Corremos tão rapidamente que tudo fica para trás como vultos, eu sinto algo acertar minha perna esquerda mas ignoro a dor terrível que me atinge. Me sinto agradecida por tantos treinos de manhã cedo pelas proximidades do complexo, tantas corridas cronometradas metodicamente, é como se estivesse pondo tudo em prática. Sinto o peso das armas nas minhas roupas e puxo duas, lanço uma para Tobias e outra para Tris sem perdermos o ritmo.

— Mãe! — grita a voz de Tris quando paramos abruptamente, a senhora Natalie Prior está ali parada parecendo assustada com aquela situação.

— O que…— ela ia perguntar algo mas o som da rajada de tiros vinda de nossos perseguidores parece calá-la rapidamente. — Vamos, tem um abrigo aqui perto.

Retomamos a corrida e Tris e a senhora Prior vão indo na frente, Tobias me encara por longos passos e resolve quebrar o silêncio finalmente.

— Eu estava tão preocupado com você. — ele diz soando sincero.

— Eu também. — digo sorrindo fracamente, é bom saber que ele está bem na medida no possível, eu tropeço e caio, sentindo a dor penetrante de algo em minha perna. — Ai.

— Lena. — diz Tobias e vê o ferimento na minha perna ensanguentada, ele ouvi o som dos tiros e apenas me pega no colo e recomeça a corrida. — Vamos dar um jeito na sua perna, eu prometo.

Aos poucos sinto minhas pálpebras pesando toneladas, é como se a dor estivesse me acolhendo como um cobertor quente e grosso mais uma vez.

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— Precisamos pausar a simulação, quantas pessoas irão morrer se demorarmos? — diz Tris, desperto aos poucos e continuo sentindo dor mas isso não é importante no momento.

Ponho-me de pé e é como se cravassem uma faca ali, sei que foi um tiro de raspão mas dói como o inferno.

— Jeanine está controlando toda a simulação da Audácia. — eu digo interrompendo a conversa dos outros, eles parecem surpresos por me verem de pé. — Ela planeja aniquilar a Abnegação e todos Divergentes, precisamos ir logo. Eu sei a senha, temos que chegar antes que a troquem.

— Magdalena, você precisa descansar. — diz a voz do irmão de Tris, eu o conheço de vista, chama-se Caleb.

— É Lena. — corrijo automaticamente. — E não preciso descansar, só de alguns analgésicos para dor talvez. Não podem ir sem mim, eu sei a senha, vocês não conseguiriam descobrir tão facilmente, e também não é como se pudesse me impedir.

— O.K, sem objeções. — diz Tris erguendo os braços em sinal de rendição, ela sorri. — Se queremos fazer isso precisamos fazer logo.

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Pegamos o trem, ele é sempre o final de todo o meu ciclo por isso nem me surpreendo. Um momento de tensão se instala assim que constato que Marcus está no grupo, não olho pra cara dele nem por um segundo, não quero te esse desprazer. Sento ao lado de Tobias, Tris está com os pais e com o irmão, e consequentemente Marcus está meio isolado de todos.

— Eric…por qual motivo ele estava com você? — indaga Tobias quebrando o silêncio do caminho. E agora eu me sinto pronta para contar tudo a Tobias.

— Lembra-se daquele vez que eu meio que desapareci durante a noite, várias semanas atrás? Foi Eric, ele fez com que alguém me levasse até uma saleta onde ele me prendou durante a noite toda, na manhã eu acordei presa em uma cadeira giratória, e ele me chantageou por nós sermos irmãos, ele disse que contaria tudo a todos, e por causa da minha divergência… Eu não podia fazer nada a não ser obedecê-lo. Era tudo tão...tão horrível, eu tenho tido vários pesadelos com isso. Foi por isso.

— Você deveria ter me contado. — ele diz. — Mas eu faria o mesmo por você.

— Ele não injetou o dispositivo em mim, disse que eu era uma das novas líderes da Audácia, Jeanine… ela suspeita que eu seja Divergente, ela sabe.

— Vamos acabar com isso, a simulação vai acabar logo. — ele promete solenemente.

— Tobias, tem algo que a Abnegação tem que a Erudição quer, eu não sei o que é mas Jeanine está fazendo tudo isso para encontrar, e ela não vai parar até conseguir.

— Temos que pular agora. — diz Tris.

— Pular? — questiona Caleb.

— Não acha que o trem vai parar, acha? — corta Tris. — É fácil, apenas se lancem para fora do trem e já vai ter acabado.

Os outros não parecem convencidos com a instrução de Tris mas não há mais nada a se dizer. Eu sou a primeira a pular, é como se nada estivesse tão péssimo, como se as coisas estivessem 'normais' como antes. Em seguida vem Caleb, Tris, Natalie, Tobias, Andrew e por último Marcus que se machuca mas eu não me movo para ajudá-lo, Tobias também não.

Paramos por um instante para arrumar os armamentos e as munições, Andrew parece incomodado com tudo aquilo e diz que não temos o direito de atirar nas pessoas mas eu o ignoro automaticamente. Quando foi pôr a mão na arma a mão de Marcus a puxa, eu puxo de volta com toda minha força e ele cambaleia.

— É apenas uma menininha, não deveria ficar com isso. — ele diz friamente.

— É apenas um covarde, não deveria estar vivo. — eu digo e destravo a arma ameaçadoramente, mas não sou como ele, eu estava errada quando pensei que era um monstro como ele, eu sou diferente. — Imagine o que as pessoas da Abnegação pensariam se soubessem que você era um pai exemplar, espancava seus amados filhos. Por isso que mamãe foi embora.

— O que…

— Você sabe, agora cala a boca. — eu digo e ele cora parecendo humilhado, dou-lhe as costas e junto-me a Tobias que abraça os meus ombros, eu o encaro. — Fui muito dura?

— Você foi ótima. — ele me garante.

— E agora? — eu pergunto enquanto paramos diante da entrada da Audácia, parece tão errado invadir o nosso lar, é como se nossos maiores inimigos estivessem tomando posse do que é nosso por direito, e é exatamente isso que está se desenrolando aqui.

— Agora nós invadimos… — ele diz e parece insatisfeito com a fala. — E destruímos toda essa maldita simulação de uma vez. Seja corajosa, Lena.

Sigo o conselho de Tobias, sou corajosa.