Sons of Theolen escrita por Live Gabriela


Capítulo 27
Dorothy - O Segredo do Bosque




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Dorothy olhava fixamente para tronco de pinheiro à sua frente. O sol há pouco havia aparecido e os pássaros apenas iniciavam seus assovios matinais. Seu olhar era fixo e cansado e as pálpebras já lhe pesavam há horas, assim como as preocupações em sua mente.

Ela não pensava sobre o frio que sentia, sobre as dores de seus machucados ou a sensação grudenta que as partes sujas de sangue de sua armadura lhe causavam. O que a incomodava acima de todas essas coisas era ela ainda não ter encontrado Nipples. “Ele não está morto” ela repetia tentando se convencer, afinal, se admitisse que não era capaz de encontrar o serviçal sumido há menos de um dia numa floresta também teria de admitir que ela não servia para proteger ninguém, quanto mais encontrar e resgatar Steve.

— Você me ouviu? – perguntou Arlindo balançando a mão em frente ao rosto dela.

— Desculpa, o que disse? – perguntou desencostando do tronco atrás de si.

— Não há nada aqui em volta. Acho que dá pra dormir um pouco. – disse e bocejou em seguida.

—  Certo. Não vimos mais nenhum drow durante a noite mesmo, acho que estamos seguros por enquanto. – disse ela piscando os olhos para manter o foco.

Arlindo concordou com a cabeça e ela reparou que ele parecia realmente exausto, assim como Charly que estava ali perto sentado no chão com os olhos vermelhos de sono. Solomon estava um pouco afastado, virado de costas, mas ela sabia que o guerreiro também poderia se utilizar de um descanso, por mais que não ficasse falando sobre os inúmeros machucados que tinha em seu corpo ela sabia o quanto ele lutara no dia anterior e que ele ainda estava enfraquecido por conta do toque da Aparição.

— Descansem, eu fico nesse turno – falou a garota respirando fundo e endireitando a coluna.

— Não acho que ninguém vá descansar agora – disse Solomon se virando para eles – Eu escutei algo.

— Sério? – resmungou Arlindo – Eu acabei de me sentar! – choramingou.

— O que você ouviu? – perguntou Dorothy se aproximando do guerreiro.

— Não sei, parecia um ronco. Está vindo dali. – respondeu ele apontando numa direção.

— São os drows. – falou Charly nervoso se levantando rapidamente do chão.

— Não são drows. – falou o clérigo passando a mão sobre o rosto.

— Pode ser o Nipples. – disse Dorothy esperançosa – Nós deveríamos verificar.

Arlindo suspirou cansado e baixou os olhos, concordando com a cabeça em seguida. Ela então se virou para Solomon que olhou para frente fechando levemente os olhos por causa da claridade, pegou o martelo das costas e começou a caminhar.

O coração da paladina começou a bater mais forte e mais rápido no momento em que ela também ouviu barulho.  “Tem que ser ele” pensava aflita “Tem que ser”. Ela acelerou o passo e sem se preocupar com a discrição de seus próprios movimentos, avançou na direção do som até chegar ao topo de um barranco.

Ela olhou para trás vendo seus companheiros se aproximarem mais lentamente e então avançou sorrateira até a beirada do barranco, onde ela pode ver um fino fio de água correndo e próximo a ele um homem adormecido. Ele tinha os cabelos ruivos encaracolados e vestia calças largas de algodão e uma regata com alguns furos, tinha na orelha uma pequena argola dourada e os pés estavam descalços.

— Então, o que é? – sussurrou Arlindo se aproximando, seguido de Charly e Solomon.

— Um homem. – ela respondeu visivelmente desapontada – Está dormindo.

— Humano? – perguntou Charly e Dorothy confirmou.

— Ele está sozinho? – perguntou Solomon.

— Sim. – disse ela virando para Charly que se aproximava da beirada para ver..

— Bem, se não é o serviçal deveríamos voltar e dormir – falou Arlindo.

— Mas e se ele tiver alguma informação sobre o Nipples? – perguntou a paladina.

— Eu não sei não... Ele pode ser perigoso – disse o clérigo.

— Ele parece forte – falou Charly voltando para perto deles.

— Ele não tem armas consigo – disse Dorothy.

— Ele pode ser um conjurador – falou Solomon.

— Verdade – concordou Arlindo apontando para o guerreiro – E, além disso, nunca é bom acordar alguém, não é mesmo?! A pessoa pode acordar irritada, ou na defensiva e...

— Olá?– interrompeu uma voz masculina meio rouca – Tem alguém aí?

— Droga – sussurrou o clérigo.

Dorothy foi então até a beirada do pequeno barranco e olhou para o homem ruivo que se levantava do chão. Ele a encarou com os olhos pequenos e castanhos, fazendo com que Dorothy agora estimasse que ele tivesse pouco mais de trinta anos, talvez a idade de Solomon.

— Oh... Olá? – falou ele desconfiado.

— Olá – disse a paladina – Meu nome é Dorothy Leon.

— Vaalij Momeh. – ele respondeu e os dois ficaram em silencio por alguns instantes – Você está bem? Está perdida?

— Estou bem.

— Você não parece bem – ele falou notando as manchas vermelhas na roupa e armadura da garota – Nenhum de vocês – continuou ao ver também Arlindo, Charly e Solomon de fundo, dessa vez reparando em suas expressões de desconfiança.

— Estamos bem, só não estamos acostumados a encontrar outros humanos por aqui – disse Dorothy.

— É realmente algo raro – disse Vaalij observando atentamente o grupo de pessoas que o encarava de cima – Você disse que seu nome era Leon?

— Sim – ela confirmou franzindo o cenho.

— Bem, isso sim é uma coincidência. – ele disse dando uma leve risada olhando para o chão – Você está procurando por um homem, não está? – perguntou, fazendo a paladina arregalar os olhos – Um serviçal chamado Nipples?

— Você o achou? – ela perguntou se inclinando para frente, mudando sua expressão séria imediatamente – Como ele está?

— Sim, eu o achei ontem à tarde – falou Vaalij apoiando as mãos na cintura, mostrando–se mais relaxado – Ele estava perdido e lutando contra um arbusto errante, mas ele está bem. Eu o deixei dormir em minha casa para descansar.

