagina. – Dei de ombros.

– Ainda bem! Caso precisem de alguma coisa, sabem que podem contar com a gente... – Ao perceber que eu estava extremamente distante, bateu delicadamente a caneca na mesa, o suficiente para me despertar dos pensamentos idiotas. – Acho melhor ser direta e dizer o que quero. Sua atuação nas noites mais densas foi simplesmente espetacular. Você provou ser uma guerreira de extrema dedicação e força, um bem muito precisoso para Terra. Isso despertou o olhar de todos os super heróis, inclusive os de pessoas como Superman e Mulher Maravilha. Enfim. Kory, nós queremos que você faça parte da Liga da Justiça.

A notícia não teve o impacto que Vixen esperava. Afinal de contas, um encontro como aquele marcado às pressas, sem ao menos pretenção de estender assuntos sem nexo... Sua intenção já era óbvia. Contudo, só depois de me tocar do significado real daquelas palavras, não pude deixar de arregalar os olhos e respirar fundo.

A Liga da Justiça... Onde os super heróis mais poderosos daquele planeta se encontravam, todos juntos lutando por um bem maior. Na divisão de proteção heróica, pequenos grupos como os Jovens Titãs só podiam tomar conta de uma cidade ou, no máximo, uma região do país. Já a LJA interferia em todo o mundo. Eu sempre os admirara. Tudo o que eu mais queria era servir a Terra como a mesma havia me servido das melhores coisas que eu poderia receber, e ter a oportunidade de cuidar de tudo... De realmente dar o meu melhor por todos que viviam ali... Talvez a ideia de entrar para aquela liga não me enchesse tanto a vista pelo simples fato de que os Titãs eram tudo o que eu precisava, minha real família. Trabalhar a serviço do planeta com pessoas totalmente desconhecidas e desprovidas de laços mais afetivos comigo parecia ser um erro gigante. Contudo... Não era isso o que os Jovens Titãs haviam se tornado? Um bando de conhecidos unidos pelo fato patético de que em algum ponto da vida já haviam trabalhado juntos por uma boa causa? Seria um erro recusar? Me deixar conhecer melhor novas pessoas... Não havia mais uma família, um lar... Proteger a Terra era a única coisa que me prendia ali. Isso e...

– Eu preciso de um tempo para pensar nisso, Vixen. Se importaria? – Foi tudo o que minha mente conseguiu processar.

Sem muita cerimônia, ela concordou com minha condição, contanto que não esquecesse da responsabilidade daquela chamada, etc.

Nem esperei pelo meu café. Dali mesmo, zarpei.

Aquilo estava me atormentando mais do que qualquer outra coisa, até chegar a um ponto onde eu não conseguia mais ter controle sobre mim mesma ou meus atos. Desesperada, tomei a última das iniciativas: liguei para a tal psicóloga dos heróis que Donna havia me indicado. Ela parecia ser a única que me escutaria.

Seu consultório ficava em Metrópoles, uma cidade bastante próxima a Gotham.

Passar por aquele lugar me causou certo calafrio.

O Batman esteve presente em todas as lutas sem exceção. Havia sofrido graves ferimentos, e mesmo assim não se deixava regredir nos combates nem por um segundo. Talvez tenhamos sido os que mais se deram bem em ternos de colaboração na hora de uma boa briga, como se tivéssimos nascido para aquilo. Sempre o achei tão frio, tão distante... Por mais que ele fosse um dos super heróis que mesmo sem ter contato, eu mais conhecia. Dick me contara tudo sobre o seu “pai”, sobre aquele com o qual viveu na sombra durante muito tempo.

Era diferente. Estar perto do Batman me trazia calafrios familiares, uma sensação de paz enorme se instalava, e totalmente envolvida por sentimentos bons e fortes, como qualquer outro tamaraneano no meu lugar, me tornava ainda mais invencível.

