Sete dias no paraíso. escrita por Hitsatuke


Capítulo 1
Capítulo 1




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Tengoku. Apenas uma palavra. Mas essa única palavra representava a felicidade. A paz e a realização. Uma palavra. O nome de uma pousada. Apenas uma semana de férias. Memórias para uma vida inteira.

Passamos dois meses planejando aquela viagem. Meus amigos e eu. Havia pessoas, uma em especial, que eu não via havia dois anos e a saudade já quase não cabia em meu peito. Naruto. Crescemos juntos. Eu conhecia seus pais e ele conhecia os meus. Éramos uma enorme família. Mas uma hora temos que crescer. E crescer às vezes significa deixar o passado para trás e se afastar das pessoas com quem você gostaria de passar o resto da vida. Amigos, família. Todos esses que você é obrigado a deixar para trás no processo de independência.

Naruto era, e ainda é se depender de mim, meu melhor amigo. As lembranças de nossa infância sempre me seguiram enquanto eu “crescia”. Me pegava rindo sozinha quando me lembrava do quão idiota Naruto era. Sempre o brincalhão, idiota, com as piores notas. Sempre o ridicularizado. E sempre o que nunca perdia o sorriso luminoso, mesmo que as circunstâncias exigissem seriedade. Ele sempre foi especial. E gostaria de ter me interessado mais por conhecer o que se passava em sua cabeça.

Bom, agora Inês é morta, como diz o ditado. Naruto tinha feito dezoito e entrado para o exército. Eu tinha entrado para a faculdade e cursava meu terceiro ano em medicina. Nossos caminhos foram tão absurdamente separados, que mal tínhamos tempo de conversar, nem que por telefone. No início nos falávamos sempre que dava. O que acontecia quase três vezes por dia. depois, responsabilidades, deveres diferentes e a distância nos fizeram diminuir o contato. Até ele ser reduzido a zero. Agora, depois de dois anos e alguns meses, decidi que queria ver meu amigo. Queria ver todos eles. Pesquisei, passei noites na frente do computador programando, pensando, contando dias, para que achasse uma data ou período em que poderíamos nos ver.

Naruto não se opôs. Na verdade, estava tão empolgado quanto eu. Encontrei então essa pousada. Tengoku. Paraíso. E tínhamos um tempo em comum. Apenas uma semana, mas bastaria. Contatei todos. Fiz as reservas. Estava tudo encaminhado.

Os primeiros a desistirem foram Ino e Sai. Eram o casal precoce do nosso grupo. Começaram a namorar aos dezesseis. Casaram aos dezoito, e agora tinham uma criança de quase dois anos. E o menino tinha resolvido ficar gripado.

Os próximos foram Shikamaru e Temari. Shikamaru não estava com vontade de passar duas horas em um carro para descansar numa pousada, se podia descansar em casa. Sasuke sequer respondeu a mensagem que mandei. Tenten e Neji já estavam com viagem programada para aquele mesmo período e Hinata ainda temia se encontrar com Naruto após ter se declarado e ele ter sido idiota o bastante para não saber o que dizer e fugir para o carro que o esperava.

Tinha acontecido assim: logo que Hinata descobrira que Naruto iria embora por um tempo, correu até sua casa, onde eu já estava me despedindo. Hinata basicamente se ajoelhou na frente de Naruto e implorou para ele não ir. Chorou e disse que sempre o amara, mas que nunca tivera coragem de contar. Naruto esbugalhou os olhos, lento toda vida, sem saber o que dizer. Até eu estava surpresa! Como Hinata dizia aquilo daquele jeito?! Mesmo assim, até eu senti raiva quando ele simplesmente correu para o carro e foi embora. Mais tarde, quando conversamos por telefone, ele me dissera que não esperava por aquilo. Que gostava de Hinata, mas que jamais poderia retribuir o que ela sentia. E que não era justo lhe dar falsas esperanças. Agora Hinata estava bem com Kiba, mas aquele episódio jamais deixaria de envergonhá-la.

Parando para pensar, de todos os nossos amigos, apenas Naruto, Sasuke e eu estávamos solteiros. Sasuke era um mochileiro, então eu entendia. Seu prazer estava em viajar, conhecer o mundo. O que era no mínimo irônico. Naruto, que sempre tinha sido o mais extrovertido, agora lidava com regras e hierarquia. Sasuke, o mais rígido, vivia livre por aí.

Bom, após o bolo coletivo, pensei seriamente em cancelar. Mas eu estava com tantas saudades do meu amigo, que não o fiz. Era apenas Naruto. Não haveria nada demais em dividir um quarto com ele na pousada.

Eu já o esperava com meu próprio carro. Naruto chegou com uma bolsa grande jogada por cima do ombro esquerdo. Seu cabelo estava maior por conta das três semanas que férias que já tinha usufruído. Enquanto eu estava na minha primeira semana de férias, ele estava na última. Seu corpo estava mais bronzeado do que eu me lembrava, e ele estava lindo. Nada como dois anos no exército para ativar todos os músculos do corpo de um homem. Eu soube que ele estava treinando para combate na selva, e achava incrível. Assim que nossos olhos se encontraram, Naruto sorriu. Corri para ele e ele soltou a mala para me abraçar, me levantando do chão.

- Kami-sama! Como você está gato! – o apertei forte, para compensar todo aquele tempo que não nos víamos.

- E você está linda como sempre, Sakura-chan. – a voz mais rouca também me pegou de surpresa. Ele sorria mais tranquilamente. Seus movimentos estavam menos afobados. E ele não falava mais gritando. Quando me pôs no chão, pude analisá-lo de cima a baixo.

- Você está diferente.

- De um jeito bom ou ruim? – ele continuava sorrindo e dei de ombros.

- Não sei ainda. Está mais calmo.

- Imagine o quanto sofri quando cheguei lá. Não se pode sair gritando no exército. – ele deu uma pequena gargalhada. E daquele som eu me lembrava. – Nem percebo a diferença, mas me sinto menos agitado. Se comparado ao que já fui antes.

- Percebi isso também. Mas está tudo bem. Nós somos adultos agora.