— Você pode nos levar até ele? – perguntou Dorothy, mas antes que Vaalij respondesse Arlindo a puxou um pouco para trás, cochichando para ela.

— Tem certeza disso? Nós não conhecemos o cara. Ele pode ser só um eremita, mas também pode ser perigoso. Nós não sabemos do que ele é capaz.

— Eu sei, mas essa é a única pista que temos do Nipples em horas. Eu não posso deixar isso passar, além disso, ele não parece estar mentindo.

— Eu sei, é só que... – ele suspirou – Ele disse que tem uma casa por aqui, por que estaria dormindo no meio do mato? Isso é estranho... O que você acha? – se virou para Solomon.

— Não importa. Não é como se estivéssemos a salvo de qualquer jeito... – respondeu o guerreiro fazendo o clérigo olhar para o chão passando a mão na cabeça, preocupado.

— Olha, se não quiserem ir eu vou sozinha. Se Nipples realmente estiver lá, eu volto pra cá com ele depois e...

— Não, isso é loucura e sabe disso – falou Arlindo – Nós vamos com você.

— Obrigada – ela agradeceu sorrindo então se virou para Vaalij – Ficaríamos muito gratos se nos levasse até Nipples.

— É por aqui... – disse ele sorrindo para a paladina.

Dorothy sorriu educadamente de volta e desceu deslizando do barranco, seguida dos outros. Ela os apresentou à Vaalij, mas ainda assim todos estavam apreensivos com a presença dele e Dorothy podia sentir o sentimento recíproco do homem. A situação era estranha para ambos, se por um lado Vaalij poderia estar desconfiado dos quatro estranhos armados que o abordaram e estão seguindo para sua casa, eles também poderiam cogitar a possibilidade de uma armadilha que não pudessem escapar já que estavam extremamente feridos para resistir a qualquer coisa.

— E então, há alguma taverna por aqui? Ou talvez uma estalagem? – perguntou Arlindo quebrando o silêncio.

— Sinto muito – respondeu Vaalij amigavelmente – Mas acho que não vai encontrar algo do tipo em quilômetros. Eu vivo sozinho aqui.

— Bem, eu não diria que está sozinho, exatamente – falou o clérigo.

— Se está falando dos drows, eles chegaram aqui recentemente, mas não vem até o Bosque – explicou.

— Por que não? – perguntou Charly desconfiado, andando dois passos atrás de Vaalij.

— Está fora do território deles – ele respondeu olhando para o garoto que se calou pensativo.

— Então... Você mora aqui há muito tempo? – perguntou Dorothy.

— Cinco anos, mais ou menos. – ele respondeu se virando para a paladina, enquanto os dois caminhavam lado a lado.

— Sério? – perguntou Arlindo – É muito tempo vivendo num lugar tão... Isolado.

Vaalij concordou com a cabeça sem dizer nada e olhou para o chão. Dorothy notou que ele parecia triste e até um pouco envergonhado, mas assim que ele viu que a paladina o observava, ergueu a cabeça sorrindo e perguntou a ela:

— Bem... E o que fazem aqui em Thorrun? Seu amigo me disse que estavam numa missão. Estão atrás do famoso ouro dos anões? – sorriu.

— Não exatamente – ela respondeu – Estou procurando meu tio, Steve Leon. Ele veio numa missão para Thorrun há dois meses e bem... Eu estou procurando por ele agora – ela baixou o olhar.

— Embora o dinheiro seja bom também – continuou Arlindo, tentando deixar o ar da conversa mais animado.

— Nesse caso, acho que terão alguma competição – disse Vaalij – Encontrei um meio-elfo de Theolen que também estava com um grupo atrás dos tesouros dessas terras.

— Não sabia que tantas pessoas vinham pra cá – falou Dorothy.

— Geralmente não vem, mas algo aconteceu há algumas semanas e cada vez mais pessoas tem subido pra o norte, embora seja um lugar muito perigoso.

— Foi o incidente da taverna – disse Charly – Foi quando começou. Os rumores do tesouro se espalharam depois daquilo, foi quando meu... – fez uma pausa – Quando muita gente resolveu vir.

— Aquele maldito cavalo – praguejou Solomon, fazendo Arlindo o encarar com uma das sobrancelhas erguidas – Eu morava na taverna que ele quebrou. O lugar ficou um lixo por uma semana.

— Você morava numa taverna? – questionou o clérigo surpreso.

— Era uma estalagem também – respondeu o guerreiro que caminhava por ultimo.

— Curioso... – sorriu o clérigo.

Eles continuaram caminhando por mais alguns breves minutos, até chegarem próximos pequena clareira onde havia uma casa com uma horta do lado, um celeiro e o que parecia ser uma ferraria primitiva. Vaalij estendeu o braço para que eles fossem à frente e assim que Dorothy seguiu adiante ela viu a porta da casa se abrir.

A casa era de madeira e tinha o formato retangular, se estendendo para trás. Não era grande, tampouco sofisticada, mas naquele momento nada disso importava, afinal foi pela porta daquela casa que ela viu Nipples sair. Com o olhar preocupado e uma vassoura na mão o serviçal observou seu entorno, encontrando Dorothy com o olhar.

— Minha senhora... – disse ele sorrindo.

Dorothy correu na direção do serviçal e o abraçou calorosamente. Nipples ficou sem reação a princípio, mas logo se mostrou constrangido com tanto contato físico e tentou se afastar.

— Oh, minha senhora, por favor! Isso não me parece muito apropriado...

— Eu não me importo se é apropriado, eu estou muito feliz em revê-lo! – disse ela o soltando e deixando uma lágrima de felicidade lhe correr o rosto.

— Estou feliz em vê-la também minha senhora, a todos, na verdade. – falou olhando para Arlindo, Charly e Solomon que saíam do meio das árvores.

— Olá Nipples – falou Charly se aproximando com um esboço de sorriso no rosto que logo sumiu e deu lugar a sua expressão de vergonha – Eu sinto muito não ter ficado com você naquela hora, se eu estivesse lá...

