Quantas vezes eu imaginei esse reencontro deitada na cama de meu quarto? Incontáveis! E todas as vezes havia toda uma emoção de reencontro, Tobias me abraçava e beijava as minhas bochechas, sem se importar com as antigas regras abnegadas, iria me apresentar para todos os amigos e não iríamos nos largar mais, voltaríamos a ser uma família, a família que tanto senti falta.

Mas parece que expectativas e realidade são coisas extremamente diferentes.

Tobias me encarou e soltou-me assustado, quase desabei no chão mas ele voltou a me segurar só para que eu não caísse. Logo que fiquei equilibrada ele me soltou abruptamente.

— O que faz aqui? — ele praticamente rosnou encarando-me com uma expressão nada alegre ou animada. Me senti como um balão de festa murchando, os balões que eu via nas celebrações de aniversário na escola, quando crianças de outras facções faziam aniversário.

— Eu.... eu me transferi para a Audácia. — digo soando incerta por causa da sua reação inesperada, parece uma afirmação no mínimo idiota mas a sua pergunta era tão idiota quanto.

— Não deveria ter feito isso. — ele diz, só não deve estar gritando pois há outras pessoas por perto.

— Quatro! — uma voz chama ao longe e Tobias vira-se para encarar quem fala com ele. Então é assim que ele é chamado por aqui? Quatro? — Faça logo o anúncio, está demorando muito!

— Desça. — ele diz sem me encarar de verdade, suspiro e vou descendo na direção da voz que havia falado com Tobias, ou melhor, com Quatro.

— Ei, menina, qual o seu nome? — perguntou a mulher enquanto me segurava pela mão, ela que havia acabado de falar com Quatro e faria o 'anúncio'. Congelei.

Magdalena não parecia combinar com esse novo lugar, com essa nova vida.

— Lena.

— Lena: a primeira a pular! — gritam em uníssono, mas posso ver quão desanimado soa Tobias.

+++

Os instrutores levam-nos por corredores, um verdadeiro tour pelo Complexo da Audácia mas quando chegamos a uma parada em especial todos cessam a caminhada.

— E é aqui que nos separamos, temporariamente. — informa Lauren casualmente, ao seu lado está um homem esguio e forte e do outro estão eles, Tobias e a garota do teste, Tris. — Os nascidos na Audácia virão comigo e com Uriah e os transferidos queiram seguir Quatro e Tris.

Quatro e Tris, meu irmão e a garota do teste.

— Ei, desde que entrou no Complexo você ficou mais....calada. — murmurou Luke para mim, soando realmente preocupado comigo.

Sorrio fracamente, terei que enganá-lo.

— Não é nada, apenas uma vertigem. — eu minto parecendo convencê-lo, ele assente para si mesmo e nós seguimos Quatro e Tris por um tour no Complexo, mal consigo prestar atenção.

Só volto a realmente prestar atenção quando chegamos aos dormitórios.

— É aqui que todos dormirão até o fim da iniciação. — declara Tris mordendo o lábio inferior, o olhar distante, ela encara meu irmão a todo instante e vejo que também alterna o olhar em minha direção.

— Garotos e garotas? — pergunta um menino com ar assustado.

— Tem algum problema com as garotas? — debocha Quatro, não, meu irmão. Vários iniciados riem de sua provocação e o garoto cora automaticamente, é claro, e recebe vários olhares zombeteiros dos outros. Ele não é como antes, claro que não. Agora ele é livre, assim como eu serei.

— Não, não tenho. — ele afirma convictamente. — Só fiquei surpreso. Mas onde iremos nos trocar?

— Isso é um quarto, onde mais se trocariam?

Quatro e Tris saem dizendo que devemos nos arrumar, usando as roupas da nova facção, e ir até o refeitório para a "Festa de boas vindas" típica da Audácia. Tomo um beliche, há vários deles, um beliche da parte superior e Luke pega o de baixo.

Ele me ajuda a encontrar umas roupas da Audácia para mim e eu me troco de baixo das cobertas tentando ser discreta, pois parece que o resto das pessoas nem chega a se importar tanto assim com a quase nudez alheia, mas eu sim. Aproveito e solto os cabelos pela primeira vez em muito tempo, em público, é claro.

— Vamos?

— Vamos. — concorda Luke com um sorriso amistoso.

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Os integrantes da Audácia são bastante adeptos as festas, isso é uma das coisas mais fáceis de perceber por aqui.

— Vou pegar a comida. — informa Luke casualmente. Estamos sentados perto um do outro numa das grandiosas mesas, as cadeiras aos nossos lados estão vazias e talvez isso esteja assim pois a maior parte das pessoas decidiu ir agora mesmo buscar a comida. — Eu posso pegar algo para você, se quiser....

— Não precisa, obrigada. — eu digo e ele assente. — Nem estou com fome ainda. Vá lá.

Isso é uma completa mentira mas desde que cheguei aqui parei de preocupar-me com a vontade de comer alguma coisa. Só consigo pensar em meu irmão. Será que ele me odeia tanto assim? Só consigo pensar em quão maravilhosos serão os dias de treinamentos que estão por vir! Será que ele vai fingir que não conhece ou....?

— Magdalena. — chama uma voz conhecida ao meu lado, viro bem a tempo de encontrar Tobias Eaton, ou simplesmente Quatro, sentado ao meu lado com um olhar discreto e quieto, ao seu lado está Tris, eles parecem bem...próximos.

— Me chame de Lena, ou então terei o direito de chamá-lo de Tobias publicamente. — eu digo baixinho e ele assente meio a contragosto. — E o que faz aqui? Pensei que estivesse irritado demais com a minha presença.

— E estou, Lena.... — ele diz murmurando.

— Mas então…?

— Por favor, deixe-me falar. Não temos muito tempo, seu amiguinho volta logo e não podemos ser vistos conversando muito. — ele informa cautelosamente. — Eu preciso que você mantenha segredo sobre nosso parentesco, por favor. Mas poderei explicar-lhe melhor após o primeiro dia de treinamento, contudo você precisa esperar. E manter-se calada.

E assim ele sai de supetão, sem me dar a chance de contestar, perguntar algo, criticar, sugerir ou qualquer outra coisa possível. Suspiro e cruzo os braços, que maravilha. Mal cheguei e já encontro esses problemas na minha frente.

Luke volta dentro de meio minuto e senta ao meu lado mais uma vez, aos poucos as filas vão dissipando-se e vejo uma grande oportunidade de pegar meu desjejum.

— Hm, Luke, vou pegar um pouco de comida. — eu digo enquanto levanto-me. — Já volto.

— Garotas.... — ele murmura sem entender direito minhas ações, tão baixinho que penso que ele acha que não consegui escutá-lo. Rio disto e dirijo-me até a parte da comida, sinto-me perdida assim como todos os meus pensamentos estão, desolados e sem uma linha concreta de raciocínio.

Será que eu realmente pertenço a esse lugar?