Escape escrita por Miaka


Capítulo 23
Being mad for you...


Notas iniciais do capítulo

Peço desculpas pela demora, pessoal! O capítulo estava pronto na semana passada, mas adivinha quem refez mil vezes ele e dizia: não tá bom? Euzinha, né?
Espero que gostem!!!



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 Uma hora se passou desde que foi ordenado a esperar ali, do lado de fora da sala de emergência. E só conseguira ficar ali depois de muito convencimento dos médicos que garantiram que Ja’far ficaria bem, por mais que seu coração permanecesse em aflição. Mas ele conhecia muito bem aquele tipo de procedimento. Afinal, em quantas operações policiais não garantiu a muitos que tudo terminaria bem quando, o que sucedeu, foi bastante diferente das ilusões que vendeu?

A medicina e a segurança pública podiam parecer áreas bastante distintas, mas ambas carregavam o peso de salvar vidas. Porém, nem sempre era possível cumprir seu dever. Então eles acabam se concentrando em dar ao menos um pouco de esperança, alimentando a ilusão de que a pessoa que amavam ia se salvar. Mas nem sempre - na maioria das vezes - aquela garantia é verdadeira.

Sinbad decidiu parar de andar de um lado para o outro para, finalmente, sentar-se em um das cadeiras do corredor e tirar do bolso o único pertence de Ja’far que havia se lembrado de trazer consigo: seu celular.

Ele estalou a língua ao ver a tela completamente rachada, de ponta à ponta. Seu marido e inspetor era muito cuidadoso - em especial com algo que havia ganhado de presente. E era exatamente o caso daquele celular que Sinbad havia lhe dado no Natal do ano anterior. Como qualquer coisa que Ja’far ganhasse de presente, ele cuidava como um tesouro precioso. Agora aquele aparelho estava completamente destruído.

Bastante impaciente, para não dizer irritado, Sinbad decidiu ver as mensagens que ele havia enviado e recebido. Não que quisesse espioná-lo. Confiava plenamente nele. Mas... como será que Barbarossa tinha o achado? Como havia caído naquela ardilosa cilada? Os olhos dourados procuravam atentamente algo que pudesse indicar como alguém, tão perspicaz como Ja’far, havia sido pego daquela forma.

As últimas ligações tinham sido para um número de telefone fixo, além do celular do próprio delegado.

Já as mensagens alternavam entre as dele, também, e as que trocava com a médica-legista, Yamuraiha, sua confidente de longa data. Coincidentemente eles haviam se conhecido durante a faculdade e, desde então, haviam se tornado grandes amigos.

Às vezes me sinto mal mentindo assim para o Sin. Na verdade nunca menti para ele, mas é que quero tanto fazer essa surpresa… Eu tô contando os dias para o aniversário dele!” - Sinbad lia a mensagem redigida por Ja’far.

Ele ainda não sabe da festa, não é? Nadinha?” - Yamuraiha respondia com outra pergunta.

Não. Vou avisar a ele que vamos almoçar fora e o levarei para o salão onde vocês vão estar esperando.

Que incrível! Já disse que você devia trabalhar com eventos, não é?

Hahaha! Espere para ver a decoração que mandei preparar! :)

O delegado tem muita sorte de ter você, Ja’far. Mas me diz! E a Esla-chan? Como vai ser? Por que ela é seu presente para o delegado, não é

É aí que você entra, fofa!

Eu? @__@

Pedi para o Sharrkan buscar você em cima da hora. Vou te deixar com nossa princesa! Você se importa? Prometo que se borrar sua maquiagem eu refaço ela para você quando chegar!

Eu?! Meu Deus, eu não tenho o menor jeito com crianças e… Por que pediu ao Sharrkan?” - havia diversos emoticons que expressavam a raiva de sua amiga.

KKK... Sério que você não sabe? Ah, vou ter que ir, Yamu. A madre já está aqui. Quando eu chegar à delegacia conversamos! Pelo amor de Deus, não fala nadica de nada com o Sin, tá?! Beijos!

Aquela tinha sido a última mensagem que ele havia enviado para a legista.

Sinbad suspirou. Com os cotovelos apoiados sobre os joelhos abertos ele abaixou a cabeça ainda passando as mensagens mais antigas. Havia fotos de bebês, de roupinhas, de decorações de festa. Ja’far parecia eufórico, completamente dedicado àquela adoção e a sua festa de aniversário. Sempre tão dedicado...

