Se você quiser... escrita por Luz


Capítulo 1
I




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Mais um dia de ajeita a gravata, põe camisa dentro da calça, arruma cabelo, e Harry já estava exausto logo no primeiro dia. Já não bastasse a inspetora Purvis enchendo a sua cabeça com esse falatório todos os dias pelos corredores, ainda tinha a sua mãe, que além de tudo continuava a insistir com o uso dos óculos. Mas era só pôr os pés para fora da soleira para ele afrouxar a gravata, puxar a camisa, bagunçar os cabelos e claro, guardar os óculos.

A escola não mudara, contudo, e a inspetora Purvis continuava rondando por lá, fazendo-o arrumar seu uniforme novamente. Era em vão, ninguém a obedecia realmente. O que parecia ter mudado de fato era o corpo docente, pelo menos para algumas matérias. A exemplo estava literatura. A nova professora era uma visão. Beirava os 25 anos e tinha um corpo esbelto. Sua roupa justa não a deixava nenhum pouco vulgar, pois contrabalanceava com o comprimento até a canela e o corte da gola que só deixava os ombros à mostra. Seu cabelo castanho em rolos escondia a nuca e contrastava perfeitamente com os seus intensos lábios vermelho. Todos sabiam o que isso significava. A Srta. Danes não tinha namorado.

Harry passou a gostar de literatura naquele instante. A doce voz da nova professora o fazia entrar no mundo de cada livro, autor, momento histórico e pela primeira vez ele pôde deixar a sala com a sensação de que aprendera verdadeiramente algo. Aparentemente ele não tinha sido o único, visto que a biblioteca estava abarrotada de alunos, segurando seus exemplares de a Megera Domada para o segundo tempo de aula. Harry tinha certeza de que a bibliotecária nunca tivera tantos livros para registar em um único momento como naquele dia. Ao retornarem à sala, a professora agradeceu aos alunos pelo interesse deles em coletar o livro na biblioteca e disse está muito feliz pela aceitação.

Em casa Harry devorou o livro, foi o seu primeiro e ele estava satisfeitíssimo com a experiência. Tudo o que ele pensava durante a leitura era que teria algo a debater com a Srta. Danes e isso nunca lhe pareceu tão importante. Claire, uma garota loira de olhos apáticos a qual Harry era secretamente apaixonado, não se sentia assim de jeito nenhum. Ela vivia dizendo o quanto a nova professora de literatura era superestimada. A grande maioria das meninas concordavam, embora todos os meninos discordassem. Ele se incluía, mas nunca diria a ela tal coisa, ou jamais teria uma chance em seu coração.

Na semana seguinte, quando a Srta. Danes passou o novíssimo Apanhador no Campo de Centeio, a Claire pareceu aceitá-la um pouco mais. Haviam poucos exemplares na biblioteca e logo muitos alunos ficaram sem sua leitura semanal, inclusive o Harry. Ele logo viu ali uma oportunidade de conversar com a Claire, mas estranhamente se sentiu tentado a pedir o livro da professora emprestado. E foi o que fez. Elie Danes foi a criatura mais adorável que trocara meia dúzia de palavras com o Harry desde que ele se lembrava. Sua voz doce e seus olhos dançantes possuíam uma sutileza sensível a qualquer um. Harry logo desejou ser o preferido da professora, pois ela acabara de se tornar a sua coisa preferida.

Terminou a leitura ainda mais rápido que a anterior e estava ansioso para poder debater o livro com a Claire, que era visivelmente adoradora dele. Foi a primeira vez que teve de fato uma conversa com a garota e ele se sentia incrível. Pôde admirar o modo como ela afastava o cabelo loiro do rosto e como ela mordiscava o lábio inferior enquanto pensava no que falar no momento seguinte. Estava afixionado por cada detalhe da garota. Prestar atenção as aulas era impossível com ela sempre a sua frente. Srta. Danes era a única capaz de desprendê-lo por completo.

- Você só fala na Srta. Danes, e isso é tão cansativo.

Claire dissera à Harry em um momento na primeira vez em que saíram juntos. O garoto ficou desconcertado com a reprimenda e tentou se justificar:

- Desculpe-me, mas é que a Srta. Danes tem sido a melhor coisa para mim este ano. Eu nunca tinha me saído tão bem em uma matéria antes.

