Capítulo 79. Entrelinhas – parte I 

O Brasil, eu já havia percebido nas últimas horas, tem um senso de humor tortuoso. Enquanto o sol torrou nossos cérebros em cada momento desde que chegamos aqui, justo quando mais precisamos dele, o grande piadista desaparece. 

— Uma coisa engraçada sobre a Amazônia: sempre chove no fim da tarde. - Claire sussurrou pra mim através do barulho da chuva intensa que caia no impressionante estádio de Castelobruxo. – Não importa o quê, sempre dá uma chuvinha marota, mas não se preocupe, vai passar logo. 

— Eu não estou preocupado, pareço preocupado? -  Ela sorriu rápido para mim, antes de voltar a encarar o grande público que nos cercava. 

Apesar da visibilidade baixa, dava para ver o senhor estádio Orquídia Esmeraldina com seu brilho verde característico e espelho d’água impressionante no centro. No meu já tradicional discurso motivacional no vestiário, eu salientei que, a certa altura, quedas na água nem eram mortais, então eles podiam usar aquilo a nosso favor. 

Espero que Tony e Connor tenham entendido a ordem implícita para jogar todo mundo no buraco, porque minhas entrelinhas são sempre cheias de maldade. 

James, na fileira abaixo da minha, chamou minha atenção um nano segundo antes da abertura oficial da partida, então, enquanto os auto declarados anfitriões do campeonato começavam seu espetáculo, eu tive que prestar atenção no que o primogênito Potter “falava”. 

Sim, entre aspas mesmo. 

— E o plano? Quando é que vamos… - Cortei ele antes de qualquer coisa. 

— Espere e verá. 

— Que plano? - Claire piscou toda curiosinha, mas os olhos castanhos, não verdes, e as espinhas, não sardas, não davam a ela o mesmo aspecto de inocência da Claire original. 

— Ele está falando do nosso plano de jogo, o muito idiota não percebe que a partida precisa começar para os movimentos serem revelados. - A menina, hoje de trancinhas à lá Pottinha, deu risada, já James me olhou ofendido.– Mudando completamente de assunto, só porque você é uma convidada de honra completamente inapropriada já que é nossa rival, e não porque eu tenho algo pra esconder, pfff...  O que tem nessa caixinha misteriosa, chapéuzinho vermelho? 

— Céus, que sutil… - Dei uma pesada na cadeira de James, porque só assim pra ele virar para frente e parar de ser um idiota intrometido. 

Claire olhou para o topo da cabeça quase ruiva dele na nossa frente e então para mim, mas só abriu um sorriso, como se nossos problemas mentais fossem só nossos mesmo. Pena que uma cobra azulada incandescente saiu da água e acendeu o rosto dela de uma maneira bem macabra. 

— Isso aqui? É um presente de toda a Castelobruxo! Era pra ter entregado ontem, mas vocês foram para o quarto de vocês com tanta pressa… 

Ela abriu a caixa ainda brilhando azulada por conta da dança sinuosa da serpente piromaníaca, que fazia alguns chapéus pegarem fogo e algumas criancinhas gritarem de medo, enquanto fazia sua volta olímpica assustadora. Criancinhas britânicas e/ou convidadas gritavam, porque os brasileiros pareciam apenas se divertir muito com a tragédia dos nossos estandartes em chamas. 

Algo me diz que os presentes do Brasil tem o mesmo senso de humor dessas belas almas e por que não? Do Sol, esse grande traidor que resolveu aparecer bem agora que a chuva era bem mais necessária para apagar a nossa torcida em chamas. 

*** 

Um dia antes, ou seja, ontem mesmo... 

Okay, estou tendo dificuldade para processar o que está acontecendo. 

Dona Claire versão maquiavélica 2.0 abriu a porta de madeira com uma dignidade que não combinava em nada com sua versão de bolso e, apesar de segurança em primeiro lugar, estou me sentindo meio idiota de estar com uma varinha na mão. 

— Se me perguntarem, gostei muito do giro que as coisas deram agora... —  Aidan falou encantado, mas a coisa toda é, ninguém perguntou nada a ele. 

—Quando você disse Iara, você quis dizer uma...  

— Uma referência ao conto, um simples apelido. - Ela revirou os olhos, divertida.— Vem, deixa eu mostrar o lugar pra vocês. 