A sensação só piorou quando, após tudo ter terminado, passei a ter sonhos com o Batman. Em todos esses sonhos, ele me beijava tão apaixonadamente como se nossas vidas tivessem sido escritas juntas. Acordava todas as vezes no meio do ato, totalmente enojada e confusa, perdida em mim mesma.

E foi justamente sobre aqueles sonhos que conversei com a tal doutora Clarie Foster. Seu consultório era pequeno, mas muito organizado, misturando tons de bege em móveis, decoração, paredes, tudo. Sua pose séria era, por incrível que pareça, confortante. Seu óculos amarelo pendia sobre uma vista atenta, investigando até o que não podia ser visto normalmente. A recepção me fora calorosa, Donna já havia falado muito de mim para ela.

– Você tem pensado muito nesse sonho, Kory? – Ela perguntou-me, anotando tudo em seu caderno.

– Não... Sim. – Balbuciei. – Er, o Arqueiro Vermelho me disse que eu deveria inventar um sonho para contar para você. Inclusive, soube que você também foi psicóloga dele durante um tempo. Enfim. Eu não quis inventar nada porque realmente acho que preciso de ajuda e você é minha última salvação. Mas eu não sei porque sonho o que sonho. Quero dizer, sonhos não significam nada, não é?

Após um longo respirar, Clarie me fez a seguinte interrogação: - Por que você está aqui, Kory?

Suas palavras vieram do nada e planaram no ar, como se aquela fosse a minha maior dúvida, como se a resposta para aquilo não fosse me vir nunca. Fiquei muito angustiada, tanto que preferi deitar-me na divã novamente ao invés de responder.

– O Cyborg estava preocupado com você. Diz que seus sentimentos de raiva e medo estão cada vez mais frequentes, se manifestando de maneira não muito agradável. Por qual motivo você acha?

– Bem... Nós somos amigos há muito tempo. Cyborg passou por... Momentos difíceis. Ele é um dos únicos Titãs que se envolve com o novo grupo de uma maneira paterna. Tenho passado mais tempo com ele ao ponto do mesmo me conhecer suficientemente bem para reparar se estou mudada...

– Por que?

Arqueei uma das sobrancelhas. Aquilo não era óbvio? Eu estava me sentindo péssima com todas as mudanças do futuro. Querer ter pelo menos alguém do meu passado era assim tão estranho?

– Eu não entendo sua pergunta. Ele é meu amigo, simples assim. – Deixei meus pensamentos mais altos. – Apesar de que Cyborg anda ocupado demais ultimamente. Queria muito que ele... Assistisse ao amanhecer comigo.

– O amanhecer?

– Sim... – Fechei os olhos por alguns minutos, lembrando-me do que eu mais gostava daquele planeta. Os raios me invadindo, esquentando cada frieza que meu corpo insistia em me colocar... – É árduo descrever o que significa para mim.

– Realmente. Eu tenho que admitir que não sou nenhuma expert em filosofia tamariana... Tudo em sua expressão facial e linguagem corporal está expressando uma considerável falta de alegria... Aconteceu algo que te aborreceu recentemente? – Era incrível como toda a sua desenvoltura me fazia crer que ela estava realmente interessada nos meus problemas. Olhando-a melhor, ela me lembrava bastante a Vixen, principalmente pelo negrume da pele e o corte moderno.

Instantaneamente, minha mente respondeu por mim.

– Eu... Eu...

– Kory, não é uma pergunta complicada. Vamos, pense bem: por que você está aqui?

– Aqui? Aqui neste consultório? – Sua cabeça mexeu-se na afirmativa. Respirei fundo, já tomada por uma certa raiva. Que tipo de questionário era aquele? Onde aquilo poderia me fazer melhorar? – Foi... Sugerido que eu viesse aqui falar com você depois de eu ter... Me descontrolado um pouco.

– Isso acontece com frequência, Kory? Perder o controle desse jeito?