- Você está brincando comigo, não é? Os garotos só falam dela porque a acham bonita. O batom, é sempre sobre o batom.

- Não, eu....

E o Harry parou para pensar um pouco. Ele realmente a achava bonita, a mulher mais bonita que vira na vida, mais bonita até mesmo que a Claire. Para ele não era só sobre o seu batom. Tudo nela era bonito, principalmente a sua maneira doce e suave de falar. Ele adorava a sua maneira de falar.

- Eu gosto dela porque ela é uma professora melhor do que Sr. Mitty fora.

Ele disse por fim e Claire revirou os olhos e pediu para mudarem o assunto.

À medida que as semanas iam passando, Harry acumulava uma bela coleção de livros lidos. E ele estava sempre falando para qualquer um o quanto a Srta. Danes era uma excelente professora. E foi em um final de semana que seus amigos o chamaram para ir a um pub ver uma banda de garotos tocar. Isso seria uma oportunidade para eles beberem cerveja sem que ninguém desconfiasse de suas idades. O lugar estava lotado, como eles esperavam. A banda era razoável e tocava rock, o que agradava aos ouvidos de todos. Harry estava aproveitando bem a sua segunda cerveja e seus amigos flertavam com mulheres mais velhas como se fossem maduros o suficiente para isso. Mas no meio da aglomeração à beira do palco, que agitavam-se com a banda, ele pôde ver aqueles inconfundíveis cabelos e aquele marcante batom. Srta. Danes parou de dançar quando a banda mudou a música. Ela foi até onde estava o Harry, sem notá-lo porém.

- Srta. Danes?

Ele disse após ela pegar uma cerveja no balcão. A professora se sobressaltou ao vê-lo.

- Harry?

Ela disse rindo, sem acreditar no que via. Seu cabelo estava longe de estar arrumado do jeito que o Harry conhecia. Sua roupa estava desalinhada e suas bochechas coradas. Seu batom tinha muito mais vida sob aquele aspecto.

- o que faz aqui? Está bebendo cerveja?

Ele sorriu timidamente, poderia estar encrencado naquele momento.

- A Srta. também.

- Oh, por favor, aqui não sou a sua professora.

Ela piscou um olho e deu uma palmadinha em sua mão que segurava a garrafa como se o encorajasse.

- Obrigado Srta. Danes.

- Você pode me chamar de Elie fora da escola.

Ela piscou aquele olho novamente fazendo beicinho ao se afastar e levantou a sua própria cerveja antes de desaparecer por entre as pessoas que já se aglomeravam para a próxima música da banda.

Harry não pôde deixar de pensar na Srta. Danes sendo simplesmente Elie Danes e aquilo lhe era estranho. Não podia pensar em sua professora como um uma mulher sexy, mas era exatamente aquilo que pensava. Ela parecia tão livre ao som daquela banda de garotos qualquer. Seu vestido solto revelava pouco do seu corpo, mas era tão mais provocativo do que os justos e compostos que ela usava para lecionar. Harry não sabia como iria assistir à suas próximas aulas. E isso fora mais difícil do que ele imaginava. De repente o nome dele não saía mais da boca dela. Harry virou seu aluno preferido, inclusive para conversas depois da aula.

- Harry, estou muito feliz de vê-lo indo bem em minhas aulas.

Harry, sem graça, concordou.

- Como professora me sinto satisfeita em ter um aluno como você.

Ela sorriu e deu palmadinhas em seu ombro de forma amável. Harry suspirou devagar.

Claire estava cada vez mais próxima e Harry sentia que devia deixar clara as suas intenções. Mas estava completamente inseguro. Não por medo de sua rejeição, mas por estar enganado quanto à seus sentimentos por ela. Nunca estivera tão confuso. Era sempre ela, desde que o Harry se lembrava. Mas agora era a Srta. Danes que invadia os seus pensamentos.

Não pôde deixar de se condenar por isso. Afinal, era a sua professora, uma mulher com pelo menos 8 anos a mais que ele de que estava se falando. Mas era simplesmente inevitável não lembrar dela sendo a Elie Danes, completamente vulnerável e aberta para uma conversa informal.