Claire foi descendo a escada daquele que deveria ser o maior centro de recreação a céu semiaberto que eu já tinha visto. O lugar era um misto de mundo perdido com fliperama e um barzinho de sucos, tudo junto e misturado. 

As pedras douradas ainda estavam lá bem sólidas, mas havia plantas entrelaçadas nas colunas de sustentação e até mesmo árvores da largura de Romeo atravessando o teto e dando um vislumbre do céu brasileiro sempre ensolarado. 

Mas a parte mais impressionante do lugar era o rio que corria escuro e silencioso pelo meio do grande salão, aberto de um lado a outro, mostrando que sim, dava para ostentar mais do que Uagadou, porque uma praia de água doce não é para qualquer um. 

— Ainda estamos dentro do castelo? - Perguntei, ainda meio impressionado.

— Sim, o rio corre por baixo e vocês verão que muitas coisas aqui foram feitas se moldando ao espaço, então é tudo muito or-gâ-ni-co. - Claire falou se sacudindo de um jeito engraçado a cada sílaba da palavra orgânico. A encaramos sem entender.— Se houvesse um selo bruxo de sustentabilidade, ganharíamos essa certificação. 

—Eu... 

— Vou fazer isso, sabe? No futuro. Pretendo criar a primeira empresa de certificação em sustentabilidade no mundo mágico e levarei em consideração o envolvimento com o ecossistema e com a comunidade não-xamãnica, porque pra mim isso é ser orgânico de verdade! 

— Você não disse que ia mostrar o lugar pra gente?— Ela piscou confusa pra um Tony sem paciência, mas depois abriu um sorrisinho cheio de segundas intenções. Ah se a senhorita editora-chefe do Hogs News visse isso... 

— Ah sim! Ali estão os vestiários com  guarda-volume, vocês podem se trocar lá e temos um bar de sucos mais a frente, mas vocês tem que fazer uma doação para a nossa equipe de Paragliding para poder ter acesso e sim, eles aceitam em euros, libras ou galeões, o importante é ser generoso. 

— Vem cá e vocês estudam que horas mesmo?— Claire franziu o cenho de leve para a insinuação de Scorp. Ela havia tirado a capa e jogado na areia escura, mas fininha, que combinava perfeitamente com os reflexos verdes da água. 

— Hoje foi uma espécie de ponto facultativo, a maioria dos professores liberou a turma e muitos de nós gostam de vir a praia sempre que podem. 

Dei uma olhada ao redor da “praia” constatando que era isso mesmo, porque tinham grupos jogando vôlei de praia, outros só curtindo o seu suquinho de boa sentado na beira da água e tinha até umas meninas bem próximas da gente, uma com a cabeça no colo da outra, parecendo incomodadas com a nossa presença. 

Ah, mas fazer o quê? Os incomodados que se mudem! 

— Eu tenho uma pergunta ainda mais interessante: um, onde está a rainha e dois, o bar de sucos aceita sicles? — Aidan sacudiu a cabeça, não dando espaço para as respostas.— Desculpa, eram duas perguntas, a segunda sendo a mais importante. 

— Aceitam sicles sim, mas são os galeões que realmente fazem a diferença. - Claire pôs a mão no peito em sinal de, sei lá, criança carente, mas voltou ao seu olhar meio debochado de sempre rápido demais. Paragliding não é aquele esporte que o povo se atira de um avião? Por que eles precisam de doação pra isso? — Mas vamos, senão Iara daqui a pouco vai mandar uma equipe de buscas atrás de mim! 

Seguimos a criatura que parecia bem popular por aqui— a capa esquecida agora dava a lugar ao seu vestido florido com as alças de um biquíni igualmente estampado amarrado no pescoço— porque a menina acenava para seus colegas de escola como se fosse candidata a presidência  e eles, seus eleitores idiotas.  

Mas que Castelobruxo sem vergonha que não nos mandou um aviso dizendo para trazermos roupas de banho! 

Paramos na frente de uma pequena formação rochosa, que poderia ser chamada de cachoeira se você for do tipo generoso, porque na verdade era uma piscininha de pedras mais alta do que o resto do rio, fazendo com que a água ficasse represada nela antes de seguir seu curso normal. 

As figuras mais interessantes daqui pareciam estar concentradas na piscininha. 

Podia ser o aspecto beleza, mas não era só isso. Tinham caras com grandes acessórios exóticos atravessados no septo e nas orelhas e meninas de cabelos com cortes modernos e rostos muito maquiados para quem estava em uma praia. Ou numa praia na escola. Ou na vida. 