Sentia-se culpado. Sentia-se péssimo por ter se preocupado chegando a cogitar que Ja’far estava lhe escondendo algo. Mas o pior era imaginar que seu inspetor estava preparando tantas coisas para deixá-lo feliz e tudo aquilo havia culminado em uma terrível tragédia. 

— Sinbad-san?!

O delegado praticamente deu um pulo quando ouviu seu nome ser chamado. Foi quando se surpreendeu ao ver o médico que conhecera quando Hakuryuu estava internado ali. O doutor Sphintus Carmen parecia bastante preocupado ao encará-lo.

— S-Sphintus-sensei? - ele se levantou, surpreso ao vê-lo ali, mas mais preocupado ao pensar que ele poderia estar trazendo notícias, boas ou ruins, do estado de Ja’far.

— Presumi que estivesse aqui. - o moreno estendeu a mão para cumprimentá-lo e o delegado o correspondeu. - Sinto muito pelo o que aconteceu com o Ja’far-san. Estou completamente desconcertado com a crueldade desses marginais!

— Você o viu, doutor?! Está cuidando dele?! - Sinbad cortou o assunto. Estava agoniado.

— Sim. Estão terminando de tratar os ferimentos e fazendo alguns exames, mas ele já se encontra estável. Não se preocupe.

— Posso vê-lo?! - a pergunta do delegado soava como uma súplica que atropelava o alívio que sentia ao receber aquela notícia.

— Devem estar o levando para um quarto e já vai poder vê-lo.

— Tu-Tudo bem. - ele gaguejou. Sinbad sabia que precisava ser paciente.

— Não sou o médico do plantão, mas pode ter certeza de que estarei auxiliando de perto em tudo o que eu puder, Sinbad-san! - o médico segurou firmemente seu ombro, transmitindo-lhe força. - Ainda bem que já conseguiram excluir o vídeo do facebook, não é?

— Vídeo?! - Sinbad piscou. - Que vídeo?!

O tom bronzeado da pele de Sphintus desapareceu por completo. Arrependido de suas próprias palavras, ele sabia que não havia como voltar atrás.

— Si-Sinbad-san, o vídeo que foi postado no facebook do Ja’far-san. Do… Do estupro.

— Quê?! - o moreno arregalou os olhos. - O vídeo estava no facebook do Ja’far?!

Trêmulo, o delegado tirou o celular de Ja’far de dentro do bolso da calça e constatou a existência daquele vídeo que havia sido divulgado não só para seus amigos, mas havia sido postado publicamente. Novamente assistia àquelas imagens horrorosas e agora sabendo que Ja’far estava completamente exposto.

— Meu Deus…!!!

— Não exclua, Sinbad! - uma voz alta ordenou.

O médico e o policial viraram para encarar Judal, que tinha em mãos a bolsa de Ja’far. Sinbad se indignou, virando-se de frente para o recém-chegado.

— Quer que o Ja’far continue exposto assim!? - o moreno bateu o pé. - Meu Deus! O Ja’far não pode saber que isso foi a público!

— Eu já comuniquei à justiça! Isso é uma prova para piorar a sentença do maldito Barbarossa! - Judal explicou ao se aproximar, tirando algo daquela bolsa. - Toma essa merda e não tira mais do pescoço!

Sinbad nada entendeu ao receber o distintivo que, outrora, tinha arremessado ao chão. Naquele momento sentiu como se abandonasse sua carreira em nome de seu amor por Ja’far. O delegado engoliu a seco quando passou aquela corrente que prendia aquele objeto em seu pescoço e suspirou.

— Aquele velho ficaria puto se você abandonasse a carreira que ele se esforçou tanto para te ajudar a ter! - comentou. -Trouxe as coisas do Ja’far também. As que não foram para a perícia. Menos aquela bombinha de asma que estava toda quebrada. Como ele está?

— Ainda não o vi, mas o Sphintus-sensei disse que ele está estável.

Sinbad farfalhou os fios púrpura. Estava tão angustiado. Além de torturado e ferido como havia sido, tamanha violência e humilhação que Ja’far havia sofrido estavam sendo assistidas por todos. Como ele desejava…

— Sinbad-san?! - uma voz feminina chamou e, felizmente, tirou Sinbad de seus devaneios mais obscuros. - Pode me acompanhar?

O delegado logo presumiu, pelo jaleco branco que aquela jovem de longos cabelos loiros vestia, que ela se tratava de uma médica.

Sinbad se aproximou, mas não antes de entreolhar Judal. Ambos tiveram o deja vu de quatro anos atrás quando aquela assistente social levou Sinbad para aquela sala para lhe contar que todos os sonhos que havia construído com sua esposa e filha haviam terminado.

