O Brasil chorou escrita por 0 Ilimitado


Capítulo 2
O preço da liberdade


Notas iniciais do capítulo

Continue conhecendo essa figura histórica, apagada do dinamismo Brasileiro. Conheça o guerrilheiro, conheça o coração. E a pátria que chorou.



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Quando uma amiga me perguntou: “quem é você Marighella?”, Respondi faceiro, sustentado: “sou apenas um mulato baiano”. Não encha sua alma de um líquido escuro que se chama vaidade, você é pequeno e luta por algo grande, esta é a nobreza.

O patriotismo pode ter levado os militares ao poder, e concomitantemente foi ele que levou os militantes a combater. Não morri vestindo a camisa do Brasil, do time formado pela Aliança Renovadora Nacional, morri com vestes simples, uma camisa desabotoada, de peito aberto.

Os agentes do Estado que vieram depor a minha vida estavam desesperados, por um lado aquilo cedia crédito às pressões das guerrilhas armadas que estavam em ascensão. Não seguraram a respiração, não miraram, simplesmente abriram fogo, dos dois lados. Sinceramente acreditava numa emboscada elaborada... No vexame: acabaram trucidando seus próprios comparsas. Um delegado foi disparado na perna e uma investigadora sucumbiu baleada na cabeça. Quem diria? Morri e levei comigo algumas almas. Não as vejo daqui.

Em plena Alameda Casa Branca na cidade de São Paulo, uma chacina. Aqui estou eu novamente falando sobre a minha morte, quando disse sobre a vaidade, o conceito negativo também cabe a mim... Quando ceifaram meu fluído vital acreditei que estavam tirando a vida de um aspirante a herói, eu era uma peça, achava-me o tabuleiro. Seres humanos e suas ideias deturpadas. Continuemos.

A herança nacional, a Amazônia foi dizimada, índios, quilombolas... Obliterados, nos meus piores pesadelos via as crianças, mulheres, homens, nus, caídos ao chão, olhos abertos com o único presente de morrer na sua terra. Devo estar sendo açoitado pelos pajés, afinal a terra não pertence ao homem, o homem pertence à terra. Citação do Cacique Seattle, tentando não salvar a sua vida e sim a vida da natureza daquele local, uma carta universal.

Populações ribeirinhas e as tribos que viviam nos locais onde teriam as obras colossais de hidroelétricas, foram descompensados, assassinados, e expulsos do local que viviam há mais de séculos.

Os Panarás, “índios gigantes”, tiveram dois terços de sua população carcomida com a construção da BR-163 que liga Cuiabá a Santarém (PA). Já por conta da BR-174, cerca de dois mil índios Waimiri-Atroaris foram sequestrados, torturados (muitas vezes por bel prazer), suas mulheres foram transformadas em prostitutas para o entretenimento dos militares. Um prostibulo foi erguido, só para eles, consegue captar a gravidade da destruição? O legado sendo sujo com água sangrenta? Borrado, cegado.

O pior? Tribos e mais tribos bombardeadas com gás letal, é mais fácil invadir sem resistência e é mais pérfido também. Sem contar a posterior infertilidade do solo.

O Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) tinha como encargo o atendimento médico, com seus hospitais, no entanto era exclusivo aos trabalhadores formais. As clínicas privadas eram para atestar o triunfo dos que pagavam.

As doenças infectocontagiosas, como tuberculose, atacavam as comunidades abaixo do nível da pobreza. Eu sabia como era. Minha mãe Maria Rita do Nascimento, negra e filha de escravos trazidos do Sudão conhecia o que era pobreza – de coração – e também a riqueza de seus patrões. Quando nasci em Salvador, em 5 de dezembro de 1911, tomava água como café da manhã e não a límpida que vejo no seu copo. Todos os dias da minha infância meu pai voltava embriagado para casa, cheirando uísque. Em tempos de crise a “indústria do entretenimento“ adquire vida. E foi assim que comecei a perder o que eu mais valorizava...

Certo dia ao passar na feira, para buscar uma maçã em busca de saciar minha fome, parei para ver a televisão de um nobre, de longe, ouvia pouco e enxergava borrões. Os discursos em rede nacional me remetiam hipocrisia e demagogia, aprendi palavras com eles e se ao menos eles tivessem aprendido o significado delas, o passado teria sido diferente. A maior indagação que reinava no meu cerne, era a pergunta pueril do motivo do Estado ter muito, vender uma imagem promissora e os residentes, aqueles esquecidos numa gaveta, viverem sobre a brisa fria da noite e o véu escaldante da manhã. Não demorei responder a pergunta febril.

A educação das crianças foi transformada: um ensino factual em detrimento da análise e reflexão. Simplesmente diziam que o Sol girava em torno da Terra e isso deveria ser reverenciado, não importava entender, nem provar, você deveria resignar e viver nos moldes autoritários de uma época calamitosa.

Não preciso nem dizer sobre a corrupção, certo? As obras faraônicas foram fachadas para um grande desvio de dinheiro, afinal você não precisava prestar conta, os custos eram mantidos em sigilo. Altas probabilidades de nós, leigos em estado funesto, nunca sabermos o quanto nos foi roubado. O número exato de mortes, as torturas e os meios de volúpia utilizadas pela inquisição.

Com Ernesto Geisel (1974-1979) no poder, a esperança da abertura política e o fim da Ditadura Militar ganhou proeminência. Por mais que o regime estivesse mais que anacrônico, grupos de extrema-direita incendiavam para que a democracia se tornasse um processo árduo e longínquo. Em sua completude, eles estavam interessados em manter tudo como estava.

A constituição da época previa uma eleição direta e o grupo governamental ARENA já previa sua decaída. O poder moderador do governo possibilitou o fechamento do Congresso, o grupo rival MDB foi visto como empecilho para a política. Os dois partidos numa guerra estridente, no plano de fundo as guerrilhas!

Foi aprovado o Pacote de Abril pelo próprio presidente, que viabilizou a votação indireta de 1/3 do corpo do Senado, resumindo, utilizou da agilidade e manobra política para se manter no poder.

Os senadores nomeados receberam o rótulo de “senadores biônicos”, numa assimilação com a antiga série da TV Bandeirantes, “O Homem Biônico”.

A política era uma fossa de leões, as ruas se tornaram território de uma matilha de lobos. Além da medida dos senadores biônicos, Ernesto aumentou o mandato (o seu mandato) para seis anos, claro que para evitar outro cambalear no topo da cadeia alimentar.

Os opositores ao regime ditatorial foram tachados de terroristas. Gradualmente a guerra no coração do Brasil desenvolveu direito de honra de derrubar a alma da grande decepção. O Brasil era dos livres e deveríamos tomá-lo de volta.


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