Essa é, sem sombra de dúvidas, a área dos populares. 

Gente, comprei meu ingresso para o tour da CW ou Warner e nem estava sabendo! Sabe aquelas séries americanas cheia de pessoas bonitas, descoladas, com vidas amorosas mais interessantes e movimentadas do que a de todos os seus amigos juntos? Pois é, estou me sentindo meio provinciano em comparação a esse povo. 

— Pensé que había sido secuestrada en el camino... [Pensei que havia sido sequestrada pelo caminho...] —  Uma garota loira de olhos muito verdes e cílios impossivelmente longos se aproximou da borda da piscina para recepcionar a gente.  

 — Olá! Você deve ser a rainha Iara, que dá vida a lenda nos dias de hoje... Me chamo Tony Zabini e é um prazer finalmente conhecê-la.  — Tony falou com seu charme barato, tomando a mão da garota e dando um beijo de leve nela. Eu não mereço isso... 

 — Dijo que eres la chica más hermosa que jamás haya visto [Ele disse que você é a garota mais bonita que ele já viu.].— Ninguém corrigiu a tradução errada de Claire, apesar de ter visto um sorrisinho de canto em mais de um rosto. 

 —Dale las gracias y di que él y sus amigos pueden unirse a nosotros. [Agradeça a ele e diga que ele e seus amigos podem se unir a nós.] 

 — Ela disse que agradece o elogio, mas que já é comprometida. - Claire traduziu e agora o garoto com um pedaço de madeira no septo definitivamente riu.  

 — Eu sou espanhol, sabia? Só dizendo, sem nenhum motivo aparente. - Claire deu um sorrisinho travesso para o meu resmungo e se inclinou para falar com a rainha dela ao pé do ouvido, rainha essa que ela aparentemente não gosta tanto assim já que está fazendo questão de ser uma tradutora horrível. 

 — Só pra saber, não é o português a língua oficial da escola?— Scorp perguntou realmente interessado pra o garoto ao lado da rainha autonomeada, porque ele não sabe perder, só por isso mesmo. 

 Eu disse a ele que o meu espanhol seria útil, obrigado, de nada. 

 — É sim, mas a maioria fala espanhol e fica de recuperação nas aulas de português ou inglês. - O cara enorme deu de ombros, puxando a garota loira, abelha rainha do grupo, para perto de si.— Mas minha Iara aqui conseguiu o incrível feito de ser ruim nas duas línguas. No es así, mi reina? [Não é assim, minha rainha?] 

 — Sí, querido, pero ahora tengo que lidiar con los asuntos diplomáticos con mi amigo aquí. [Sim, querido, mas agora tenho que lidar com assuntos diplomáticos com meu amigo aquí.]— Ela deu um selinho no namorado, sem perceber a provocação, diga-se de passagem e depois saiu da água nos fazendo desviar o olhar porque o biquíni dela era tão pequeno quanto o namorado dela era grande e já sabem o quão pouco vale uma vida sonserina, né?— Darles todo lo que quieren, Clara, por mi cuenta. [ Dê a eles tudo que quiserem, Clara, por minha conta.] 

  — Ela disse que podem ficar a vontade. - A intérprete mais fajuta desse mundo falou isso com uma falsa alegria e eu achei por bem complementar. 

 — A rainha disse que podem ter o que quiser por conta dela também. - Olhei sério pra Claire assim que ela tirou o vestido por cima da cabeça, ficando só de biquíni.— Você é uma coisinha muito falsa. 

 — Obrigada, eu me esforço. 

 Segui Iara para um deque de madeira um pouco mais afastado do QG dos populares e ela se sentou, bem, como uma sereia. Que irônico... Tony fez menção de me acompanhar, mas fiz que não com a cabeça, todos sabem que sou um ótimo negociador, para, Tony! 

 —Antes de hablar sobre el tema principal... ¿Por qué Iara? No me digas que es pura vanidad... [ Antes de falarmos sobre o tema principal... Por quê Iara? Não me diga que é por pura vaidade...] — Ela parecia estar mais surpresa por me ouvir falando espanhol, do que pela pergunta em si. É oficial, essa menina precisa aprender inglês, estão fazendo ela de idiota! 