Ele tremeu, mas Judal lhe lançou um olhar confiante. Tudo ficaria bem, ele estava certo disso, e precisava transmitir aquela certeza ao delegado. Estavam juntos, novamente, para enfrentar o que viesse tentar atingi-los.

Assentindo o delegado a acompanhou, afastando-se do médico e de seu amigo.  Seguiram até o final do corredor para adentrarem um elevador. Para onde estavam indo? - Sinbad se perguntava.

— Pa-Para onde vamos? - ele perguntou bastante receoso enquanto observava os números que se alteravam no visor à medida que os andares passavam.

— Ver o Ja’far-san. - a moça respondeu com um sorriso.

A tensão se dissolveu na expressão de Sinbad quando a porta se abriu e ele a acompanhou por um extenso corredor.

— Me perdoe não me apresentar. Sou a doutora Parsine e sou responsável pelo plantão e pelo caso do Ja’far-san.

Aquela informação foi, sem querer, ignorada pelo moreno. A jovem médica compreendia muito bem aquela situação. Ele estava tão aflito.

Seguiram em silêncio até chegarem à porta onde, junto ao número do quarto, 535, estava uma ficha com o nome de Ja’far. Mas antes de prosseguirem, ela fez questão de parar e encará-lo.

— Eu peço que fique calmo. Ele está bem, mas foi muito machucado, então pode se assustar ao vê-lo.

O coração do delegado falhou uma batida quando a médica abriu a porta. Aquela tentativa de tranquilizá-lo havia sido completamente falha. Sinbad estava muito mais tenso imaginando o que encontraria ali.

Foi quando adentrou o quarto, o qual estava bem iluminado, notando que havia uma enfermeira ajustando a bolsa de soro que estava pendurada sobre os suportes de metal ao lado do leito.

Sinbad deu um passo a frente para, em seguida, ignorando completamente sua acompanhante, se aproximar daquela cama.

Instintivamente ele cobriu os lábios com as mãos, que deslizaram para as laterais de seu rosto que era tomado pelo desespero. Seu peito se comprimiu quando seus olhos encontraram a figura de Ja’far. A máscara de oxigênio que cobria parcialmente seu rosto ficava embaçada de forma ritmada. Os lábios, entreabertos sob ela, ajudavam a respiração que parecia tão difícil. Os olhos, mesmos cerrados, tremiam e, volta e meia, se apertavam.

Havia um grande curativo cobrindo boa parte de sua fronte. Era onde estava aquele largo corte em seu supercílio. As poucas partes que não estavam cobertas por ataduras, onde sua pele estava visível, se encontravam arroxeadas por hematomas.

A fina roupa do hospital deixava amostra o colo maculado pelas mordidas que recebera. As marcas dos dentes que foram cravados estavam estampadas naquela tez.

Ambos os pulsos do inspetor estavam enfaixados, já que haviam ficado completamente cortados devido às inúmeras tentativas de Ja’far em tentar, de todas as formas, se soltar daquelas algemas. Ele só havia pensado em se libertar.

Onde Sinbad procurasse via sinais de agressão. Seu inspetor, seu melhor amigo, seu companheiro e marido estava… completamente destruído.

Era como se aquele corpo, que sempre idealizou como um monumento esculpido em porcelana, tão perfeito, tivesse sido quebrado em mil pedaços e agora aqueles médicos tentavam, de todas as formas, reunir os cacos. Mas Sinbad tinha certeza de que, por mais que aquelas feridas sarassem, Ja’far jamais se curaria. Por mais que seu corpo melhorasse, aquele coração, certamente, jamais encontraria remanso.

— Meu Deus! - Sinbad suspirou juntando as próprias mãos e entrelaçando seus dedos. Ele não tinha coragem de tocar naquele que tanto amava. Será que o machucaria?

— Não se preocupe. Ele vai ficar bem. - a médica tentou tranquilizá-lo. - Ja’far-san é muito forte de suportar toda a violência que sofreu. Estamos impressionados!

— Ele não merece isso… - o delegado soluçou. - Por que ele está respirando assim?! Não sofreu ferimentos apenas externos?

— Fique calmo, Sinbad-san. O Ja’far-san teve uma crise asmática durante o ocorrido.

— Não… Não pode ser! Ele disse que tinha se curado!

— A crise asmática pode ser desencadeada por uma situação de muito stress.

— Ele me disse que se curou quando fez uma espécie de terapia. - Sinbad interrompeu enquanto mordia o lábio inferior. Estava tão aflito.

