Lilith escrita por Lyria Danis


Capítulo 4
Cena IV


Notas iniciais do capítulo

Editado em 19/04/2018.
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Eu provavelmente estava sob o efeito de álcool quando escrevi este capítulo.



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Era lugar nenhum, e era exatamente lá que Lilith estava.

Deitada sob o sol torturante, com areia em seus cabelos ondulados. Seus lábios, antes rosados, estavam brancos e ressecos, enquanto seus olhos mesmo que negros, antes brilhavam, agora estavam sem vida alguma.

Vestia-se com pele de gato do mato, onde o matara facilmente com pedras e lapadas, desde que tomara consciência do que era vergonha. Precisara de algo para vestir, pensou. Couro era algo que lhe esquentava e dava a única sensação de segurança que tinha.

Agora, mais que nunca, desgostara de seu pai. Ele havia lhe abandonado, a partir do momento que não quis entender suas intenções... E o pior de tudo, ele sempre soube que isso iria acontecer e não tentou ajudar de forma alguma.

Sentou-se, e tirou o excesso de areia que estava em seu corpo.

Suspirou, enfiando seus pés na areia dourada que estava.

Olhou para o céu, e percebeu que estava na praia. Não sabia como parara ali, mas realmente não importava...

Agarrou-se ao couro que estava sobre sua pele e se cobria como podia, e escutou um barulho de passos, pelos coqueiros que estavam atrás de si.

Virou-se abruptamente e não viu nenhum animal, então relaxou, e ficou a observar as ondas do mar, já que não tinha o que fazer. Perdeu a noção de quanto tempo ficou ali. Atormentada pelo inquietante silêncio, ou, talvez, finalmente em paz? Ela não poderia dizer o que era paz ou o que não era. Quando, ouviu uma voz semelhante a lamúrio.

Lilith...

Parecia ter sido sussurrada em seu ouvido. Assustada, olhou para todos os lados a procura de alguma outra pessoa igual a si, mas imediatamente concluiu ser impossível, já que foram criados apenas Adão e ela.

— Lilith, eu sei que você pode me ouvir, por que não me responde?

Nisso, ela se levantou grosseiramente, deixando cair o couro de gato do mato que estava vestindo.

— Quem está aí?!

Ninguém.

— Mostre-se logo!

Estava apavorada. Não podia ser impressão sua, alguém estava ali. Reconheceria se fosse Adão, mas quem mais poderia ser?

— Lilith... Feroz e delicada, fêmea e absoluta... Queria conhecer você.

Ao escutar essas palavras, sentiu um calafrio. Não era algo a se sentir medo; sim uma presença relaxante, mesmo que se sentisse ferida pelo que acabara de ouvir.

Seus olhos negros arregalaram-se ao sentir uma respiração na sua nuca. Virou-se, e, a algumas dezenas de passos de distância, teve sua visão ofuscada por uma intensa luz branca.

Sentiu seus olhos queimarem, parecia que estavam ficando liquefeitos. Com um grito aterrorizado, Lilith abandonou tudo que estava a sua volta e correu desesperadamente em direção ao mar, no intuito de aliviar o ardor.

Mergulhou com todas as suas forças em direção ao alívio, não queria saber de mais nada, não lhe interessava nem mais quem estava ali. Ao ouvir a colisão de seu corpo na água, ela esfregou seus olhos freneticamente, o que só fez aumentar seu sofrimento.

Não havia nada mais a fazer do que entregar-se a maré, e esperar por qualquer coisa.

—x-x-x-x-

Claro, estava muito claro. Os olhos dela estavam entreabertos pela claridade, incomodados.

Um ambiente diferente, Lilith notou quando conseguiu se levantar de onde estava... Oco, vazio. Havia algumas árvores secas ao seu redor, e o chão que pisava estava quente... Parecia que estava queimando.

Como tudo ao seu redor.

Olhou para seu corpo, e trajava algo muito parecido com um vestido. Ia até o meio de suas coxas, e era tão escuro quanto seus olhos, destacando-se na sua pele branca.

— Onde estou...?

Olhou ao redor, e só havia mato seco. Não era o lugar onde estava antes de dormir...

... Onde estava mesmo?

— Lilith...

Uma voz doce lhe chamara. Ficou agraciada com a voz, tão gentil, e sem mais nem menos, simplesmente a seguiu, enfiando-se entre as árvores secas e solo morno até a voz.

Ao passar por entre um beco escurecido, composto por diversos tipos de madeira seca e algumas folhas perdidas, viu-se num ambiente totalmente inverso do qual estava antes.

Um imenso jardim, com mais diversidade de flores que Lilith já vira. Um lindo por do sol alaranjado enfeitava o horizonte por trás desse jardim... Uma brisa fresca a invadira, fazendo o que estava vestindo balançar de acordo.

E o vestido que era tão escuro quanto seus olhos, ficou tão rosa quanto seus lábios, e ela não entendeu o motivo, porém...

Era simplesmente sublime!

Com um sorriso inocente, nada costumeiro com o seu estado mental de antes, correu em direção ao jardim. Agachou-se perante as flores, e colheu uma. Nunca havia visto algo igual. Era uma flor tão branca, e possuía o miolo tão escuro...

Ficou não se sabe qual tempo, apreciando todas aquelas flores, até que ouviu passos atrás de si. Virou-se para saber quem é, e não soube dizer exatamente o que viu.

— Doce Lilith... Tão inocente...

