Sons of Theolen escrita por Live Gabriela


Capítulo 31
Dorothy - O Tigre e o Leão




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A lua cheia brilhava intensamente no céu nortenho. As nuvens que por hora a cobriam estavam esparsas e ralas, deixando as estrelas cintilarem na escuridão. Sob a distante luz branca da lua estava a enorme Planície Roxa. Coberta pela grama morta e os inúmero túmulos empoeirados, ela era agora o local pelo qual a jovem paladina de Theolen corria apressada à procura de abrigo.

Dorothy seguia ofegante e agitada sobre as colinas. Com o suor escorrendo pela testa, ela inclinou-se para frente de maneira cansada, apoiando as mãos sobre os joelhos enquanto retomava o ar e tentava se acalmar, já que seu coração estava acelerado desde que vira o último raio de sol abandonar o céu.

A garota se ergueu e levou a mão ao bolso da calça escura de algodão, tirou uma tira de couro amarrada e começou a atar o cabelo volumoso e comprido num rabo de cavalo alto. Com um cacho rebelde fugindo do prendedor e caindo sobre a testa, ela observou as terras desoladas a sua volta.

Pouco podia enxergar em meio àquele breu, vendo apenas algumas silhuetas indistinguíveis do cenário, que refletiam o brilho lunar no escuro. Ainda abalada pela maldição e cansada de sua viagem até ali, ela lembrou-se das palavras de Arlindo que a deixavam mais calma. Lembrou-se também do momento em que quase beijou o clérigo, sentindo um frio na barriga logo em seguida, mas apesar de gostar da sensação, evitou pensar mais sobre o assunto, pois tinha que continuar focada em achar um abrigo antes da licantropia começar a lhe afetar.

“Vamos lá” pensou consigo. “Eu devo estar perto, já estou na planície. Vai dar tempo” se convenceu apertando os olhos tentando focar a vista para encontrar um mausoléu. Ela se direcionou à uma colina maior, passando por entre algumas lápides fixas no chão e outras verticais, porém não muito altas. Enquanto subia pisou em um osso já quebrado fazendo um barulho baixo. A garota fechou um dos olhos fazendo uma careta e permaneceu imóvel virando a cabeça para trás, para ver se algo ou alguém a havia escutado. Sem encontrar nada, ela se voltou novamente para frente e no momento que o fez ela ouviu uma voz rouca e grossa surgir das trevas.

— Deveria prestar mais atenção à sua volta, Dorothy Leon. Este é um lugar perigoso.

A paladina virou depressa na direção do som, notando que ele vinha do topo da colina. Sem poder enxergar direito no escuro, ela esticou a palma da mão para frente usando sua habilidade de detectar auras malignas para descobrir se aquele era um inimigo.

Instantaneamente a jovem reconheceu uma aura que havia sentido dias atrás, há apenas poucos metros de si. Abalada pelo contato com tanto poder, ela levou a mão esquerda até a cabeça, tentando parar a tontura que sentia, em seguida olhou para frente encontrando uma silhueta grande parada acima de si com a imagem da lua atrás. “O Necromante” pensou consigo, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, o vulto negro do Rakshasa ergueu o cajado de madeira e ferro que segurava.

Ele apontou para frente a orbe que ficava na ponta do objeto, e fazendo um movimento de meio círculo, conjurou uma das magias mais simples conhecidas por arcanos, porém tão precisa que poderia ser não só útil como também mortal.

Dorothy arregalou os olhos azuis vendo seis pontos luminosos aparecendo no escuro e sendo lançados em sua direção. Ela rapidamente se jogou no chão e rolou para frente, desviando dos projéteis de energia mística. Quando se levantou, não pensou duas vezes e avançou de encontro com o conjurador, sacando sua arma e preparando-se para atacá-lo.