— Ele não foi medicado durante a crise e depois disso recebeu uma dose bastante alta de ketamina.

— Ketamina?! - era exatamente aquele nome que Judal havia dito quando ainda estavam no cativeiro. - O que é isso?!

— É uma droga anestésica, mas que pode ser fatal, em especial injetada como ele recebeu. Provavelmente usaram para contê-lo, já que parece que ele relutou bastante. Isso até onde… sabemos. Tivemos sorte em ter tempo de reverter os efeitos de uma overdose, mas não pudemos sedá-lo para não misturarmos o que ainda está no organismo dele. Por isso, certamente, ele ainda sente muita dor.

— Eu não acredito! - Sinbad, angustiado, cerrou os punhos firmemente. - Ja’far podia estar morto agora! - ele agora farfalhava os próprios cabelos. - Eu… Eu tenho que sair daqui! Preciso ir atrás daquele homem!

— Acalme-se, por favor! - a médica estava sendo bastante compreensiva. - Quando o Ja’far-san acordar vai precisar que esteja ao lado dele. Já fizemos exames neurológicos e ele está bem. Porém, passando pelo que passou, ele vai precisar de muito apoio. - ela tocou o ombro do moreno. - Entende o que quero dizer, não?

— Eu… Eu sei. - Sinbad voltou a encara-lo. - Não imagino o quanto… o quanto Ja’far deve estar fragilizado com tudo isso. Tsc... Quando ele pode receber alta?

— Dependendo de como ele acordar e se sentir, creio que no máximo depois de amanhã. Mas ele vai precisar ficar em repouso em casa, em especial porque ele vai precisar continuar tomando durante um mês os cocktails para não desenvolver nenhuma doença sexualmente transmissível.

Sinbad levou as mãos à cabeça e a balançou negativamente. Como não havia pensado naquilo? Ja’far havia sido violentado por diversos homens que abusavam do uso de drogas, faziam sexo sem restrição. Havia uma alta probabilidade de Ja’far ter contraído alguma doença.

— Não se preocupe. É um procedimento padrão em casos de violência sexual. Já o medicamos e, dando prosseguimento ao tratamento, não há risco algum.

— Meu Deus!! - Sinbad não sabia o que dizer. Aquilo era uma espécie de pesadelo? - ele se perguntava enquanto segurava as lágrimas.

— Sei que é um momento bastante difícil, Sinbad-san, e pelo que estou vendo você realmente ama muito o Ja’far-san. Aqui no hospital temos um núcleo de apoio às famílias de quem sofreu algo assim e que pode o orientar a ajudar o Ja’far-san.

— P-Posso ficar sozinho com ele um pouco?

O moreno gaguejou e a médica apenas assentiu antes de deixar aquele quarto. Sinbad não conseguiu tirar os olhos de Ja’far. Imaginava tantas coisas.

Será que suas vidas permaneceriam as mesmas? Será que Ja’far continuaria sendo o mesmo? E se contraísse alguma doença que findasse sua vida? E se ainda tivesse chances de perdê-lo?

Definitivamente era absurdo vê-lo naquela situação. Ele não tinha culpa de nada. Nunca havia feito mal para uma mosca sequer. Tudo aquilo havia acontecido por ter se envolvido com ele.

Se Ja’far não o conhecesse, não vivesse com ele… não teria que estar passando por aquilo. Mas se Barbarossa estivesse morto...

Mordendo o lábio inferior, Sinbad enfiou a mão por dentro do terno e, de lá, retirou uma das pistolas, ficando a encará-la. Lembrava-se do momento em que jogou seu distintivo fora, quando pensou em jogar sua carreira no lixo em nome daquele que amava. Seu professor e querido amigo, Rashid, estaria completamente decepcionado. Aquele homem deu seu sangue para que se tornasse tão bem sucedido quanto era hoje.

Havia falhado com Serendine, com sua filha e agora, até mesmo, com Ja’far.

Tudo porque havia sido covarde e não tinha ido enfrentar Barbarossa frente a frente.

Precisava sair dali.

Precisava evitar que mais desgraças acontecessem.

Precisava… matar Barbarossa.

— Acho que devia estar segurando a mão do Ja’far e não essa arma.

Sinbad, mais uma vez, foi arrancado de seus devaneios mais tenebrosos para encontrar Judal.  