 —Los mejores apodos no son elegidos, se les da. Me molestaba ser comparada con una devoradora de hombres, pero no más. [Os melhores apelidos não são os escolhidos, são os dados. Me incomodava ser comparada com uma devoradora de homens, mas não mais.] — Ela deu de ombros e eu devo ter feito uma cara engraçada,  porque ela fez isso de uma maneira divertida. — Pero eso es pasado, no hay necesidad de llorar por mí, capitán. [Mas isso é passado, não precisa chorar por mim, capitão.] 

 —  Estoy impresionado de que ha salido de la intimidación al trono, pero de todos modos, sé que no es por eso que me llamó aquí. [Estou impressionado que tenha saído do bullying para o trono, mas de qualquer forma, sei que não foi por isso que me chamou aqui.] — Ela sorriu charmosa e eu retribui igualmente charmoso. — ¿Por qué me llamó aquí, Iara? [Por que me chamou aqui, Iara?] 

 *** 

O'Brien estava mastigando os pobres docinhos brasileiros - que no fim das contas nem eram um mistério tão misterioso assim dentro da caixinha exótica de Claire - como se a vida dele dependesse disso e o restante da seleção, mais Claire, o olhavam com um misto de nojo e admiração pela sua gula trollesca. Só a namorada dele o encarava com um pouco de raiva também, bem, tudo de raiva que uma lufana pode ter. 

 – O quê? O capitão mandou eu ver se não estava envenenado, só estou fazendo o meu trabalho! - O grande troll relinchou ou fez o que quer que os trolls façam e eu encarei ele com minha melhor expressão de desprezo, porque ele havia feito o trabalho muito bem, bem até demais! 

 – Que interpretação genial da minha brincadeira, porque foi uma brincadeira, O'Brien, ninguém esperava que você fosse aceitar o cargo de provador real. - Falei sério e ele continuou limpando o dente sujo de chocolate irritantemente, teve até a desfaçatez de dar uma piscadinha pra mim. James e Scorp riram, claro. – Estou quase desejando que Claire tenha tido a presença de espírito de colocar veneno nesse briganeiro mesmo.  

 – É brigadesco, capitão.  - Sienna resmungou enquanto o time de Castelobruxo era anunciado no céu tenebroso e chuvoso do estádio. Ela tá assim só porque eu tirei a chance dela de comer chocolate, a criatura devia me agradecer pelo favor! Está ficando com uma barriguinha grande também, que nem Romeo. 

 – Na verdade é brigadeiro e eu estou profundamente ofendida de vocês terem sequer cogitado, mesmo que por brincadeira, que nós macularíamos nosso doce cartão de visitas desse jeito! - Claire falou, cruzando os braços, parecendo bastante chateada em sua capa de chuva roxo hematoma. –Que tipo de selvagens vocês acham que somos? 

 – Você, eu ainda estou tentando decifrar, mas sua rainha parece uma louca de pedra. - Ela deu um sorrisinho mínimo para mim, sem querer me dar muita ousadia pelo elogio implícito. – Olha lá, parece que está mandando uma maldição pra gente... O que são aqueles sinais? 

 Claire e todo mundo olhou para onde eu estava apontando, dava pra ver uma pessoa numa capa de chuva azul, gesticulando feito louca e por isso mesmo eu sabia quem era. Por isso e porque meu avô sempre me disse que os inimigos a gente nunca deve perder de vista. 

— Aqueles sinais são a prova de que você sabe como fazer amigos, Cesc. 

 – Vai a merda, Scorpius. 

 *** 

Ainda no dia anterior, crianças. 

 Vou conceder isso a Scorp, ler manuais é importante. 

 Claro que nunca direi isso em voz alta, mas aqui estou eu sendo influenciado por uma garota bonita a usar uma regra esquecida por Merlin no fundo de um manual esquecido por... Err... Todo mundo, menos por Scorp e Iara, acredito eu, únicas pessoas na Terra que ainda leem manual. 

 Que maravilha... Me pergunto porque uma pessoa como Iara leria um manual de regras de Quadribol... 

 Só que eu pensei bem - tão bem quanto eu posso pensar em 15 segundos — e cheguei a conclusão de que seria perfeitamente razoável usar meu recém descoberto privilégio de capitão visitante, escrito nas tais regras que ninguém se importa, para chamar uma convidada realmente especial para o nosso camarote e não uma menina qualquer, embora gostosa além do limite, que ainda por cima tem namorado!  

 Ok, isso foi muito Enrique Dussel da minha parte e acho que por isso mesmo cai no meu problema atual. 