— Oh, senhor Charly, por favor! O senhor estava apenas ajudando a lutar contra aqueles drows terríveis. Não se sinta culpado por isso! – falou o pequeno homem para o jovem – Eu estou bem, lhe garanto. Mas meus senhores, vocês estão muito feridos! O que aconteceu? – perguntou preocupado.

— Nós fomos atrás de você no acampamento dos drows. – respondeu Dorothy.

— No acampamento dos drows? Oh céus! Isso parece extremamente perigoso!

— Parece mesmo. – concordou Vaalij se aproximando também.

— Senhor Vaalij... – falou Nipples arregalando os olhos e rapidamente os desviando para o chão – Bem-vindo de volta.

— Obrigado, Nipples. – ele sorriu – Seus amigos me encontraram na floresta. Uma grande coincidência, não?

— Sim, senhor – respondeu apressado ajeitando sua blusa com um puxão para baixo – Uma feliz coincidência, eu diria. – fez uma pausa – Bem, agora que estamos reunidos novamente, para onde iremos minha senhora? – olhou para a paladina.

— Já pretendem partir? – perguntou Vaalij interrompendo a garota antes que ela respondesse a pergunta.

— Bem, quanto antes seguirmos viagem melhor – disse ela e o serviçal concordou com a cabeça.

— Entendo – disse o homem – Mas vocês estão muito feridos e a floresta não é lugar para quem não está em seu melhor estado. Se quiserem, podem ficar hoje por aqui e descansar.

— Ahn... Isso é muito gentil de sua parte – falou a garota surpresa pelo convite.

— Sim, meu senhor, tem certeza que não iremos lhe incomodar? – perguntou Nipples apertando as mãos juntas.

— Claro que não! – respondeu o ruivo, sorrindo.

— Uau... Eu nem ao menos sei como lhe agradecer.

— Oh, não há necessidade para agradecimentos. Eu gosto de companhia e como já disse eu não tenho muita por essas terras...

Dorothy comprimiu os lábios e olhou para seus companheiros tentando saber se achavam aquilo uma boa ideia, mas com exceção de Arlindo que acenou positivamente com a cabeça, eles apenas aparentavam cansaço, o que a fez logo tomar a decisão.

— Está bem, acho que ficar num lugar tranquilo pode ajudar bastante a gente se recuperar.

— Bem, então fiquem a vontade, tenho um colchão e uma cama grande lá dentro onde podem descansar, há também o sofá e um tapete de peles. A casa não é muito grande, mas estarão mais protegidos nela do que entre as árvores. A única coisa que peço é que deixem as armas no celeiro, não gosto delas em casa.

— Sem problemas. – concordou a paladina.

Logo todos se livraram de suas armas e armadura e adentraram a pequena casa de madeira. Ela era dividida em dois cômodos, sendo um deles o quarto e o outro a sala e a cozinha, que eram separadas por um balcão. Vaalij levou Dorothy, Charly e Arlindo até seu quarto e lá os três adormeceram. Solomon ficou na sala cuidando de seus ferimentos junto de Nipples, mas também dormiu pouco tempo depois.

Várias horas se passaram até Dorothy acordar sentindo-se bem mais disposta. Ela sentou-se no colchão que estava ao lado da cama de Vaalij e olhou em volta, vendo Arlindo ajeitando o cabelo em frente a um pequeno espelho rachado pendurado na parede e Charly ainda adormecido na cama que dividira com o clérigo.

— Boa tarde – disse Arlindo a vendo através do reflexo do espelho.

— Boa... Já é tarde? – perguntou ela cobrindo a boca enquanto bocejava.

— Sim, nós dormimos muito – respondeu – E então, o que acha? – perguntou o clérigo se virando para ela, agora com o rosto limpo e livre de machucados – Consegue ver alguma cicatriz ou hematoma?

— Acho que não – ela respondeu apertando os olhos.

— Ah... Nada que um pouco de água não resolva. – suspirou aliviado.

— É, seu rosto está...

— Lindo? Perfeito? Livre de impurezas? – falou ele erguendo o rosto com um sorriso de lado.

— Normal – continuou ela com um sorriso brincalhão.

— Sei... – ele estreitou os olhos verdes – Você não precisa esconder sua admiração pela minha beleza, sabia? – ergueu as sobrancelhas finas.

— O que? – disse ela rindo se levantando do colchão no chão – Eu não... Faço isso.

— Certo... Venha cá então – disse ele suavemente, já se aproximando da garota.

— Por quê?                   

— Seus lábios estão cortados... – falou estendendo a mão até seu queixo.

— Ah... Eu posso curar isso, não tem problema. – gaguejou ela com o coração acelerado – Você não precisa... – segurou a mão do clérigo para tirá-la de seu rosto.

— Minha senhora, que bom que acordou! Será que posso falar com... – falou Nipples aparecendo à porta apressado – Oh, sinto muito, eu não queria interromper, eu só... Bem, isso pode esperar um pouco – gaguejou dando alguns passos para trás – Desculpe-me, eu vou me retirar agora.

— Espera, você não estava interrompendo nada! – exclamou a paladina com as bochechas rosadas vendo o serviçal se afastar nervoso.

— Só uma sessão de cura – completou Arlindo calmamente.

— É, era só isso... – disse ela olhando confusa para o clérigo.

— Com certeza! – concordou ele com um sorriso malicioso.

Dorothy ficou boquiaberta alguns segundos então caminhou para fora do quarto olhando apenas para o chão, envergonhada, enquanto Arlindo apenas deu de ombros e se voltou para o espelho novamente. Ao sair do quarto de Vaalij a paladina viu Solomon dormindo no sofá sem sua armadura, ele estava com algumas faixas em volta do corpo e plantas sobre seus machucados, que não eram poucos.  “Ele devia estar sentindo muita dor” pensou lembrando-se de não ouvir o guerreiro se queixar disso em nenhum momento da viagem, o que só a fazia pensar se ele era orgulhoso demais para isso ou apenas muito resistente.

— Bem, você parece melhor. – disse Vaalij ao vê-la ao lado de seu sofá velho.

— Ah, obrigada. – disse ela se virando para o homem que colocava os pratos de madeira sobre a mesa de quatro lugares – Eu me sinto melhor, mas ainda tenho que dar um jeito nos meus machucados. – endireitou as costas as estalando.