– Eu sou uma guerreira! E estávamos treinando para uma batalha. As vezes... As vezes... – Tomada por algo totalmente fora do comum, levantei-me daquela divã em um salto e bati com tudo o meu punho direito em uma mesinha próxima. – Basta!! Isso é inútil! Falar sobre sonhos, sentimentos, tudo com uma estranha! Já vi que realmente estou sem esperanças. E você não pode me chamar de Kory! – Gritei, aproximando-me da porta. – Eu sou da realeza e não serei interrogada dessa maneira!

Encaminhei-me para a sala de espera e esmurrei a parede, criando um buraco enorme na estrutura de concreto.

Meu Deus... O que eu estava me tornando?

Pela primeira vez, eu havia percebido minha perca total de juízo.

Voltei com o rabo entre as pernas, totalmente arrependida.

– Não se preocupe, Estelar. – Clarie falou sem ao menos virar a cadeira na direção da porta.

– Eu... Sinto muito. – Voltei o olhar para a parede quebrada e depois para suas costas. – Acabei quebrando a parede... – Percebendo o cheiro de queimado, pude notar que havia disparado alguns raios com os olhos sem perceber, atingindo em cheio um pequeno jardim zen de areia que ficava em cima da mesinha de madeira, esta toda quebrada. – E quase todo o seu consultório. – E ahn... Pode me chamar de Kory.

Sem pronunciar nada, Clarie indicou com o queixo a divã, me fazendo deitar de novo. Desta vez, não fui nem um pouco interrogada. Era como se, para matar o silêncio desconfortante somado ao peso da culpa, eu tivesse que me soltar e deixar tudo livre.

E foi o que eu fiz. Começando pela resposta da sua pergunta.

– Eu estou aqui porque Donna me pediu para vir. Eu queria conversar com minha amiga, mas ela ainda está se recuperando, não tem tempo para problemas bobos. Além do mais, ela queria muito que eu desabafasse com você. Ela acha que tudo isso... Tem algo a ver com o fato do Dic... Do Asa Noturna – Pronunciar seu codinome parecia ser menos doloros. – ter me dito que ele não me amava mais.

Foi como tirar um peso imenso das minhas costas. Eu não queria admitir para mim mesma que todos aqueles problemas estavam acontecendo devido a algo como o amor, contudo... Tudo realmente começou a desandar quando o maldito Dick anunciara sua saída dos Jovens Titãs.

– Desde o momento que nos conhecemos, havia uma conexão. Física, sim. Mas... Era ainda mais que isso. – Recordei-me do que disse para Dick quando o mesmo estava deixando a Torre, e repeti aquelas palavras como se elas me fossem uma lei. – Ele é a minha alma gêmea. Eu o amarei até o fim dos meus dias, e mesmo que me diga o contrário, eu acredito que sempre estarei em seu coração. Apesar de tudo, até que conseguimos nos tornar amigos, mesmo com o seu sumiço. Eu... Aceitei isso, mesmo que a Donna não acredite. – Engoli a seco quando percebi que estava prestes a chorar.

Só então Clarie se pronunciou: - Mas Donna pensa de modo diferente? Por que?

– Recentemente... Nós fizemos amor apaixonadamente. – A ameaça de Trigon, toda aquela persuação que houve ao nosso redor... Aquele momento, antes mesmo de Dick pensar em sair dos Jovens Titãs... Todas as imagens me vieram como em um filme.

– Bom... Eu posso ver onde Donna pode ter “entendido errado”, Kory.

– Oh.... Sim! Você entendeu errado. Nós estávamos sobre a influência de uma entidade demoníaca que induzia o pecado... Os filhos de Trigon nos fez sucumbir ao desejo. – Lamentei-me. Eu até podia estar sob os poderes daqueles malditos, mas todo o meu sentimento naquele ato fora verdadeiro. Já o de Dick...

– Como foi? Ser escrava das suas emoções desse jeito?