- Adultos. – Naruto diminuiu seu sorriso e senti um arrepio. Aquela frase era para ser mais alegre do que pareceu. Me senti um pouco mal, e não entendia por que. Bati as mãos.

- Vamos deixar a nuvem negra ir embora. – sorri para deixar o clima mais relaxado. – Temos que encarar umas duas horas de viagem até a pousada.

- Os outros não vêm mesmo? – Naruto perguntou enquanto pegava a mala e voltava a jogá-la por cima do ombro.

- Todos tinham mais o que fazer. Azar o deles. – peguei o braço direito de Naruto e andamos juntos. Antigamente aquilo teria sido natural e inocente, mas agora era um sentimento de conforto que eu jamais tinha experimentado. Como se agora, apenas por estarmos juntos, as coisas estivessem realmente certas. E podia ser impressão minha, mas o rosto de Naruto indicava que ele estava pensando na mesma coisa.

Naruto jogou a mala no banco de trás e tomou o lugar no assento do carona. Colocou o cinto de segurança e encostou a cabeça no banco.

- Está muito cansado? – perguntei.

- Pouco.

- Olha, pode dormir, se quiser. Duas horinhas até lá já vai te deixar mais descansado.

- Mas temos que conversar, Sakura-chan. – fazia tanto tempo que eu não ouvia aquele “Sakura-chan” que achei que começaria a chorar de emoção. – Quero saber tudo que aconteceu com você desde que fui embora.

- Teremos sete dias para isso, Naruto. – retruquei enquanto olhava para a estrada. – Agora você pode dormir.

- Tem razão. – ele bocejou e fechou os olhos. Menos de um minuto depois e dormia tranquilamente.

A viagem foi dividida entre observar a estrada e observar Naruto. Em algum momento, ele virou a cabeça para mim e respirou profundamente. Observei aquele rosto. A barba estava baixa, uns dois dias sem fazer. Os cílios longos, as sobrancelhas loiras e o cabelo revolto e igualmente loiro. A boca bem desenhada e o rosto lindamente anguloso. Desci para seu pescoço e ombros musculosos, com os trapézios definidos e ombros largos. A camisa de botão que usava pendia um pouco para o lado, deixando alguns botões superiores abertos, de onde pude ver um pouco de seu peito. Soltei o ar com força e me obriguei a focar na estrada. Era apenas Naruto. Meu amigo idiota, companheiro e irritante. Apenas um homem de vinte anos normal, que tinha treinamento o bastante para deixá-lo com um corpo mais saudável e definido. Apenas isso. Nada de mais.

Chegamos à pousada e Naruto acordou sozinho. Sorriu para mim enquanto esfregava os olhos. Naquele momento ele pareceu um menino. Sorri de volta.

- Deu para descansar um pouco, não foi?

- Deu sim. – Naruto pegou as malas. A minha e a dele, e nos encaminhamos para a recepção.

O lugar era lindo já na entrada. A recepção estava decorada em tons de vermelho, com diversos afrescos espalhados pelas paredes. Me perdi em um em especial. Uma gueixa estava sentada embaixo de uma cerejeira. Suas flores caíam e eram levadas pelo vento enquanto a gueixa mirava um riacho que corria sob uma ponte arqueada, feita de madeira. O reflexo da cerejeira estava estampado nas águas calmas do riacho e a mulher sorria. A paz que aquela pintura reproduzia não podia ser descrita.

Naruto estava atrás de mim, observando o mesmo afresco, e senti sua mão segurando uma mecha de meu cabelo. Foi rápido e ele logo o soltou. Senti meu rosto mais quente, então demorei mais a me virar. Uma senhora simpática apareceu e me obriguei a relaxar. Naruto estava apenas com saudades também.

- Somos Sakura Haruno e Naruto Uzumaki. – nos apresentei.

- Ah, sim. Seus outros amigos não vêm mesmo, não é? – a senhora perguntou e neguei com a cabeça. – Meu nome é Aiya. Sou sua anfitriã e pode me pedir qualquer coisa que estiver faltando nos quartos. A senhorita escolheu um quarto tradicional, não foi?

- Isso.

- Mas vocês querem dois futons, está correto?

- Sim, somos apenas amigos. – sorri e Naruto se manteve sério.

- Vou mostrar a pousada a vocês e depois podem ficar à vontade para explorar. - Aiya-san falou e nos levou para conhecer aquele lugar maravilhoso.

A organização de todo o lugar era tradicional. As portas eram de shoji e fusuma e alguns kotatsus se espalhavam por ali. Aiya-san explicou que no nosso quarto também haveria um. Vimos salas de treino e Naruto perguntou o que era praticado ali.

- Shotokan. – ele se virou para mim e sorriu.

- Sabia disso? – me perguntou.

- Claro. Por que acha que considerei a pousada perfeita? Sabia que você ia adorar. Foi onde nos conhecemos, não foi?

- Na verdade, me lembro que você queria kendô na época. – Naruto debochou.

- Eu só queria kendô porque era o que Sasuke fazia. Mas, quando percebi que não tinha o menor jeito com espadas, mudei para caratê. Nós tínhamos o quê? Seis anos na época?

- Por aí. Desde quando Sasuke deixou de ser Sasuke-kun para você?

- Há um tempo já. Sabe, quando nos afastamos porque cada um seguiu sua vida, comecei a rever meus sentimentos.

- Como assim?

- Acho que o que eu sentia por Sasuke era teimosia. Óbvio que o amo. Ele é meu amigo também, mas acho que confundi o tipo de amor.

- Nada como o tempo para ajudar a curar esse tipo de coisa. – Naruto comentou e não pude deixar de pensar que ele falava de si próprio com relação a mim. Naruto sempre dissera ser apaixonado por mim, mas agora… Não ousei perguntar sobre o que ele estava falando.

Aiya-san nos mostrou os quartos, os banhos – que achei muito moderninho ao ver piscinas termais para ambos os sexos –, restaurante, sala de tevê e de jogos. Nos mostrou um pequeno templo budista nos fundos e disse que muitas pessoas iam ali para deixar pedidos e orações. Tudo decorado na mais perfeita lei do Fengshui.