— Tenho algumas coisas que podem ajudar com isso.

— Obrigada, mas vou tentar me recuperar sozinha. – disse ela olhando ao redor a procura do serviçal – Han... Você viu Nipples por ai?

— Sim, ele está lá fora – respondeu – E Dorothy, eu não o conheço muito bem, mas ele parece um tanto agitado hoje.

— Eu falo com ele. – ela sorriu.

Dorothy saiu da casa e sentiu o calor do sol sobre sua pele, ela então concentrou a energia de sua aura na palma das mãos e tocou sobre o próprio braço. O brilho azulado aos poucos foi desaparecendo de suas mãos, assim como os ferimentos de seu corpo. Ela respirou fundo sentindo parte da dor que lhe acompanhava sumir e olhou para si mesma. Os cortes e as perfurações que levara haviam se fechado, mas os hematomas dos golpes em seu tronco continuavam ali. Ela pressionou os lábios e deu de ombros “Amanha vai estar melhor” pensou otimista e deu alguns passos para frente, observando seu entorno e encontrando Nipples nos limites da clareira.

Ela se aproximou do serviçal que estava agachado procurando por algo e perguntou se estava tudo bem com ele.

— Sim, minha senhora – levantou rapidamente com alguns cogumelos na mão – Sinto muito por interromper você e o senhor Arlindo agora há pouco. Não era minha intenção.

— Você não interrompeu nada... Apenas, me diga o que queria falar.

— Bem – ele levou as mãos até as costas – Estou apenas preocupado com a nossa estadia aqui.

— Por quê?

— Eu acho que deveríamos ir embora. Não faz muito tempo que passou do meio-dia, poderíamos avançar bastante antes de anoitecer.

— Poderíamos, mas por que quer ir embora tão depressa?

— Eu temo que não estejamos seguros aqui, minha senhora. – olhou para o chão.

— O que? Por que diz isso? É o Vaalij? Ele fez algo para você? – ela perguntou preocupada.

— Ele não fez mal algum para mim, minha senhora – respondeu – Eu apenas acho que seria melhor se fôssemos embora. – cruzou os braços sem olhá-la diretamente nos olhos.

— Tem certeza de que está tudo bem? – perguntou a paladina, desconfiada de que o serviçal lhe escondia algo – Você está pedindo que deixemos o lugar mais seguro que encontramos nessa viagem depois de um dia terrível de combates.

— Eu sei o que estou pedindo minha senhora, mas só digo isso porque me preocupo com você e os outros senhores.

— Por quê? Por que está tão preocupado? – ela insistiu.

— Eu não posso dizer. – balançou a cabeça negativamente olhando para baixo – Peço apenas que confie em mim. Por favor.

Dorothy soltou um suspiro e observou atentamente o serviçal. Fora o nervosismo aparente pelas mãos trêmulas, ele parecia bem e saudável, sem nenhuma marca de machucado. “Do que está com tanto medo, Nipples?” questionou em silêncio.

— Muito bem, vou discutir isso com os outros.

— Obrigado, minha senhora. Com licença. – ele se curvou levemente como agradecimento e adentrou a casa.

A paladina viu o serviçal se afastar e entortou a boca intrigada pela vontade dele de partir dali. Lembrou-se então de um conselho que seu pai lhe dera uma vez: Quando você está comandando uma equipe, deve sempre ouvir e proteger a todos. Suas decisões devem ser sábias e você deve ser um líder, não apenas um capataz.  Dorothy suspirou “Ele provavelmente saberia o que fazer agora” pensou insegura enquanto caminhava calmamente para a cabana.

Em poucos minutos Vaalij chamou a todos para uma refeição, com exceção de Solomon que continuava dormindo. Ele, Dorothy, Arlindo e Nipples sentaram-se na pequena mesa apertada enquanto que Charly preferiu comer separadamente, na poltrona adjacente ao sofá em que estava o guerreiro adormecido.

A refeição iniciou-se silenciosa até o clérigo elogiar o tempero levemente apimentado de Vaalij e assim iniciar um assunto.

— Que bom que gostou – disse o homem ruivo – O engraçado sobre essa folha que usei é que ela na verdade é venenosa.

— O que? – perguntou Dorothy arregalando os olhos, assim como todos os outros que se assustaram com essa declaração.

— Oh, não se preocupe! – ele deu risada – Ela apenas paralisa a pessoa, mas para isso acontecer eu teria que ter colocado uma quantidade bem maior dela na comida. Com apenas meia folha tudo o que ela dá é esse apimentado na língua. – esclareceu, deixando a garota mais aliviada.

— É, eu posso sentir ardendo. – disse o clérigo olhando para os lados achando a situação um tanto perturbadora.

— Querem algo para beber? Ajuda a aliviar a sensação caso não estejam acostumados. Tenho um pouco de suco de amora, água e uma cerveja que fiz recentemente.

— Artesanal? Gosto do seu estilo. – falou o clérigo já mais aliviado e levemente impressionado.

— Bem, não é como se eu tivesse muita escolha por aqui. – deu risada – É algo complicado de se fazer, mas eu gostei da experiência. Ficou um pouco forte, mas eu particularmente gosto mais dela assim. – disse ele se levantando para pegar as bebidas.

— Ele é um pouco excêntrico, mas estou gostando desse cara. – falou Arlindo para Dorothy – Estou gostando muito desse cara.

Dorothy sorriu rapidamente para o clérigo, sem prestar muita atenção no que ele dizia. Ela estava mais concentrada em Nipples que comia calado. “Tem algo errado” pensou consigo “Mas o que? Vaalij parece ser um bom homem. Será que foi algo que aconteceu no caminho dele pra cá?” considerou.

— E então Nipples... – disse ela– O que aconteceu com você? Como chegou até aqui?

— Bem, minha senhora... Foi tudo muito terrível. Dois drows me capturaram e me levaram até a floresta. Eles ficavam discutindo, eram rudes e assustadores, mas felizmente eu consegui escapar deles e depois de um tempo o senhor Vaalij me encontrou enquanto um monstro-planta me atacava, ele comeu boa parte dos nossos pertences de viagem! Felizmente eu consegui salvar sua mochila! – disse e então se virou para Charly – Mas a sua e do senhor Solomon foram devoradas, sinto muito.

