Quando você passa escrita por Vampiric Lilium


Capítulo 1
Quando você passa


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente um grande obrigada a Camille por ter feito a capa desta one-shot. Então há esse grupo no facebook, onde a Camille (acho que vocês devem conhecê-la como Srta Pezzino por aqui, sim, acho que é esse o nome) postou essa foto com uma pequena narração super simples e bonitinha sobre um menino e uma menina escrevendo em seus diários.São dois bocós que se gostam, mas com minhocas na cabeça, achando que um não é bom o bastante para o outro. No fim, tínhamos de fazer uma fic sobre essa situação com o shipp NaruHina. Eu não tenho tempo ou ideias para um fic no momento, então optei por fazer uma one que, espero eu, tenha transmitido aquele sentimento. Tomei a liberdade de pegar alguns trechos e adaptar/colar na one. Não é uma fic, por isso é só uma grande passagem, não uma uma história completa e elaborada como as pessoas provavelmente devem estar querendo depois de ler aquilo. Algo simples. Minha primeira vez escrevendo uma NaruHina, espero não ter cometido nenhum perjúrio. Bem, então vamos lá.



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Hinata

Limpei os dedos sujos de tinta em um pano úmido e fui para perto da janela.

Lá embaixo os garotos do time de futebol já haviam iniciado as vinte voltas de aquecimento ao redor do gramado. Como em todas as manhãs, soltei um suspiro ao identificar Naruto-kun entre eles.

Ele e o sol combinavam, com suas cores tão vivas e emanando calor. Era uma chama viva que nunca se findava, aquecendo a todos que tinham o privilégio de estarem próximos a ele. Já eu, por outro lado, tinha muito medo de queimar até os ossos caso chegasse perto demais.

Ele era muito alegre e bonito, com seus olhos azuis e os cabelos dourados, como um anjo. Escondida lá em casa, havia uma tela em meu quarto, que eu havia pincelado com todo cuidado e carinho, retratando todas as belas cores de Naruto-kun. Cada mínimo detalhe do rosto masculino, cada nuance das suas expressões gentis – sorrisos e sobrancelhas franzidas e caretas de confusão, imagens que nunca saíam dos meus pensamentos.

Eu o pintei como uma lembrança para mim mesma. Ali no meu cantinho poderia sempre admirá-lo de frente, pois o Naruto-kun da pintura não me veria corar, não me veria gaguejar ao proferir um simples “bom dia”, tão pouco me veria entrar em pânico quando nossos olhares se cruzassem.

Depois que todos os rapazes se juntaram no campo para dar início a partida, fiquei observando a maneira com que os amigos de Naruto-kun se portavam ao seu lado. Era tão fácil para eles sorrir e erguer a mão para bagunçar os cabelos loiros dele. O riso era fácil, assim como as palavras. Não havia ninguém apavorado ali. Eles não deviam se sentir tão afetados pelas risadas do Naruto-kun, nem suas mãos suavam ou seus estômagos davam aquele nó apertado. Era simples assim para eles, uma vez que não tinham de lidar com todas essas inquietações.

A voz de Naruto-kun chegou até mim, alta e entusiástica. Meu coração imediatamente reagiu e eu suspirei novamente.

Kakashi-sensei, que era responsável pelo time, soou o apito e eles começaram a jogar.

Durante os treinos, esses rapazes viviam gritando entre si, erguendo os punhos e se agredindo. Isso me preocupava, sobretudo porque Naruto-kun parecia ser sempre o centro das confusões. Toda vez que alguém lhe dava um empurrão ou lhe acertava um soco, eu me afligia, temendo que ele pudesse ter se ferido. Mas Naruto-kun sempre retribuía a esses ataques, agindo com tanta violência que meu coração se acelerava a um ritmo desenfreado. Depois todos eles estavam rindo e se empurrando novamente.

