Alice - Uma história sobre o amor e o preconceito. escrita por Mila Karenina


Capítulo 2
Dois empregos para duas irmãs


Notas iniciais do capítulo

Olá meus queridos leitores que chegaram até aqui! Eu sei que demorei bastante com o capítulo um, mas espero que entendam que eu demorei pois tentei criar algo bom. Esse capítulo é bem maior que o prólogo e pretendo manter essa média por aqui.
Sem mais,
Aproveitem



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Um homem louro de olhos azuis e rosto invejável. Era tudo o que Edward conseguia ver quando se olhava no espelho de seu escritório em sua residência próxima ao centro de Boston. Olhos levemente inchados, porém belos mesmo assim, cabelos levemente bagunçados, mas com um charme inconfundível e traços masculinos fortes e que beiravam a perfeição. Que ele era um homem bonito ninguém poderia negar, porém era conhecido entre seus amigos como o intocável, o homem de gelo, o sem coração. Edward Wickham era um mistério em si que só ele mesmo poderia desvendar. Em seu extremo íntimo, ele gostava de se sentar em sua poltrona de couro marrom e ouvir Beatles enquanto toma um café quente sem açúcar e lê o seu livro predileto, O Retrato de Dorian Gray. Pensava que o destino de todo homem que se julga bom demais é ser como o Dorian da história e isso era uma espécie de doutrina que ele seguia. Não pense que é insubstituível, mas não despreze a si mesmo.

Sua pequena e adorável sobrinha já havia chegado e junto com ela, suas enormes responsabilidades. Charlotte era um criança difícil e muito mimada. Assim como o tio, possuía cabelos louros e lisos e grandes olhos azuis. Seu pequeno corpo era gordinho e suas bochechas enormes. Ela parecia uma boneca de tão linda, mas seu temperamento era tão forte que ás vezes ela parecia ter muito mais que sete anos. A pequena entrou no escritório de seu tio que já a esperava sentado em sua poltrona predileta. A criança amava o seu tio mais que qualquer coisa, mas ficava com raiva pois ele não lhe dava muita atenção e isso ás vezes a machucava profundamente. Ela tinha apenas sete anos, mas já compreendia muitas coisas e uma delas era que seu tio ficava com ela por pura obrigação.

Edward deu um leve sorriso com a presença da garota e em seguida a abraçou. Ela devolveu o abraço e sorriu depois de dias com o rosto fechado. Seu pequeno vestido rosa estava apertado e a incomodava bastante, entretanto ela disfarçou e finalmente se comunicou com seu adorado tio.

— Dessa vez ficará mais tempo comigo? — a pequena Charlotte perguntou com os olhos azuis brilhando.

— Sabe que tenho muitos compromissos, Charlie — Edward respondeu sério e ainda sem expressão.

A criança revirou os olhos. Ela novamente estava irritada e Edward sabia que deveria ter muito cuidado para não irritá-la ainda mais e transformar a casa em um verdadeiro inferno. A loirinha agora tinha os braços cruzados e os olhos apertados pela raiva crescente. Ela precisava mesmo era de alguém que lhe desse atenção e não seriam empregadas e babás chatas que a fariam feliz. Ela precisava de alguém que se importasse de verdade e como ele mesmo não poderia exercer essa função, a única alternativa era recorrer ao centro comercial, onde centenas de pessoas procuravam emprego.

— Mas por quê isso lhe impede de passar um tempo comigo? Eu estou cansada dessas mulheres chatas me enchendo a paciência para que eu use esses vestidos apertados e ridículos! Eu não quero usar essas malditas bolinhas, eu pareço uma vaca usando essas roupas! — a garota gritou e em seguida correu para o corredor.

