Divergent escrita por GG


Capítulo 2
I


Notas iniciais do capítulo

Olá, lindos leitores.
Obrigada pelos reviews, estou tentando responder o segundo mas está dando um erro meio esquisito então mil perdões e muitíssimo obrigada pelo carinho e pela atenção. Estou pensando em postar todo sábado ou então sábado sim e sábado não, o que acham? É isso, deixem reviews por favor e boa leitura



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Acordo no mesmo horário de sempre.

Me levanto da cama, arrumando-a metodicamente, meus cabelos estão soltos pois acabei de acordar mas sei que em poucos minutos terei que prendê-los para seguir as 'tradições' da Abnegação. Finalizo a arrumação da minha cama com os lençóis brancos e suspiro enquanto caminho até a janela do meu quarto.

Pela janela de meu quarto eu posso ver quase toda a vizinhança estendendo-se, um mar de casas acinzentadas que me dá verdadeira agonia, antigamente eu achava calmante ver que todos tinham exatamente a mesma coisa mas de uns tempos pra cá eu vejo quão sufocante é.

O chão é frio contra a pele fina dos meus pés, pego as minhas roupas cinzentas — aquelas que todos possuem aqui na Abnegação. — e passo a mão pelos cabelos, eu preciso me aprontar para e escola, hoje é um dia bastante decisivo na vida de todo adolescente de 16 anos de idade, o dia do teste de aptidão.

Quando estou totalmente despida entro no box do chuveiro, deixando que os jatos de água quente entrem em contato com a minha pele, a água desliza pelo meu corpo inteiro, lavando-me, purificando-me. Não posso, tampouco quero, demorar-me no banho então após cinco minutos me lavando eu desligo o chuveiro com a minha mão, cuidadosamente, espero a água escorrer pelo meu corpo, fazendo o caminho planejado até o ralo, pego a toalha e enxugo-me suavemente.

Caminho até a saída do box, enrolada na toalha branca, as minhas roupas de sempre estão penduradas no banheiro, visto-as e pego alguns grampos, pronta para fazer o coque abnegado de sempre, é meio que obrigatório usar isso diariamente, assim ficaremos todos perfeitamente iguais.

Quando eu era mais nova, não conseguia fazer o coque sem a ajuda da minha mãe, ela tinha que traçá-lo nos meus cabelos escuros todas as manhãs, lembro-me de como era calmante o toque da ponta de seus dedos na minha nuca quando ela puxava o cabelo para prendê-lo mas agora eu cresci e minha mãe está morta.

— E não deve pensar na sua própria dor, deve transformá-la em bondade. — dizia meu pai toda vez que me via chorando nos cantos da casa por causa da morte dela, eu era apenas uma criança pequena quando ela se foi.

Já estou acostumada a fazer o mesmo caminho todas as manhãs, do meu quarto ao corredor, do corredor para o primeiro andar da casa. Na sala de refeições escura, eu encontro um bilhete na mesa.

"Saí cedo, reunião urgente.

Prepara seu café da manhã e vá logo pra escola.

Lembre-se que os resultados não dizem nada, você sabe exatamente onde de permanecer.

Marcus Eaton."

Vamos dizer que meu pai não é do tipo carinhoso, se fosse outro pai talvez tivesse assinado como 'pai' ou até mesmo 'papai', ou desejado um bom dia, boa sorte, qualquer coisa mas era Marcus, suspirei enquanto aprontava meu café da manhã.

Marcus, eu não o chamo de pai há três anos. Foi quando Tobias, meu irmão mais velho, decidiu abandonar a Abnegação e tornar-se membro da Audácia que eu realmente conheci o homem que se dizia meu pai mas pais não espancam suas filhas com um cinto de couro até que elas supliquem pelo fim daquilo, eles não se divertem com a sua dor, eles não são como Marcus, sobretudo.

Eu não demoro para comer o mingau de aveia, meu desjejum sempre é simples, como tudo aqui na Abnegação, caminho até o ponto de ônibus após trancar a casa, mesmo que não seja necessário, faz muito tempo desde que alguém teve notícia de assaltos, principalmente na Abnegação, mas isso não me impede de trancar a casa inteirinha todas as manhãs antes de ir para a escola.

No ponto de ônibus eu encontro a senhora Prior, ela é amiga de Marcus, bem, pelo menos Marcus é amigo do senhor Prior. Os Prior sofreram bastante com a partida dos dois filhos ano passado, Beatrice e Caleb, os dois decidiram deixar a Abnegação na Cerimônia de Escolha, Beatrice foi para a Audácia, o que me fez lembrar automaticamente de Tobias e como eu sinto falta dele, e Caleb escolheu a Erudição.