Era tudo muito confuso. Eu realmente não entendia os garotos. Tenho certeza de que eles só faziam isso porque estavam jogando entre si, não contra seus rivais da Suna, e principalmente porque Kakashi-sensei parecia alheio à desordem que eles causavam, concentrado no livro que sempre tinha em mãos.

Já Gai-sensei, por outro lado, nas poucas vezes em que atuara como substituto, costumava pôr o time todo para fazer infindáveis flexões no gramado como forma de punição para o seu mal comportamento. Lembro-me de já ter visto Naruto-kun após um treino desses, suado e estirado na grama, o peito subindo e descendo em função da sua falta de ar.

Recordava de uma ocasião em especial. Eu vinha andando depressa pelo pátio da escola, os braços ocupados por rolos de telas virgens, sabendo que logo estaria passando ao lado do campo onde Naruto-kun treinava todos os dias, meu pobre coração já antecipando o momento em que me depararia com aqueles olhos celestiais.

Após virar a esquina do prédio da biblioteca, dei de cara com todos os meninos do time de futebol jogados lá no gramado enquanto Gai-sensei lhes bradava palavras que eu ainda não podia ouvir. Na pista ao lado, as meninas daquela turma treinavam corrida com obstáculos.

Eu ia passando pelo canto quando meus olhos irremediavelmente foram atraídos pela cabeleira loira de Naruto-kun, que arfava sem parar, apoiando as mãos nos joelhos. Havia um pequeno declive entre eu e ele, onde ficavam os dois altos degraus de arquibancada.

Ali de cima, fiquei tremendamente desconcertada quando Naruto-kun ergueu a cabeça e me encarou, ainda curvado de cansaço. Os olhos azuis tinham um brilho jovial e, mesmo com suor escorrendo pelas têmporas, ele era atraente. Pareceu surpreso por um segundo, como se estivesse me vendo pela primeira vez na vida. Meu rosto ferveu num segundo.

Embora fizéssemos aula de química juntos há quase dois meses, não era de se espantar que Naruto-kun não houvesse realmente me notado antes. Era o jogador número um do colégio, um atleta promissor. Péssimo em química, era verdade, mas um extraordinário atacante. Estava sempre rodeado de pessoas, tanto dos seus amigos como dos seus fãs. Uma pessoa tão popular assim jamais notaria alguém como eu.

Eu era tímida demais para fazer tantos amigos. E, além de gostar muito de pintar e desenhar desde criança, o que não era nenhum talento digno de admiração, eu não tinha nenhum dom especial que me destacasse dos demais. Me inscrevi no clube de artes. Naruto-kun era o astro do time de futebol. Eu não brilhava como ele.

Naruto-kun esboçou um sorriso simpático, talvez quisesse ter dito um "olá", porque ele era o tipo de pessoa amigável, mas eu, com medo de tropeçar e cair bem ali na frente dele, tamanho era meu nervosismo, desviei o olhar e apressei o passo, seguindo meu caminho, corada até a alma.

Recordar esse dia me fez sorrir, um riso mais de tristeza do que qualquer outra coisa. Com um último olhar para o campo onde Naruto-kun se digladiava com seus companheiros, voltei para a tela que estava pintando, tirando o pincel do descanso e molhando-o de verde na palheta. Não havia ninguém ali comigo e o vazio era reconfortante. Podia escutar claramente o barulho lá de fora, que adentrava as janelas abertas e vinha até mim. A voz dele, mesmo que misturada a outras vozes, era música para os meus ouvidos.

Eu ficava sempre muito ansiosa naqueles dois dias semanais em que me sentava ao lado de Naruto-kun na aula de química.

Como em todas as vezes, Naruto-kun chegou depois de mim, que era sempre uma das primeiras alunas a adentrar o laboratório.

– Bom dia, Hinata – ele cumprimentava no seu habitual tom bem humorado, puxando a cadeira e sentando-se ao meu lado.