Edward suspirou e passou a mão pelos cabelos. Ele não sabia mais o que fazer com sua sobrinha e a sua terrível rebeldia que aumentava a cada dia. Se ela já era assim com sete anos, imagina com quinze? Seria um problema sem solução! Pensava Edward. O louro trancou a porta de seu escritório e voltou a se sentar. Em seguida abriu o seu jornal do dia e começou a ler a fim de refrescar a mente, mas não foi o que aconteceu. Mais uma vez uma imagem de um jovem negro sendo agredido estampava a capa do jornal e ele não resistiu e acabou por jogar o jornal contra a parede. Ele não se interessava por esses assuntos, mas odiava injustiças e aquilo estava passando dos limites.

Em outra parte distinta da cidade, estava Alice. A negra de corpo com curvas delineadas e escuros cabelos cacheados, tinha seus braços apoiados na mesa de madeira de sua humilde casa e escutava atentamente as orientações de sua mãe, Karoline. Sua mãe era bem diferente dela. Sua pele era muito mais escura e seus cabelos completamente crespos, ela era bem magra e tinha os olhos esverdeados, uma característica considerada incomum em negros. A senhora Jackson vestia uma saia que ia até os joelhos na cor cinza e uma espécie de blazer preto. Ela se vestia dessa forma pois trabalhava como atendente em uma pequena empresa em seu próprio bairro. Os olhos esverdeados da senhora pareciam cansados demais naquele momento e sua boca carnuda se mexia sem parar.

— E como sabem muitos tentarão oferecer empregos exaustivos e com baixa remuneração, negue no mesmo instante! E caso ofereçam um emprego que considere bom demais, pesquise muito bem antes de realmente aceitar, pode ser uma grande furada e podem acabar caindo em um trabalho escravo.

Alice e Alison assentiram pois não queriam mais ouvir nada sobre aquele assunto: Trabalho. As duas iriam procurar emprego pela primeira vez no outro dia e animação não era a palavra que as definia. Alice tinha algumas ideias de como não trabalhar quase nada e ainda sim receber um bom salário. Já Alison tinha ideias de como convencer aos empregadores de a contratarem para algum cargo executivo mesmo tendo estudado pouco. Alison era uma garota informada e muito esforçada, sempre tentou de tudo para entrar na faculdade e mesmo não conseguindo, continuou tentando aprender de tudo um pouco e foi desta forma que ela exerceu o domínio do francês, uma língua considerada essencial no currículo de qualquer um. Alice não era nada esforçada e nunca se interessou pela escola ou por nada assim, no entanto seu nível de inteligência era tão alto que, ás vezes vencia brigas e discussões com poucas palavras. Ela se considerava melhor com a sua mente do que com suas mãos e por isso desenvolvia ideias de como escapar do trabalho cansativo e encontrar trabalhos fáceis como vigiar idosos e cuidar de bebês de colo.

Alice se levantou e Alison fez o mesmo. A irmã mais nova entrou em seu quarto, o quarto que dividia com Alison, e se deitou em sua cama com seu livro de Geografia nas mãos. Aquela era a única matéria que gostava de estudar e era também a sua maior paixão. Ela escondia uma vontade que tinha há muito tempo e essa vontade era viajar todo o mundo e conhecer todas as culturas que ficam escondidas pela imensidão de água que separa os continentes e as ilhas do mundo. Tinha vontade de conhecer a Ásia, sonhava em visitar os orientais e sobretudo os chineses, ela os achava tão fofos que sentia vontade de apertá-los quando os via em algum lugar. Em seu livro, cada página continha uma fotografia e informações sobre cada país e sobre cada ilha da terra.

A imagem da Índia chamou sua atenção e as informações ali contidas também.

— Capital: Nova Déli, população: aproximadamente quinhentos milhões de habitantes, religião predominante: Hindu... — Alice recitava as informações que já sabia de cor enquanto observava atentamente as imagens dos pontos turísticos do país.

— Você não cansa disso não? — Alison perguntou olhando para a irmã que desviou o olhar.

— Não.

— Sabe que deveria estar indo dormir pois amanhã temos que acordar cedo! — Alison a repreendeu e ela suspirou finalmente fechando o livro.