Ela correu colina acima e ergueu sua espada no mesmo movimento, mas quando estava prestes a acertar o braço do inimigo, ele ergueu a mão híbrida e segurou a lâmina, aparando o golpe. Em seguida, o Necromante puxou o cajado para perto, fazendo a orbe em sua ponta brilhar com uma luz branca que iluminou a parte debaixo de seu rosto, projetando uma sombra assustadora sobre sua face animalesca.

— É bom vê-la novamente, senhorita Leon –disse mostrando as presas afiadas.

Com a mão trêmula e o suor descendo-lhe a face, Dorothy lembrou-se de Vaalij avisando-lhe sobre o rakshasa, então puxou a espada para perto de si e a girou sobre a cabeça com as duas mãos, acumulando o máximo de força que conseguia em um único golpe.

A garota pôde sentir a ponta da espada tocar o peito do Necromante e cortar sua túnica vermelha brocada, mas logo notou algo estranho. Assim que forçou mais contra o busto do inimigo, uma rachadura surgiu na beirada da lâmina, se entendendo rapidamente até a base, e em questão de instantes sua arma estilhaçou-se completamente em uma pequena explosão metálica, como vidro sendo quebrado.

— Por favor… – disse o Necromante em tom de desdém. – Acha mesmo que pode me ferir com uma espada? Você é inofensiva para mim, senhorita Leon.

A paladina arregalou os olhos estupefata observando os pedaços de sua arma no chão. Mal conseguia crer no que havia acontecido, afinal aquela espada fora feita por seu pai e ela sabia que era de extrema qualidade. Assustada, ela se afastou tocando a cintura à procura de sua adaga, mas lembrou-se que havia a deixado nas mãos de Nipples para que ele pudesse se defender.

Praguejou a si mesma por não ter levado qualquer outro equipamento de combate e então cerrou os punhos, mas antes de avançar novamente na direção do rakshasa, ele disse:

— Agora que já acabamos com as hostilidades desnecessárias, será que podemos conversar civilizadamente? – Ele perguntou de queixo erguido.

— Não acho que você saiba o significado dessa palavra – esbravejou a garota.

— Ah, eu vejo o porquê de sua confusão. – Ele gesticulou. – Deixe-me lhe mostrar-- – avançou dois passos.

— Não! – Ela interrompeu. – Fique onde está! Não quero ver nada que tenha a me mostrar.

— Nem mesmo o drow que a seguia? – perguntou.

— Do que está falando? – Ela perguntou com o cenho franzido.

— Se importa? – Ele olhou para o cajado insinuando querer usar uma magia.

— Sim – disse firmemente.

— Muito bem. Então me acompanhe, ela não está muito longe – disse descendo calmamente a colina, apoiando seu cajado na grama enquanto iluminava o caminho.

Dorothy o acompanhou desconfiada. Não entendia a mudança repentina da atitude da criatura e preferiu prevenir-se, procurando por objetos no chão que pudesse usar como armas contra ele, mas o mais próximo disso que encontrou, foi um pedaço de lápide quebrada.

— Vê agora? – perguntou o conjurador parando aos poucos.

A paladina olhou para onde ele mirava os olhos e viu o corpo de um drow caído na grama morta. Ela observou o cadáver sem esconder a confusão estampada em seu semblante. Não havia notado a presença do elfo negro ali em momento algum, o que a fazia se questionar se ele realmente estava a seguindo como dissera o Necromante, e a quanto tempo.

— Quem era ele? – Ela perguntou ainda incerta das intenções da criatura misteriosa.

— Ela. – Ele a corrigiu. – Uma batedora, muito provavelmente. Estava sozinha e pelo visto bastante desesperada para conseguir informações para chegar tão perto… Ou talvez ela só fosse arrogante o suficiente para pensar que não seria vista. – Mexeu as “sobrancelhas” para cima observando a elfa negra com desprezo.

— E a magia que lançou...? – A jovem franziu o cenho, analisando friamente a face felina.

— Foi para acertá-la e não a você. – Ele respondeu de forma serena. – Achei que seria bom se você visse que estou aqui como um… Aliado. Então eliminei seu inimigo. – Sorriu sem mostrar os dentes.