– B-bom dia, Naruto-kun – balbuciava eu em resposta, deixando o cabelo escorrer sobre minha bochecha, querendo desesperadamente esconder a vermelhidão que ia se formando sobre a pele.

Parecia bobo de minha parte querer camuflar minhas reações exacerbadas, visto que ele parecia alheio ao meu terrível desconforto.

Sendo química nossa primeira aula do dia nas sextas e quintas feiras, quando nossas classes se juntavam no laboratório, ele estava sempre muito sonolento. Era um hábito seu bocejar e deitar a cabeça sobre os braços cruzados. Permanecia dessa maneira até Kurenai-sensei lhe chamar a atenção.

Eu ria discretamente quando Naruto-kun resmungava baixinho.

Minhas notas em química vinham sendo altas, o que me alegrava bastante. Foi por esse motivo que Naruto-kun foi posto ao meu lado. Ele era completamente desastrado no que se referia aos elementos químicos. De fato, era sempre mais sensato tirar das suas mãos qualquer tubo que contivesse elixires corrosivos ou, na pior das hipóteses, qualquer componente explosivo.

Ele era também muito sensível no que dizia respeito a dissecação. Mal podia suportar a ideia de abrir a barriga de um sapo. Parecia ter um apreço muito grande por essas criaturinhas. Coisa da infância, pensei eu.

E antes de se juntar a mim, Naruto-kun já havia errado incontáveis receitas, tornando perigosa uma simples poção de grafeno. Parecia inclusive ser incapaz de identificar moléculas através do microscópio, quanto mais nomeá-las corretamente.

Dessa maneira, eu vinha tomando notas em um caderno, ressaltando todos os pontos mais importantes de cada aula, tentando salientar tudo aquilo que eu sabia que Naruto-kun não havia entendido bem. Eu lhe entregava esse caderno ao fim de cada aula, torcendo para que minhas anotações pessoais o ajudassem.

Fiquei feliz em notar uma pequena melhora em seu desempenho. Sempre que tínhamos aulas práticas, eu me encarregava de lidar com o preparo das receitas e Naruto-kun atuava como meu assistente, anotando cada etapa e me passando os ingredientes que eu requisitava. Com os passar do tempo, eu não precisava mais nomeá-los, ele me estendia os frascos corretos antes que eu pedisse por eles. Ninguém jamais poderia negar isso: ele era uma pessoa muito esforçada.

– Obrigada, Hinata, você me salvou. Você é um anjo – disse Naruto-kun, devolvendo-me o caderno na semana seguinte, como sempre fazia.

Eu tinha certeza de que para ele aquilo não era nada demais, estava apenas sendo afável. Para mim, entretanto, foi um choque e tanto ser o epicentro da sua gratidão, mesmo que somente naquele momento. Como de costume, meu rosto esquentou e o coração acelerou, batendo rápido demais.

Era quase doloroso encarar seus olhos risonhos e não dizer a ele o quanto o amava. Queria tanto que ele soubesse. Houveram ocasiões em que chamei o seu nome em voz baixa, decidida a contar a ele como eu realmente me sentia, mas perdendo completamente a coragem de confessar meus sentimentos quando ele virava o rosto para me encarar, sempre muito confuso com a minha inaptidão em proferir uma frase completa diante dele. Os olhos azuis pareciam drenar toda minha força, de modo a me deixar com as pernas bambas.

Tendo falhado não apenas uma, mas incontáveis vezes, eu voltava a me afundar em agonia, tendo de lidar com meu amor não declarado, preso dentro de mim.

Era muito fácil iludir a mim mesma naquelas poucas horas que passava ao lado dele, como se Naruto-kun e eu fossemos amigos, como se coabitássemos o mesmo mundo. Naquelas quintas e sextas-feiras, dias pelos quais eu tanto ansiava, podia desfrutar um pouquinho da companhia dele, tê-lo só para mim. Aspirava ao seu perfume e ria das suas piadas, do seu jeito desastrado, decorando cada movimento. Sua maneira de coçar atrás da cabeça quando confuso e de fazer bico quando contrariado. Sua expressão se tornando séria quando estava no campo prestes a marcar um gol e seu entusiasmo quando comemorava com o time.