 Porque é claro que eu estava errado. Iara parecia muito, muito brava por eu estar usando essa regrinha meio que escondida no livro de regras do campeonato de outra forma que não para seu próprio benefício. Mas fazer o que se ela deu por certo que eu iria agir igual ao capitão de Ilvermorny? Me poupe, isso chega a ser uma afronta! 

 —   ¿Cómo así invitaste Clara para ser su invitado de honor em la cabina? [Como assim você convidou Clara pra ser sua convidada de honra no camarote?]— Iara reclamou com a voz ficando aguda e dessa vez, quando Tony olhou em nossa direção,  fiz um sinal discreto pra que ele viesse me salvar.  — Tu ni siquiera sabía que era posible llevar invitatos hasta que yo te dicho eso. [Você nem sequer sabia que era possível levar convidados até que eu te dissesse isso!] 

 — Pff...  ¿Y como yo llamaría Claire para ser mi compañera si no sabía? Ah, Tony, que bueno que vieste, eso significa que el entrenador quiere ver al equipo, temo que tengo ir, alteza. [Pfff... E como eu chamaria Claire pra ser minha acompanhante se eu não soubesse? Ah, Tony, que bom que você veio, isso significa que o treinador quer falar com o time, temo que tenha que ir, alteza.] 

 —  ¿ Qué? [Quê?]  - A garota pareceu confusa e eu resolvi que isso era melhor do que sua fúria vaidosa de antes.  

 — Acho que o treinador está nos chamando, Cesc... - Tony é tão bem preparado, sabe exatamente o que fazer, não importa o momento ou a língua em que eu esteja enrolando. 

 —  ¿Vio? Es como uma articulación que duele en el viejo cuando está cerca de la lluvia o la picazón en la nuca de cuando algo malo se acerca ¿sabes? [Viu? É como uma articulação que dói no velho quando está próximo de chover ou a coceira na nuca de quando algo ruim se aproxima, sabe?] — Iara saiu de sua posição de sereia e cruzou braços e pernas, com movimentos simultâneos para essa fala minha, então eu completei. — Si Tony aparece, el entrenador quiere hablar conmigo, simples así! [Se Tony aparece, o treinador quer falar comigo, simples assim! ] 

 — Yo sé...  ¿Su nuca pica ahora, Capitán Fábregas? [Sei... Sua nuca está coçando agora, capitão Fábregas? ]

 Na verdade... Está sim. 

 *** 

 “Parece que nesse campeonato o esporte favorito das outras escolas tem sido falar mal da gente... Vem cá... Podemos levar isso como um elogio, queridinhas? Porque Hogwarts sente o cheiro do medo de vocês e A-DO-RA!” 

 – E é por isso que não deixam você fazer o nosso vídeo.  - Fiz minha melhor cara de desentendido para essa idiotice de James, Lia pareceu perfeita pra mim, a galera adorou ela e eu teria feito algo semelhante. – Você faria pior e pior do que isso, só uma declaração de guerra com todas as letras. 

 – Eu faria melhor. 

 – Pior. 

 – Melhor. 

 – Irrelevante! - Scorp olhou pra mim e então para James, com uma cara de quem estava pronto para pôr um ponto final no assunto. Eu conheço muito bem essa cara. – Tony não está aqui e eu me recuso a ver essa sua babaquice com outro imbecil, Cesc!  

 James virou pra frente depois dessa, até porque ele havia se voluntariado para ajudar com o feitiço do dragão, jurando ele que o primo tinha feito um belo acréscimo para essa partida tão  especial. Voltei minha atenção para Claire que estava falando antes que o dragão chegasse. 

— ...as expectativas com seu irmão mais velho jogando? - Claire  até que perguntou, mas eu não entendi merda nenhuma. 

— Quê? Essa torcida infernal não me deixa ouvir nada, repete! - Esqueci meus protetores antirruídos no dirigível, saco! Ainda bem que Enrique não está aqui para ver um de seus presentes sendo desperdiçados.  

— Como estão as suas expectativas com seu irmão mais velho jogando? - Ah! Bem, aí está outra das minhas mentirinhas de perna curta se revelando: eu meio que disse a Claire que Enrique era meu irmão de pai diferente pra explicar o porquê dele ter me conduzido de volta ao dirigível sem nem me dar a chance de contar a ela sobre a mentira que eu tinha contado com o nome dela antes. 

