Uma coisa que a tranquilizava era observar o pôr-do-sol, afinal havia uma mistura tão incrível de tons e cores — e isso era o que mais Lilith gostava.

O anoitecer era algo belíssimo e ela ansiava para vê-lo todos os dias. Ficava ali, sentada abraçada às próprias pernas, esperando o Astro Rei dar lugar a lua e as nuvens às estrelas...

Lilith experimentara um sentimento estranho alguns momentos atrás com Adão... Por que sentiu aquele calor? Não era um calor humano como estava acostumada, mas... Algo perturbador, que a quase fez explodir em cólera.

Seus olhos negros e entristecidos se iluminaram ao ver a brilhante lua chegar... Exuberante, suave, mas ainda poderosa.

Sentiu um apreço especial por ela.

Adão, por certas vezes, dizia que ela era linda e casta, como a lua... Porém, ele não sabia como Lilith se sentia sobre isso. Ela adorava, pelo que isso significava a seu ver... Ela era como a lua?

— Lilith. — A voz gutural de Adão foi apenas o que Lilith escutou no calar da noite, e ela simplesmente o ignorou. — Lilith!

Ela não respondia.

— Lilith, você vai realmente me ignorar? — Adão estava ofendido, e isso nunca tinha acontecido com ele antes. Sua mulher, de fato, conseguia fazê-lo ficar ensandecido... De todas as maneiras possíveis e ele sabia que isso não era permitido.

Entretanto, para o bem de Adão, Lilith voltou sua silhueta para a direção dele, e sorriu.

— Não... — Ela disse de maneira amena. — Venha aqui.

Ele foi alegre, e sentou-se ao lado de sua esposa.

— Lilith, o que há? — O homem loiro perguntou.

— Bem... — A mulher olhou para a lua. — Não estou me sentindo a mesma nesses dias... É bem diferente.

Adão acima de amante era seu irmão, seu amigo, e Lilith chegara à conclusão de que não faria errado falar de seus pensamentos para ele...

... Faria?

— Diferente? — A expressão do homem se curvou em desentendimento.

— Sim! Sabe... Esses pensamentos... — A mulher abraçou as próprias pernas, e escondeu a cabeça entre os joelhos, de uma forma que sua cabeleira castanha fazia sombra pelos seus ombros. — Que me vem sobre você, o Pai e tudo que ele nos ensinou.

Adão não estava gostando dessa história, e de forma mecânica, fechou sua mente para tudo que Lilith falava. Se ela desaprendera os mandamentos, ele ensinaria novamente.

— Quais pensamentos?

— Você os acharia não condizentes com o Pai, mas eu não vejo mal algum. — Ela contornou, com sua voz saindo abafada. — Por que eu te devo obediência?

Ela disse, finalmente disse.

Uma emoção estranha se apoderou dela... Nesse momento, não era para estar plena?

— Por que o nosso Pai assim ensinou. Você me obedece, e você da mesma forma é minha esposa cheia de mimos. — Adão imediatamente respondeu com um sorriso gentil.

Lilith levantou o rosto e acenou negativamente.

— Você não acha isso pouco? Adão, Pai nos criou para vivermos, não existir, — ela tentava explicar, — não estou dizendo que o que Ele fala é errado... Mas não podemos seguir algumas coisas diferentes?

— Quais coisas, por exemplo?

— Bom... — Ela começou a ficar vermelha, de repente, um ato que até Adão estranhou. O que era isso que Lilith sentia que a fazia ficar vermelhas e com as bochechas, tão quentes? — Por que não podemos comer carne?

Os olhos de Adão se esbugalharam.

— Por que não podemos comer carne? Lilith! É errado! — Adão bradou.

— E por que necessariamente é errado?

Isso ele não soube responder.

— Lilith, está me assustando. — Ele disse, encostando uma mão no ombro delicado da mulher, sentindo aquela pele macia novamente.

E Lilith mirou seus olhos negros como o céu da noite em Adão com intensidade. Toda intensidade que havia dentro dela, um sentimento que ninguém iria conhecer...

Talvez ela no final como fosse de fato como a lua, apenas por uma única característica.

Solidão.

E sentiu seus olhos derramarem-se pelo rosto.

Inocente, sem saber que eram lágrimas, estranhou o fato de água saírem de seus olhos, mas não prestou atenção nisso: O que ela notava, é que aquilo aliviava de alguma forma o que sentia — sem saber exatamente o que era — e concluiu que era algo bom.

Olhou pra Adão, e não o dando tempo para falar, adentrou na floresta escura rapidamente.

Adão olhou confuso para a silhueta branca de sua esposa.

— Lilith...

—x-x-x-x-

— Pai…

Lilith estava parada na mata fechada, sendo iluminada pelos resquícios de luz lunar que adentravam pelas brechas dos galhos das árvores, deixando-a com um ar assombroso. Suas longas madeixas cor de folhas envelhecidas estavam caídas sobre seus seios, cobrindo-os parcialmente.

Olhava fixamente para um ponto perdido, seus lábios se movimentavam minimamente. Estava concentrada.

— Pai... Pode me ouvir?

O silêncio respondeu.

— O Senhor viu toda a conversa, não foi? — Ela agora ouvia os barulhos da noite. — E agora, o que pretende? Impor-me um castigo pelo errado?

Silêncio novamente.

— Pai! O que há de errado? Por que é tão ruim eu querer ser igual a ele, se fui feita do mesmo pó? Da mesma forma? Eu fui criada para ser parceira dele, não para ser submissa, certo?

Os animais estavam estranhamente quietos na noite, que até mesmo os noturnos se escondiam. Allgo grande iria acontecer ali e Lilith sabia disso. Uma forte ventania começou, chacoalhando as árvores freneticamente, entretanto, a mulher continuava lá, imóvel, olhando para um ponto não específico.

— Pecado? O nome disso é... Pecado?

De repente, tudo parou. Não havia mais vento, e os sons noturnos dos animais, lentamente, voltaram a ressoar. Nuvens escuras começaram a encobrir a lua, e Lilith podia sentir o vento frio arrepiar sua pele.

— O Senhor não entende não é? — a mulher dizia seguramente, e podia-se ver nascendo um estranho sorriso em seus lábios. — Eu não sinto mais medo de você.