Sentia meu coração se encher de amor sempre que ele me olhava e sorria, seus olhos claros e tão sinceros. Sim, eu absorvia cada mínimo detalhe, somente para ver tudo isso se afastando de mim nos dias seguintes, quando virávamos novamente apenas dois estranhos que se cumprimentavam no corredor.

Eu voltava a observá-lo de longe, sentindo ciúme de todas aquelas pessoas que tinham a atenção dele para si. Era um sentimento novo para mim, que nunca havia me ressentido de alguém com tanta profundidade como agora. Mas era impossível vê-lo na companhia de outras pessoas, especialmente de outras garotas, e não sentir uma pontada no coração.

As coisas não iam nada bem para mim. Até mesmo minhas notas, que sempre foram tão impecáveis, tiveram um pequeno declínio no último mês. Não podia atribuir a culpa a outra pessoa que não a mim mesma, que sempre deixava a mente divagar, cada vez mais para longe, ao invés de efetivamente estudar.

Eu havia auto imposto uma rigorosa rotina de estudos, que vinha sendo terrivelmente comprometida devido a minha inabilidade em empurrar os pensamentos sobre Naruto-kun para um canto obscuro da minha mente.

Enquanto Naruto-kun sequer lembrava-se da minha existência naquele exato momento, ali estava eu sendo consumida por ele.

Era apenas mais um dia de aula e eu vinha caminhando pelo corredor, abraçada aos meus livros.

Vi Naruto-kun passando por mim, acompanhado de dois dos seus amigos. Fiquei nervosa e não soube o que fazer. Normalmente eu o cumprimentava, mas me senti estranha e desviei o olhar.

Tenho certeza de que ele não se importou. Sendo tão popular e tendo tantos amigos, duvido que sequer tenha me notado. Afinal, eu era só uma nerd com quem ele se sentava nas aulas de química.

Naruto

Estava quente demais, por isso me afastei do pessoal e caminhei até o banco onde Kakashi-sensei estava lendo. Havia uma pilha de toalhas dobradas junto a ele e um engradado de garrafas d’água mergulhadas numa bacia com cubos de gelo, que a essa altura já haviam derretido quase que completamente.

Depois de secar o suor do rosto, sentei na arquibancada e destampei uma garrafa, jogando a toalha ao redor do pescoço. Enquanto estava ali bebendo, vi que Kiba chutou a bola com força demais na direção errada, aquele imbecil. Joguei-me para o lado quase um segundo antes de ser atingido em cheio no meio da cara.

– Essa foi por pouco! – gritou Kiba, parecendo achar graça da situação.

– Você é cego, seu animal? – bradei, chacoalhando a garrafa vazia em direção a ele. – Você quase me matou!

– Eu não sabia que você era tão delicado assim, Naruto-chan – zombou ele, com aquele seu sorriso de cão sarnento.

Atirei a garrafa em direção a sua cabeça, mas o idiota desviou.

– Yare yare, crianças – disse Kakashi-sensei sem erguer os olhos do seu livro. – Nada de ficar brigando por bobagens. Voltem para o jogo.

Eu sorri para Kiba, passando o polegar sobre meu pescoço e movendo os lábios. Você está morto.

Levantei e joguei a toalha de lado, subindo o degrau da arquibancada para ir atrás da bola que foi parar lá longe no jardim. Eu a apanhei ao lado dos bebedouros. Dali mesmo a chutei de volta para o campo.

Estava prestes a correr de volta para lá, mas algo me fez olhar por cima do ombro. O sol batia nas vidraças das salas do segundo andar, fazendo o metal das dobradiças coruscarem.