Parado em frente a porta, ele tinha os braços cruzados e um olhar bastante decepcionado para o delegado que, um tanto quanto atrapalhado, guardou aquela arma. Sentia-se envergonhado ao ser julgado pelo olhar de Judal, o qual expremia bastante desapontamento. Mas o que mais faria? Estava tão frustrado…

O delegado respirava fundo quando Judal se aproximou daquele leito. O jovem tinha o cenho franzido ao encarar Ja’far. Estava chocado ao vê-lo tão ferido.

— São uns monstros…

Judal murmurou ao cerrar os punhos. Estava indignado.

Sinbad observava aquela atitude com certo estranhamento, afinal, Judal sempre fez questão de demonstrar que não gostava de Ja’far. - Ou ao menos ele tentava agir daquela forma.

— Fico feliz que… se preocupe com ele.

— Você acha que teria como eu ficar feliz vendo o que fizeram com o Ja’far? Isso foi completamente brutal! Confirmaram que era ketamina, não é?

Sinbad meneou a cabeça para responder antes de voltar a se afastar daquela cama. Ele não suportava mais ver Ja’far naquele estado. E aquilo não passou despercebido do perspicaz Judal.

— Eu vou lá fora tomar um café.

Era a gota d’água.

— O que está acontecendo com você?! - Judal foi direto ao se colocar diante da porta, impedindo que Sinbad prosseguisse e sendo… bastante rude.

— Anh?! - Sinbad piscou.

— O Sinbad que eu conheço estaria aqui, ao lado do Ja’far, e não sairia de seu lado até que ele acordasse! Estava preocupado só até vê-lo vivo?! Ou… Está fugindo da realidade?!

Aquela pergunta havia sido certeira. Sinbad abaixou a cabeça como se fosse muito difícil enfrentar os olhos de Judal. Mas não era tão difícil quanto encarar Ja’far naquela cama.

— Eu só estou tentando manter a calma, okay?! - a voz do moreno falhou, suas mãos tremiam. - Eu preciso pensar em como… como resolver tudo isso e...

Sinbad foi interrompido pelo inesperado abraço de Judal, que o envolveu com seus braços e, firmemente, o manteve entre eles. Era tudo o que ele podia fazer tendo certeza de que era aquilo que o delegado mais precisava.

Quando aquele gesto foi correspondido, Judal pôde sentir o soluçar daquele que, finalmente, decidiu ceder às emoções.

Sinbad chorou abraçado a ele. Chorou como nunca havia feito.

— Quando aconteceu tudo aquilo com a Serendine, eu… fui afastado de você. Te levaram para a prisão e eu nunca pude confortá-lo. - Judal sussurrou sem desfazer aquele enlace. - Agora estou com você. Você não está só, Sinbad. Assim como eu sei que… mesmo comigo fazendo tanta merda, você nunca me abandonou.

— Judal…

— Não se preocupe. - ele se apartou para encará-lo com um sorriso. - Ja’far está fora de perigo, mas você - Judal encostou a ponta do indicador no centro do peito do delegado. - não pode fugir. O franguinho sardento precisa de você!

— Tsc, Judal… Eu só consigo pensar que o Ja’far não teria passado por isso se não estivesse comigo! - lamentou Sinbad. - Nem ao menos toquei nele desde que cheguei. Ele… parece tão frágil.

— Ele está! Mas precisa que você esteja ao lado dele!

— Quando ele acordar… Meu Deus, o que vou dizer para ele?! Como ele vai estar se sentindo depois de tudo?! Eu… Não mereço estar ao lado dele.

Judal apenas suspirou, mas parecia sério ao segurar firme o pulso de Sinbad para, então, conduzi-lo de volta àquele leito de onde tirou a fina mão de Ja’far que estava sob os lençois. Não houve tempo para fugir. Unindo as mãos dos dois, Judal se afastou.

— Não é tão difícil, não é?!

Sinbad apenas se retraiu, finalmente observando melhor aquele rosto tão machucado. Os dedos, normalmente tão miúdos, entrelaçados agora os seus, pareciam ainda menores. Como haviam tido coragem de ferir seu Ja’far daquela maneira? Ele era tão pequeno. Tão frágil. Tão doce. O delegado costumava pensar que Ja’far era um anjo que Serendine havia enviado, dos céus, para lhe proteger e cuidar. E não era exatamente o que Ja’far havia feito desde que apareceu em sua vida? Mas Sinbad tinha falhado em protegê-lo. Haviam maculado seu anjo.

— Me perdoa, Ja’far… Me perdoa, por favor!

Judal observava a súplica do delegado quando sentiu o celular vibrar. Tirando-o do bolso, ele viu aquele nome piscar na tela do aparelho. Um sorriso genuíno cruzou seus lábios.