Apesar de ele parecer convincente e da paladina não saber que, na verdade a drow estava vigiando o Necromante e não ela, Dorothy sentiu uma estranheza nas falas do conjurador, não confiando nelas totalmente.

— E como poderia ter certeza de que ela era minha inimiga? – questionou cerrando os olhos.

— Eu sei de muita coisa – ele respondeu.

— Não – retrucou de imediato. – Não me venha com seus enigmas. Seja claro.

— Ora, ela era uma drow – ele justificou virando-se para voltar ao topo do morro – E eu conheço drows o suficiente para saber que julgam-se superiores e quaisquer outras raças de seres-vivos, eles raramente fariam uma parceria com você. Do mesmo modo, como uma paladina do deus do heroísmo - Ele olhou para o símbolo sagrado no pescoço da jovem. - ...duvido que se aliaria a uma criatura tão vil.

— Está certo, eu não faria isso – concordou sem acompanhá-lo, deixando explícito que também não se envolveria com ele – Agradeço por ter me ajudado com isso, mas acredito que é tempo de nos separarmos.

— Por que tão cedo? – Ele parou de avançar e se virou para ela. – Nós mal conversamos.

— Não temos o que conversar. – Ela se moveu distanciando-se da drow morta.

— Eu discordo – falou caminhando até ela. – Há tanto o que posso lhe dizer, lhe ensinar.

— Não tenho tempo para isso hoje. – falou olhando para a lua.

— Por que não? – Ele questionou agora com a face séria, avançando novamente.

— Não se preocupe com isso – desconversou a theolina.

— Diga-me – insistiu e ela pode notar a impaciência dele aumentando.

— Por quê? – desconfiou já observando discretamente o corpo da drow a procura de alguma arma.

— Conhecimento paladina – disse fincando o cajado na terra. – Conhecimento é a chave para qualquer porta e eu odeio portas trancadas. – Inclinou a cabeça de tigre levemente para o lado.

— Bem, sinto muito, mas isso não é de sua preocup—

— Diga-me! – Ele rugiu, avançando furiosamente até a jovem, ficando com o rosto há poucos centímetros do dela – Ou arrancarei a resposta de você.

— Está bem! – Ela cedeu contrariada e com o coração acelerado. – E-eu estou amaldiçoada! – disse depois de notar que não conseguiria alcançar a bainha que estava presa à cintura da elfa negra a tempo.

— Amaldiçoada? – questionou soltando o ar quente de suas narinas no rosto pálido da jovem.

— Sim... Com licantropia – explicou olhando para as vestes nobres em tons de vermelho e marrom que ele usava.

— Por isso está sozinha? – Ele se moveu, rondando a garota.

— Sim – Ela engoliu um pouco de saliva enquanto comprimia os lábios, aborrecida com a conversa. – Não queria ferir ninguém.

— Hum…. – O rakshasa passou a mão por entre a barba de pelos brancos. – E quem fez isso com você? As bruxas? – Ele estreitou os olhos fendados.

— Não – negou ainda estática. – Eu fui mordida por um licantropo.

O Necromante parou os passos, ficando atrás dela, então soltou um alto rugido misturado com uma gargalhada. Dorothy respirou fundo preparando-se para fazer um rolamento até a espada curta embainhada do cadáver élfico, mas antes que pudesse se mover o Necromante caminhou até sua frente.

— Garota tola – disse ele. – Você não está amaldiçoada, está doente.

— O que? – perguntou aproximando as sobrancelhas negras observando discretamente a arma que queria alcançar.

— Licantropia passada por mordida não é maldição, é uma doença. E você não está se transformando numa besta descontrolada em plena lua cheia porque… – alongou a fala para que a garota a completasse.