Ergui as sobrancelhas, surpreso ao reconhecer a figura de Hinata lá em cima. Tinha os cabelos compridos presos para trás e trazia no rosto uma expressão serena com a qual eu não havia me deparado ainda. Havia um cavalete prostrado diante dela, por isso deduzi que aqueles movimentos delicados que ela fazia com a mão eram na verdade pinceladas.

Nunca soube que ela gostava de pintar. Devia ser boa naquilo, se estava ali no clube de artes. Não sei ao certo porque me sentia incomodado com isso, mas tenho certeza de que Hinata me achava um completo idiota.

No dia em que a conheci, lembro-me de ter ficado um pouco irado porque Kurenai-sensei me empurrou para o lado dela, tratando-me como se meu cérebro fosse do tamanho de uma maldita azeitona. O que diabos era isso, afinal? Aquela menina pálida logo me rejeitaria, disso eu estava certo, pois qual garota inteligente ia querer ter como parceiro alguém tão incompetente quanto eu? Além do mais, nunca fui muito com a cara desses geninhos. Pessoas aborrecíveis, se querem saber.

Já estava preparado para lidar com sua antipatia, estava esperando por isso, mas Hinata apenas me olhou timidamente e disse que estava feliz por trabalharmos juntos, e pediu que eu desse o meu melhor.

Por alguma razão, isso ficou na minha cabeça. Nem mesmo sei por que raios eu queria mostrar a ela que não era um completo ignorante. Como se já não houvesse sido gentil o bastante, Hinata também me ofereceu uma ajuda extra, emprestando suas anotações ao final de cada aula.

Mal tinha palavras para lhe dizer o quão grato estava por sua ajuda. E um pouco admirado, tinha de admitir. Não estava acostumado a ter alguém cuidando de mim, ainda que só se tratasse da aula de química.

Embora fosse sempre cordial, Hinata era muito calada, talvez extremamente tímida, e nunca conversava muito comigo. No fundo, creio que realmente pensasse que eu era mesmo um paspalho, mas era educada demais para externar tal pensamento. Era uma boa pessoa, por isso estava sempre me ajudando, embora não quisesse realmente ser amiga de alguém como eu. Os amigos dela deviam ser os gênios cujos nomes fulguravam nas primeiras colocações da tabela de notas.

Eu era só um cara com notas medianas, afinal. Tsc, grande coisa-ttebayo!

Alguém berrou o meu nome. Observei Hinata por mais um instante antes de lhe dar as costas e correr de volta para o campo.

Não me lembro de algum dia ter sido tão estupidamente paranoico assim, mas agora vivia encarando Hinata quando esta estava ao meu lado no laboratório, tentando enxergar nela qualquer traço que denunciasse sua aversão a mim. A verdade é que nunca me dei ao trabalho de parar para observar o comportamento de alguém - parecia trabalhoso demais, algo burro de se fazer -, mas me vi bancando o idiota, com uma alarmante frequência desde que me tornei o parceiro dela nas aulas de química. Ainda não entendia direito porque me sentia aborrecido quando pensava que ela provavelmente me achava um zero à esquerda.

Esses dias, a caminho da sala de aula, cruzei com ela no corredor. Tentei sorrir para ela, mas Hinata desviou o olhar.

Franzi as sobrancelhas, olhando de lado enquanto Hinata passava apressada por mim, a cabeça baixa. Não queria correr o risco de soar como um maricas, mas eu honestamente me senti, hmm, magoado.

Kiba e Rock Lee tagarelavam qualquer coisa ao meu lado, mas não pude prestar atenção em coisa alguma. Hinata estava mesmo me evitando? Finalmente caíra na real e percebera que eu não era digno de sua amizade?

Argh! Isso era frustrante.

Mas era óbvio, não? Eu era só o cara que marcava alguns gols enquanto ela era a menina mais esperta da escola. Desde o começo, nunca gostaria de alguém como eu.

Eu queria gritar qualquer coisa - costumava me sentir melhor depois de xingar em voz alta -, mas ao invés disso enfiei a mão nos cabelos, querendo puxar um ou dois tufos fora, me sentindo muito frustrado.

