Leo

Eu estava no andar de baixo quando a casa, literalmente, se partiu ao meio.

Renegados e demônios haviam saído não sei de onde. Os Stoll, Percy, Annabeth, eu e Katie conseguimos dar um jeito. Isabelle lutava com outra garota (com certeza era Scarlet) nos céus. Uma luta furiosa. As sombras envolviam as duas, fazendo com que víssemos pouco da luta, o que era até mesmo uma vantagem para nos concentrarmos.

Foi quando ouvi Thalia gritar. Gritar alto. Um baque ecoou no andar de cima e eu, que sou uma pessoa inteligente, juntei as peças. E, na situação em que estávamos, a única razão para Thalia ter gritado seria se Nico fosse atacado.

Arregalei os olhos, mas não podia sair de onde estava. Estávamos cercados de Renegados. A única coisa que nos salvaria seria se um milagre caísse do céu.

Bem... O que caiu foi um raio.

Um raio gigantesco, que atingiu exatamente o meio da casa. E foi tão forte que senti os pelos do meu braço chamuscarem. Um clarão forte ofuscou nossa visão.

E a casa foi parcialmente explodida, restando apenas duas metades com um vão de distância entre ambas. Os Renegados que estavam por perto foram carbonizados. E eu soube o que aconteceu, mas me perguntei como Isabelle, concentrada em sua luta, conseguiu nos proteger contra um raio ao mesmo tempo. E eu percebi que o quarto do último andar ficava exatamente no meio da casa.

Bem, não havia mais um quarto, pelo tamanho do vão. Perguntei-me onde estavam Thalia e Nico. E, quando olhei pela janela, eu vi. Era Thalia. Não estava voando, já que eu não via asa nenhuma. Parecia estar flutuando a metros do chão, descendo levemente. Tinha Nico, imóvel, nos braços. E eu temi pelo pior.

Quando Thalia chegou ao chão, ajoelhada e ainda com Nico nos braços, Percy abriu caminho, desesperado, entre nós e foi o primeiro a chegar até os dois. Thalia nem ao menos pareceu notar sua presença. Ela soluçava alto, com o rosto afundado no peito de Nico.

— Meu deus... – Corri também, sendo o segundo a chegar à cena. – O que houve?

Thalia ainda soluçava.

— Luke... Ele... – Ela respirou fundo, contendo um soluço. – Ele pegou Nico de surpresa. Estava com uma faca... Com certeza tinha veneno... E Nico... Ele não...

Ela não conseguiu terminar de falar. Apenas soluçou alto e continuou chorando. Eu não queria acreditar. Não queria acreditar que Nico estivesse morto. Ele não podia estar morto. Não podia ter acabado faltando tão pouco. Por um instante, pensei na Opala, mas, antes de tirá-la do bolso da jaqueta, lembrei-me do que Isabelle dissera.

“A opala pode curar qualquer ferimento, Leo. Mas não traz os mortos de volta à vida.”

Deixei escapar um soluço, sentindo-me inútil. Isabelle ainda mantinha Scarlet afastada. Eu estava alheio a tudo. Apenas vendo aquele que era meu melhor amigo. Agora imóvel e mais pálido do que já era nos braços de Thalia.

— Não pode ser... – Percy soluçou, ajoelhando-se perto dos dois. – Ele não pode morrer.

Thalia soluçou outra vez.

— Por favor, Nico... – Sussurrou aos soluços. – Não pode me deixar agora... Não quando eu descubro que te amo. Por favor...

Nada. Nenhuma mísera resposta. Ouvi Isabelle rosnar alto de raiva e, em seguida, algo foi violentamente lançado contra o chão atrás de nós. Pelos cabelos vermelhos, era Scarlet, agora ofegante e coberta de ferimentos. Isabelle pousou, coberta de ódio, e ergueu a foice que tinha nas mãos.

— Espere! – Thalia deixou Nico nos braços de Percy e levantou-se, caminhando até Scarlet, que tinha um olhar de deboche e um pequeno sorriso zombeteiro no rosto. E eu me perguntei a razão daquele sorriso. Por que ela acharia tão engraçado que estivéssemos chorando pela morte de um amigo? Ela era tão insensível assim? – Vou tirar esse sorriso do seu rosto, sua vadia!

Thalia, num movimento brusco, agarrou com ignorância os cabelos de Scarlet, que gemeu baixo. Depois a arrastou até onde Nico estava. Tinha um olhar furioso.

— Quer que eu chore com vocês? Porque não vai... – Antes que Scarlet terminasse, uma faísca elétrica surgiu na mão de Thalia, que foi ao pescoço de Scarlet. Ela gritou de dor.

— Não tenho tempo para suas brincadeiras! – Thalia inclinou Scarlet para frente. Ninguém se moveu para impedi-la. – Ele está morto?

— Thalia... – Começou Katie. Provavelmente para tentar convencê-la de que era óbvio que Nico estava morto.

— SILÊNCIO! – Thalia parecia fora de si. Claramente não aceitando o que havia acabado de acontecer.

Desnecessário dizer, mas ninguém mais proferiu alguma palavra.