Dorothy voltou sua atenção para o que o Necromante dizia e abriu levemente os lábios. Tentava ao máximo lembrar de todos os sinais corporais que Steve a havia ensinado a reconhecer em um mentiroso, mas não encontrou nenhum deles no conjurador. Ele parecia convicto do que dizia, mas se ele estivesse falando a verdade isso significaria que ela não estava amaldiçoada, uma vez que sua aura a protegia de qualquer enfermidade.

— Não… – Ela negou com a cabeça incrédula. – Isso, não pode--

A paladina se interrompeu ao ouvir o som característico de ossos se movendo que tanto escutou na primeira noite que passou naquela Planície. Ela olhou em volta, tentando achar a fonte dos barulhos, mas não enxergou nada. Ainda assim, sabia que esqueletos estavam se aproximando.

— Eu sabia que algo estava errado. – Ela disse encarando o Rakshasa. – Isso é o que você queria o tempo todo, não é? – Mirou a drow novamente, procurando um espaço pelo qual pudesse passar pelo conjurador e pegar a espada.

— Como é? – Ele perguntou girando a orelha felina, captando o som dos cadáveres animados e  rapidamente entendendo o que a paladina insinuava. – Oh, não… Acha que eu invoquei os mortos? – perguntou sorrindo, mas ela não o respondeu – Você realmente não sabe de nada, não é mesmo? – Deu uma curta risada balançando a cabeça em negação. – Apesar de poder controlar certas criaturas já sem vida, o levantar diário dos mortos não é obra minha. É um efeito da maldição que assola as terras de Thorrun, como deve saber – explicou.

— Não sei nada sobre isso – respondeu prontamente.

Dorothy já ouvira falar que Thorrun era amaldiçoada, mas sempre havia considerado que isso era apenas uma expressão para falar do lugar que sofreu tantas tragédias e não uma magia de fato.

— Não? – questionou sobre o conhecimento dela. – Bem, paladina, entenda isto: depois da traição de Ulfgar Thorrun ao seu deus, o Lorde das Profundezas, todo o reino foi amaldiçoado por esta divindade que pereceu nas mãos do anão que nomeia este reino. Além de separar Thorrun do continente, o Lorde das Profundezas amaldiçoou a todos, privando aqueles que aqui morressem, do descanso eterno. Sendo assim, toda noite os mortos retornam e vagam pelas terras à procura de seu fim permanente – disse observando um esqueleto que se aproximava lentamente dos dois.

— Então ninguém pode morrer em Thorrun? – perguntou esperançosa , já pensando em Steve.

— Morrer pode, mas não descansar. Em poucas noites àquela ali se erguerá novamente. – Parou ao lado da paladina direcionando o olhar para a drow falecida. – Se por algum motivo você viesse a falecer numa tragédia como ela, seu corpo e alma não mais lhe pertenceriam, mas sim ao Lorde das Profundezas. – Sorriu tentando assustar a jovem.

— Se eu morrer aqui, minha alma não será minha de qualquer jeito – falou mais baixo, lembrando-se que sua alma ainda estava prometida à adaga da Ninfa.

— O que? – questionou o Rakshasa.

— Nada – respondeu rapidamente começando a caminhar na direção oposta à que ouvia os esqueletos.

— Aonde vai, paladina?

— Eu te disse. Devo ir embora. – Olhou para a lua, preocupada com os efeitos dela sobre si.

— Por quê? Já não lhe disse que não está amaldiçoada?

— E você quer que eu acredite nisso? – ela questionou se virando para ele rapidamente. – Que eu acredite em você? Você nem ao menos me conhece.

— É aí que se engana Srta. Leon. Eu sei mais do que pensa – sentenciou. – Além disso, eu só tenho sido sincero até aqui. – Recobrou a postura ereta passando a mão sobre a barba. – Um pouco exaltado talvez, mas não tem motivos para desconfiar de minha honestidade, a não ser, é claro, pela evidente tendência maligna carimbada em minha aura.

— Não vou discutir isso agora – afirmou vendo o pedaço de lápide que havia encontrado anteriormente e o pegando do chão, já que o Necromante continuava em seu caminho até a drow.