Estava decidido a reprimir aqueles sentimentos por ela e passou a cabular suas aulas. Foi então que ele viu uma oportunidade para evoluir seu relacionamento com a Claire. Os dois saíam juntos com mais frequencia e o Harry adorava o fato de que ela não se importava de mentir para o pai sobre voltar mais tarde para casa depois da aula. Isso significava que ela queria estar com ele tanto quanto ele queria estar com ela. E foi no fim das aulas que ele decidiu levá-la ao parque central próximo a escola para tomar um sorvete. Harry sabendo seu sabor favorito lhe comprou logo um. Os dois sentaram-se próximos em um dos bancos e ele não perdeu tempo, beijou-lhe os lábios assim que ela virou o rosto. Sua surpresa foi tamanha que seu sorvete escorregou para o chão.

Quando a deixou em casa, Claire não pôde deixar de perguntar o que vinha segurando há tempos.

- Estamos namorando?

A pergunta pegou o Harry de surpresa. Ele não tinha uma resposta para aquilo. Não queria magoá-la, mas também não queria enganá-la. Seria forçar demais as coisas e ele não queria isso, mas sabia que se dissesse não, no outro dia ela não lhe olharia na cara.

- Sim.

Disse o que ela queria ouvir, se arrependendo logo em seguida. Claire pulou em seu pescoço e lhe beijou a boca.

No outro dia a notícia sobre o namoro dos dois se espalhou com o vento e no mesmo instante Harry e Claire se tornaram alvos de troças entre todos. A garota se sentia ótima com toda a atenção recebida, já que era a primeira entre suas amigas a ter um namorado. Já ele, não se sentia nenhum pouco confortável com toda aquela situação. Estava enganando não só à ambos, mas agora à todos. E se ele decidisse terminar com ela, a coitada da Claire ficaria mal falada por um longo tempo.

Três semanas se passaram e ela continuava a contar os dias em que estavam juntos. Harry se sentia tão sufocado pela garota e toda aquela pressão que beijá-la estava lhe trazendo, que evitava encontrá-la o máximo que conseguia. Por uma semana inteira permaneceu em casa com um falsa gripe. Sua mãe acreditou em sua tosse. Mas depois ficou difícil ficar "gripado" de novo, então ele só desviava o caminho da escola e fazia as horas passarem em qualquer lugar que lhe desse na telha. Mas naquele dia escolheu o lugar errado. Era uma feirinha de livros em uma das muitas praças espalhadas pela cidade. Os livros, em sua maioria, eram velhos, bem surrados e claramente doados por colaboradores da feira. Havia exemplares com títulos e autores os quais Harry jamais ouvira falar, mesmo sem ter ouvido falar de muitos. Mas estava empolgadíssimo com as descobertas

- Harry?

Era a Srta. Danes que surgia por entre uma das tendas de livros e surpreendia o Harry, que ficou pálido no mesmo instante. Tentou sorrir, cumprimentá-la, mas todos os seus movimentos travaram.

- Você não deveria estar na escola agora? - ele nada respondeu, apenas a encarava, sem reação. - Você estar cabulando aula? Que feio! Aliás, há semanas que não o vejo em minhas aulas. O que estar acontecendo, Harry?

Ele hesitou, gaguejou no início, mas depois recomeçou.

- Srta. Danes, não conte a minha mãe, por favor.

Harry se sentiu um idiota dizendo aquilo para ela, mas era tudo no que ele pensava. Sua mãe ficaria tão brava, que Harry jamais poderia imaginar o quanto seria isso.

- Não posso prometer se não sei o motivo.

A Srta. Danes levou Harry a um café próximo a feirinha e ele começou a lhe explicar o motivo de não estar na escola naquele momento.

- Mas isso que você estar fazendo é muito pior. Se não gosta da Claire, termine de uma vez, não engane-a.

- Eu não sei se não gosto da Claire. Não! Eu gosto dela, mas estou confuso.

Harry estava nervoso dizendo tudo aquilo para ela. Ele sabia que a sua nova professora era a maior causadora da sua confusão. E ela ali, bem diante dos seus olhos, seu batom vermelho vibrante lhe despertando sensações nunca sentidas antes, estava deixando-o quase paralisado. Não podia encarar os seus olhos por medo de que entendesse tudo.