*/*
Edward se encontrava em seu escritório. Sua mãe, Lisa, estava lá também e a sua presença nunca fora apreciada por ele. A mulher que já tinha uma certa idade, vestia uma calça branca de alfaiataria com a boca larga e uma blusa de botões preta. Seus cabelos lisos e castanhos estavam presos em um coque apertado e seus olhos claros, maquiados. A mulher mal havia chegado e já estava enchendo a cabeça de seu filho com suas preocupações e também com suas ambições. Edward não conseguia mais escutar a voz de sua mãe sem sentir vontade de sair pela porta e Lisa não estava gostando de ser ignorada daquela forma pelo seu único filho. Ela o amava com todo o seu coração e tinha plena consciência de que sua presença não era estimada por ele. Isso a machucava, mas ela já havia aprendido com anos de convivência que não adiantaria teimar. Se ele não quer falar, ele não falará e ponto.

— Só peço que tome cuidado ao escolher a nova babá de Charlotte, escolha alguém com uma boa educação e não qualquer pessoa que você encontrar na rua. Isso importa Ed, não trate o caso como se fosse um dos seus clientes, a Charlotte não merece esse tipo de tratamento — Lisa exclamou e recebeu o silêncio como resposta.

O louro suspirou aliviado quando sua mãe deixou o cômodo e voltou seus olhos para a janela. Algumas gotas de chuva caíam molhando a cidade e uma estranha umidade tomou o lugar. Em seguida sentiu um frio tomando seu corpo e vestiu um suéter verde que estava pendurado em uma das cadeiras. Ele ainda estava nervoso pois sabia que teria um enorme trabalho em encontrar a babá ideal para sua sobrinha e sabia que seria ainda mais difícil que sua mãe a aprovasse. Saiu do escritório e entrou em seu quarto.

O quarto era enorme e sua estante de livros também. Ele havia adquirido o hábito de ler depois de passar férias em uma fazendo alemã, onde tudo o que podiam fazer era ler. Nessa mesma fazenda ele conheceu a única mulher que pensou valer a pena. Ele nunca se esqueceria de seus olhos cor de avelã e de seus lábios rosados, não esqueceria de seus cabelos louros e quase translúcidos e também de suas sobrancelhas grossas e com um belo desenho. Mas a vida é cobra e esta mulher faleceu algum tempo depois de uma pneumonia e desde então, nunca mais quis abrir seu coração para nenhuma outra. Ele amava aquela mulher e mesmo depois de dez anos ainda não havia superado a perda. Era algo considerado irreparável por ele e a dor não cessava. As pessoas diziam que ele era um homem sem coração e feito de gelo e ele realmente era, mas a vida o fez assim e tudo o que ele podia fazer era aceitar a sua condição.

Jane Eyre. Aquele era um romance sobre uma garota que perdia os pais e era maltratada pela tia, mesmo assim ela ainda foi capaz de amar e conseguiu superar suas dores. Aquele era um livro considerado excelente por Edward, diferente dos de Jane Austen, estes ele odiava. O simples fato de o tema central do livro não ser um casamento por dinheiro ou os costumes da época, o faziam amar a obra. O livro foi escrito por uma mulher, mas diferente dos estereótipos dos romances femininos, naquele livro a mulher era retratada como independente. Em nenhum momento do livro ela pensa em se casar para que a sua vida melhore, o amor é desejável é claro, mas não é indispensável. Essa era outra doutrina que ele seguia e seguia com orgulho.

O sono finalmente chegou para Edward e ele deitou-se em sua cama e fechou os olhos em seguida. Em seus pensamentos mil e uma coisas se passavam, a babá de Charlotte, as novas filiais de sua empresa e Lorena, a sua amada falecida.

*/*

— Anda logo preguiçosa! — Alison gritava Alice que caminhava lentamente pelo centro da cidade.

As duas vestiam a mesma roupa que consistia em uma saia lápis preta e uma espécie de camiseta branca com um blazer também preto. Ambas as roupas eram emprestadas de sua mãe e em Alice que era um pouco menor que Alison, ficavam visivelmente grandes. Alison carregava uma bolsa que continha documentos e algumas coisas que ela julgava necessárias para o dia. Alison tinha os cabelos presos em um rabo de cavalo baixo, enquanto Alice tinha os cabelos presos em um coque frouxo, alguns de seus cachinhos haviam se desprendido do coque e caíam sobre seu rosto.