— O que fará com isso? – perguntou o humanoide felino.

— Limpar o meu caminho – disse notando as silhuetas dos esqueletos agora no raio da iluminação do cajado.

— Não, não vai – ordenou seriamente. – Não pode ir agora – contestou o conjurador insatisfeito.

— Você não pode me prender aqui. –  O encarou por alguns instantes então se virou de costas, partindo dali.

— Você não pode ir. Não está pronta ainda! – exclamou o Necromante agitado, mas ela o ignorou seguindo seu caminho – Se partir nunca saberá onde está seu tio! – gritou por fim.

Dorothy parou no mesmo instante. Em nenhum momento havia citado Steve ou o que havia ido fazer em Thorrun. E para ela isso só podia significar uma coisa.

— O que você fez com ele? – Ela se virou com os olhos fixos no Rakshasa.

— Nada… – Ele sorriu sadicamente mostrando as presas afiadas.

— Onde está o Steve? – Ela gritou exaltada, fazendo com que sua voz ecoasse pela planície, chamando a atenção dos mortos-vivos que estavam ali perto.

— Isto é raiva? – Ele inclinou levemente a cabeça. – Não sabia que paladinos podiam sentir isso, mas é bom… Será útil no futuro.

— Me diz onde ele está. Agora! – gritou se aproximando com passos pesados na direção do Necromante.

— Muito bem. Eu digo a você – concordou e Dorothy parou o fitando ansiosa – Ele está logo abaixo de seu nariz – respondeu soltando uma risada irônica.

A jovem Leon sentiu seu coração bater mais forte, sua respiração ficou mais rápida e ofegante. Ela sentia uma raiva indescritível pelo rakshasa, que insistia em brincar com ela. Apertando fortemente o pedaço grande de pedra ela olhou para a lua sentindo um frio na barriga. “Se é para virar um monstro, que seja para combater outro” pensou consigo, então avançou furiosamente na direção do oponente.

O Necromante, notando as intenções da garota, levou a mão sobre a orbe de seu cajado franzindo o cenho. Em seguida, ele começou a conjurar uma magia que fez o orbe brilhar esverdeado e soltar uma fumaça da mesma cor. A névoa fez seu caminho até os esqueletos mais próximos e adentrou rapidamente os crânios vazios, deixando os globos oculares com um brilho verde intenso.

— Ataquem-na! – ordenou.

— Podem vir – ela murmurou pronta para lutar por Steve, mesmo que isso significasse que ela teria de combater sem arma alguma e em desvantagem numérica.

Os dois esqueletos então correram na direção da garota  com o único objetivo de cumprir a ordem de seu mestre. Duas das ossadas vivas a atacaram simultaneamente, uma vindo de sua frente e outra da sua direita. Um deles usava uma lança e possuía os farrapos do que um dia fora uma armadura. O outro segurava um pequeno machado velho e usava um elmo amassado.

O primeiro estendeu a lança na direção da garota passando de raspão pelo seu tronco mas a armadura a protegeu do corte. Em seguida, o desmorto que segurava um machado golpeou contra a paladina, que virou-se num ato reflexo expondo a parte mais resistente de sua armadura, mas ainda assim sentiu o terrível impacto da arma em seu ombro. “Tenho que pegar aquele machado” concluiu contraindo a face em dor.

Dorothy ergueu a pedra que segurava e golpeou contra o braço de seu alvo. O cadáver não deixou a arma cair e logo revidou tentando acertá-la novamente. Ela rodou para o lado levemente abaixada e parou atrás do morto-vivo desviando do golpe. O primeiro esqueleto aproveitou o momento e deu uma estocada com a lança na perna da paladina enquanto ela se movia, fazendo um furo na parte de trás de sua coxa.