- Nossos funcionários estão sempre à disposição, se precisarem. Ainda há um lago atrás da pousada, onde fica nossa Ponte do amor.

- Ponte do amor? – perguntei.

- Sabe aquela pintura que estavam analisando lá na recepção?

- A da gueixa?

- Essa. Aquela imagem aconteceu. A cerejeira existe até hoje lá. A ponte também. Tem uma história bem antiga, da época da minha bisavó, que diz que quando casais tinham dúvidas do que sentiam um pelo outro, iam até a ponte e olhavam para seu próprio reflexo na água. O reflexo seria sua alma e ela lhe diria exatamente o que está sentindo. Porque, às vezes, somos nós que não damos espaço para nossas almas falarem. Uma vez fora de nossos corpos, na água sob a ponte, não podemos deixar de ouvi-la.

- Isso é lindo. – comentei. Aiya-san sorriu.

- É sim. Vou deixá-los se acomodarem. – nos levou para o quarto que dividiríamos e nos deixou sozinhos. Naruto abriu a porta de shoji a empurrando para o lado e me deu passagem. Havia um guarda-roupa pequeno e peguei minhas coisas para arrumar. Naruto abriu sua mala e tive que olhar. Organizada. Parei o que estava fazendo e me debrucei em suas costas para olhar o interior da mala.

- Sua mala está arrumada! – Naruto riu.

- Para você ver, Sakura-chan. Na primeira semana, me esqueci de arrumar a cama todos os dias e acabava no poste.

- Poste?

- É um castigo para os insubordinados. Ficar amarrado o dia todo, nas mesma posição. Faça chuva ou faça sol.

- Nossa, deve ser horrível.

- E foi. Na segunda semana, eu já acordava arrumando minha cama. E isso se aplicava a todo o resto. Soldados têm que ser organizados. Temos que saber exatamente onde guardamos as coisas para o caso de precisarmos delas com urgência.

- Uau. Jamais imaginei te ver falando assim.

- Decepcionada?

- Contente. E um pouco chateada. Tentei por anos te fazer arrumar seu quarto. – debochei. – Eu devia ter arrumado um tronco para te amarrar. O que vamos fazer primeiro? A aula de shotokan nós já perdemos.

- Hoje eu queria relaxar um pouco. Estou acabado de tanta viagem de carro.

- Então vamos relaxar. Primeiro um banho nas termas, depois uma massagem e então podemos conversar e colocar todo o papo em dia.

- Perfeito.

Acabamos separados. Eu não achava que conseguiria tomar banho com Naruto, mesmo sendo muito amigos. Acabamos em piscinas diferentes, com pessoas completamente desconhecidas. Cumprimentei todas as mulheres ali e entrei na água quente para relaxar. Fechei meus olhos e deixei a paz daquele lugar penetrar no meu espírito.

Após um banho relaxante e uma sessão de massagem incrível, acabei sentada numa varanda de frente para o lago com Naruto. Usávamos roupões e chinelos, mas estávamos confortáveis. De onde estávamos, eu podia ver a cerejeira e a ponte de que Aiya-san falara. Mas, por algum motivo, ainda não tinha coragem de ir até lá.

- Me deve uma história, Sakura-chan. – Naruto falou enquanto nos servia um pouco de saquê. Eu não costumava beber, mas seria apenas uma dose.

- Sabe, não há muito para contar. Minha vida tem sido basicamente estudar.

- Você sempre foi a pessoa mais inteligente que conheci. Deve estar se saindo bem.

- Quero ser uma médica excepcional. E estou me esforçando muito para que isso aconteça.

- Não duvido nem um pouco de que seja capaz. – olhei naqueles olhos azuis e eu tinha certeza de que ele estava sendo sincero. Se havia alguém que confiava inteiramente em mim, era Naruto.

- Como sobrevivi tanto tempo sem você por perto? – perguntei e me aconcheguei a ele. Naruto ficou meio tenso, mas não liguei. Eu precisava senti-lo ali. Encostei a cabeça em seu ombro e fechei os olhos. – Sou a única encalhada do grupo porque passo todo o meu tempo tentando ficar melhor, aprender mais, estudar mais. Ino é a que mais fala na minha cabeça. Já tentamos inúmeras vezes sair para ver se eu conhecia alguém, mas não me sinto confortável com isso. – Naruto resmungou algo, mas foi tão baixo que acabei nem escutando. – E você? Me conte dos seus relacionamentos.

- Que relacionamentos, Sakura-chan? – Naruto voltou a rir. – Durante a semana temos que estudar e treinar. Nos finais de semana, que podemos deixar a base, estou sempre preso por causa de alguma ação considerada insubordinação. De uns meses para cá, tenho desistido de sair e tenho preferido ficar na base treinando. Isso quando não entro em matas sozinho para explorar.

- Você sempre gostou tanto de conhecer pessoas novas, Naruto. – me afastei o bastante para olhar em seus olhos. – O que aconteceu?

- Eu sinceramente não sei, Sakura-chan. Eu ainda gosto de conhecer pessoas novas, mas acho que sinto mais falta das antigas. Se lembra como sempre estávamos juntos? Tudo que fazíamos, fazíamos juntos. Eu sinto falta disso e às vezes tenho de medo de esquecer o quanto vocês são importantes para mim se acabar fazendo novos amigos.

- Você nunca vai se esquecer da gente, Naruto. Vou cuidar pessoalmente para que isso aconteça. Você é meu melhor amigo. Eu devia ter entrado mais em contato com você.

- E atrapalhar seus estudos? Não, Sakura-chan, eu entendo perfeitamente.

- Você não tem querer. Eu devia ter insistido mais, desculpa.

- Fico feliz em ouvir você falando isso. – Naruto passou o braço ao meu redor e me abraçou. Voltei a encostar a cabeça em seu ombro e fiquei ali, em silêncio, até Morfeu me levar para o mundo dos sonhos. Lá se foi meu primeiro dia.