As irmãs se separaram e cada uma se sentou em um lado daquela praça. Alice tinha o seu adorado livro de Geografia na mão e não deixou de folheá-lo em nenhum momento. Ela passou os olhos pelo local à procura de algum casal de idosos ou uma mãe com um bebê, porém não encontrou nada além de homens e mulheres de roupas sociais e maletas nas mãos, os famosos empresários. Ela sabia que sua irmã se daria melhor com eles do que ela mesma, por isso toda vez que algum chegava até ela para conversar, ela mostrava a sua irmã e exaltava suas habilidades. Antes das doze horas, Alison já havia recebido cinco ofertas de empregos em empresas consideradas boas e tudo por conta de falar Francês. Ou seria por ter sido recomendada por sua bela irmã mais nova?

— Acho que quando disseram que negros não arranjavam empregos eles estavam brincando! Cinco ofertas de emprego em menos de um dia! Não é maravilhoso irmã? — a irmã mais velha falava com alegria.

Alice sorriu de lado e em seguida abaixou a cabeça. Ela estava feliz pela irmã, mas ao mesmo tempo se sentia mal por ainda não ter arranjado um emprego para si mesma. As duas caminhavam lentamente até um restaurante que elas sempre tiveram vontade de frequentar, mas achavam caro demais e não se atreviam a pelo menos entrar no estabelecimento. Naquele dia Alison estava feliz e por isso se daria o luxo de pagar a conta com as economias que guardara de faxinas que fazia no bairro. Alice não sentia fome, estava pensativa. Pensava em como explicaria para sua mãe que não arranjou um emprego, caso ela perguntasse. Ela precisava de um emprego fácil para ainda ter tempo de ler seus mapas e viajar em seu mundo alternativo. Um mundo onde ela não era uma garota negra e pobre, em um mundo onde ela era só Alice. Como autêntica pisciana que era, viver no mundo dos sonhos e dos pensamentos fantásticos, não era nenhuma novidade. Inclusive ela estava nesse mundo quando Alison chamou sua atenção:

— O que vai querer comer?

— O que estiver disposta a pagar — ela respondeu ainda olhando para a mesa luxuosa em que estava sentada.

O restaurante era muito luxuoso e elas não se assustaram ao perceberem que eram as únicas pessoas negras lá. As janelas de vidro perfeitamente polido tinham o nome do restaurante em um adesivo dourado. As mesas eram todas forradas com panos brancos e pratos de porcelana estavam dispostos juntos a taças de cristal e garfos de prata. Uma pequena rosa vermelha em uma jarra preta dava o toque final de beleza na mesa das irmãs. Um pequeno homem de cabelos escuros que não devia medir mais que um e sessenta, foi até a mesa das garotas e as olhou de cima em baixo. Ele teve de olhar algumas vezes para acreditar no que estava vendo. Jovens negras e bem vestidas sentadas em uma mesa no centro do estabelecimento. Aquilo seria um escândalo para o restaurante com toda certeza e ele não poderia deixar aquilo acontecer, claro que não poderia.

O homem fez um barulho com a garganta e ganhou a atenção das jovens. Alice o olhou com cara de tédio, enquanto Alison sorria mostrando os dentes brancos.

— As senhoritas tem dinheiro para pagar a conta? — ele perguntou e Alison fechou o rosto.

Alice olhou para sua irmã que parecia querer matar o homem. Aquilo era algo esperado por elas, mas como ambas estavam muito felizes, não passou pela cabeça de que aquilo fosse de fato acontecer.


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Notas finais do capítulo

Revisei o capítulo, mesmo assim pode ser que encontrem algum erro e se isso acontecer mais que uma vez, peço que me digam e eu consertarei ><
Beijos e obrigada por ler!