Apesar da dor, a garota se manteve focada no inimigo com quem duelava e assim que ele ergueu o machado para lhe acertar ela parou o movimento, segurando nas mãos dele e agarrando o cabo da arma. Feito isso, ela acertou seu cotovelo o empurrando para frente com a pedra e puxou o cabo do machado para trás, forçando o pulso do desmorto que acabou por soltar a arma.

O primeiro morto-vivo avançou até Dorothy enfiando a lança em sua barriga. Ela sentiu a dor forte do impacto, mas sua armadura a protegeu novamente, impedindo a lança de atravessar o metal da cota de malha prateada. A paladina se virou para o inimigo do elmo, soltou a pedra e usando as duas mãos golpeou com o machado contra sua nuca, quebrando uma de suas vértebras e fazendo sua cabeça rolar pelo chão.

Furiosamente, ela se virou para o próximo oponente e ergueu a lâmina grossa, desviando a lança que vinha em sua direção. O esqueleto esticou novamente a haste de sua arma tentando perfurá-la, mas Dorothy agarrou o cabo assim quando ele passou por baixo de seu braço e então golpeou o peito coberto por restos de couro de armadura do morto-vivo, sem conseguir feri-lo.

— Tem uma boa forma de combate, paladina – disse o Necromante – Mas logo vai notar que ela não lhe servirá de muita ajuda neste lugar. Não pode derrotar todos aqueles que padeceram aqui.

— Eu posso tentar! – ela gritou desviando a lança com o machado novamente.

— Irá falhar… – respondeu a criatura felina.

Dorothy enfurecida bateu com a arma na base da coluna do morto-vivo, parando atrás dele em seguida. O esqueleto revidou rodando a lança para baixo e tentando perfurar o pé da garota, mas ela se moveu desviando o golpe. Com lança momentaneamente fincada no chão, ela aproveitou a oportunidade e talhou seus ossos da espinha, partindo-o ao meio.

Suada e ofegante ela se virou para o Rakshasa, mas quando encarou a face maléfica ele abriu um sorriso e em seguida aumentou a intensidade do brilho de seu cajado, revelando mais três inimigos se aproximando sob a colina.

— Parece que todo o seu combate atrai muita atenção – falou o Necromante ainda distante da jovem – Eu achei que você lidaria melhor com eles, mas nem ao menos consegue usar uma simples expulsão, consegue? – debochou.

— Eu não preciso! – ela gritou enraivecida.

— Certo… – ele concordou ironicamente – Eu realmente notei que você não vê problema algum em massacrar aqueles que um dia foram leais soldados de Theolen.

— Cale-se! – Ela arfou exausta das palavras do vilão.

— Não é irônico? Os homens que um dia serviram ao seu reino e também ao seu ancestral, agora lutam contra você sem a menor piedade...

Dorothy respirou fundo, já entendia onde o rakshasa queria chegar. Estava tentando afetá-la com informações que poderiam ou não ser verdadeiras, afinal muitos sabiam que homens de Theolen, de outra Era, haviam sido a barreira de Thorrun, protetores dos tesouros e terras abandonadas pelos falecidos anões do norte, que eram alvos dos exércitos de outros reinos. Foi inclusive nesse período que Theolen ficou conhecida como o escudo do Norte, o reino neutro que protegeria o legado dos extintos anões, impedindo que qualquer pessoa subisse para o reino caído.

Ela olhou para o corpo do esqueleto no chão analisando sua armadura, não podia identificar ao certo, mas em sua mente agora era a armadura de um theolino. Ela comprimiu os lábios e logo viu outros dois esqueletos já há alguns metros. Um deles era pequeno e tinha o crânio achatado, visivelmente fora um anão, o segundo não tinha armas, mas carregava um escudo consigo. Atrás das duas ossadas ela viu um humano caminhando. Estranhando sua presença, tentou observá-lo melhor com a luz da magia do Necromante, e com isso conseguiu ver sua pele pálida e esverdeada, com pedaços de carne faltando no rosto. Ele também estava morto.