E, sem fazer alarde algum, dando privacidade para Sinbad, Judal deixou aquele quarto para atender o telefonema. Por que seu coração acelerava tanto?

— Hakuryuu?

— Tudo bem, Judal? - aquela voz melodiosa, do outro lado da linha, fazia Judal se derreter.

— Sim. Ja’far já está fora de perigo. Acabamos de vê-lo. Ele deve ficar internado por alguns dias.

— Graças a Deus! - Hakuryuu estava aliviado. - Você já está vindo para casa?

— Assim que der. - ele usou os dentes para morder a manga da blusa, suspendendo-a para descobrir o relógio de pulso para ver a hora. - Não quero deixar o Sinbad sozinho. Ele está muito nervoso.

— Fique com ele o tempo que precisar! Se quiser eu também vou pra…

— Nem pensar! - Judal o interrompeu. - Você ainda está se recuperando e só fico tranquilo sabendo que você está aí.

— Tudo bem…

— Eu volto ainda hoje, não se preocupe.

— Vou te esperar.

— Pode dormir. Não fique me esperando.

— Eu vou te esperar!

A insistência de Hakuryuu impressionou Judal, ao mesmo tempo em que o fez corar.

— Não dá para te vencer, não é?

— Não mesmo.

Judal conseguiu escutar uma leve risada do outro lado da linha e ouvir aquilo lhe trazia uma sensação tão, mas tão agradável. Recostado à parede ele cerrou os olhos. Sentia-se… em casa ao falar com ele.

— Te amo! Quando eu chegar… temos muito o que conversar.

— Coisas boas ou ruins? - Hakuryuu indagou, bastante receoso.

— Boas e ruins. - sucinto Judal respondeu. - Preciso ir. Te amo.

— Certo. Cuide-se. Te amo. - foi a última coisa que Hakuryuu disse antes de desligar.

Devolvendo o telefone à base, que ficava na mesinha de canto, ele se recostou no sofá e voltou a abrir seu livro de botânica. Faltavam poucas páginas para terminá-lo.

Precisava se manter acordado até Judal chegar, ainda mais depois de saber que ele queria uma conversa que era, aparentemente, séria.

Mas não demorou cinco minutos após o fim da ligação para ouvir o barulho de chave adentrando a fechadura na porta do apartamento.

Hakuryuu, apreensivo, deu um salto do sofá e correu até a entrada. Era impossível Judal já estar em casa. Só se já estivesse a caminho e mentindo sobre ainda estar no hospital.

Será que era um dos capangas de Kouen? Ele próprio? Sua mãe? - infinitas possibilidades faziam com que um arrepio atravessasse sua espinha.

Seu coração disparou e, sabendo que Judal tinha armas em casa, ele chegou a cogitar ir até o closet onde, certamente, ele guardava esse tipo de coisa. Mas Hakuryuu se manteve firme a observar a maçaneta girar e revelar…

— Você!?

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Um leve espasmo chamou a atenção do moreno. Sinbad, apreensivo, encarou os olhos verdes que se abriram lentamente.

— Ja’far! - ele chamou bem baixo para não alarmá-lo.

Enquanto tentava focalizar algo em meio àquelas luzes fluorescentes, Ja’far sentia cada músculo de seu corpo, tão pesado, doer. Onde estava? Não se sentia nada confortável. Havia algo preso em seu rosto - a máscara de oxigênio - que o incomodava. Sua mão estava coberta por outra ( tão quente ). Ele não estava sozinho.

— Ja’far!

Foi quando se lembrou das inúmeras vezes em que perdeu brevemente a consciência e voltou a despertar… naquele galpão, cercado por aqueles homens que montavam sobre ele, o agrediam e o violentavam de todas as formas.

Os olhos verdes cresceram, assustando Sinbad que, instintivamente, pressionou os ombros de Ja’far, prendendo-o naquela cama. Ele tinha receio de que, por impulso, ele tentasse se levantar, e foi exatamente aquele o reflexo do alvo, que sobrepujou toda a dor que tinha dos pés à cabeça.

— Acalme-se, Ja’far. Eu estou aqui!

E por mais que seu coração estivesse tão acelerado e o pânico lhe dominasse, ele decidiu dar ouvidos ao preocupado delegado que estava ansioso quanto a sua reação.

Foi só então que o inspetor finalmente trocou olhares com Sinbad. E naquele momento em que ele reconheceu completamente quem estava ali, a sua frente, as lágrimas se acumularam nos cantos dos olhos e escorreram por seu rosto. O pouco que não estava coberto por ataduras ruborizou. E por mais que seu corpo todo latejasse em dor, a vergonha era o que mais o fazia sofrer naquele momento.