Pergunto-me se eu serei corajosa o suficiente para fazer o mesmo, quero ser livre, quero abandonar esse lugar, não me encaixo aqui. Aperto as minhas mãos quando Natalie Prior abre um sorriso bondoso para mim, ela me conhece desde meus tempos de bebê.

— Bom dia, senhora Prior. — eu digo timidamente.

— Bom dia, Magdalena. — ela diz gentilmente, acenando com a cabeça como se estivesse assentindo para alguém invisível. — Hoje é um dia importante.

— Ah. — é tudo o que eu consigo dizer, eu sei que isso só me deixa mais nervosa, todos esses comentários sobre o peso do dia de hoje, o dia em que eu descobrirei a que lugar eu pertenço, onde eu me encaixo de verdade, o dia em que eu vou poder descobrir quem eu sou.

— Hm, eu só queria dizer que você, mais do que qualquer outro, sabe quem realmente é. Não confie nos testes, confie em você.

+++

"Não confie nos testes, confie em você....", aquilo fica batucando na minha mente durante todo o dia, até a hora em que somos ordenados no refeitório para a chamada, o teste se iniciará em poucos minutos e eu estou suando bicas, nem consigo acreditar que ele vai começar daqui a pouco.

Estou acomodada numa mesa com alguns colegas de classe da Abnegação, na escola ficamos todos juntos, independente da facção, é um dos únicos lugares onde podemos ficar misturados, mesmo que sejamos facilmente distintos dos outros, seja pelos comportamentos ou pelas vestimentas, somos como alvos fáceis de detectar.

— Victor Auvrey! — chama a moça responsável por anunciar os nomes, eu encaro Victor, nós nos conhecemos desde que eu consigo me lembrar, aperto sua mão, assustando-o, não é comum que haja demonstração de afeto na Abnegação mas não ligo, não realmente.

— Boa sorte. — eu digo e ele me encara como se eu fosse louca. Arqueio uma sobrancelha, ele sai e me deixa com os outros, mordo o lábio inferior, será que é errado desejar boa sorte? No meu caso, eu precisarei de toda boa sorte do mundo para descobrir quem eu sou de verdade, mesmo que o aviso da senhora Prior martele na minha mente, mesmo que eu deva segui-lo, mesmo que seja errado segui-lo....

Victor não demora pra voltar, e logo outro nome é chamado, e outro...outro, logo todos são chamados e apenas eu sobro, parece que estão fazendo isso por querer comigo, não vejo nervosismo em nenhum dos meus colegas de facção, eles parecem certos do que aparecerá nos resultados, dificilmente alguém da Abnegação ao menos pensa em deixá-la, que dirá realmente deixá-la, mas eu sou diferente.

Não que eu não goste ou admire este estilo de vida altruísta, eu acho lindo, lindo de verdade, mas não serve muito bem pra mim e ainda há a maravilha do Marcus, me infernizando todas as noites, quando grita comigo, puxando o cinto como se fosse uma pistola e desferindo golpes ferozes nas minhas costas, castigando-me por algo inexistente.

Talvez ele me culpe por alguma coisa, quem sabe.

— Magdalena Eaton. — eu queria ter alguém para desejar-me boa sorte, alguém para dizer que nada vai dar errado, que tudo ficará bem, eu queria ter Tobias aqui novamente, mas não terei, nunca mais, afinal meu irmão não é abnegado, meu irmão é audacioso.

+++

Sou guiada por uma mulher loira até um compartimento, onde nós ficamos sozinhas, a porta automática fecha-se, me separando do lado de fora. Ela não deve ser muito mais velha do que eu, ela é um pouco menor do que eu até, encaro-a curiosamente, os cabelos caem até um pouco depois dos ombros, loiros e lisos, ela tem o rosto sem piercing, o que é um tanto quanto anormal para pessoas da facção dela, sei que ela é da Audácia por causa das roupas pretas, uma calça jeans apertada e uma blusa curta relevando os ombros e uma tatuagem na clavícula, corvos negros voando....

— Tatuagem bonita. — eu solto sem querer, automaticamente ela franze o cenho.

— Tem certeza de que é mesmo da Abnegação? — ela pergunta ceticamente enquanto gesticula na direção da poltrona reclinável que parece com uma daquelas poltronas de dentistas, sento-me.

—Não... — eu digo meio vacilante respondendo a sua pergunta. — E você, sempre foi da Audácia…?

—Eu vou lhe dar esse frasco.

Ela reage como se eu não tivesse lhe feito uma pergunta mas eu até que gosto disto, eu não deveria perguntar essas coisas a uma desconhecida, não tenho intimidade para tanto, é errado, reprimo-me mentalmente.