- Confuso porque? Há outra pessoa?

- Não! - ele se apressou logo em dizer. - Quer dizer, sim. Mais ou menos... É só que não é como antes, quando ela apenas me cumprimentava. Eu amava a Claire secretamente, mas depois que a conheci, descobrir que eu apenas a idealizava.

A Srta. Danes o encarava com um sorriso de lado no rosto, parecia pensar em outras coisas, apesar de concordar com a cabeça quando entendia o que ele falava. Harry não podia olhá-la, mas de vez em quando espiava para ver se ela ainda o encarava.

- Bem, de qualquer forma você ainda devia terminar com a ela. É o correto a se fazer.

- Eu não posso, todos falariam dela....

- Isso parece ser muito gentil da sua parte, Harry, mas fazê-la terminar com você será muito mais doloroso, para ambos.

- Eu não sei o que fazer. Estou me sentindo meio sufocado. - ela acariciou suas mãos em cima da mesa. Ele arregalou os olhos de excitação e recolheu as mãos para baixo, mudando rapidamente de assunto. - E a Srta.? Esperava alguém?

- O que? Não! Só estava a procura de bons livros, sempre é possível encontrar alguns ótimos.

- Mas a Srta. é comprometida?

- Não! Era há pouco tempo. Mas estava cansada de abrir mão de tudo por alguém que não se importava com nenhum dos meus esforços, de alguém cuja a minha presença não fazia diferença alguma na sua vida.

Ela parecia ter se esquecido de com quem falava. Agiu de forma tão espontânea relatando sua desventura amorosa com o que até então era só o seu aluno. Harry pôde vê-la muito além de sua professora. Ali ela era Elie Danes, a mulher mais linda do mundo, que tinha tido o desprazer de conhecer um babaca.

- E o que ele faz?

- Toca numa banda. - ela disse rindo sem humor. E acrescentou logo em seguida, percebendo o que ele ia perguntar: - Oh, não era a banda que tocou naquele dia que nos encontramos. Na verdade aquela banda é rival e agora é a minha preferida. - ela riu mais uma vez, de forma pervertida, sem pudores.

Quando deu a hora, ela precisou ir. Harry se ofereceu para acompanhá-la, mas ela insistiu para que ele terminasse seu café, que aceitou relutante. Quando Elie se levantou, cordialmente ele fez o mesmo e então ele pôde notar que era mais alto que ela, forte o suficiente, e isso o agradou. Ela se precipitou em sua frente para um abraço e um beijo, e foi reconfortante poder tocá-la daquele jeito, sentir seus lábios macios encostar em sua face e ela sorrir antes de soltar sua mão.

- Você é o garoto mais maduro que conheci.

Por mais segundos que deveria, Harry ficou de pé, observando-a sair. Quando sentou-se, viu seu reflexo na colher e lá estava a marca dos lábios dela em seu rosto. Sentiu-se maravilhado e tolo ao mesmo tempo. Limpou-a no guardanapo antes de voltar para casa.

Voltou a frequentar a escola e as aulas da Elie e a cada dia ele se permitia olhá-la um pouco mais. Seus risinhos zombeteiros, piscadelas disfarçadas e algumas menções literárias, eram sempre dirigidas ao Harry, que ria consigo mesmo. Ela havia lhe pedido para não comentar com ninguém sobre os seus encontros casuais. Aquele tipo de comportamento, de maneira mais desleixada e displicente, não era visto com bons olhos pela diretoria. Harry jurou guardar segredo e assim o faria.

Quanto a Claire, ele não havia se decidido. Procurava evitá-la o máximo possível, mas ela sempre dava um jeito para ficarem juntos. Os pais de ambos até então desconhecia o romance dos jovens, mas a garota não parava de pressioná-lo para pedir logo a autorização do namoro ao seu pai. Harry não podia fazer isso. Seria como assinar sua sentença de morte. Se pede autorização e logo depois termina, o pai da garota o mataria. E a sua própria mãe terminaria o serviço. Seria uma humilhação para a família de ambos.