O garoto deu de ombros e voltou a encarar a comida no prato.

— Isso é tudo? Os drows não te feriram? – ela perguntou com o cenho franzido.

— Não, embora eu tenha sido picado por uma abelha gigantesca! – respondeu olhando para ela – Mas, acredito que eles não tenham me ferido porque queriam que eu abrisse uma caixa para eles.

— Uma caixa? – ela perguntou confusa.

— Sim, minha senhora, a que carrega em sua mochila.

— A caixa do Mago – disse ela olhando para Arlindo – Será que eles sabem o que há dentro dela?

— Duvido muito – respondeu o clérigo – Obrigado. – agradeceu à Vaalij que retornava à mesa com as garrafas – Eles devem ter sentido que havia magia nela como a gente, mas a menos que tivessem um adivinho como o próprio Gold Orb, não sei se saberiam o conteúdo da caixa.

— Hum... Ainda assim, isso é estranho – falou Dorothy pensativa.

— Você quer também? – perguntou Vaalij oferecendo a cerveja para a garota.

— Não, obrigada. Eu não bebo cerveja.

— E você? – ofereceu à Nipples.

— Não senhor Vaalij, obrigado, mas não me envolvo mais com essas coisas. – respondeu olhando para baixo.

E assim todos voltaram a comer, enquanto Vaalij contava a Arlindo sobre como havia preparado sua cerveja. Em alguns minutos Dorothy esvaziou seu prato e assim que se preparou para repetir o delicioso ensopado de carne notou Charly levando o prato quase intocado para a cozinha e saindo cabisbaixo da casa em seguida. Nipples também viu o garoto e preocupado olhou para Dorothy como quem quisesse saber o que acontecera.

A paladina já havia notado que o garoto andara calado desde a noite passada, mas achou que fosse apenas o cansaço, como isso não mudou depois dele dormir ela achou que deveria ser outra coisa, então pediu licença e se retirou da mesa, indo atrás do garoto.

— Charly...? – ela o chamou já do lado de fora, o encontrando sentado na lateral da casa com rosto escondido entre os joelhos – Está tudo bem?

— Uhum... – murmurou sem erguer a cabeça.

Dorothy sentou-se ao lado dele e então pôs a mão sobre seu ombro.

— Me conte o que é para eu te ajudar... – ela insistiu.

— Não. Eu não quero que você pense que eu sou fraco – disse ele.

— Por que eu pensaria isso?

— Porque... – ele ergueu a cabeça e a olhou com os olhos avermelhados fazendo uma pausa em seguida.

— O que?

— Porque eu... Eu matei uma pessoa! E eu não sei  como agir depois disso! – falou por fim deixando a paladina boquiaberta – Eu não... – suspirou – Você, o Arlindo, o Solomon... Todos vocês fizeram isso e- e isso não mudou nada pra vocês. Eu não consigo parar de pensar nisso... Eu... Como você faz? Como tira a vida de alguém e consegue viver com isso?

Dorothy levou um susto, não imaginara que era aquilo que incomodava o garoto, afinal nunca havia sentido o conflito que Charly sentia. Talvez por ela ter sido criada acreditando que deveria eliminar o mal do mundo ou talvez por ela já tê-lo feito antes de ir ao norte, quando era nova demais para entender esse tipo de coisa. De qualquer jeito, ela não sabia exatamente como responder à pergunta do garoto então depois de alguns instantes em silêncio ela perguntou quando ele havia feito aquilo.

— Ontem... – ele respondeu olhando para o chão – Ela era uma drow, uma conjuradora e agora ela...

— Charly, não... Não pense sobre isso.

— Como eu posso não pensar? Eu a matei, com as minhas mãos!– exclamou olhando para Dorothy com as palmas das mãos abertas, enquanto duas lágrimas escorriam em seu rosto.

— É, mas não é como se nós tivéssemos muita escolha! Nós fomos atacados ontem e se você não tivesse feito nada, tenho certeza que ela faria!– disse ela e Charly começou a chorar cobrindo o rosto com as mãos.

Dorothy levou a mão à testa notando que sua fala não havia consolado o garoto, na verdade o havia deixado pior.

— Oh, deuses... – ela sussurrou – Charly, me desculpa eu não--

— Eu não queria fazer aquilo... – balbuciou o garoto a interrompendo.

— Eu acredito em você. – ela o encarou – Você fez o que tinha que fazer para sobreviver e algumas vezes não há outro jeito.

— Eu não acho que consiga fazer isso de novo – gaguejou o menino.

— Tudo bem, só... Não pense mais nisso. Já passou. – disse ela passando o braço em volta do garoto e o abraçando.

Charly se virou para a paladina e a abraçou fortemente se segurando a ela por alguns minutos. A garota não o soltou em nenhum instante, sentia-se culpada por ele ter de passar por aquilo, afinal se ela tivesse escutado Solomon e deixado Charly em Theolen, talvez o garoto estivesse melhor, sem correr riscos de vida o tempo todo e sem ser obrigado e lidar com esse tipo de situação.

Passado algum tempo, Charly acabou cochilando no colo de Dorothy, mas ele não ficou ali por muito tempo já que Nipples logo apareceu preocupado. O garoto acordou um tanto envergonhado e seguiu Nipples para dentro, onde o serviçal lhe disse que iria limpar e cuidar de seus machucados.

Dorothy ficou do lado de fora pensando no que poderia fazer para deixar o garoto melhor e pouco depois Arlindo saiu de dentro da casa carregando um balde vazio e uma cerveja na mão. Ela o viu ir até a bomba de água e começar a encher o balde, o que chamou sua atenção.

— O que está fazendo? – ela perguntou se aproximando.

— Enchendo o balde. – ele respondeu tranquilamente.

— Eu posso ver isso, mas por que precisa de tanta água?

— Eu sou o clérigo da água, eu preciso disso.

— Pra fazer suas magias?

— Não, para me limpar. Não tomo banho há dias!

— Certo... – ela ergueu uma das sobrancelhas notando o leve cheiro de álcool saindo de sua boca – De qualquer jeito, eu queria falar com você sobre o Nipples. Ele tem agido estranho.