O que ela havia, não saberia dizer se era homem, mulher ou alguma espécie de animal. Não tinha algo definido. Tinha um corpo humano, ela notou, mas o rosto... Não havia.

Simplesmente não havia num rosto.

Em sua cabeça não havia olhos, boca, nariz, cabelo, nenhum tipo de expressão... Era vazio, como o nada.

A voz dele soava como sinos nos ouvidos de Lilith, mesmo ela não sabendo como ele podia falar sem uma boca.

Tantas perguntas.

— Que lugar é esse?

— Sua consciência.

Lilith olhou surpresa para quem estava a sua frente, e depois olhou por tudo em volta.

— Minha consciência...? — Sua voz falhou ao final da pergunta, e focou seus olhos no chão.

— Você não se lembra como chegou aqui?

E como um baque, Lilith se lembrou de tudo. Do que seu pai fizera, das discussões com Adão, de fugir do paraíso, de chegar à praia... Ter seus olhos queimados...

Gemeu de medo, e instantaneamente tocou em seus olhos. Ainda estavam lá, enxergava tudo completamente e não havia dor... O que estava acontecendo?

— O que... — iniciou ofegante. — O que aconteceu... Como... — ela olhou desesperadamente ao redor. — Quem é você?

— Quem sou eu?

Ao fazer essa pergunta, um brilho ofuscante começou a aparecer atrás da entidade, e Lilith observou paralisada e surpresa, até que notou algo inesperado.

Seis pares de asas apareceram repentinamente nas costas dele. Brancas, feitas de luzes, não parecia algo que pudesse tocar. Ele bateu tais asas, tão magníficas, e criou um vento forte com elas.

Lilith logo entendeu quem ele era.

— Você é... Um anjo? — Ela indagou, ansiosamente. — Aqueles anjos que vivem com O Pai?

Pôde-se ouvir uma risada suave, mesmo sem nenhuma expressão mostrar-se nele.

— Um arcanjo. Eu era o sétimo arcanjo do céu, regente dos anjos, Lúcifer. — E como se fosse para dar veracidade ao que dizia, bateu seus seis pares de asas novamente.

Lilith estava surpresa demais e fascinada demais pelas lindas asas brancas que possuía. Era algo diferente do que já havia imaginado, pois os anjos sempre foram um mistério para ela e Adão, não era permitido para eles tal conhecimento. Nem mesmo sue pai já haviam visto alguma vez.

— Você era um arcanjo? E agora não é mais?

— Não... Nosso pai, minha irmã, me julgou injustamente. — Sua voz soava triste, o que prendeu a atenção de Lilith. — Eu queria o melhor para você e Adão, mas ele não me deu ouvidos. Insisti, e ele simplesmente ordenou ao meu irmão a me expulsar do céu.

Lilith agora o olhava desconfiada.

— E como eu não soube dessa história?

— Você fugiu. E agora, Doce Lilith, você está sabendo.

Lilith olhou para Lúcifer com os olhos sofridos. Ele falava com ela de uma forma incrível, realmente, celestial... Não conseguia se sentir mal estando na mesma presença daquele anjo, e também não conseguia duvidar de suas palavras. Sua voz, de alguma forma, esbanjava que ele dizia a verdade, e de alguma forma se sentiu acolhida por isso. Não fora apenas ela que fora traída pelo seu criador.

Fui traído, Lilith. Pelo meu irmão e meu pai, então pensei no único ser que poderia me entender, já que nenhum dos meus irmãos quis... — Lúcifer apontou para Lilith. — Você.

Os olhos de Lilith brilharam em felicidade.

— Ele foi egoísta, não é? O tempo todo. Ele sabia que se me criasse, eu ficaria assim... E da mesma forma ele fez! Não tentou nem mudar! — A voz da mulher saía forçada e rouca, de tal forma que seus olhos encheram-se de lágrimas. — Muito mau... — Sussurrou, com suas últimas forças.

Olhou para o chão desolado, deixando aparecer toda uma fragilidade que antes lutava para esconder. De alguma forma, de alguma forma, podia confiar naquele Arcanjo.

— Eu que o diga. — Ele deu de ombros. –Nosso pai me traiu terrivelmente, irmã. E os nossos outros irmãos, eu com os anjos e arcanjos e você com Adão... Maldoso, não é? Eles poderiam tentar nos entender.

— Não! — Lilith gritou, ainda tentando se controlar para não chorar. — Não culpo Adão...

O momento de silêncio pairou, e Liltih permanecia a olhar para o chão. Mesmo sentindo que está frente a frente com um amigo, era complicado e vergonhoso. E não culpava Adão, de verdade... Mesmo que ele tivesse alguma culpa, ela o amava. Nunca poderia culpá-lo. A raiva de antes, tudo havia abafado o que sentia, mas agora...

— Você não o culpa? — Lúcifer indagou ressentido. — Como você pode não culpar alguém que te subjugou e que queria te passar para trás? Fazer você ficar... Submissa? Ajoelhada perante ele? — Ele suspira. — Lilith, Adão foi tão mau ou pior que Deus.

Lilith suspira.

Sabia que ele estava certo, mas ainda não queria admitir... Mesmo que estivesse começando a sentir uma estranha raiva dentro de si, não queria deixar a mostra.

Adão não tem culpa, repetia para si mesma. Mas por que as palavras de Lúcifer ainda estavam na sua mente? Pareciam terem sido fincadas...

E quando deu por si, Lúcifer estava a um passo de distância.

 


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