Ele fazia de tudo para aborrecê-la, mas a Claire parecia muito satisfeita com o compromisso e levava tudo na maior naturalidade e entusiasmo possível. Aquilo o deixava irritado. Repetia para si mesmo que apenas mais um dia e ela se enfureceria. Mas estava tudo perfeito para a garota, no tanto que estivessem juntos. Uma boa maneira para afastá-la era quando estava na biblioteca estudando, quando não, pegava algum livro para ler e ela o deixava em paz. Com isso ele já tinha lido pelo menos 7 livros e estava ávido para conversar com a Elie sobre eles.

No fim das suas aulas, ele deixou secretamente um bilhete em sua mesa e saiu. No bilhete, ele pedia para que ela o encontrasse no mesmo café daquele dia. Algum tempo de espera e ela apareceu, confusa e nervosa, sem saber o que dizer. Ele se adiantou e disse que acabara de ler O Grande Gatsby e que esse era o seu mais novo livro favorito. Ela se encantou com a notícia e eles conversaram horas à fio sobre este e todos os outros livros que o garoto lera. Não tocara em assuntos pessoais, embora Harry estivesse louco para saber o que ela tinha a dizer sobre o seu namoro com a Claire que ainda pendurava. Ela era a única que sabia de toda a situação, a única com quem ele podia conversar. Ele odiava ter de lidar com o seu o lado profissional, mas preferiu não exigir demais de ambos e se despediram cordialmente.

Quando as férias de verão chegaram, ele não se sentia tão animado como sempre, embora estivesse feliz por ficar longe da Claire por algum tempo. Ela viajaria com a família e como seu namoro ainda era segredo, o Harry não pôde ir junto. Mas Claire lhe deu um ultimato. Após as férias, tudo seria revelado e o Harry pediria ao pai da moça para namorá-la. O garoto apenas concordou e não pensou mais sobre o assunto.

As férias lhe foram útil para estreitar os laços de amizade com a Elie. Os dois aproveitavam as tardes nas bibliotecas da cidade, museus, teatros e as vezes nos shows da banda rival a do seu ex namorado. Ele jamais poderia traduzir o quão valoroso eram aqueles momentos. Estar com ela era como estar no paraíso, era tudo novo para ele, apesar de estarem sempre em locais conhecidos, para o Harry nada daquilo nunca existiu antes. Ele achava fascinante o significado que a Elie dava para as coisas. O modo como ela não lhe lembrava em nada sua professora de literatura e como ela parecia ter esquecido esse fato tanto quanto ele. A cada dia ele descobria um item novo sobre ela. O modo como ela era independente, como seus pais deixaram de lhe falar, como se formou, como fora conturbada sua adolescência e sobre seu relacionamento desgastante com o seu último ex namorado. Nesse último assunto, Harry não deixava de pensar em como desejava poder reparar o seu coração que estava visivelmente ferido. Ele desejava dar um soco nesse cara e lhe perguntar como ele pôde ter sido capaz de causar tanto sofrimento para alguém tão incrível feito a Elie. Ele desejava poder lhe dizer isso juntamente com uma infinidade de palavras amáveis que lhe confortassem a alma. Mas ele apenas escutou, jurando para si mesmo que jamais a faria sofrer.