– Não foi bem uma escravidão. Foi uma influência. Eu conheço a escravidão, eu vivi isso. Mas isso foi em uma outra vida. Agora, eu vivo algo bem diferente aqui neste planeta que eu tanto amo. Tenho meus amigos... Por mais que estejam distantes. Apesar de tudo, os Titãs são minha vida. Donna é minha melhor amiga, como uma irmã. Não como... Como... Ela.

De repente, eu não estava mais na Terra. Tamaran pegava fogo como se não passasse de uma miniatura de cidade ao invés de um planeta inteiro.

Mesmo sendo a filha mais nova, meus pais haviam me escolhido para ser a próxima na linha de sucessão ao trono de Tamaran por considerarem minha irmã mais velha, Estrela Negra, apesar de muito forte, incapaz de assumir tamanha responsabilidade. Tomada pela inveja, Estrela Negra aliou-se aos principais inimigos do nosso planeta, o povo da Cidadela, e traindo aqueles que mais parecia ter amado, criou uma rebelião contra a coroa, contra todos. A guerra fora devastadora, durando muito tempo, além de ter como vencedores os vilões da história. Fui torturada e escravizada durante muitos meses até conseguir escapar e me refugiar na Terra. Todo o sofrimento se fez presente na minha pele, provocando-me sensções arrepiantes, quase reais.

– Estelar... – A voz de Clarie me despertou. Tive vontade de vomitar ao perceber que tudo não passara de um transe criado por mim mesma, mas consegui me conter ao ponto de pedir para que Clarie me chamasse apenas de Kory. Sua mão delicada tocou meu bracelete.

– Pelo pouco que você me disse, pela história que você me contou, e apenas observando você... Você está uma bagunça.

Inclinei-me um pouco na divã, tentando manter contato físico com ela.

– Eu... Eu não entendo terapia. Isso é um diagnóstico médico? Porque se for, nem precisaria vir até aqui para ter de ouvir isso...

– Você sabe o que é negação, Estelar? Sua cultura é toda pró-alegria, mas você é uma guerreira, sua própria irmã te escravizou, você não vê a contradição aqui? A vida que você leva, as batalhas que luta... Tem alguma alegria de verdade em sua vida? Você tem uma vida fora os Titãs, fora Dick, fora qualquer coisa que te prenda aqui na Terra? – Ao perceber que eu estava totalmente antônita com a pergunta, prosseguiu com seus pensamentos. – O homem que você ama seguiu em frente, seus amigos estão tentando viver suas próprias vidas. Afinal, eles têm vidas fora essa ideia de salvar o mundo. E com sua história de abuso, você continua repetindo o ciclo. Você continua se encontrando em posições onde sua própria liberdade é tomada de você, por sua própria irmã, esta pessoa... O Jericó, - Ao me fazer recordar daquele maldito o qual ainda não havíamos conseguido capturar, rangi os dentes. – ou até mesmo a demônios. Mas você nunca se pergunta pelo o que exatamente você está lutando. O que te faz seguir em frente?

Fiquei perdida em mim, procurando como uma louca por uma resposta. Foi então que me vi verdadeiramente sozinha... Até de mim mesma.

– Meus amigos... – Tentei responder com a primeira coisa que fazia meu coração bater com mais vigor, todavia Clarie me interrompeu.

– ...Estão seguindo em frente, Estelar. Se você pode lutar tão duro por esse planeta, por essas pessoas... Você não deveria estar lutando por você mesma? Você não merece... – Parou de falar quando percebeu que eu estava chorando.

Não me lembrava da última vez que eu chorara. Ou melhor, tinha sim guardado. Fora quando Dick se fora. Prometi, a partir dali, que jamais deixaria meus sentimentos tomarem conta de mim, que jamais deixaria ninguém ver minha fraqueza... Porque, no final das contas, por mais que eu fosse uma guerreira, meus sentimentos eram o que me regiam ao invés da força, e ter um coração nobre parecia ser uma grande virtude, como também o meu maior ponto fraco. Prometi para mim mesma, prometi... E descumpri.

