Part Of Your World escrita por Maria Salles


Capítulo 2
Tale Of The Bottomless Blue


Notas iniciais do capítulo

"Às vezes, em seus sonhos, quase via seu rosto desconhecido. Estava ali, no limite entre o sonho e a realidade, intocável e misteriosa."



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/639874/chapter/2

Desde o naufrágio o príncipe era assombrado por pesadelos. Imagens do fogo e da destruição, bem como o risco de afogamento, pelo qual passou semanas atrás voltavam vivas em sua mente e ainda piores do que se lembrava. Em seus sonhos, via os marinheiros presos nos destroços do navio desesperados com a eminência de suas mortes. Via a desolação daqueles que nada podiam fazer para ajudar. Sentia o pesar e o choque como uma força física arrastando-o para debaixo d’agua, pressionando-o, expulsando o ar de seus pulmões. Acordava suado e perdido em sua cama, e antes que todos no palácio se levantassem, retirava-se para a praia, onde esperava o sol nascer observando o horizonte.

Não precisava temer o mar. Repetia para si mesmo, várias vezes ao dia, após o incidente. Sabia como a água funcionava, entendia como poderia ser tempestuosa e intratável. Antes mesmo de saber andar já nadava. Em seus vinte anos de vida, deveria ter passado metade disso perturbando marinheiros e correndo nas proas do navio de seu pai, no velho mundo.

Não precisava temer o mar. Repetia observando as ondas irem e virem na baía, lavando a areia.

Mais uma noite mal dormida. Mais uma manhã começando vendo o nascer do sol. Às vezes fechava os olhos, tentando evocar a última coisa que se lembrava daquele evento. Um único momento que se sentiu realmente bem. Lembrava de sentir o calor do sol em seu rosto, e algo em tocando seu rosto, tão suave e delicadamente que não sabia se a sensação sequer era real. Lembrava-se de uma voz, uma belíssima voz, que parecia preocupada. Não conseguia distinguir as palavras ou reconhecer, sabia apenas dizer de que pertencia a uma mulher. Às vezes, em seus sonhos, quase via seu rosto desconhecido. Estava ali, no limite entre o sonho e a realidade, intocável e misteriosa.

Sua salvadora.

Porém não havia mulheres na nau. E certamente quem quer que fosse teria ficado para ter certeza de que estaria bem, não? Afinal, ele era o príncipe, e ali naquelas terras era a figura mais importante. Por que fugira? Por que o deixara? Sentia falta do afago de sua mãe, de quando ela o segurava firmemente em seus braços com a intenção de nunca mais soltar. Naquele momento, em estado de semi-inconsciência, sentiu-se tão bem quanto. Sentia-se acolhido e querido, não por ser o que era, mas sim por quem era. Gostaria de sentir isso novamente. Gostaria de encontrar a boa alma a qual lhe devia a vida.

Os latidos do pastor inglês, seu enorme e peludo cão de estimação, retirou-o de seus pensamentos. Abriu os olhos e olhou em direção ao animal. Estava agitado e queria a atenção total de seu dono. O príncipe sorriu. Provavelmente havia encontrado algum animal marinho atrás das pedras que o impediam de avançar.

Porém, conforme se aproximava, vislumbrou o que parecia ser um corpo humano, e seus instintos se aguçaram. Apressou os passos, quase correndo, em direção do lugar indicado pelo cão. Não precisou chegar mais perto para ver a jovem desmaiada na areia. Correu em sua direção, parando bruscamente a alguns metros da bela moça de cabelos ruivos ao perceber que estava nua. Imediatamente, abriu a camiseta de algodão que vestia e se aproximou devagar.

As mechas compridas cobriam seus seios e parte de suas costas. O príncipe delicadamente pousou a camisa sobre o corpo exposto, tentando dar-lhe o máximo de privacidade que a situação permitia – embora não pudesse ter deixado de notar que era esguia e possuía um corpo muito belo. E chamou por ela.

– Moça? A senhorita está bem? Moça?

Os olhos da jovem tremeram, mas não se abriram. Sua pele estava quente, mas não sabia dizer se tinha febre. Olhou ao redor, em busca de alguma pista de onde teria vindo, mas não havia nada, a não ser rastros na areia. Não havia dúvidas de que havia sido trazida pelo mar e depositada ali. Não conseguia imaginar na sorte da pobre menina: sobrevivera a algum naufrágio, vencera a hipotermia e fora trazida justamente para sua praia, sendo encontrada bem a tempo. O destino havia lhe sorrido, concluiu.

Vestiu a camisa na desconhecida, tomando cuidado para cobri-la ao máximo, e a içou em seus braços. Era tão leve! Aconchegou-a num abraço e a segurou com firmeza, dando a volta e voltando pelo caminho pelo qual viera.

– Max! – chamou o príncipe pelo cachorro, que o ouviu com atenção – Corra ao palácio. Acorde a todos, precisamos de ajuda para cuidar dela.