— Sin… - escapou pelos lábios dele em um gemido.

— Shhh! Já passou!

— Onde… Onde estou? - ele sussurrou parecendo deveras desorientado. Olhava ao redor, aflito, temendo estar ainda em companhia daqueles marginais.

— No hospital, Ja’far. - Sinbad suspirou, um tanto quanto aliviado.  - Nós o encontramos e você foi trazido para cá bastante machucado. Como se sente?

— Do-Dói muito… - gaguejou o inspetor.

— Vou chamar a médica para examiná-lo!

— Não! - Ja’far subitamente exclamou. - Não me deixa...

Sinbad evitou prosseguir e encarou aquela expressão tão… sofrida. Os olhos verdes de Ja’far nem ao menos lembravam como costumavam ser. Refletiam tanto medo, tanta tristeza. Opacos e sem vida, pareciam ter perdido completamente seu brilho.

Sem falar mais nada ele se voltou àquele que tanto amava e afagou aqueles fios tão brancos. Havia tanta coisa entalada em sua garganta. Seu peito parecia se comprimir.

— Meu amor… O que fizeram com você? - a voz do delegado estava embargada. - Como fui capaz de permitir que o machucassem desse jeito? Eu sinto tanto, meu anjo… Eu sinto muito!

Inclinando-se para frente, o delegado depositou um beijo carinhoso no topo da cabeça de Ja’far. Ele parecia tão menor, tão frágil.

Sinbad secou as lágrimas que encharcavam seu rosto e tentou se recompor. Ele tentou se afastar do leito, mas a mão de Ja’far permaneceu a segurar a sua. O olhar de seu inspetor condenava o quanto ele temia que Sinbad se afastasse.

— Fique calmo! Não vou sair do se…

— Você sabe?! - sussurrou Ja’far, apesar de haver urgência em seu tom de voz. - Você sabe de tudo o que aconteceu?!

Ja’far parecia tão angustiado ao lhe indagar aquilo. Sinbad apenas suspirou e voltou a se aproximar. Tomou a mão de seu amado entre as suas e a levou abaixo de seu queixo.

— Sim.

O pouco de pele descoberta pelas ataduras corou violentamente e o delegado conseguiu perceber a expressão que denotava a vergonha que Ja’far estava sentindo. Ele mordia o lábio inferior tentando segurar o choro. Uma tentativa completamente falha.

— Deve… Sentir nojo de… de mim. - ele soluçava.

— Nojo? - Sinbad arqueou uma sobrancelha. - Está louco? Nojo tenho dos monstros que fizeram isso com você, meu amor!

Sinbad afagava os fios brancos e tentava transmitir algum conforto a Ja’far.

Queria declarar que pretendia caçar aqueles miseráveis e matá-los. Mas não era o momento. Precisava agir com bastante sutileza. Ja’far não podia se alterar e o melhor agora era que ele permanecesse a descansar.

— Preciso te contar… - ele começou, a voz enfraquecida. - Eu não fui… fazer exame algum. Eu menti, Sin!

— Shhh. - Sinbad insistiu. - Não tem problema. Depois conversamos e eu entendo seus motivos, certo? Só quero que descanse agora, tá?

— Eu quero ir pra casa, Sin… - murmurou o alvo.

— Nós vamos assim que você melhorar, tá?

— Eu tenho tanto medo do que o Barb…

— Não!

Com o dedo indicador levantado, bastante autoritário, Sinbad impediu que Ja’far proferisse aquele nome. Os miúdos olhos esverdeados nada entenderam.

— Não diga mais esse nome, Ja’far! Por favor! Esqueça-o! Eu… prometo para você que… nunca mais vai ouvir esse nome!

Silenciosamente Sinbad fez uma jura de morte.

—-------xxxxx--------

Hakuryuu não podia acreditar. Ninguém menos que sua prima estava ali e o mais intrigante era: como ela tinha a chave do apartamento de Judal? Tinha liberdade para entrar ali quando quisesse?

Kougyoku, por sua vez, não entendia o porquê de seu primo estar ali, tão à vontade, no apartamento de Judal.

Ela permanecia parada na entrada daquele apartamento enquanto Hakuryuu, bastante surpreso, a encarava. Se não tivesse a certeza de que sua prima nunca se envolveu nos assuntos da máfia de seus irmãos, ele temeria por sua vida.

— O que está fazendo aqui, Hakuryuu?!