Uma mentira atrás da outra, deve ser a água do Brasil, só pode! 

— Estou feliz pelo meu irmãozinho, mamãe deve estar tão orgulhosa que o treinador Potter finalmente parou com o nepotismo em favor do talento de Enrique... 

— O quê? - Potter é inconveniente, tô pra ver, mas ele nem continuou com a bagunça na minha história, porque ao invés disso me puxou pela gravata pra baixo, tão repentinamente que eu cheguei a bater a ponte do nariz no encosto da cadeira dele. – SE ABAIXA! 

Senti um vento gelado passar por cima da minha cabeça e quando ele finalmente me soltou, eu vi que o dragão havia soprado uma poção de mudança de cor de cabelo em todo o estádio. Quase todos estavam agora com o cabelo com uma das cores das casas de Hogwarts, menos eu, ele e Scorp. 

— Olha, eu preferia ter o cabelo pintado, Potter, sinceramente! - Massageei o nariz dolorido e ele apenas executou um feitiço pra consertar o que, pela dor, deveria ser um nariz quebrado, na verdade.  

— Você teria ficado ridículo de cabelo colorido, então, de nada. E sobre o seu irmão,  eu... 

— Olha, o jogo vai começar! 

 Ia começar mesmo, então não havia mais nenhuma mentira nisso, James perdeu completamente a linha de raciocínio desvendador de enrolações alheias, porque ele é chato, mas tem o coração no lugar certo quando se trata de Quadribol. 

 Claire parou de olhar as pontas do cabelo trançado, agora em um verde sonserino que a deixava perfeitamente dentro do código de cores para vestes bruxas - roxo e verde, lembram? - para assistir o enorme artilheiro e capitão de Castelobruxo ganhar a disputa de goles contra Frank. 

 Maldita lesma imprestável que não serve nem para pegar uma goles! 

 – Ah, isso é um bom sinal, sempre que Longbotton perde a disputa de goles, a Grifinória ganha o jogo. 

 – Que mentira, isso nunca acontece! - Lexa rebateu o comentário despropositado de Sienna, defendendo o seu amigo chapado, que agora estava tendo que correr atrás do prejuízo,  lambendo as botas da menina de pernas compridas e coque na cabeça, no caso, a artilheira que... MERDA! Fez 10 pontos na gente, vai pra porra, viu, Frank! 

 – Exato. - Levou dois segundos para eu entender a provocação de Sienna com os grifinórios, então tive que rir e comemorar com Romeo acertando a goles no aro esquerdo de Castelobruxo em um contra-ataque relâmpago. 

 – Isso, Romeo! 

 – Isso nada, Fábregas, foi falta! Ele deixou o cotovelo para acertar o rosto de Saionara, se tivesse acertado, ela estaria de nariz quebrado agora! - Se Claire começar a choramingar toda vez que um dos nossos machucar um dos dela, a tarde será longa! 

 Hoje Castelobruxo provará do seu próprio veneno! 

 – Devia ter deixado ele acertar, aí a gente diria “sayonara” pra ela, que é tchau em japonês pra quem não sabe. - Scorp disse todo pimpão e nós dois rimos, porque não é sempre que a piada vem pronta pra gente, né?  

 – Eu sei o que significa “ sayonara”, seus palhaços! - Claire rosnou pra gente. Ui, como estamos bravinhas! Que ótimo negócio trazer Claire aqui, ela tem o inglês maravilhoso, o sotaque é muito melhor que o meu, então nos permite rir da cara dela sem problemas, apesar de que o espanhol dela também é muito bom... – Vem cá, vocês acham bonito um marmanjo daqueles agredindo uma garota? 

 – Ela não é uma garota, é a artilheira inimiga! - Falei em um gesto enfático, ao mesmo tempo que Tony ganhava no ombro uma disputa de balaço com um dos batedores brasileiros. – E se tá jogando do outro lado, a gente não perdoa mulheres, crianças, idosos... É tudo inimigo! 

 – Adversário, Cesc. - Olhei para Lexa, que estava cortando completamente meu barato. Ela completou mais pra si mesma do que pra mim. – Apesar de que gosto da ideia de não perdoar ninguém... 

 – Pois é, capitão, você não vive em uma revista em quadrinhos, você tem adversários. - James resolveu ignorar a última parte do que sua colega de casa disse, tentando me mandar uma mensagem que eu não estou afim de entender no momento. 

