Paranoia escrita por Yokichan


Capítulo 4
Capítulo 4




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/643488/chapter/4

Mas não fica.

Porque, às vezes, Annie não sabe mais se está sonhando ou acordada. O limite entre sonho e realidade se torna tão frágil ao ponto de quase se romper. Na volta do mercado, caminhando para casa, ela pensa ouvir as pessoas sussurrando a seu respeito. Como num canal de televisão que está fora do ar e que emite aquele barulho irritante, eles falam dentro de sua cabeça, todos ao mesmo tempo. Eles não podem permitir que ela faça aquilo, eles não vão deixar. Então Annie entende o aquilo — e sente que uma língua gelada lambe-a na nuca.

Ela está grávida e eles querem roubar seu bebê.

Eles querem tomar tudo o que ela tem e deixa-la sozinha no meio da rua.

Annie pensa que não vai sentir medo, embora seu corpo inteiro esteja tremendo enquanto ela caminha. Pensa que não vai deixar que aquelas pessoas a destruam porque ela não fez nada de errado. Pensa que precisa ser forte e proteger aquela coisa dentro de si. Annie finalmente encontrou seu lugar e não pretende voltar ao limbo que foi toda a sua vida. Agora ela tem um propósito.

Apertando o pacote de compras contra o peito e tentando não olhar nos rostos deles — daqueles que agora são seus inimigos —, Annie volta para o apartamento e tranca a porta atrás de si com duas voltas da chave. Sente que ali está segura. Só quando abre a geladeira para guardar as verduras e a manteiga e vê uma maçã escurecida que apodrece é que Annie se pergunta quem, afinal, são eles. A maçã estragada é algo que não deveria estar ali, que não deveria existir. Annie sente como se acabasse de sair de um sonho.

_______________________________________________________

Mais tarde, a mãe liga e a convida para tomar um café no shopping, mas Annie inventa uma dor de cabeça e diz que não vai poder ir. O que ela não diz é que tem medo de ouvir as pessoas outra vez. A mãe não entende aquelas coisas, não entende pelo que ela está passando, e certamente começaria a falar bobagens. Annie pensa que precisa ocupar a mente com algo interessante e tira da estante um livro sobre interpretação hermenêutica, mas o assunto se mostra tão tedioso que ela acaba pegando no sono.

Mas no sonho, Annie continua ali, sentada no sofá da sala com o livro aberto sobre as pernas. Uma brisa morna entra pela porta de vidro da sacada que está aberta e balança as longas cortinas de voil. Então ela percebe que há uma mariposa sobre a mesinha de vidro, uma mariposa preta e minúscula, mas horrível. Annie sente um nojo descomunal daquele inseto. Lentamente, temendo chamar a atenção da mariposa, ela tira os calcanhares de cima da mesa e fecha o livro. Ela o segura firme com as duas mãos, cada músculo do corpo tensionado. E esmaga a mariposa com o livro com toda a sua força.

Então desperta.

Não há mariposa alguma sobre a mesa e o livro continua junto dela. Annie anota o sonho na margem inferior da página.

_______________________________________________________

Quando ela volta ao quarto com o copo de água que Mark lhe pediu, encontra-o folheando o bloco de notas. Não vê problema em que ele leia sobre seus sonhos, não quer esconder nada dele, mas a ideia de que Mark saiba das coisas perturbadoras que lhe passam pela mente a faz sentir uma fisgada no estômago.

— Você sonha mesmo tudo isso?

Mark tem a testa vincada quando a olha.

— Sonho. — ela lhe entrega o copo. — Não é estranho?

— Na verdade, é meio assustador.

Annie senta na beira da cama, ao seu lado, e deixa os chinelos caírem dos pés.

— Eu sei. Eu queria poder evitar.

— Isso te incomoda?

— Um pouco.

— Annie. — ele larga o bloco sobre o bidê de cabeceira. — Talvez você deva...

— Não. — ela o interrompe com um riso nervoso. — Não vou procurar um médico.

— Por que essa cara?

— Porque eu não sou louca!

Mark a olha como se não entendesse — de onde ela havia tirado aquilo? Abraça-a e a puxa para mais perto, tenta dizer que nunca pensaria que ela pudesse estar louca, que isso é absurdo, que tudo o que ele quer é cuidar dela. Primeiro, Annie o empurra e evita olhá-lo, mas então se deixa envolver e acaba encolhida sob os braços dele. Mark procura-lhe a boca e ela corresponde ao beijo, agarra-se a ele com um desespero que Mark entende por desejo.

Eles fazem amor como se não se vissem há meses.

E não tocam mais no assunto dos sonhos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Paranoia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.