Acordei com a cabeça em algo macio. Meu travesseiro. Abri os olhos devagar e senti o cobertor sobre meu corpo. Esfreguei os olhos e ergui meu tronco. Estávamos no quarto. Naruto estava deitado em seu futon. Bom, deitado era um modo normal de se referir a isso. Na verdade, Naruto estava esparramado. Metade de seu corpo estava fora do futon e o cobertor estava embolado na parte de baixo de seu corpo, cobrindo apenas uma das pernas. Seu roupão estava ligeiramente aberto, me dando visão total de seu peito. Balancei a cabeça e me levantei devagar. Não que esperasse que Naruto acordasse. Seu sono era o mais pesado que eu conhecia. Me ajoelhei ao seu lado e o arrumei. Fechei o roupão, coloquei seus braços para dentro do futon e o cobri. Depositei um beijo rápido em sua cabeça e deixei o quarto. Tomei um banho e troquei de roupa.

Procurei pelo restaurante e encontrei um senhor arrumando as mesas.

- A senhorita acordou muito cedo. – sorriu para mim. – O café vai demorar um pouco mais para ficar pronto.

- Tudo bem. Acho que vou andar por aí um pouco.

Logo estava na mesma varandinha em que conversara com Naruto na noite anterior. Imaginei a cena. Eu acabara dormindo em seus braços e Naruto me levara gentilmente para o quarto. Sorri. Me sentei ali e mirei o lago. A brisa daquela manhã estava mais fresca, quase fria, e a cerejeira deixava que algumas de suas folhas caíssem para enfeitar a superfície da água. A ponte, ligeiramente arqueada, de madeira e com corrimão vermelho, me fez imaginar a cena do afresco.

Uma gueixa andaria por ali, pensando no homem que ama. Mas como poderia concretizar esse amor? Talvez um samurai que tenha ido para a guerra, talvez um Daimyou excêntrico. Talvez um príncipe. Não podia ter certeza. Mas a gueixa olharia para a água, esperando que seu reflexo, sua alma; lhe dissesse o que fazer, que passo seguir. Mas então ela pensaria que estava certa de seus sentimentos. O que não tinha certeza, era se ele, o alvo de seu amor, lhe corresponderia.

Por outro lado, imaginava o homem. Será que ele pensava nela da mesma forma? Será que passava noites acordado, pensando em como poderia sentir esse amor proibido? Uma gueixa. Uma mulher que já pertencera a outros homens. Será que ele a amava a ponto de esquecer seu passado?

Naruto apareceu e olhei para ele com mais amargura do que gostaria. Será que ele era capaz de sentir o que se passava por minha mente naquele momento? Será que ele seria capaz de esquecer trechos do passado?

- O que foi, Sakura-chan?

- Estava pensando na história da gueixa. Aiya-san diz que foi verdade. Será que ela sofreu? Será que tinha um amor correspondido, ou tinha sido usada?

- Por que está pensando nisso, Sakura-chan? – Naruto se sentou ao meu lado e voltou a colocar o braço ao meu redor. O sorriso em seu rosto estava mais calmo, como se ele me achasse uma boba por estar pensando aquelas coisas.

- Eu não sei, sinceramente. Só cheguei aqui e fiquei olhando para a ponte. – sorri também. Naruto esfregou meus braços.

- Não pense em coisas tristes. Viemos nos divertir. Vamos tomar um café reforçado e depois nadar, que tal?

- Nadar no lago? Mas está frio, não?

- Vai esquentar. A brisa nem está tão fria. E olha que ainda é manhã.

- Então vamos nadar! – me pus de pé e segurei a mão de Naruto. – Mas vamos logo tomar café que estou com fome. – Naruto riu e me seguiu para dentro da pousada.

O café não foi tão legal como eu esperava por causa de apenas uma coisa: Naruto estava monopolizando a atenção de todos os seres do sexo feminino naquele espaço. E isso me irritou um pouco. Porque cada vez que tentávamos conversar, alguma mulher aparecia com a cara de pau de elogiá-lo. Naruto também estava desconfortável. Ele corou um pouco e me senti tentada a defendê-lo. Mas não queria estragar nossa estadia ali. Assim que vi Aiya-san passando, resolvi que ela poderia nos salvar. Naruto não entendeu quando me viu correndo até a mais velha. Sussurrei algo em seu ouvido e Aiya-san ficou feliz em ajudar.

Segurei o braço de Naruto.

- Vem comigo.

- Para onde?

- Confia em mim. Vamos ter um café da manhã sem essas urubus. – falei baixo e Naruto me seguiu. Esperei do lado de fora da cozinha e Aiya-sana logo voltou com uma cestinha de piquenique.

- Aproveitem o café da manhã. – sorriu e Naruto pegou a cesta. Sem soltar sua mão, o levei até a cerejeira. Me sentei e Naruto me acompanhou.

- Um piquenique! – falei enquanto tirava a comida da cesta.

- Sakura-chan, você não existe! – Naruto riu e também comeu. E ele tinha razão. Estava esquentando gradualmente enquanto comíamos.

- Qual a coisa mais estranha que comeu naqueles testes de sobrevivência? – perguntei depois de já termos acabado de comer, mas ainda estarmos conversando. O sol estava agradável e alguns de seus raios passavam pela copa frondosa da cerejeira.

- Quer mesmo saber?

- Vi uns documentários em que soldados são obrigados a comer larvas encontradas nas árvores.

- Isso não é o pior.

- E o que é? – Naruto respirou fundo com os braços cruzados.

- Guana.

- Ai, Naruto! – gritei e fiz cara de nojo. Ele acabou gargalhando.

- Foi você quem perguntou! Me manteve alimentado por dias, se quer saber. – Naruto se deixou cair de costas na grama e colocou os braços atrás da cabeça. Eu estava inclinada, com as mãos no chão.

- Com certeza não é fácil ser um soldado. Mas por que escolher esses trabalhos em campo e em matas fechadas, ainda por cima? Você poderia trabalhar com algo menos perigoso.

- Recebi uma proposta para trabalhar com uma parte mais burocrática. Andei fazendo uns cursos e me saí muito bem, apesar do meu histórico. – riu.