— Ora, parece que este é mais recente – disse o rakshasa observando o corpo andando em direção a ele. – Provavelmente veio há pouco tempo para o norte… Acha que o conhecia? – provocou mostrando as presas.

Ao ver o zumbi que ainda possuía mechas de cabelo escuro e sua armadura de couro em um estado razoável, a paladina não conseguiu evitar de pensar em Charly, que lhe dissera que seu pai havia partido há algum tempo e não havia retornado.

Dorothy apertou os olhos molhados visivelmente abalada, então segurou seu colar com o símbolo de Heirôneous “Me ajude, por favor”, pediu ao deus da justiça esperando receber alguma iluminação divina que a fizesse criar determinação suficiente para lidar com aquilo. Vendo o Necromante conjurar novamente sua magia de controle dos mortos, a jovem caminhou até a lança do esqueleto que derrubara há pouco, armando-se com ela também enquanto respirava fundo.

— O que acha de pararmos com toda essa brutalidade? Eu posso acabar com isso se quiser – propôs o rakshasa fazendo sinal para que os mortos parassem de avançar. – Apenas venha comigo, escute o que tenho a dizer. Quero lhe mostrar o poder que há dentro de você. O poder de sua aura. – Estendeu a mão invertida para a jovem. – Com um pouco de treinamento, você logo poderá expulsar essas criaturas e quem sabe destruí-las permanentemente. Não quero ter esse tipo de poder?

— A única coisa que quero de você é saber onde está o meu tio – retrucou imediatamente.

— Você me decepciona – confessou baixando a mão junto do olhar. – Mas se esta é sua escolha, não posso permitir que siga com esta busca.

— Não pode me impedir de encontrá-lo. Ninguém pode! – exclamou a paladina com convicção.

— Vamos ver… – rosnou fazendo um gesto com as mãos.

Dorothy olhou para os desmortos notando-os avançando novamente. Ela passou o machado para a mão esquerda e segurou a lança com a direita, mirando naquele que estava mais próximo de si.

— Me desculpe… – ela pediu ao desmorto respirando fundo, focando-se no único objetivo de descobrir onde estava seu tio.

A garota arremessou a lança e a arma cortou o ar numa velocidade absurda e graças à força e precisão de anos de treinamento, a paladina acertou exatamente no globo ocular do esqueleto mais alto, perfurando o crânio e fazendo-o cair para trás no mesmo instante, esvaziando assim seus olhos da fumaça verde que o controlava. Ela então correu até a carcaça humana pegando o escudo de madeira pútrida e preparou-se para a martelada que já vinha em sua direção.

O esqueleto de anão desceu um golpe pesado na jovem Leon, quebrando uma das ripas de madeira podre do escudo que ela usava. Como resposta, ela empurrou o escudo contra o oponente e o golpeou com a machado, mas antes que pudesse talhar o monstro com a lâmina, ele bloqueou o ataque com o martelo que usava.

Vendo o zumbi se aproximando, Dorothy bateu novamente no anão acertando sua clavícula, ele revidou com um ataque de força concentrada na garota, que apesar de ter colocado o escudo na frente, ainda sentiu uma dor aguda no braço que havia segurado a pancada.

Já sem tempo para lidar com tantos oponentes, ela se moveu para a lateral do anão e o acertou com o escudo. No momento em que ele parou o ataque, ela desceu com o machado em sua clavícula novamente, quebrando o osso e trespassando algumas costelas, desmontando-o de uma só vez.

Ofegante, ela olhou para o zumbi que caminhava em sua direção desarmado. Por um momento desejou aos deuses que aquele não fosse o pai de Charly, mas sem ter a certeza disso ela correu numa investida, fazendo um corte na perna do desmorto que soltou um gemido alto e vazou um líquido de cheiro forte.

Ela ergueu o machado novamente para acertá-lo, mas o zumbi parou seu ataque, segurando o machado no alto. Ele gritou para a paladina mostrando os dentes podres e amarelados, ela tentou puxar a arma de volta, mas não teve sucesso então soltou o cabo do machado e rolou para trás, alcançando o martelo do anão caído.

