505 escrita por Miss Pond


Capítulo 1
Capítulo Único — I'm going back to 505


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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Um barulho ritmado de caneta batendo em madeira era tudo o que ele podia ouvir enquanto tentava inutilmente se concentrar na papelada a sua frente. Os olhos queriam fechar e a mente não gostaria de nada além de viajar para longe dali; para um lugar onde os dias eram infinitos e imortais, quando ele era invencível e amava imprudentemente.

Olhando para a tela do computador, percebeu que a data no canto inferior direito marcava cinco anos desde o dia em que visitou o quarto 505 de um motel vagabundo na costa-leste pela primeira vez. Lembrava-se com uma clareza quase absurda da garota que conheceu em um bar a cinco minutos de carro do motel, com um cigarro entre dois dedos, esperando que ele retornasse com as bebidas.

Uma sensação que preferia fingir que não existia tomou conta de seu peito, o fazendo não pensar duas vezes ao se levantar da cadeira giratória, pegar seu paletó, o celular e a chave do carro, e sair dali sem nem dar uma justificativa a seu chefe.

Precisava voltar àquele lugar mais uma vez; ele sempre precisava voltar, não importando se para isso precisaria dirigir quarenta e cinco minutos ou voar sete horas.

As lembranças vinham como num turbilhão mal educado, jorrando em sua mente como um filme antigo que ele vira durante a infância e gostaria de esquecer. Era como se a dor gostasse de ser revivida – uma ferida que nunca cicatrizava de verdade.

Sentia falta de passar horas naquele quarto com aquela mulher, que tinha uma estranha mancha azul na nuca, que ela dizia fora resultado de querer fazer uma tatuagem enquanto estava bêbada. Também não havia dito ao homem o que era para aquela mancha ter sido; agora era apenas uma mancha. Por vezes, enquanto ela dormia, ele encarou o local como se fosse uma obra de arte. Arte esta trazida a vida por um mestre, por alguém indecifrável e maravilhoso. Alguém especial.

“O quarto 505, por favor”, pediu a mulher gorda na recepção. Ela devia o achar um completo maluco; quantas vezes o estranho homem já não lhe havia feito esse mesmo pedido. “Obrigado”.

Não importava quantas pessoas já tivessem passado por ali, ainda se sentia o dono daquele pequeno espaço. Era como se o que ele e a Mulher da Tatuagem tivessem vivido naquele lugar fosse mais importante do que todos os corpos suados que se encontraram em espasmos, gritos e amor naquela cama.

Seu telefone celular começou a tocar e ele identificou o número de sua esposa na telinha. Não queria falar com ela; ouvir sua voz quebraria todo o momento de nostalgia da situação – trazê-la a tona seria como trair o santuário que ali construíra com alguém que amara mais do que tudo... Amara mais do que qualquer dia seria capaz de amar a mulher com quem se casara.

Deixou que tocasse enquanto se sentava na poltrona e encarava a cama perfeitamente arrumada. Por mais bobo que parecesse, ainda esperava ali chegar e encontrar a mulher deitada em seu lado da cama, com as mãos entre as pernas. Ainda se lembrava de quando a mesma se erguia e colocava as mãos ao redor de seu pescoço – sempre adorou quando ela fazia isso. Ainda adorava da última vez que pensou sobre o assunto.

Se fechasse os olhos, poderia sentir a maciez de seu corpo e o som da risada leve que a Mulher da Tatuagem sempre lhe deu quando tocava sua barriga.

Ah, como ele a amava.

Queria que pudesse voltar no tempo e fazer tudo de novo; não a deixaria ir nunca mais. Sempre desmoronava quando ela chorava, quando tinha que dizer mais uma vez um adeus. E então de alguma forma aquela mulher se foi para sempre.

Depois de um tempo, como sempre, levantou e foi embora.

Não retornou ao escritório. Foi direto para sua casa.

Ele jogou na mesa de centro as chaves que trazia na mão direita, suspirando profundamente assim que escutou o choro estridente vindo do quarto mais próximo à cozinha. Observou com o olhar eternamente cansado enquanto a mulher de cabelos castanhos saía do aposento para lhe dirigir a palavra, com a mesma pergunta na ponta da língua todo maldito dia.

“Como foi seu dia?”, ela dizia. “Normal”, respondia ele. E então sua cota de conversas estava finalizada até que tivessem que compartilhar a mesma cama e fingir que ali existia algo além de absolutamente nada.

O homem caminhou de forma ritmada até a origem do alento e encontrou o pequeno bebê segurando nas barras do berço, querendo se levantar, mas ainda sem ser capaz de fazê-lo sozinho. O rosto do menino estava vermelho e as lágrimas desciam com rapidez por seu rostinho redondo. Por mais que sua esposa dissesse que o filho deveria aprender a ficar sem eles por alguns minutos, não aguentou e pegou-o no colo. Não suportava ver aquele que tanto amava sofrendo.

Em poucos minutos, a histeria cessou e os olhinhos do bebê se fecharam, o fazendo entrar em um sono profundo e calmo, algo que o pai não experimentava a mais tempo do que conseguia se recordar.

Voltou a por o filho em seu berço e ligou a luminária, o olhando mais uma vez antes de apagar a luz e fechar a porta.

“É incrível como você não consegue fazer uma única coisa que eu digo”, escutou sua mulher exclamar, andando em sua direção enquanto ele começava a desabotoar a camisa social azul que usava. “E se quiser comer, faça algo você mesmo. Estou cansada de passar o dia inteiro com o bebê.”

Não a olhou enquanto tirava suas vestimentas e as jogava em cima da cama de casal para depois colocar junto às outras roupas sujas. Ouviu em silêncio enquanto o chuveiro era ligado e a mulher tomava um banho demorado. Sua cabeça ainda girava em torno do rio de memórias que vivera naquela terça-feira.

Sentia falta de ser jovem, de esperar demais de todos, de quebrar a cara toda maldita vez, de dançar ao som de uma música que detestava. De beber demais para depois vomitar no banheiro daquele mesmo quarto onde passara horas a fio. De fazer amor ou apenas sexo com a mulher que amaria para o resto de sua vida, mesmo que aquele sentimento se multasse, transformasse e tornasse algo completamente irreconhecível. Algo que seu eu de cinco anos no passado jamais entenderia ou aceitaria. Algo estático e melancólico.

Não percebeu que seus olhos estavam cheios de lágrimas até que a mulher retornou ao quarto com uma toalha branca ao redor do corpo e o cabelo preso em um nó. Ela se virou de costas para ele, em busca de uma roupa, deixando visível a mancha azul em sua nuca.

Quando se virou novamente, o encarou como se tivesse finalmente percebido algo.

“É hoje”, exclamou de forma abafada. “Faz cinco anos”.

Ele assentiu.

“O que aconteceu com nós?”, indagou.

As lágrimas surgiram no rosto dela mais rápido do que no dele.

“A vida”. Ele apenas olhou em seus olhos, como se estivesse aguardando algo. “Quando você me olha assim, querido, o que você esperava? Que pudéssemos voltar para o quarto 505 e tudo estaria bem? Não somos mais aquelas pessoas”.

Antes que o homem pudesse tentar dizer algo para respondê-la, a Mulher da Tatuagem retornou ao banheiro e bateu a porta, deixando claro que não queria ser incomodada com o passado que pareceu que duraria para sempre, mas fora perdido nas chamas que a vida costuma criar.


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Notas finais do capítulo

E então?