- Você sempre foi muito desligado, Naruto. Não burro. Se te disséssemos exatamente o que fazer, você era um dos primeiros a aprender. Mas muito me surpreende você ser capaz de trabalhos burocráticos. Sempre achei que odiasse essa parte.

- É suportável. O salário é bom, e não me toma muito tempo.

- Então por que não aceita?

- Porque prefiro que meu tempo inteiro esteja tomado.

- Por quê? – insisti. Naruto me olhou por algum tempo e balançou a cabeça.

- Me faça essa pergunta daqui a cinco dias.

- Cinco dias. – repeti e Naruto sorriu mais tranquilamente. Eu fazia ideia de sua resposta, mas concordava em não estragar as férias.

Meu corpo perdeu todo o calor no momento que caí na água. Mesmo que o dia estivesse quente, a água estava fria demais. Naruto não achava. Nadava de um lado para o outro, curtindo o lago, enquanto eu congelava. Agora me pergunte por que não saí da água. Porque todas as mulheres resolveram nadar também. E muitas ali eram muito bonitas. E todas ali era mais… bem dotadas do que eu. Fiquei absurdamente surpresa quando uma senhora que aparentava ter uns setenta anos, tirou seu roupão e exibiu um corpo de dar inveja. Senti Naruto se aproximando de mim por trás e ele sorria.

- Viu o corpão daquela senhora?

- Você devia mesmo comentar sobre o corpão daquela senhora? – retruquei.

- Apenas um comentário. Você está bem? Parece pálida.

- A água estava mais fria do que eu esperava.

- Já nadei em lugares mais frios.

- Você é o especialista em sobrevivência. – espirrei água em seu rosto e Naruto riu. Então começamos uma guerrinha de água. Ficamos naquilo até alguém sugerir uma briga de galos. Logo entendi qual era a intenção da pessoa, mulher, que sugeriu.

- Os casais não lutarão juntos. – a mulher explicou. – Querem brincar? – perguntou diretamente para Naruto, me ignorando completamente.

- Claro. – eu respondi por ele. E sentiria muito prazer em derrubar aquela oferecida na água. – Mas não somos um casal.

- Relaxa, meu amigo e eu também não. – o modo como ela dissera aquilo, me fez pensar se ela estava debochando de mim. O que inflamou ainda mais minha vontade de derrotá-la.

Fomos para o lado mais raso e cumprimentei o desconhecido de quem eu subiria nos ombros. Era bonito. Cabelos castanhos e ombros largos. Mas nada excepcional. Ele se abaixou e subi enquanto a mulher, curvilínea e linda, subia nos ombros do Naruto. Sequer me importei com as mãos firmes em minhas coxas. Estava mais concentrada nas mãos de Naruto segurando as pernas da mulher. Nos posicionamos e dissemos já.

Eu teria derrubado a oferecida muito rapidamente, se não fosse por Naruto conseguir mantê-la em seus ombros. Ele era muito forte. O homem que me segurava não estava muito atrás. Sempre que eu achava que cairia, o aperto em minhas coxas ficava mais firme e me mantinha no ar. O problema foi quando senti aquelas mãos subirem mais do que deveriam. Eu usava um short curto para nadar, nem um pouco confortável em usar apenas biquíni, como a outra mulher. E os dedos do cara já roçavam na barra do meu short.

Avancei outra vez para derrubar logo a mulher e acabar com aquilo. Mas ela me segurou com força. Quando eu me desvencilhei e tinha tudo para derrubá-la, senti a mão do homem tocar um lugar que não deveria. Gritei. Nessa hora, acabamos todos na água. Algo aconteceu, não sei exatamente o quê, mas Naruto caiu para frente, derrubando o homem que me segurava, eu e a mulher que antes estava em seus ombros.

Quando ergui minha cabeça, o homem dizia que tinha sido empate e precisávamos lutar novamente. Naruto sorriu simpaticamente e recusou. Disse que estava um pouco cansado e iria para as termas. Ele chegou a mim em uma braçada e espirrou água em mim de leve.

- Obrigada. – falei e respirei fundo.

- Dois abusados, isso é o que eles são. – Naruto retrucou, mas não parecia com raiva. – Quer ia para as termas?

- Para a mesma?

- Pode ser. Não precisamos ficar nus. – ele deu de ombros e sorriu. – Só se você quiser.

- Baka. – resmunguei e nadei para fora do lago. – Vamos para as termas. – fiz uma pausa e cutuquei Naruto. – Mas não totalmente despidos.

- Por mim está tudo bem.

Meu primeiro espirro apareceu quando deixávamos as águas quentes. Aquela inversão térmica não parecia ter me feito muito bem. Só não achei que ela me deixaria na cama pelos dois dias seguintes. Naruto foi incrível. Não saiu do meu lado nem por um segundo. Mesmo que eu tenha insistido para que ele fizesse alguma atividade, qualquer coisa, para se distrair.

Conseguimos um baralho com o senhor que cuidava da cozinha, Satoro-san, e passamos aqueles dois dias trancados no quarto, sentados com as pernas sob o kotatsu, jogando todas as modalidades de carteado que conhecíamos. Naruto buscava nossas refeições, levava para o quarto e comíamos conversando sobre tudo e sobre nada.

Poucas vezes eu pensava em como eu não precisava de mais nada quando Naruto estava por perto. Quando eu tinha aquela obsessão por Sasuke, estava sempre pensando num modo que tornasse confortável o fato de estarmos juntos. Ficar em silêncio com Sasuke? Jamais. Era muito desconfortável. Eu sempre acabava imaginando o que ele estava pensando sobre mim, se esperava que eu dissesse algo, se achava que estava perdendo seu tempo comigo. Era sempre uma tortura tentar me aproximar. Com Naruto já era tão diferente! Estar ao lado dele por horas sem abrir minha boca – não que isso vá acontecer. Se há algo que Naruto gosta de fazer, é falar. – não é nem um pouco incômodo. Na verdade, é até relaxante demais. Porque sei que Naruto gosta de mim. Que me entende do jeito que sou. Afinal, ele era meu melhor amigo. Uma das poucas pessoas que eu amava de verdade e que sabia que me amava também.