Desejando apenas que tudo aquilo acabasse ela se levantou e correu em direção ao zumbi. Ele soltou o machado e a arranhou com as unhas compridas, acertando um soco em seu queixo em seguida, mas sem ter como se defender, ele não conseguiu parar a pancada que a garota acertou em seu joelho com o martelo. O desmorto gemeu novamente e caiu desequilibrado, Dorothy o acertou mais uma vez com muito pesar, dessa vez no peito. Ainda se mexendo, o humano morto olhou para ela com as íris já sem cor e a paladina o finalizou atingindo o escudo em sua cabeça.

A jovem Leon soluçou tentando manter a sanidade em meio à tudo aquilo. Ela ouviu o som de mais mortos-vivos e apertou o cabo do martelo com força balançando a cabeça em negação. Erguendo o olhar feroz, ela fitou o Rakshasa que ainda a assistia há alguma distância.

Sentindo a energia de sua aura fluir por seu corpo, ela concentrou-se em seu objetivo e logo o martelo em sua mão começou a emanar um brilho forte,  quase divino. Com a voracidade e os olhos de um leão, a paladina juntou toda a energia que ainda possuía em si e partiu em investida contra o Rakshasa. Ela ergueu o martelo brilhante pronta para erradicar o mal do corpo de seu oponente, mas no momento que abaixou a arma para acertá-lo ele a segurou.

Dorothy arregalou os olhos assustada enquanto o rakshasa segurava seu braço com as unhas cravadas em sua pele. O brilho divino que sua arma emitia, pela força de sua aura, apagou. O Necromante largou seu cajado, cravado na terra, e com a outra mão agarrou o pescoço da garota erguendo-a no ar.

A jovem indefesa soltou o martelo e o escudo, deixando-os cair no chão, para levar as duas mãos até a enorme pata invertida que a sufocava, tentando soltar-se das garras e tocar o solo.

— Ainda acha que pode me vencer?! – rugiu o Necromante soltando o ar quente no rosto da jovem e apertando seu pescoço ainda mais. – Você não é nada para mim! – trovejou enquanto ela contraia o diafragma em busca do ar que não chegava em seus pulmões. – Acha-se tão forte, mas é claro que é apenas mais uma figura superestimada. Não passa de uma garota tola, fraca e inexperiente! – vociferou.

— O-onde ele ess-táh… – ela arfou sentindo seus olhos lacrimejarem e sua visão escurecer.

— Cale-se! – ele berrou arremessando-a e fazendo-a rolar na grama morta. – Você não vai encontrar Steve Leon – disse pegando o cajado e caminhando até ela. – Não está pronta para descer, é fraca demais e vai estragar tudo!

Dorothy olhou para cima com a visão turva e viu o Rakshasa a encarando de pé enquanto ela segurava o pescoço arroxeado e dolorido, retomando o ar.

— O Norte só abriga os fortes e não há lugar para você aqui, paladina. Vá embora e talvez não acabe como seu tio. – A encarou com a luz da orbe iluminando sua face de baixo para cima. – Fique, e eu não serei tão piedoso quando nos encontrarmos novamente – avisou encarando-a com as pupilas contraídas.

Após o aviso, o Necromante virou as costas afastando-se da paladina derrotada. Dorothy ainda arfando e sentindo a terrível sensação de sufocamento, apoiou uma das mãos no chão, levantando-se lentamente e com muito esforço para tentar sobreviver ao resto daquela noite, enquanto mais mortos-vivos caminhavam em sua direção.


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Notas finais do capítulo

Olá pessoas lindas ♥

Feliz ano novo!!! Hahaha~ sei que está atrasado, mas este foi o primeiro capítulo do ano e espero muito que tenham gostado!

Deixem aí suas impressões, elogios, críticas e teorias :3

Beijinhos ♥