 E que estranho, geralmente são os grifinórios que agem como se estivéssemos em uma revistinha de super heróis! Espera... Não. Estranho não é a palavra certa e sim “hipocrisia” . Hipocrisia é a cara da Grifinória mesmo! 

 – Vai a merda, James e aproveita pra resgatar seu namorado de lá, porque Longbotton está mais inútil do que o normal! - Me levantei e fiz as mãos em concha para aumentar a voz, já que é ilegal usar feitiços alto-falantes durante a partida, ou qualquer outro, se é que o que a rádio dessa escola diz é confiável. – FINGE QUE A GOLES É UM MAÇO DE ERVAS E AGARRA ELA, FRANK! 

 Eita, o garoto de cabelos ondulados virou com uma expressão demoníaca para mim e eu apontei para O'Brien no assento abaixo.  Sim, já sei, sou um covarde, mas nunca se sabe, se o senhor viciado estiver realmente em abstinência, ele pode virar o cão e tentar, sei lá, me fumar. 

 – Capitão, há um limite para o tanto que você pode passar vergonha ou é ad infinitum? - A única corvinal do banco me falou em seu tom superior de praxe. Mas Sienna tá uma babaquinha hoje, hein? Vou colocar na minha lista mental “ acionar a central de fofocas de Tony pra saber que bicho não comeu ela”, porque eu não gosto de punir sem saber os porquês.  

 – Adoro essas expressões em latim, deixa tudo tão chique, né?  - Sorri simpático pra Maggie e sua fofura, porque ela me lembra a minha adorável Heidi de estimação lá na Sonserina, que saudades! 

 – Prefiro a expressão “Ad hominem” que a gente usa quando pega a merda que nossa artilheira usou e utiliza contra ela ad infinitum até ela se arrepender do dia em que nasceu! - Falei sério com Sienna, mas a loira só fez uma torção de descrédito com a boca e independente se ela esta mal comida ou não, vou esfolar ela no próximo treino. 

 Isso se a gente se classificar, claro, porque se não eu vou ficar só na vontade e terei que me contentar apenas com os jogadores da Sonserina, cujas almas me pertencem de verdade! 

 – Algo me diz que você está usando ambas as expressões de maneira errada, Cesc. 

 – Cala boca, Scorp, porque diferente da de Sienna, sua alma me pertence. - Ele me olhou com uma sobrancelha levantada, daquele jeito que ele sempre faz quando dúvida da minha sanidade. – Não se preocupe, essa frase faz todo sentido na minha mente. 

 – Eu duvido muito. - A lombriga albina falou com um sorrisinho nada impressionado.

 – Gente, só pra eu saber, vocês aprendem latim em Hogwarts?  Porque isso é muito legal! - Claire perguntou empolgada, me fazendo olhar pra baixo, já que eu ainda não me sentei. É  difícil acompanhar um jogo tão decisivo sentado civilizadamente! 

 – Claro que a gente não aprende latim em Hogwarts! A gente mal tá aprendendo... CONNOR, PROTEGE LIA AQUI EMBAIXO, SEU TRONQUILHO IMPRESTÁVEL! - Deuses, Harry Potter escala 99% da seleção do jeito que eu quero, mas aquele 1%... 

— O que foi? Seu batedor Connor não está cumprindo o plano de jogo? - Estranhamente Claire se inclinou mais para a fileira de baixo ao perguntar isso do que falou na minha direção. Revirei os olhos, mas antes de respondê-la, o outro batedor idiota do time falou por mim. 

— Pelo contrário, Connor obedece bem demais e esse é todo o problema, o cara parece um soldadinho de chumbo, não sai do plano nem com a porra! - Não retruquei o que O'Brien disse dessa vez, porque isso é bem certo. Connor leva o plano até as últimas consequências sempre. – Você vê, ele tá marcando aquele terceiro artilheiro troncudo de vocês, o tal de Ferraz, porque todo mundo sabe que ele é um terceiro batedor disfarçado de artilheiro e por conta disso ele está deixando Zabini tendo que cuidar dos dois batedores oficiais sozinho. Que idiota... 

 Claire olhou surpresa por sabermos que Castelobruxo havia colocado como artilheiro um dos jogadores inscritos como batedor no campeonato nacional deles - só porque pra eles violência nunca é demais - e Maggie deu um tapa de leve no peito de seu namorado linguarudo.  