E o cão disparou em direção à construção que se erguia sobre um penhasco. O rapaz olhou para a moça em seus braços. Não podia deixar de sentir-se protetor com relação a ela. Analisou suas feições delicadas. As maças do rosto altas, lábios rosados e delicados, os olhos – qual seria a cor deles? – grandes. Não parecia ser das redondezas. De onde viera afinal?

A chegada no palácio, como previra, não fora sem alarde. Estavam todos preocupados com o bem-estar do herdeiro, mas ao vê-lo trazendo uma pessoa nos braços puderam respirar aliviados por alguns minutos antes de se assustarem: era uma moça. E estava nua. O príncipe queria revirar os olhos com o que eles se preocupavam. “Uma moça nua! ”. Ouviu uma empregada chocar-se com outra.

– Preparem um quarto para ela. – seu pedido foi feito com o tom de quem ele era: príncipe e superior. – Enquanto é preparado irei leva-la para os meus aposentos. Preciso que alguém lhe prepare um banho.

As ordens foram obedecidas organizadamente. Um grupo de criadas correu a frente para começar a preparar o quarto que serviria para moça, enquanto outro se responsabilizava em preparar um banho para ela. Uma criada desceu para pedir para prepararam uma refeição leve e procurar pela governanta. O príncipe continuou pelas escadas juntamente com seu criado particular e duas outras criadas. Ele não pediu para que ninguém a carregasse por ele.

– Max a encontrou na praia – esclareceu pelo caminho – Estava desmaiada, mas se moveu quando falei com ela. Não vi nenhum indício de onde possa ter vindo, mas acho que o mar a trouxe. Havia rastros na areia.

– Pobre criança! – choramingou o criado, um homem em seus cinquenta anos de cabelos grisalhos e ar bondoso – Tem sorte de estar viva!

O príncipe não disse mais nada ao entrarem em seu aposento. Não havia muito o que ele poderia fazer a não ser deita-la na cama e cobri-la. A governanta entrou no quarto. Parecia atordoada, mas estava a par da situação e logo disparou para a menina, medindo-lhe a febre e analisando seu estado. Voltou-se para o príncipe – o conhecia desde o nascimento – e bondosamente se referiu a ele:

– Iremos cuidar dela agora alteza. Em breve estará bem. Enquanto isso, porque não desce e come alguma coisa. Iremos lhe chamar quando ela estiver pronta.

O príncipe olhou para a menina, sem querer se separar dela. A governanta sorriu e apoiou a mão com carinho em seu ombro.

– Querido, já fez tudo o que podia por ela. Agora é conosco. Cuidei de todas as suas gripes e teimosias, ela ficará bem. Mas agora precisa se retirar para que façamos nosso trabalho.

Ele deveria sair. Sabia disso. Seria constrangedor e desrespeitoso ficar enquanto cuidavam dela. Eles eram dois desconhecidos, apesar de algo nele não querer deixa-la e sentir familiaridade com a estranha. Suspirou e, com os ombros caídos, se retirou.

Esperou durante a manhã. Fez menção de subir mais de uma vez, mas se restringiu. Deveria esperar, deveria aprender a ser paciente. Ele não ajudaria em nada ficar pressionando seus criados, então esperou.

Finalmente, depois do que parecia ter sido uma eternidade, alguém o chamou.

– Alteza. – a governanta sorria – A jovenzinha está deitada. Ela despertou algumas vezes enquanto cuidávamos dela, mas não disse nada. Parecia estar perdida e cansada demais, sem dúvida foi a insolação e o afogamento. Mas ela está bem. Se quiser subir para vê-la. Continua em seus aposentos.

Ele assentiu e subiu as escadas de dois em dois degraus.

Se a beleza da jovem já havia lhe chamado a atenção antes, agora parecia uma imagem etérea, provinda de um sonho. Os cabelos penteados se espalhavam sobre o travesseiro, brilhantes e macios. Lhe vestiram em uma túnica de cor clara e a moça parecia descansar mais tranquilamente do que quando a encontrara.

Sentou-se em uma cadeira posicionada ao lado da cama e estendeu a mão para tocar a dela sobre as cobertas. Os dedos finos envolveram os dedos calejados do jovem e a moça se moveu na cama. Abriu os olhos aos poucos, piscando várias vezes antes de os arregalar e sentar-se assustada.

O príncipe se ajoelhou ao seu lado murmurando para acalma-la.

– Shh. Não se preocupe, está tudo bem agora. Te encontrei desmaiada na praia esta manhã e lhe trouxe aqui para ser cuidado. Fico feliz que tenha acordado finalmente. – Ele sorriu enquanto a observou se acalmar - Meu nome é Eric.

Finalmente seus olhos se encontraram. Os da moça se abriram em reconhecimento, já o príncipe mergulhou nas profundezas de seus olhos azuis e foi cego pelo sorriso que a desconhecida lhe lançou.

A moça parecia clamar seu coração.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E como Eric reagiria após o naufrágio? Ou ao encontrar uma moça nua desmaiada na praia? Aqui está o lado dele desse primeiro encontro!