Talvez eu tivesse endoidado por nada. Hinata continuava sendo educada e nenhum pouco antipática. Ainda agia com sua docilidade natural, algo que eu realmente gostava nela. Ainda assim...

Havia algo, não saberia dizer o quê se alguém me perguntasse, mas algo no seu jeito que me deixava com a pulga atrás da orelha. Hinata costumava ser mais sorridente, mesmo quando eu agia feito um idiota. Parecia sempre achar graça de mim, de rir comigo. Mesmo nunca tendo de fato me rechaçado, eu ainda desconfiava da sua expressão pacífica, como se mantivesse algo escondido por detrás dos olhos claros. Acabei descobrindo, é claro, algum tempo depois.

Eu teria esmurrado a mim mesmo por ter sido tão completamente cego por tanto tempo. Não tivesse sido aquele magnífico acidente, talvez até hoje Hinata e eu continuássemos fechados em nossas bolhas de ignorância.

Foi como se subitamente um peso enorme houvesse sido tirado dos meus ombros. De alguma maneira, eu havia me apegado a Hinata sem perceber, meio fascinado pela delicadeza com que ela lidava comigo, com a preocupação que eu via em seus olhos quando lhe contava das contusões que havia sofrido em jogo (bobinha, aquilo não era nada!). Um dia desses jurei que ela fosse desmaiar quando lhe mostrei meus cotovelos ralados. Quem é que se importava com isso? Na infância o máximo que conseguia da minha mãe era um belo puxão de orelhas se andasse me esfolando por aí. Mas Hinata parecia legitimamente apreensiva, como se eu fosse cair morto na sua frente.

Alguém me disse que eu estava agindo feito um primata sem modos (Rock Lee, talvez, que era um cara muito sensível), pois nenhuma garota, especialmente uma garota delicada como Hinata, iria querer ouvir falar sobre lesões e muito menos ver qualquer tipo de ferimento aberto.

Mas a verdade é que, afora sua adorável e demasiada preocupação, Hinata realmente não parecia se importar com nada disso. Talvez por isso tenha me apegado tanto a ela, pois ao seu lado eu podia dizer qualquer coisa, ser eu mesmo.

O fato é que só fui perceber isso muito tempo depois.

Também peguei a mim mesmo aspirando o cheiro bom do seu cabelo, que ia pra lá e pra cá com a brisa da janela aberta. O que eu era afinal? Um maldito cachorro? E mesmo assim continuei farejando seu aroma, semana após semana, cada vez mais ridiculamente viciado.

Ainda receava ser repelido por ela a qualquer momento, mas Hinata nunca fez isso, embora parecesse estar sempre se esquivando de mim quando estávamos fora do laboratório. Seu comportamento discordante, hora sorrindo para mim, hora fugindo de mim, me deixava meio maluco.

Houve essa ocasião em que estávamos preparando qualquer porcaria no laboratório (estava com sono demais nesse dia para realmente prestar atenção). Normalmente eu teria estudado a fórmula para não deixar Hinata na mão, mas devido as finais do campeonato intercolegial, nosso time treinara até muito tarde na noite anterior.

Hinata estava concentrada como sempre. Usava luvas de látex e óculos de proteção, o cabelo preso num rabo de cavalo. Já eu estava com a cabeça apoiada em cima dos braços cruzados, observando o perfil dela enquanto trabalhava. Soltei um bocejo e cocei os olhos. Foi quando tudo aconteceu.

Uma pequena mexa de cabelo escapou do elástico que Hinata havia usado para prender os cabelos. Ela, nesse momento, erguia cuidadosamente em pequeno tudo de ensaio, como se temesse o líquido que havia lá dentro.