Suspirei assim que abri os olhos. Nossas férias estavam acabando e eu perdi dois dias dela trancada no quarto. No nosso quinto dia ali eu queria aproveitar ao máximo. Por isso me levantei e cutuquei Naruto. Meu corpo ainda estava um pouco dolorido, mas isso não me impediria.

- Está passando mal, Sakura-chan? – ele perguntou, esfregando os olhos.

- Não. Mas você ficou comigo enfurnado nesse quarto por dois dias. Precisamos recuperar o tempo perdido.

- Não foi um sacrifício, Sakura-chan. Não precisamos fazer nada, desde que você esteja aqui. – aquilo foi dito num sussurro. Naruto ainda estava meio sonolento. Corei. Os segundos que fiquei em silêncio, sem saber o que responder, foram o bastante para Naruto pegar no sono novamente. Aproveitei que ele dormia e tratei de me controlar. Era só Naruto, era só Naruto, era só Naruto. Meu melhor amigo da vida toda. A pessoa que me conhecia tão bem quanto eu mesma. A que sorria pelo simples fato de eu respirar… Isso não estava ajudando muito! Respirei fundo mais uma vez. Buscar o café da manhã. Isso. Assim eu não pensaria em nada sobre o que não tivesse controle.

Me levantei, tomei um banho rápido e corri para a cozinha. Pedi muita comida, sabendo que Naruto seria capaz de comê-la toda. Naqueles dois dias, eu só tinha conseguido comer sopa, e como ele é incrível, me seguira nessa dieta. Agora ele precisava ser recompensado com muito açúcar e gordura.

Quando cheguei ao quarto com a bandeja, Naruto estava sentado no futon com o cobertor embolado na cintura. Se espreguiçava. E era uma linda visão. Acabei sorrindo.

- Por que nunca te encontro quando acordo? – Naruto fez um bico e ri.

- Anteontem e ontem me viu acordar.

- Você estava doente. – reclamou. Coloquei a enorme bandeja à sua frente e Naruto a analisou. – E trouxe comida. Tá perdoada.

- Ah, que bom. – ironizei.

- Sério. Gosto de ver seu rosto quando acordo. Me deixou muito preocupado. Estava pensando seriamente em te levar a um hospital.

- Não precisaria mesmo. Foi só um desequilíbrio imunológico causado pela inversão térmica. Muita gente tem sintomas de resfriado ou gripe quando o tempo muda bruscamente. É quase a mesma coisa. – Naruto ergueu as mãos, rendendo-se.

- Não entendi uma palavra do que disse. Mas a médica é você. – riu.

- Engraçadinho. Vamos comer. Você está precisando de muito açúcar.

- Concordo.

Nosso quinto dia logo chegou ao final. Passamos a tarde jogando. Outras pessoas apareceram para jogar conosco, bem mais inocente do que o episódio do lago. Aquele “não casal” abusado, nos cumprimentava com olhares estranhos que eu não sabia identificar se era deboche ou flerte, mas os ignorávamos. Naruto estava incomodado também, só que era muito tranquilo. Pouca coisa o tirava do sério. Acabei pensando naquilo. Realmente. Em todos os anos que o conhecia, raramente o via irritado a ponto de brigar de cabeça quente ou dizer algo de que se arrependeria depois. No início sua raiva era mais direcionada à competição com Sasuke, mas depois nem isso parecia despertar nenhum tipo de descontrole nele.

- Você tem andado muito pensativa esses dias, Sakura-chan. – Naruto cutucou meu ombro com seu próprio ombro. De leve.

- É esse lugar. A paz que emana de cada uma das salas aqui me deixa muito confortável.

- É o fengshui. – ouvimos a vozinha envelhecida e nos viramos para Aiya-san. Estávamos na entrada do pequeno templo. Satoro-san também estava ali. Juntos. E o modo como o braço do senhor estava no ombro da senhora, indicava que eram um casal. – Vindo meditar um pouco?

- Só estamos caminhando. – respondi. Naruto sorriu abertamente para o casal.

- O lugar é mesmo incrível.

- Muito nos agrada que estejam gostando. Já foram até a ponte?

- Ainda não. – respondi sentindo meu rosto esquentar um pouco.

- Amanhã, à meia noite, a lua cheia estará exibindo o máximo de sua luz nesse ciclo. – Aiya-san tinha um sorriso tranquilo no rosto e olhou para cima, como se pudesse ver a luz de que falava. – E ela vai incidir lindamente no lago, sabiam? A ponte vai ser o ponto mais bonito de vê-la.

- Então nós a veremos da ponte. – Naruto sorriu mais discretamente. Havia um brilho diferente em seu olhar. Como ele pudera amadurecer tão rápido. Dois anos e alguns meses. Esse era o período que Naruto estava longe. De menino a homem. Sorrir também foi inevitável. Com Naruto era assim. Sorrir era tão natural quanto respirar.

Sexto dia. A lua estaria linda naquela noite, de acordo com Aiya-san. E uma ansiedade estranha tinha se apossado de mim. Eu repetiria uma pergunta para Naruto no dia seguinte. Eu sabia sua resposta. E ele sabia que eu sabia. Então seria o que eu faria após ouvi-la de sua boca que mudaria ou não as coisas. O que Naruto esperava de mim? O que eu queria?! Será que ele vira algo? Algo que nem mesmo eu estava conseguindo enxergar? Ou meu problema estava na minha negação? Perguntas, perguntas, perguntas! Eu estava tão ansiosa, que o medo foi o menor dos sentimentos que se apossaram de mim. Também apareceu a insegurança. E essa sim foi a pior. E se eu estivesse errada? E se minha oportunidade tivesse passado? Amigos, eu sempre dizia. E se, de fato, fosse a única coisa que nos restara? Queria bater minha cabeça na parede até apagar completamente. Não diria que gostaria de poder voltar no tempo. As coisas não teriam acontecido de maneira diferente. O que eu pensava agora estava relacionado ao que eu sou agora. Então pirar por algo que está fora da minha alçada, o futuro, não valia a pena.