— Ele é estranho. – comentou enquanto empurrava a alavanca da bomba para baixo.

— Eu estou falando sério. Ele quer sair daqui, pediu para que partíssemos, mas não me falou o motivo para tanta pressa. Eu acho que ele está com medo de algo...

— Mas é claro que ele está! Ele foi capturado e passou a noite sozinho na cabana de um lenhador que tem dobro do tamanho dele!

— Eu não sei se é exatamente isso.

— Está suspeitando do Vaalij? – franziu o cenho.

— Eu não sei. Ele parece uma boa pessoa.

— Você sentiu a aura dele?

— Não.

— Não? – ele perguntou surpreso – Achei que tinha feito isso quando a gente o achou, por isso segui o cara sem muito alarde!

— Eu não... Pensei nisso na hora. – olhou para o lado envergonhada.

— Deveria. – falou colocado a alavanca na posição inicial – Quer saber, por que você não vai fazer isso agora? Conversa com ele, vê o que descobre e enquanto isso eu cultuo Obad-Hai, porque já faz um bom tempo que não tiro um momento pra ele.

— Ah... – ela suspirou – Está bem.

— Pode voltar aqui depois e se juntar a mim na meditação se quiser. – ele sorriu.

Dorothy concordou com a cabeça e então entrou na cabana. Ela pode ouvir Charly e Nipples no quarto enquanto Vaalij arrumava o que sobrara do almoço tardio. Ela então se aproximou da bancada que dividia a cozinha da sala e se apoiou sobre ela.

— Precisa de ajuda com isso? – perguntou ao seu anfitrião.

— Oh, não precisa. – ele respondeu a olhando rapidamente com um sorriso simpático no rosto – Gostou da comida? – ele perguntou se voltando aos pratos.

— Sim, estava ótima! – ela respondeu e então discretamente estendeu a mão sobre o balcão a esticando na direção do homem.

Ela respirou fundo e então se concentrou fechando os olhos. Por um instante Dorothy sentiu alguma coisa, como um vento gelado que logo parou de soprar. Ela abriu os olhos encarando Vaalij que estava de costas para ela, mas não sentiu mais nada. “Ele não é mal...” pensou ela puxando a mão de pressa e esbarrando num livro que estava em cima da bancada, fazendo-o cair.

Vaalij se virou e ela rapidamente se desculpou pegando o livro do chão e o colocando de volta ao lugar, até que o título dele chamou sua atenção.

— O Livro dos Monstros... – ela sussurrou.

— Sim, é algo em que trabalho há alguns anos. Pretendo colocar aí todas as criaturas que eu encontrar aqui no Norte – disse o homem.

— Todas as criaturas? – perguntou observando a capa de couro do livro – Parece bem trabalhoso.  Você veio pra cá para fazer isso?

— Não exatamente, é mais um passatempo. – ele respondeu sorrindo ainda de costas – Na verdade eu sou um ferreiro, mas acho que este livro pode ajudar bastante a entender Thorrun.

— Você é um ferreiro? Meu pai também é! Bem que eu vi sua pequena ferraria lá fora.

— Há, ela é pequena, mas ela dá pro gasto.

— Eu imagino que sim. Quando meu pai e meu tio eram crianças eles passaram certa dificuldade e meu pai teve que começar a trabalhar pra cuidar do Steve, ele me conta que não tinha quase nada e sempre me fala que podemos fazer muito com pouco, basta querermos isso.

— Parece um homem esperto. Ele tem a própria ferraria agora?

— A melhor da capital. – ela sorriu orgulhosa – Ele recebe pedidos de muitos lugares do reino, inclusive do castelo.

— Impressionante.

— Se algum dia for para Theolen devia passar na capital e nos visitar lá.

— Obrigado, mas não acho que eu vá voltar tão cedo para Theolen.

— Por que não? Você é do reino, não é?

— Sim, eu sou, mas eu sofro de uma... Condição, que não é muito bem vista nas cidades.

— É por isso que veio para o norte? – ela perguntou e ele suspirou acenando positivamente com a cabeça – Eu sinto muito por isso. Eu posso fazer algo para ajudar?

— Eu duvido muito, não acho que ninguém possa me ajudar agora. – respondeu melancólico e fez uma pausa – Bem, você disse vir da cidade de Theolen, deve ter passado por muita coisa até chegar aqui. Que criaturas encontrou em seu caminho? – perguntou já com o semblante mais alegre.

— Oh, algumas... Deixe eu ver se você as tem aqui. – ela sorriu.

Dorothy abriu então abriu o livro e começou a folheá-lo vendo diversas criaturas que ela não conhecia e outras que já tinha visto como orcs, drows, o bugbear... Ela apontou todos para Vaalij comentando de seus encontros até ver uma imagem em particular a chamou atenção.

— Rakshasa. – ela sussurrou para si mesma.

A folha amarelada tinha o desenho de uma criatura bípede com cabeça de tigre segurando um cajado e os escritos “Rakshasa: humanoide com cabeça de tigre e mãos invertidas. Aproximadamente 1,90 de altura. Conjurador. Visto em: Planície Roxa, sem contato direto. Status: Perigoso.”.

— É ele... – ela disse em tom mais baixo.

— O que?

— É ele, a criatura que eu encontrei na Planície Roxa. – disse ela apontando para o desenho enquanto o ferreiro ruivo se virava para ela – Esse é o nome dele?

— Não o nome, é o que ele é. – respondeu e franziu o cenho – Você disse tê-lo encontrado?

— Dois dias atrás eu o encontrei na Planície e nós conversamos.

— Conversaram? – perguntou Vaalij surpreso.

— Sim e ele parecia me conhecer, mesmo sem nunca termos nos visto.

— Isso é estranho. – comentou passando a mão no queixo, sobre a pequena barbicha ruiva – O que ele lhe disse?

— Ele falou algumas coisas, mas eu não entendi exatamente, ele dizia tudo de maneira confusa e misteriosa.

— Ele é uma criatura misteriosa. Devia ter cuidado perto dele – aconselhou.

— Você falou com ele também?

— Não, eu apenas o vi a distância. – negou com a cabeça.

— E por que o marcou como “perigoso”? – ela perguntou curiosa.