Num movimento automático, ergui a mão e levei aquela mexa rebelde de cabelo para trás de sua orelha, meu dedo roçando de leve sua bochecha no processo. Sorri de lado, gostando de ter sentido a maciez da sua pele. Foi só um segundo, mas algo aconteceu com Hinata.

Vi seu lábio tremelicar e os olhos ficarem estáticos, aquela mesma bochecha que eu havia tocado adquirindo uma profunda coloração avermelhada. A mão que segurava o tubo de ensaio havia paralisado no ar. E então, sem aviso, aquele vidrinho maligno escorregou dos seus dedos frouxos. Ele sequer quebrou, mas o líquido que havia dentro dele respingou para fora. Foi mesmo uma sorte que eu tivesse levantado o rosto por reflexo ou tudo teria sido mais caótico. Ainda assim, pequenas gotas de ácido caíram sobre meu braço desprotegido. Um lembrete a mim mesmo: não dobrar as mangas do jaleco na próxima aula de química.

Hinata saiu do seu torpor momentâneo quando eu, sendo um primata sem modos mais uma vez, praguejei em sua frente.

– Naruto-kun! – alarmou-se ela, a voz saindo baixa e fina, mas a expressão do rosto evidenciando todo seu pânico. – Oh, meu Deus!

– Eu tô legal – tentei tranquilizá-la, tapando o local atingido com a mão. Eram mínimas bolinhas avermelhadas que começavam a arder e coçar. Nada que se comparasse ao dia em que cortei o supercílio jogando bola.

Hinata parecia ver as coisas por outro ângulo. Quem a tivesse olhado naquele momento, suporia que perdi um ou dois dedos da mão, e que sangrava horrivelmente.

Ninguém mais pareceu ter notado o incidente. Hinata sequer encontrou voz para expressar seu horror e o tubo de ensaio afinal só escorregou dos dedos dela por alguns centímetros, aterrissando no tampo da mesa com um baque mínimo.

Nunca vi Hinata fazer movimentos tão bruscos assim, mas ela se levantou rapidamente, tirou os óculos e as luvas e segurou forte na minha mão. Foi só então que os outros repararam na gente.

Não tive tempo de abrir a boca e questioná-la quando me senti sendo puxado. Hinata me arrastou para fora da sala, avisando Kurenai-sensei por cima do ombro que estava me levando à enfermaria.

Cambaleei atrás dela, que seguia a passos firmes na minha frente. Embora sua mão estivesse apertando a minha, vi lágrimas escorrerem pelo canto do seu rosto.

– Hinata – eu falei, mas sem realmente saber o que lhe dizer em seguida.

Ela não me deu bola ou, transtornada como estava, talvez nem tivesse me ouvido.

Hinata deslizou a porta da enfermaria para o lado e entrou assim que chegamos. Não havia ninguém ali.

Sem dizer nada, ela me empurrou desajeitadamente em direção a maca e me fez sentar. Eu, que ainda estava muito desconcertado por suas lágrimas, me deixei ser conduzido.

Ela me deu as costas e começou a fuçar pela sala, abrindo e fechando gavetas, abrindo as portas dos armários aéreos e recolhendo itens.

Não ergueu os olhos chorosos para mim quando arrastou um banco e sentou-se em minha frente, deixando cair os produtos que recolhera sobre a maca. As mãos femininas tremiam de leve e estavam geladas ao tocar minha pele. Com muito cuidado, como se temesse me machucar ainda mais, puxou meu braço para si e começou a limpar as insignificantes feridas com movimentos delicados. Depois de aplicar uma pomada – ao menos achei que fosse, pois aquele troço acalmou a vontade infernal que eu tinha de me coçar – começou a enrolar uma bandagem em torno do meu pulso.

– Me-me desculpe, Naruto-kun – Hinata ainda segurava meu braço, mesmo após ter selado a bandagem com um pedaço de esparadrapo, finalizando o serviço. Tinha baixado a cabeça, de modo que os olhos ficaram escondidos debaixo da franja. Isso não impediu que as lágrimas caíssem soltas em seu colo. – Eu sinto muito mesmo. N-não queria machucar você... eu só...