- Ei, - resolvi eu mesma quebrar aquela linha de pensamento que poderia me levar à loucura. – há uma coisa que ainda não fizemos. E que você não vai querer ir embora sem fazer.

- Se sente bem o bastante? – Naruto sorriu e começou a ficar empolgado.

- Me sinto incrivelmente disposta.

- Então acho que temos que nos esgotar um pouquinho. – sorriu com aquele brilho no olhar que eu tanto amava e segurou minha mão, correndo pelos corredores do paraíso até a sala que nos interessava.

As aulas já haviam acontecido. Mas, como faixas pretas em shotokan, recebemos permissão de usarmos a sala sem um instrutor. Aiya-san falou pessoalmente com o sensei que podíamos usar o espaço. Podia parecer muito impressão minha, mas Aiya-san sempre estava por perto quando precisávamos.

O dojo era tão tradicional, que me sentia mergulhada na História. Passei os olhos rapidamente pelo kimidama, mas parei para analisar o Hata – bandeira representante do dojo – e não me surpreendi por ver a ponte e as flores de cerejeira. Alguns nafudas kake feitos de madeira clara. Os nomes esculpidos nele indicavam que poucos membros da família seguiam os preceitos do dojo.

Algumas katanas de diversos tamanhos ornamentavam as paredes e um armário embutido na parede. Naruto foi até o armário e empurrou a pequena porta igualmente no estilo shoji. Pegou dois kimonos e me passou um. Fui até um biombo disponível e me troquei enquanto Naruto tirava a camisa e também se preparava.

O shotokan foi a saída que os pais de Naruto encontraram para a energia extra que a criança carregara desde de seu nascimento. É um estilo de caratê, dentre vários outros, mas que prioriza o lado esportivo e físico. E como o caratê, tem por objetivo o controle da agressividade, assim como modéstia, perseverança e nobreza de espírito. E Naruto tinha absorvido todos aqueles conhecimentos a um nível jamais visto. Ele era um exemplo vivo de tudo que o shotokan pregava.

Dei o nó na faixa rapidamente e Naruto já estava pronto. Ao contrário de mim, não usava nada por baixo do kimono, de modo que muito de seu peito podia ser visto. Ajeitei meu próprio kimono e me preparei mentalmente para lutar. Fizemos alguns aquecimentos no tatame e nos alongamos. Passados uns dez minutos, estávamos prontos para lutar.

Naruto se pôs de frente para mim, distante poucos passos, e nos cumprimentamos no modo ritsurei, com as mãos ao lado do corpo, nos inclinando por trinta segundos. Normalmente, manter os olhos no adversário enquanto se reverencia é tomado como falta de confiança, mas eu não estava preocupada com isso. Assim como Naruto. Nossos olhos não saíram uns dos outros nem por um segundo enquanto abaixávamos nossos troncos.

O shotokan podia ser visualizado como uma luta baixa. Os movimentos eram em sua maioria feita com as pernas, enquanto os braços eram usados para equilíbrio. Ataquei. Minha perna formou um ângulo agudo no ar e Naruto ergueu o braço para bloquear o chute que o acertaria nas costelas. Voltei para minha posição. Respirei. Andamos em círculos por alguns segundos, analisando, pensando no jeito mais eficaz de atacar. Não queríamos nos machucar. Apenas derrotar um ao outro. Naruto sorriu e foi sua vez de atacar. Senti o vento passar por minhas pernas no momento que saltei, dando um mortal para trás para fugir de seu golpe.

- Ei, isso não foi shotokan! – Naruto reclamou.

- Wushu, desculpa. – mostrei minha língua para ele.

- Isso é chinês!

- E muito bom para o corpo!

- Quando aprendeu wushu?!

- Há dois anos que venho praticando, não te contei? – Naruto fez uma careta. – Desfaça essa cara. Está com medo de eu te derrotar?

- Shotokan versus wushu? Isso vai ser engraçado. Prepare-se, kunoichi. – Naruto atacou para valer depois daquilo. Enquanto suas pernas faziam todo o trabalho, meus braços revidavam. O shotokan é mais rígido de movimentos, o que me permitia desviar e me aproximar cada vez mais de Naruto.

Após quase vinte minutos lutando sem parar, com nossos músculos gritando por descanso, Naruto me deu uma rasteira. Tudo por causa de um salto que demorou um segundo a mais por causa do peso do cansaço. Caí. O movimento seguinte seria de Naruto me imobilizando, mas girei minha perna – voltando para o shotokan – e o derrubei sobre mim. Seu corpo pesado só não me esmagou porque, no último segundo, Naruto colocou suas mãos no chão, dos dois lados da minha cabeça.

Nossas respirações estavam pesadas e nossos corpos estavam encharcados de suor. Mas eu não ligava. A única coisa de que tinha noção, era daqueles olhos azuis límpidos e tranquilizantes sobre mim. Sorri para Naruto e seus olhos se desviaram para minha boca por apenas um segundo. Algo mudou em seu olhar e ele se afastou, caindo sentado. Esticou os braços.

- Isso foi incrível! – falou com empolgação. – Temos que lutar de novo, Sakura-chan! E você tem que me ensinar wushu!

- Vai querer aprender luta chinesa? – debochei, também esticando os braços para trás.

- Assim posso te dar uma luta de verdade.

- Você já me deu. – falei com sinceridade e segurei sua mão. – Foram as férias mais divertidas que eu tive em dois anos.

- Por que em dois anos? – Naruto apertou minha mão e eu mordi a boca, misteriosa.

- Me pergunta hoje depois da meia noite. – Naruto deu uma gargalhada alta e se deixou cair de costas no tatame, exausto.

Depois de três garrafinhas de água, finalmente consegui dormir. Colocamos o celular para despertar às onze, para termos tempo de nos arrumarmos antes da meia-noite. A ansiedade era tanta, que meus sonhos acabaram conturbados. O pior deles foi imaginar Naruto recusando estar ali. Eu tinha inúmeros amigos. Os via com frequências diferentes. Mas aquele loiro… Como eu tinha conseguido ficar dois anos sem vê-lo, sem sentir o cheiro e a presença dele?