 – Isso é supostamente um segredo, Theo, não é pra você sair contando por aí! - Maggie deu uma bronca no namorado e eu olhei sério para James, que assentiu sutilmente com a cabeça em minha direção e depois voltou a atenção para a disputa entre Lia e a dona Tchau em japonês.– Essa menina é uma adversária, apesar de ser um amorzinho... Nada pessoal, lindinha, mas sério, você é nossa adversária.  

 – Ora, mas o que eu poderia fazer agora para atrapalhar o plano de vocês? - Claire estava falando com Maggie, tecnicamente, mas tinha certeza que a pergunta foi pra mim. Voltei a me sentar e olhei para Scorp com meu melhor sorriso astuto, perfeitamente espelhado no rosto dele. 

 – Pois é, Claire, o que você poderia fazer pra nos atrapalhar? 

 *** 

Agora voltamos no tempo apenas 12 horas, senhoras e senhores.  

 — Por que eu não estou surpreso com você se metendo em confusões na escola alheia?- Havia acabado de me esgueirar no dormitório que James e Segundo dividiam no lado oeste do dirigível, só pra discutir com uma criança que claramente precisa terminar sua naninha. 

 Seria melhor se James ainda dividisse o quarto com Enrique, mas aqui o traste tem um dormitório só pra ele e por isso mesmo Scorp ficou sozinho, já que Segundo foi roubado dele. James não podia ter escolhido Longbotton para dividir o travesseiro babado com ele não? Claro que não, tinha que deixar a lombriga chorona ex-cunhado infernizando a minha vida! 

 — A coisa é séria, Potter, eu aborreci uma entidade de Castelobruxo e agora ela vai tentar prejudicar a nossa partida! — Falei em um falso tom de pânico e ele agora me olhou devidamente assustado e eu sorri mentalmente com o quanto os grifinórios podem ser ingênuos. 

 — Você se meteu com outra criatura mística? — James deu aquele grito sussurrado afetado dele e eu apenas me sentei na cama ao lado de um Fred sonolento coçando o olho. 

 — Outra? — O afro ruivo me perguntou sem estar realmente interessado, apenas cumprindo o seu papel de quem, para todos ao efeitos, só conhecia a minha capacidade de me ferrar na vida de longe. Não é como se James soubesse que eu e Segundo estamos nos ferrando juntos, de perto, no Ocaso, né?  

 — Teoricamente. — Respondi seco e James pinçou a ponte do nariz com raiva, respirando fundo para não continuar seu piti nada elegante por conta da minha resposta evasiva. 

 — E na prática? Como é a situação real, Cesc? — Olhei pra ele satisfeito, porque ele finalmente estava se afastando do fantasma do djinn e fazendo as perguntas certas. 

 — Na prática ela é só uma garota que usa seu sex appeal para convencer os caras a colocarem ela em uma posição de destaque nas partidas de Quadribol internacionais.  

 — Ah, pelo amor de Merlin, então dá a ela o que ela quer! — James sentou na própria cama, exasperado. Fred deu apenas um sorrisinho de lado, porque ele bem sabe que eu nunca pego o caminho simples, qual seria a graça disso? 

 — Mas vai contra os meus princípios!  

 — Que princípios? Você não tem princípios, Cesc! Alguma vez você já ouviu alguém em Hogwarts dizendo pelos corredores “nossa, esse, esse e aquele são os princípios de Cesc Fábregas", Fred? Não, porque ele não tem nenhum, nenhunzinho sequer! 

 — James, você está surtando. — Fred apontou o óbvio e o idiota surtado apontou o dedo na minha cara. Que ultraje! 

 — Olha aqui, criatura, você vai deixar essa garota sentar na sua cabeça, se for preciso! E agora cai fora, porque Fred tem que descansar para o grande jogo de mais tarde!  

 Fred não fez cerimônia, se deitou e se cobriu todo, até a cabeça, sem nem ligar que eu ainda estava sentado na sua cama. Respirei fundo, pronto para dar a minha cartada final.  

 — E se eu te disser que essa tal garota está passando informações diretamente do banco da equipe adversária para seu irmão gêmeo, artilheiro/batedor de Castelobruxo? 

 Segundo se descobriu completamente e James me olhou com um súbito interesse. 

 — Aí você ganha nossa atenção, cara. - Deu para ouvir as engrenagens do cérebro de Fred se movendo.

 — Sim, Cesc, ganhou a nossa atenção, agora fale.