— Bem... Eu o vi numa noite de tempestades. Ele estava conjurando uma magia poderosa, parecia controlar os esqueletos que estavam à sua volta enquanto raios caiam sobre os túmulos dos mortos. Eu não conheço nada de magia, mas sei que esse tipo de coisa não é qualquer um que consegue fazer.

— Por Heirôneous... Então ele realmente é um necromante. Eu preciso falar com os outros, isso pode ser a nossa chance de encontrar o Steve. – ela fechou o livro agitada – Obrigada Vaalij, por tudo.

Ele apenas abaixou levemente a cabeça fechando os olhos com um sorriso e ela logo foi ao quarto encontrar Charly e Nipples.

— Acho que sei como encontrar Steve – disse animada chamando a atenção dos dois para si – Essa criatura é a que eu e Arlindo encontramos na Planície.

— A que mandou os esqueletos atrás de nós, minha senhora?

— Sim Nipples.

— O que ele é? – perguntou Charly.

— Um rakshasa – ela respondeu consultando o livro – Mas o importante é que ele já foi visto por Vaalij na Planície também, no meio de vários mortos-vivos.

— E isso é algo bom…? – perguntou o garoto confuso.

— Sim, agora tenho quase certeza de que ele realmente é um necromante, o que quer dizer que Steve provavelmente veio ou vai atrás dele em algum momento já que a missão dele é acabar com o mal da região e a aura maligna que senti naquela criatura era extremamente poderosa.

— Então se ficarmos de olho no Necromante achamos o seu tio… – comentou Charly.

— Isso é fantástico, minha senhora! – disse Nipples – Então partiremos hoje?

— É uma possibilidade – ela respondeu sorrindo.

Nipples olhou então pela janela, vendo o sol da tarde cada vez mais baixo, ele sabia que em pouco tempo anoiteceria então se retirou do quarto, dizendo que deveria fazer alguns preparativos para a noite.

Charly sugeriu que eles procurassem por mortos-vivos no livro de Vaalij já que poderiam encontrar alguns trabalhando para o rakshasa. Dorothy concordou e em algum tempo eles descobriram que não havia outros tipos de mortos-vivos além de esqueletos, como zumbis, fantasmas e aparições. Eles descobriram também que os mortos-vivos eram normalmente encontrados durante a noite, sendo sua maioria vista na planície, e que a Aparição da ponte na verdade era um guardião daquela passagem que aparecia apenas depois do por do sol.

— Com toda essa informação não vamos mais ser pegos de surpresa – falou a paladina confiante – Eu vou contar ao Arlindo, você pode acordar o Solomon?

— Eu? – franziu o cenho.

— Por favor, vocês tem que se entender uma hora ou outra.

— Ah... – suspirou o garoto – Ta bem.

Dorothy então saiu da casa procurando por Arlindo enquanto segurava o livro de Vaalij nas mãos. Ela viu um pouco de fumaça saindo da parte de trás da cabana, que logo ela associou às velas de culto que o clérigo usava e foi até lá.

— Arlindo, eu tive uma ideia de como podemos encontrar o Steve... – disse ela se aproximando da parte detrás da casa de Vaalij, onde ela levou um susto ao encontrar o clérigo completamente nu – Pelos deuses! O que está fazendo?! – ela exclamou cobrindo os olhos.

Arlindo estava tomando sua cerveja em frente ao pequeno templo que montou com várias velas, garrafas (vazias), plantas e sua estátua de Obad-Hai. Ele virou para a garota constrangida e sorriu ao responder:

— Cultuando.

— Por que você está sem roupas? – ela perguntou afoita, olhando no rosto dele enquanto cobria sua visão do resto do corpo do clérigo com o livro – Está frio aqui fora!

Arlindo olhou para o próprio corpo então ergueu uma das sobrancelhas sorrindo maliciosamente.

— Eu não estou com frio... – riu consigo – E eu estou assim porque este é o modo como viemos ao mundo! – respondeu com a voz levemente arrastada – A aparência natural de todos os seres... É libertador, na verdade. Você deveria tentar. – falou tomando mais um gole da bebida engarrafada.

— Não, obrigada! Estou bem com a minha religião e minha roupas. – ela respondeu olhando para cima nervosa.

— Sabe, é por isso que você é tão travada. Você tem que se deixar ser...

— Eu não sei o que isso quer dizer.

— Apenas se junte a mim e a natureza.  – ele estendeu a mão sorrindo – Eu sei que você quer, você estava chamando por mim.

— Na verdade eu te chamei por outro motivo. – ela deu um passo para trás – Se quiser continuar cultuando sua natureza, faça isso sozinho. Quando estiver vestido me encontre lá dentro, tenho algo importante pra...

— Ahh, tudo bem então! – ele exclamou agora com raiva numa mudança repentina de humor – Vá embora! Vocês mulheres são todas iguais mesmo!

— O que?– Dorothy sussurrou assustada, observando a quantidade de garrafas vazias no chão – Certo, eu acho que você já bebeu demais por hoje e—

— Não! Eu estou fazendo isso por ele. – falou apontando para a pequena estátua de madeira – Você não me entende. É igual a ela.

— Ela, a estátua?

— Não! Maricruz! – disse e deu mais um gole.

“Maricruz?” Dorothy franziu o cenho, curiosa, mas acabou não perguntando nada por achar não ser o momento adequado.

— Certo... Estou vendo que você já cultuou Obad-Hai o suficiente por hoje, que tal você se vestir e descansar um pouco. – falou caminhando até as roupas do clérigo no chão, ainda sem olhar diretamente para ele.

— Eu nunca farei o suficiente... – disse ele num ar melancólico e então se virou para a paladina – Você acha que eu sou uma boa pessoa?

— Sim, eu acho. – ela respondeu estendendo as roupas na direção dele.

— Ah... – ele suspirou pegando as vestes – Obrigado, Dorothy. Eu também gosto de você. – ele disse a olhando nos olhos e ela pode sentir a sinceridade do clérigo.

— Certo... Agora se vista. Te encontro lá dentro, está bem? – disse ela sorrindo um tanto sem graça.