Scarlet apenas riu debochadamente. Sem proferir uma palavra. Thalia a eletrocutou novamente. Dessa vez com mais potência do que antes. E Scarlet gritou de dor outra vez.

— Será que não consegue ver? – Scarlet, claramente, se referia a Nico. E gritou novamente quando Thalia usou uma carga mais forte.

— EU QUERO UMA RESPOSTA! – Ela ainda segurava, com força, o cabelo de Scarlet. – Será assim, sua vadia... Eu vou aumentar a carga cada vez mais. Então você pode ficar aqui gritando até que seu corpo seja carbonizado, ou pode cooperar comigo... – Ela usou outra carga, cada vez mais forte. Scarlet gritou outra vez. – RESPONDA!

— NÃO! – Scarlet conseguiu dizer entre gritos de dor. Thalia parou no mesmo momento. Scarlet ofegava. Mal se movia. – Ele não está morto... Luke usou uma poção... É como se ele estivesse em coma...

Arregalei os olhos. Nico estava vivo?! Seria essa a razão do sorriso zombeteiro de Scarlet?

— Qual o antídoto? – Thalia a encarou. Scarlet ficou em silêncio e foi eletrocutada outra vez. – QUAL É A MERDA DO ANTÍDOTO?!

Scarlet ofegou. Estremecia. Suas roupas estavam chamuscadas e quase completamente rasgadas. Fuligem cobria seu rosto. Lágrimas de dor faziam trilhas pela fuligem. Aquela foi a primeira garota chorando da qual eu não senti a menor dó. Na verdade, queria que ela gritasse mais.

— É uma planta... Uma flor rara. Só existem três delas...

— Eu quero a localização de cada uma das três. – Ordenou Thalia e, naquele instante, não havia como não acreditar que ela era uma princesa. E, em breve, rainha. Scarlet permaneceu em silêncio e a carga que Thalia usou foi tão alta que postes de luz perto de nós estouraram. Scarlet gritou muito alto de dor. – AGORA!

— PARA! – Implorou Scarlet. – Por favor... Por favor... Eu conto. Eu prometo...

Thalia a encarou em expectativa.

— Diga.

— Uma delas... Está com Luke. Ele iria usá-la para despertar o anjo da Terra depois de matar todos vocês. – Ela tossiu. – Outra está com Akhlys. Já que a substância é uma espécie de veneno. – A terceira... É guardada numa floresta... Protegida por uma criatura que acredito que você conheça...

Thalia rosnou.

— Que criatura? E qual floresta? – Perguntou, irritada.

— Numa floresta... Freetown Fall-River...

Thalia arregalou os olhos, chocada.

— N-não pode ser verdade...

— Ah, Sim... Palco de rituais satânicos. Assassinatos... Não parece um lugar muito agradável para se esconder uma flor. Parece?

Thalia estremeceu, mas agarrou a garganta de Scarlet e se aproximou.

— Você vem conosco, Scarlet. E, se a maldita flor não estiver lá, eu mato você pessoalmente.

Scarlet ofegou, tossindo quando Thalia se afastou. Isabelle conjurou, das sombras, um par de algemas prateadas e ficou por perto. O olhar de Thalia foi para Katie.

— Katie, tente fazer uma maca. Como aquelas que você fazia na Cidade de Cristal.

— As flutuantes. – Katie concluiu. Thalia assentiu e, usando magia, fez um grande círculo no chão. As ruas estavam desertas. As pessoas que moravam lá com certeza fugiram do imenso raio. Exatamente no centro do círculo, Thalia pingou sete gotas do seu sangue. Dizia palavras numa língua desconhecida. Língua de Anjo... Katie havia começado a nos ensinar magia. E eu sabia o que Thalia estava fazendo. Um portal.

Em alguns minutos, o círculo começou a brilhar fortemente. Ao mesmo tempo em que Katie fizera, usando folhas e ramos, uma maca improvisada, que flutuava a alguns centímetros do chão, um pouco abaixo do meu peito. Ajudei Percy a acomodar Nico sobre a maca. Percy pegou a mochila do primo e jogou sobre os ombros. Annabeth segurou sua mão com força, passando esperança.

Isabelle arrastou Scarlet até o círculo. Enquanto ao menos uma pessoa estivesse lá, a magia não cessaria. Thalia caminhou até a maca, que seguia Katie, e olhou para Nico mais uma vez, afagando seu cabelo. Uma lágrima solitária deslizou pelo seu rosto enquanto ela depositava um beijo em sua testa.

— Nós vamos te trazer de volta, Nico. Eu prometo. – Ela secou a lágrima e nos encarou. Um olhar de determinação que eu nunca vi igual. – Vamos. Fiquem dentro do círculo. Não deixem nada para fora. Se o seu pé estiver para fora do círculo quando nos teletransportarmos, você vai chegar lá sem um dos pés.

Engoli em seco e certifiquei-me de que estava completamente dentro do círculo. Uma luz forte ofuscou minha visão. E toda a paisagem ao nosso redor desapareceu, dando lugar a uma floresta escura e sinistra.

Suspirei. Depois segui os outros assim que Thalia deu o primeiro passo, empurrando Scarlet. Não importava o que custasse.

Nós traríamos Nico de volta.