—E então…?

—Você vai beber, e vou colocar esses fios em seu corpo.... — ela explicou objetivamente como funcionava tudo aquilo, quando eu engoli o líquido comecei a sentir-me sonolenta e cansada, quando meus olhos estavam se fechando ela disse algo. — Você me lembra alguém..

+++

Estou numa ilha deserta, estou sozinha, com muito calor e nervosa, então uma voz surge do nada.

— Escolha. — e surgem três itens a minha frente: uma garrafa de água, uma faca e um baú.

— O que acontecerá depois? — eu pergunto curiosamente, eu preciso saber para que usarei o que escolhi.

Escolha. — ela ordena mais uma vez, escolho a água, é a coisa mais racional a se fazer.

Então fico feliz por tê-la escolhido, eu a bebo e sinto-me revigorada como nunca, foi um ato inteligente.

Então tudo muda, estou no meio de uma tempestade terrível, numa jangada apertadinha. Eu vejo um desconhecido se afogando, eu percebo quão pequena é a jangada e que não cabemos nós dois mas meu primeiro instinto é pular, jogo-me no oceano indomável e tento resgatá-lo.

Só percebo que não sei nadar quando já estou engolindo muita água, muita água salgada mesmo, eu alcanço a pessoa e arrasto-a, com muito esforço, até a jangada, tenho que sacudi-la várias vezes até que acorde mas quando acorda sorri para mim tão angelicalmente que sinto-me recompensada.

— Você tem comida? — de algum modo sei que só tenho um pacote de comida conservada e por algum motivo será o último em muito tempo, mas a pessoa está com fome, eu assinto lentamente, pego o pacote e entrego-lhe.

A cena mudou novamente, eu estava num pomar, várias árvores cruzavam o lugar, um homem de meia-idade estava sentado recostado numa árvore, ele lia o jornal e havia uma notícia: homem sem-facção assalta supermercado por passar fome

Isso não é comum, mesmo que muitas vezes os sem-facção passem fome, eles não costumam assaltar, ninguém assalta em Chicago, isso é uma coisa muito atípica, o homem ergue o olhar e me encontra, eu olho mais uma vez para a foto dele e sei que o conheço, sabe Deus de onde, talvez de algumas das várias vezes em que me voluntariei para ajuda nos projetos de auxílio aos sem-facção.

— O que você acha disso? — pergunta o homem categoricamente, ele não parece com alguém da Amizade, mesmo que estejamos nos pomares que me remetem a Amizade, talvez Franqueza ou Erudição, mas não é como os membros da Amizade que estão sempre sorridentes e nunca irritados ou alterados.

— Minha opinião importa? — eu pergunto dando de ombros e aos poucos vou lembrando de que estou numa simulação, meu teste de aptidão, então tudo importa, até mesmo essa minha pergunta desafiadora.

— Responda. — ele ordena e sua voz soa como uma máquina, eu estou sendo forçada, eles estão exigindo que eu responda, tenho que responder.

"Seja verdadeira, seja você mesma.", eu digo e logo lembro da senhora Prior no ponto de ônibus hoje mais cedo, sua falada batucando na minha cabeça como um maldito tambor.

"Não confie nos testes, confie em você.", eu tenho que seguir meus próprios instintos.

— Não posso julgá-lo, mas não diria que ele tem culpa. — eu digo enquanto me sento na grama ao seu lado, ele parece irritado com o gesto, mas não me importo. — ele estava com fome, afinal.

— Isso não justifica os....

— Claro que justifica, você nunca deve ter passado por isso, não entenderia. — eu digo colocando uma mão em seu ombro, eu estou desafiando-o, eu sei que isso é errado, ao menos Marcus acharia ou qualquer outra pessoa da Abnegação, mas talvez eu não seja como eles.

— Ele é um ladrão, deve morrer…! — ele exclama, sua exclamação quase tornando-se um grito de luta.

— Ninguém, absolutamente ninguém, deve morrer por estar com fome. — eu digo.

Acordo suada, arfando e desesperada na poltrona reclinável, me sento tentando regular a minha respiração, eu encontro a moça do teste apertando em vários botões da máquina dos resultados.

— Qual foi o resultado? — eu pergunto quando consigo parar de ofegar, ela me encara assustada.

— Foi inconclusivo. — ela diz como se fosse o fim do mundo, e era.

— O que isso significava? — eu pergunto, supostamente eu deveria descobrir o meu lugar na sociedade mas esse resultado inconclusivo me faz pensar: a que lugar eu pertenço?

— Eles chamam de....Divergente.


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