Eu me senti um pouco apavorado ao ver a intensidade da sua culpa, de ver o quão abalada ela estava. Mas acima de tudo, me partiu o coração vê-la chorar dessa maneira. Parecia mesmo um filhotinho de gato (imagino que talvez ela não fosse apreciar essa comparação, mas eu adorava filhotes de gato). Eu não sabia o que fazer, por isso puxei o braço que ela segurava e toquei o topo de sua cabeça, fazendo um leve afago. Ela levantou a cabeça imediatamente, os olhos se arregalando, mas não tirei a mão dali.

– Você é uma boa menina – disse a ela, querendo muito que se acalmasse. – Foi um acidente, você não tem que se culpar por isso. Por favor, não chora.

Vi suas bochechas corarem mesmo molhadas como estavam. Ela apertou os lábios como se estivesse tentando se conter, mas parecia ser incapaz de parar de chorar.

Foi olhando para seu rosto choroso que eu percebi, como se alguém tivesse arrancado a venda dos meus olhos. Hinata nunca me repelira, nunca me tratara com nada mais do que afabilidade. Sempre ria das minhas idiotices e era sempre muito atenciosa. Estava sempre se preocupando com a minha saúde e com meus estudos, oferecendo-me sua ajuda sem que eu precisasse pedir por ela.

Costumava gaguejar e corar, o que sempre supus se tratar de um caso muito sério de timidez, mas só agora percebia que nunca a vi se exaltar perto de outra pessoa. Era só comigo. E para coroar, agora ela estava tão profundamente abalada... seria possível que ela... ?

– Naruto-kun?

Eu devia estar encarando ela com muita intensidade porque Hinata enfim parou de chorar e franziu as sobrancelhas, confusa e muito corada.

Sem que eu mesmo tivesse consciência do que estava fazendo, desci a mão que estava em seus cabelos e toquei o rosto dela, movendo o polegar numa carícia, meio hipnotizado pela graciosidade de seus traços e completamente perturbado pela perspectiva de que ela talvez tivesse gostado de mim esse tempo todo.

– Naruto-kun – Hinata chamou novamente, dessa vez meio alarmada.

Talvez estivesse assustada porque eu não conseguia parar de olhá-la. Ou talvez porque movi a mão novamente e segurei seu queixo. Eu não queria pensar no que estava fazendo. Uma necessidade inquietante tomou conta de mim, então simplesmente cedi a ela. Baixei a cabeça e toquei meus lábios nos de Hinata.

Ela ficou tensa imediatamente, sua respiração saindo numa lufada quente. Quanto a mim, não conseguia entender de onde vinha aquela... aquela fome. Quando Hinata pareceu relaxar e ceder, segurei-lhe o rosto com ambas a mãos e a trouxe para mais perto. Seus lábios se apartaram com um suspiro e foi só o que precisei para beijá-la.

Queria tê-la beijado com toda a intensidade que me abarcava, mas tenho certeza de que a teria assustado ainda mais. Então tratei de me controlar, não ser um primata grosseirão – ainda que formar qualquer pensamento coerente fosse difícil naquele momento.

E foi assim, depois de muito se atropelar nas palavras, que ela me contou o quanto gostava de mim. E o quanto tinha medo de deixar transparecer qualquer coisa, pois acreditava que eu jamais gostaria de alguém como ela.

Percebi o quão tapado eu era.

Hinata ficou um tanto quanto confusa, tenho certeza de que não era essa reação que esperava após se declarar, mas eu simplesmente gargalhei. Gargalhei como o idiota do Kiba costumava fazer. E depois a beijei novamente. Sim, ela ficou mesmo muito confusa. E muito corada. E era mesmo uma garota adorável. E agora era a minha garota.


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Notas finais do capítulo

Bem, é isso aí, pessoas. Desculpem qualquer erro de digitação.