Arlindo sorriu de volta e acenou com a cabeça, indo até casa com as roupas nas mãos. Dorothy o olhou rapidamente vendo uma pequena cicatriz na nádega direita do clérigo e então se voltou para o altar que ele havia montado, pegando as coisas importantes e juntando as garrafas de cerveja num canto.

Logo depois ela adentrou a casa, encontrando Arlindo conjurando uma magia sobre Solomon que já estava acordado, enquanto Charly e Nipples observavam.

— E pronto! – falou o clérigo batendo uma mão à outra – Sem mais efeitos de fantasmas grandes e do mal pra você! Quer uma cura também?

— Não. – negou Solomon se levantando do sofá, sentindo-se melhor ainda que continuasse muito ferido – Então estamos indo? – perguntou à paladina.

— Sim – ela concordou – Onde está Vaalij? Gostaria de me despedir dele.

— Ele saiu enquanto você lia o livro com o senhor Charly, minha senhora. Acredito que não voltará até amanhã – respondeu Nipples.

— O que? Mas ele nem disse nada.

— Ele estava com pressa, minha senhora – disse Nipples indo até a cozinha.

— Pra onde vamos? – perguntou Solomon.

— De volta para a Planície Roxa, vamos atrás do Necromante.

— Certo. Vou por minha armadura. – disse pegando a armadura jogada ao lado do sofá e indo até o quarto.

— Minha senhora, estou esquentando o que sobrou de nosso almoço para o senhor Solomon, seria bom que partíssemos apenas depois dele comer. Ainda está muito vulnerável.

— É, eu vi. Eu tentarei convencê-lo a aceitar ao menos um pouco da magia de cura de Arlindo. – ela se virou para o clérigo, que arrumava a blusa que colocara ao contrário.

Dorothy ergueu uma das sobrancelhas então colocou o livro de Vaalij no lugar e se dirigiu em direção à porta, ela olhou para o céu vendo o laranja do crepúsculo enquanto a lua cheia já aparecia com seu brilho esbranquiçado. “Se não der tempo, podemos dormir no Bosque de novo, ao menos os drows não nos perseguirão aqui” pensou e colocou o pé para fora.  No mesmo instante um barulho alto e agudo ecoou por entre as árvores.

Dorothy olhou para dentro da casa assustada e encarou seus amigos. Nipples estava trêmulo e visivelmente amedrontado enquanto Charly olhava para os lados tentando entender o que era aquele som.

— Vocês ouviram isso? – perguntou Arlindo – Parecia um porco morrendo!

— Deve ser um javali – disse Charly – Eu vi no livro do Vaalij que há alguns por aqui.

— Oh não... É tarde demais para irmos embora. – lamentou Nipples segurando as mãos fortemente – Ele está perto.

— Do que está falando Nipples? – perguntou Dorothy confusa.

Então o grunhido novamente apareceu e seguido dele o som de algo grande e pesado caindo.

— Isso foi uma árvore? – perguntou Arlindo indo em direção à janela.

— Eu sinto muito, minha senhora – Nipples levou as mãos à cabeça – Eu deveria ter falado antes, mas eu não queria que o machucassem e...

— Vocês ouviram isso? – perguntou Arlindo assustado – Bem ali! Caiu uma árvore ali!

—  Está vindo até nós! – exclamou Charly nervoso.

— ... ele é uma boa pessoa e eu não sei se ele sabe de sua condição... – continuou Nipples desesperado.

— O que vamos fazer? – perguntou Charly.

— Oh, é algo grande... É algo muito grande! – disse o clérigo olhando para a garota – Nós deveríamos chamar Solomon.

— ... eu não queria que ninguém se machucasse e achei que se saíssemos daqui a tempo não iríamos nos encon--

— O que foi aquilo? – perguntou Solomon aparecendo na sala com metade da armadura no corpo.

— Pode ser um gigante. Ou um troll! – disse Charly.

— ... eu sinto muito mesmo, minha senhora, eu deveria insistido mais para irmos embora e... – falou Nipples andando de um lado para o outro.

— Nós deveríamos trancar tudo e...

— E o que? – disse Arlindo interrompendo o garoto – O que quer que seja está limpando o caminho de árvores até a gente, a casa não vai aguentar!

— O que está acontecendo? – perguntou Solomon com o cenho franzido sem entender uma palavra do que diziam.

— Pelo amor de Heirôneous, fiquem quietos! Eu não estou entendendo nada! – gritou a paladina sem conseguir ouvir o que cada um dizia – Nipples! O que está acontecendo? Esse é o motivo pelo qual você queria ir embora?

— Sim, minha senhora. – ele parou com as mãos fechadas sobre o peito.

— O que? – perguntou Arlindo indignado – Você sabia sobre isso?

— Sim meu senhor, mas eu...

— Eu sabia que ele era um espião! – exclamou o clérigo apontando para o serviçal.

— Arlindo! Quieto! – exclamou Dorothy – O que é que está vindo pra cá Nipples?

— Eu não tenho certeza, minha senhora, mas acredito que seja um licantropo.

— Um o que? – perguntou Charly ofegante.

— É um transmorfo – respondeu Dorothy.

— Um lobisomem. – disse Solomon olhando para o chão com o cenho franzido.

— Na verdade acredito que estamos lidando com um homem-javali neste caso – disse Nipples.

— Se este é problema vamos apenas finalizá-lo – falou Solomon.

— Não! – exclamou Nipples – Não podem fazer isso, minha senhora, por favor! – implorou à garota.

— Por que não? – perguntou Arlindo com os olhos semi serrados – Ele é seu amigo por acaso, traidor?

— Estamos em maior número, podemos lidar com isso. – disse Solomon para Dorothy.

— Vocês não podem machucá-lo! – exclamou o serviçal aflito.

— Nipples, diga de uma vez o que vem nos escondendo! – exclamou Dorothy ao ouvir o grunhido novamente, agora mais alto.

— Oh, minha senhora, eu sinto dizer isso, mas... Eu acredito que Vaalij seja o homem-javali e ele está vindo atrás de nós...


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Notas finais do capítulo

Olá theolinos! Como vocês estão?
Esse foi mais um capítulo de SoT e espero que tenham gostado!
Qualquer duvida, elogio ou crítica é só comentar que estarei ansiosa para respondê-los!
Até a próxima!