O corpo de Clarie logo se fez presente ao meu lado, e seus braços me acolheram em um abraço que, por mais que estivesse sendo dado por um estranho, me confortou como se fôssemos amigas de longuíssima data. Seu toque acalmou-me, fazendo com que as lágrimas se mantivessem presas, pelo menos até eu sair do consultório.

Sobrevoei todo o percusso de volta até a Torre Titã, lembrando-me das últimas palavras de Clarie: - Por que você está aqui, Estelar? Não é uma pergunta complicada... Por que você está aqui?

Eu já não sabia mais de nada.

O amanhecer me trouxe uma melhor sintonia. Ter desabafado, querendo ou não, me deixou melhor. Mesmo admitindo o quanto tudo aquilo que Clarice havia me dito tinha sido verdadeiro e para o meu bem, eu não havia conseguido colocar nada em prática, muito menos me responder aquela maldita pergunta. Deixei com que ela me atormentasse vez em quando enquanto eu, por vezes sem sucesso, tentava me reaproximar de meus antigos amigos.

Com canecas de café na mão, entrei no laboratório de Victor. Um sorriso nos lábios me parecia ser a melhor maneira de começar a manhã.

– Bom dia. – Saudei-o. Parecia estar trabalhando em algo realmente importante a ponto de não notar minha entrada.

– Ahn, olá, Kory! – Deixando-se levar pelo meu aparente bom humor, Cyborg sorriu. – Levantando cedo como sempre...

– E você trabalhando como sempre, não importa o que aconteça. – Apoie-me em sua cadeira, entregando-lhe a caneca. Meu amigo agradeceu com um aceno de cabeça, voltando sua atenção para o líquido preto.

Deixei com que meus olhos passeassem pelo seu enorme monitor até que reparei que Cyborg estava lendo arquivos da polícia secreta... De Gotham. Aproximei-me mais da tela, tentando compreender melhor as palavras, até que Victor percebeu meu interesse e tirou todas as páginas sem mais nem menos.

– Ando estudando muito... Sabe como é, a Liga da Justiça está judiando demais de nós agora... – Tentou disfarçar. Quando Victor dava argumentos inválidos, era fácil pegá-lo na mentira. Era um ótimo cientista, mas péssimo mentiroso.

– Os Titãs são responsáveis apenas por São Francisco, Victor. Sem falar que a Liga da Justiça só te dá autorização para mexer em arquivos confidenciais de outras cidades caso algum perigo muito eminente como Jericó ou aquela história dos anéis negros venha a se repetir... E até onde estou informada, não temos nem um nem o outro. – Cruzei os braços, totalmente satisfeita por deixá-lo sem saída. Odiava segredos entre amigos mais do que qualquer coisa.

Após um longo suspiro, Cyborg abaixou o olhar e então começou a falar: - Eu... Tenho sim a autorização de alguém da Liga da Justiça para conferir os arquivos de Gotham. Tenho feito isso faz um bom tempo para... Ajudar...

– Quem? Batman?

– Sim, Kory.

– Quer dizer que o Batman não está conseguindo tomar conta de Gotham? – Soltei um risinho irônico. – Chega a ser estranho. Ele sempre foi tão bom naquilo que faz...

– É difícil ser tão bom quando se está sendo novo nisso, Kory.

– Novo? Mas o Batman cuida de Gotham a mais de...

– Anos? – Finalmente, os olhos (tanto robótico quanto humano) de Victor fitaram os meus duramente. – Bruce Wayne abandonou a vida de homem morcego faz mais de meses, Kory. Temos um novo Batman.

– Um novo Batman? Mas quem poderia... – O som não quis mais sair da minha garganta até eu finalmente me tocar de tudo. Dei um passo em falso para trás, totalmente chocada.

– Exatamente, Kory. Dick é o novo Batman.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Após a bombástica revelação de Victor, Estelar fica sem chão. Ao descobrir que seu amado deixou os Jovens Titãs para se tornar o mais novo Batman, como será que Kory irá reagir? O que ela irá fazer?!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Codinome: Estelar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.