Em um show, em um pub sujo qualquer, Elie estava empolgada o suficiente para não se importar com o fato de estar acompanhada de um menor de idade. Ali a sua entrada era proibida, mas sua altura e o seu linguajar jovial lhe encobriam de qualquer irregularidade. Foi para o bar bebericar uma cerveja, já que não podia voltar bêbado para casa. Elie bebeu a sua em poucos goles e insistiu para o Harry lhe acompanhar à frente do palco, mas ele relutantemente decidiu ficar e disse para ela ir se divertir. De longe ele a observava. Seus cabelos bagunçados, sua roupa se agitando, revelando muito sobre o seu corpo e ela sorria. Ele admirava sobretudo a forma displicente em que ela sorria, o modo como ela inclinava o corpo e jogava a cabeça para trás em uma risada estridente, bem diferente de quando ela cobria a boca ao sorrir na escola e o jeito contido de balançar o corpo durante a risada. Harry sorriu sozinho, apreciando o momento juntamente com a sua cerveja. Pensava em como adoraria borrar o seu sempre impecável batom e em como ela ainda continuaria bonita. Estava muito atento à seus pensamentos para notá-la jogando conversa fora com um rapaz entre as pessoas de frente ao palco. Quando a viu, ela ria de maneira adorável, enquanto ele falava em seu ouvido. Harry desviou o olhar e entornou a garrafa. Era ciúmes e ele sabia perfeitamente disso. Sentia uma adoração enorme por ela a ponto de se julgar o único cara certo. Não podia vê-la perdendo tempo com um babaca qualquer, mesmo que ele próprio não tivesse chance e ele sabia que não tinha. Era como perdê-la, sem nunca tê-la. Olhou novamente por necessidade de afirmação e ela dançava ao mesmo tempo em que o outro a puxava pelo braço. E então tudo aconteceu muito rápido. O cara forçosamente a puxava para um beijo e ela o empurrava da maneira mais adorável possível, tentando não chamar atenção. Mas quando se deu conta, Harry havia largado a garrafa de cerveja vazia no bar e andou a passos largos em direção à Elie, e a puxou contra si, encarando o outro a espera de sua reação. Não houve briga e ninguém aparentemente notou nada. Elie o encarava um pouco assustada, mas o abraçou forte antes de deixarem o local.

- Obrigada! - Harry sorriu e piscou com um olho. - Eu é que deveria estar protegendo você. - ela sorriu e o abraçou mais uma vez.

Estava tão alucinado com toda aquela relação que tinha com a Elie, que mal conseguia se conter perto dela. Ele sabia que não podia se iludir, que ela só estava sendo gentil, que tinha nele um ombro amigo e um companheiro para as tardes quentes. Era só. Mas ele não podia deixar de desejá-la da forma mais intensa possível. Tudo nela era a expressão do delírio e da loucura e ele podia traduzir isso em uma única sensação... Vontade. Ele tinha vontade dela. Em mais uma noite juntos, Elie o levou para o outro lado da cidade para mais um show da banda que tinha se tornado a preferida de ambos. Os rifles de guitarra barulhento e nada profissionais eram de certo modo viciante. Harry não se importava se voltasse tarde para casa. Sua mãe já não vinha gostando de seu comportamento à tempos, mas ela nada podia fazer para contê-lo. No tanto que ela não soubesse quem era sua companhia, estava tudo bem para ele. Mas Elie se preocupava, ficava o tempo todo controlando as atitudes do Harry, mas ela mesma estava surpresa por nunca ter notado o quanto o garoto era independente e como sabia cuidar de si mesmo.

Quando chegaram ao local, ambos quiseram voltar no mesmo carro que chegaram, mas ele já havia partido. O bairro era por si só bem esquisito, mas a rua era suja e mal iluminada. As pessoas na entrada do pub eram no mínimo suspeitas, mas já que estavam lá decidiram entrar. Havia cerveja pelo menos e os dois apreciaram as suas marcas favoritas enquanto o show não começava. Harry sentia-se como aquelas garotas que acompanhavam determinadas bandas onde quer que elas fossem. Ele não se importava se assim fosse se ao seu lado estivesse ela, sorrindo e se divertindo como uma garotinha de 18. Naquele dia ela decidiu ficar com o Harry no bar, com o pretexto de que não poderia deixá-lo sozinho naquele lugar, mas ele sabia de que na verdade ela que não podia ficar sozinha lá, sobretudo depois do último show que foram. E como da última vez, os acontecimentos transcorreram em um piscar de olhos. Dois rapazes que aparentemente debatiam apenas com grande entusiasmo, começaram a se esmurrar por nenhum motivo justificável. E então os amigos de ambos se envolveram e de repente era quase metade do lugar se batendo, chutando e quebrando garrafas nas cabeças uns dos outros. Os dois estavam encurralados no bar, os inocentes e não participantes ou correram ou se esconderam, para eles não haviam opções. Harry se levantou na tentativa de se proteger e Elie fez o mesmo. A briga apesar de feia era interessante e o garoto olhava com certo entusiasmo. Mas ele então sentiu a mão envolver o seu braço e o arrastar para fora do lugar.

Já sob o céu estrelado ele pôde observar com mais atenção o rosto ofegante e risonho da Elie. Ela se apoiava sob o joelho, respirando com dificuldade enquanto ria do momento anterior. Harry se obrigou a rir embora estivesse com a alma ardendo por dentro ao vê-la daquele jeito.