A indignação estava bastante presente no tom da jovem. Hakuryuu piscou e, por um instante, pensou que não deveria baixar a guarda.

— Eu moro aqui! - ele foi bastante direto.

Os olhos de Kougyoku cresceram. Hakuryuu estava morando no apartamento de Judal? - Mas será que Hakuryuu deveria ter lhe dado aquela informação? - ele se perguntou em seguida, temendo não só pela sua segurança, como pela de seu anfitrião.

— Aliás, - seu primo não lhe daria tempo. - por que você tem a chave do apartamento do Judal!?

Bastante aflita com aquele questionamento, Kougyoku se sentia encurralada. Claro, não podia dizer que, desde a adolescência, era amante de Judal, estando noiva de Alibaba. E não era um mero detalhe que ambos eram melhores amigos.

Ela segurou firmemente a alça da bolsa que trazia pendurada em um ombro.

Hakuryuu permaneceu, bastante altivo, a esperar uma resposta que fosse, no mínimo, plausível.

— So-Somos amigos há muito tempo! Às vezes o Judal me deixa ficar aqui!

— Ah, é? - o moreno arqueou uma sobrancelha. Não acreditava naquela história. - Bem, o que veio fazer aqui?

— Acho que é um pouco óbvio! Vim falar com o verdadeiro dono dessa casa.

— Ele não está. E o Kouen, por acaso, sabe que está aqui? Já viu a hora?

— Claro que ele não sabe! - ela desviou o olhar.

— Bem… - Hakuryuu revirou os olhos. - pode entrar, prima. Não vai ficar na rua tão tarde assim.

Ela sorriu um tanto quanto irônica ao cruzar os braços na altura do peito.

— E você por acaso se preocupa com a vida da irmã dos usurpadores que tentaram te matar? - ela parecia melancólica.

— É exatamente isso que me faz diferente daquele lixo que são seus irmãos.

Hakuryuu foi direto e Kougyoku, mordendo o lábio inferior, ficou sem resposta.

Será que era uma chance de, finalmente, poder se aproximar de Hakuryuu? Sempre simpatizou com seu primo, mas não poderia demonstrar afeto sob o mesmo teto que seus irmãos. Sabia o que Kouen e Koumei, junto de sua tia e madrasta, desejavam vê-lo morto. Mas quem sabe, aquela “novidade” não fosse algo ruim.

Kougyoku havia pensado bem durante aqueles dias. Talvez não precisasse mais se casar com Alibaba, agora que… tinha um vínculo eterno com Judal. Aquela amizade, sempre tão intensa e que tantas vezes os levou para a cama, poderia sim evoluir para um compromisso sério. Afinal, não dependia mais apenas dos dois. Havia uma terceira pessoa entre eles e o natural seria casarem. Seu irmão não a obrigaria mais se casar com Alibaba por causa da fortuna que ele teria direito um dia..

E se Judal havia adotado Hakuryuu como seu grande amigo, ela ficava feliz e desejava se aproximar dele também. Ela só não esperava o balde de água fria que estava por vir.

— Eu gostaria que as coisas fossem diferentes, Hakuryuu. - ela abaixou a cabeça. -Poucos entendem como ele é… uma boa pessoa. Só é incompreendido. Fico feliz que o Judal tenha te ajudado e esteja sendo seu amigo

— Judal não é só meu amigo, Kougyoku. - o rapaz a encarou firmemente. - Judal é meu companheiro. Nós estamos namorando.


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Notas finais do capítulo

Uffa! Agora posso falar: eu reescrevi a reação do Ja'far ao acordar pelo menos umas 3x de formas diferentes. Eu tinha tanto medo de como eu devia fazê-lo agir, em especial pelas coisas que virão a seguir, MAS ainda está cedo para trabalhar isso, então vamos com calma. Hahaha!
Parsine ganhou o papel de médica da vez. Só então eu percebi como eu coloquei as mulheres nessa fic com papel de dondoca. Hahaha! Originalmente este papel era da Pipirika, mas ela virou a noviça que enlouqueceu após a morte do marido e entregou a Esla-chan para adoção. Eu pensei na Mira para médica, mas eu imaginaria que ela roubaria a cena - sendo atrevida e linda como é hahaha!
Bem, acho que todos já tinham entendido o segredo da Kougyoku, mas agora então ele está mais que evidente, não é? TUDO para enrolar nossos lindos Judal e Hakuryuu, que estão no maior love!
Lembrem-se que leio/respondo todas as reviews! Sintam-se à vontade para elogiar, criticar ou só pra conversar msm! ♥ Até o próximo capítulo!



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