Em algum momento do sono – não sei se estava sonhando ou não. – senti uma mão passar em meu rosto e ouvi um “Não vou a lugar nenhum.” que não sei se foi real. Quando o celular despertou às onze, Naruto dormia profundamente.

**

Estranhei sermos os únicos ali. Não havia mais ninguém, mais nenhuma luz acesa por toda a pousada. E Naruto estava estranho. Começando por sua ansiedade em me mandar tomar banho na frente. Ele sorria e tentava não parecer nervoso, mas seu nervosismo estava me deixando nervosa.

Quando nos vimos sozinhos em frente a ponte, paramos. A luz da lua já estava incrível. Não precisávamos de lanternas. A enorme bola brilhante parecia adquirir um tom azulado enquanto eu olhava para o lago. Pareciam os olhos de Naruto.

- É quase meia-noite, Sakura-chan. – ele falou baixo. Desde quando a voz de Naruto era tão intensa? Desde quando uma frase tão simples era capaz de arrepiar os pelos dos meus braços e nuca?

- É quase meia-noite, Naruto.

Ele me ofereceu a mão e a aceitei. Subimos na pontezinha de madeira e nos aproximamos do corrimão. A brisa movia os galhos da cerejeira e de vez em quando algumas folhas caíam. Naruto se abaixou para pegar um raminho e o colocou em meu cabelo. Foi inesperado e agradável.

- Me faça aquela pergunta de novo, Sakura-chan. É meia-noite.

- Por que prefere trabalhar com algo que tome todo o seu tempo? – Naruto se aproximou, segurando uma mecha de meu cabelo e o tocou por algum tempo.

- Porque é o único jeito de não pensar em você vinte e quatro horas por dia. – fiquei em silêncio. Eu sabia que aquela seria a resposta. E não, não estava preparada para ouvi-la. – Você entende, não é? Nunca se tratou de capricho. Nunca se tratou de encantamento infantil. Tudo que eu sempre disse sentir por você, é a pura verdade. Eu amo você, Sakura-chan.

Meu coração batia tão rápido e tão forte, que eu era capaz de sentir suas batidas reverberando por todo meu corpo. Naruto falara. Naruto se confessara. E agora esperava algo de mim. Para o bem ou para o mal. E o que eu queria? Eu queria Naruto. Meu melhor amigo. A pessoa que mais me fazia falta. A ausência que mais me machucava. Seus olhos se mantiveram nos meus por muito tempo, mas em algum momento ele desistiu. Quando seus olhos fugiam dos meus, segurei seu rosto.

- Naruto, repete a pergunta que me fez mais cedo. – pedi.

- Por que essas foram as férias mais divertidas que você teve em dois anos?

- Porque é a primeira depois desse período, que você está de volta. – fiz uma pausa e Naruto sorriu fracamente. Aquela ainda não era a resposta de que ele precisava. Então resolvi ser sincera com ele e comigo mesma. – Você é Naruto Uzumaki. Meu melhor amigo. E eu sempre amei você como alguém que eu não poderia viver sem. Dois anos sem você foi uma espécie de castigo por todos esses anos que o tive por perto e não valorizei sua companhia. Você voltou diferente; mais maduro. Mas continua o mesmo. Eu não sei o que fazer, Naruto. Não sei se tenho o direito de te dizer que o que eu sinto por você agora é diferente do que eu sentia antes. Que eu fiquei com ciúmes quando as mulheres ficaram te elogiando o tempo todo. Eu não sei se tenho o direito de te dizer que fiquei feliz quando senti que você ainda me amava do mesmo jeito e com medo de estar achando errado. Eu…

Sua boca se encaixou perfeitamente a minha enquanto Naruto calava meu desabafo. Senti seu corpo pressionando o meu contra o corrimão da ponte enquanto sua língua pedia passagem em minha boca. Retribuí. Eu queria tanto aquele contato, que não acreditava que estava sendo real. Senti seus dedos entrando em meus cabelos e o abracei. Quando nos afastamos pela falta de ar, Naruto me apertou com força em seus braços. Ficamos abraçados por muito tempo. Até nossos corações se acalmarem e começarem a bater no mesmo ritmo. O corpo quente de Naruto era como um casulo protetor ao meu redor e eu não queria sair dali nunca mais.

A noite passou rapidamente. E nós ficamos ali, na ponte, sentindo a brisa da madrugada e trocando carinhos para compensar todo aquele tempo que estivemos longe um do outro e da verdade sobre o que sentíamos de verdade. Bem, eu tinha ficado tempo demais longe da verdade sobre o que sentia de verdade. O amor de Naruto ficava claro em cada gesto, em cada palavra e em cada sorriso. Em cada olhar caloroso que ele me mandava, ou num simples enrolar de dedos. Eu estava sobre a ponte, mas eu já não precisava mais olhar para o espelho d’água para ouvir minha alma. Ela gritava a plenos pulmões. Dizendo que queria Naruto, que amava Naruto. E agora eu a escutava.

Quando os raios de sol do sétimo dia começaram a iluminar o lugar em que estávamos, Naruto beijou minha cabeça.

- Isso. O sol nasceu e você está ao meu lado. – ele sussurrou e apertei seus braços ao meu redor.

- Isso pode acontecer mais vezes.

- Isso vai acontecer mais vezes. Estou voltando para Konoha. Vou aceitar a proposta de emprego e ficar com você.

- Você tem certeza disso?

- Acha que vou deixá-la depois de tanto esperar? – riu e beliscou minha bochecha de leve.

- Não, não vai me deixar. E, se tentasse, eu te daria uma surra.

- Eu sei. – voltou a me beijar e tudo ficou mais tranquilo. Levantamos os olhos para a pousada e a primeira coisa que os raios do sol iluminaram foi a fachada. Sorri. Sim, estávamos em Tengoku.

No nosso paraíso.


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Notas finais do capítulo

Ownnnnnnnn!!!
Sou muito fofa, eu sei.



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