- Precisava tirar você de lá. - ela passou a mão em seus cabelos negros, ajeitando-os. - Já pensou se você volta machucado para casa?

Ele segurou sua mão e a encarou. Nunca tinha reparado nos pontinhos verdes em seus olhos castanhos. Só fazia dela ainda mais incrível. Queria dizer para si mesmo que tudo aquilo era fruto da recém-vivida adrenalina juntamente com a cerveja mau digerida. Precisava de um álibi para justificar seus atos subsequentes. Respirava com dificuldade enquanto acariciava sua mão e analisava o seu rosto. Ela lhe retribuía o olhar com doçura, mas estava visivelmente confusa e nervosa. Ele não hesitou mais e despejou:

- Eu quero saber se esse sentimento é recíproco antes que eu tome qualquer atitude. - Ela lhe encarou com perfeita compreensão nos olhos e logo se afastou. Ele não perdeu tempo e continuou. - Não que já não esteja bem claro para mim, mas quero ouvir você dizer que não se importa com os outros e que esse sentimento é mais genuíno do que qualquer coisa. Quero ouvir você dizer que está pronta para ser feliz. Não quero hipocrisias, discursos prontos e, por favor, sem desculpas. Isso seria pior do que ver você indo embora. Não quero culpa, remorso ou medo. Eu quero o seu coração aberto para mim sem rótulo algum. E se ele estiver fechado diga-me quando abre.

Ele suspirou fundo ao terminar. Há tempos que retia aquelas palavras na garganta, e dizê-las era como se desfazer de todo o seu peso. O rosto de Elie estava lívido, mas seus olhos estavam marejados e ela não esboçou qualquer reação de que estava disposta a cooperar com os recém-revelados sentimentos do Harry. Ele suspirou irritado com a sua indiferença e decidiu que não deveria pressioná-la. Afinal, era ela a adulta e se os seus sentimentos fossem recíprocos ela certamente não abriria mão deles. Pelo menos era isso que ele esperava.

- Tudo bem, não esperava que você fosse dizer que morria de amores pelo garoto de 17. Suas relações amorosas anteriores são de longe muito melhores do que as minhas palavras literárias. Mas isso não muda o que eu sinto e a certeza de que tenho sobre esses sentimentos. Mas acho que estou muito ocupado sendo seu para me apaixonar por outra pessoa.

Harry estava a ponto de chorar, mas conteve-se até o fim. Como seria maduro o suficiente para ela se não sabia lidar com uma rejeição? Só não sabia como olharia para ela daquele dia em diante. Era difícil aceitá-la sem nunca tê-la tido. Superar algo insuperável e ter que conviver com aquilo, com a sua obsessão.

Virou o rosto e começou a andar na direção oposta, com todos aqueles pensamentos o atormentando. Ele não se arrependia por lhe ter confessado seu amor, abriu o seu coração sabendo que as chances de se ferir seriam enormes. Ele sabia que as noites foram feitas especialmente para dizer coisas que não se pode dizer no dia seguinte

- Desculpe-me. - Ele a ouviu dizer e se virou para vê-la se aproximar. - Mas é que eu estou constantemente quase tentando beijá-lo. - Então ela se pendurou em seu pescoço e o beijou ardentemente. Harry estava tão surpreso com o gesto quanto com aquele beijo. Era um ritmo novo e uma sensação nova. Ele acreditava nunca ter beijado alguém com tanta vontade quanto a beijava naquele instante. Seus lábios macios e tão desejados comprimiam-se contra o seu e ele pensava em como seu batom estava borrado naquele momento e que sua própria boca estava suja e vermelha. Os lábios dela se abriam dando espaço para a língua e ele a apertou contra si ao sentir mais profundamente o seu gosto. Estava feito, não tinha mais como voltar, porque ele sempre voltaria para ela.

Elie se afastou e deixou ele morrendo por mais. Seus lábios quase encostando aos dele sussurrou: - E se você quiser nós podemos ficar juntos.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostando desse conto. E os que não gostaram... É a vida. Agradeço a todos que leram até o fim ^^ See you ;*



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