Hogwarts: uma outra história escrita por LC_Pena


Capítulo 42
Capítulo 42. Amortentia estragada


Notas iniciais do capítulo

Ói eu de novo! Gostaria de dedicar esse capítulo a Atlas, que deixou uma recomendação maravilhosa para mim! Obrigada, moça! E agora, enjoy!



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Capítulo 42. Amortentia estragada

A Grifinória e a Lufa-lufa haviam se mudado oficialmente de volta para o campo de Quadribol - já vão tarde - o que nos deixa com a câmara não-mais-secreta-mas-ainda-sim-muito-foda toda para gente!

E para Corvinal, mas não é como se eles fossem dignos de nota.

Porque sou uma pessoa racional, bondosa e coerente, sabendo também da eminência das provas finais, NOMS e NIEMS eu tomei uma decisão extremamente sensata. O que eu fiz? Mantive as corridas no Lago todos os dias pela manhã e treinos em dias alternados no fim da tarde, finais de semanas inclusos.

— Eu estou te odiando tanto nesse exato momento, Cesc, você não tem nem ideia.— Romeo me disse baixinho com uma cara de maníaco, o que não me surpreendeu nem um pouco, ele era o único que tinha ousadia suficiente para verbalizar o sentimento. Melhor odiado do que desrespeitado.

No caso, eu sou os dois, mas melhor isso do que ser... Ah, deixa pra lá.

— O que vai ser hoje, capitão? Vamos jogar com os nossos uniformes pegando fogo ou com uma bola de ferro nas nossas vassouras, quem sabe? - Sorri para o mal humor de Heidi, ela só estava assim porque eu resolvi não emprestar meu celular a ela. Não preciso nem de uma pessoa querendo coisa com o Ocaso e tão pouco de uma analfabeta digital com o meu Caveira, muito obrigado.

— Hoje faremos um treino leve...— Ela cruzou os braços, descrente e foi acompanhada por outras reações semelhantes dos meus subordinados. Eu abri ainda mais o sorriso e saquei da cintura a minha ferramenta de trabalho do dia. Tony suspirou pesado. – Mas com um pouco de feitiços climáticos, afinal, não vamos jogar em um ambiente controlado como esse, não é?

— Pelos tipos de treino, estou achando que vamos jogar no inferno...— Lia resmungou, mas eu não me dei ao trabalho de respondê-la, afinal, tinha um livro velho para desvendar e um feitiço maneiro para executar.

— Tempestade com vento ou tempestade com vento e raios?— Batuquei a varinha de leve na boca, lendo as possibilidades no Les meilleurs incantations météo – a edição roubada da mochila de Westhampton, claro. – É, vamos de pacote completo, porque se não for pra ir no mais difícil, eu nem levanto da cama!

Claro que ninguém estava compartilhando do meu bom humor, esses meus colegas têm cabecinhas pequenas e duras, não conseguem perceber que tudo que faço é para o nosso próprio bem! Não é como se quisesse descontar neles as frustrações da minha vida ou algo assim...

— Mira... Não, espera, MIRUM TEMPESTAS! — Gritei o feitiço, cuidando para realizar o movimento de varinha mais ou menos certo, não é como se fizesse tanta diferença assim, né? Um jato cinza chumbo subiu em direção ao teto e se desfez em pequenos pontinhos cinza brilhantes. E depois dessa encantadora demonstração de magia, nada aconteceu. – Ai, merda! Será que eu...

Fui interrompido por um trovão tenebroso - que fez quase todo mundo sair um pouco de sua pele, se o pulo de Streck significava algo – seguido pela formação de uma névoa escura. A fumaça cor de chumbo foi se espalhando pelo teto da caverna, balançando as chamas dos archotes e diminuindo a temperatura da câmara em alguns graus.

— Às vezes me surpreendo com o quão fantástico eu sou...— Disse para mim mesmo, mas notei Tony meneando a cabeça negativamente, olhando meio assustado para a incrível tempestade que eu criei com toda a minha genialidade e destreza. – Ok, sereianos desaguados, NAS VASSOURAS!

Depois de quase uma hora de treino, porque eu só faço as merdas mais colossais, nada menos, a tempestade atingiu proporções bíblicas – isso não pode ser considerado blasfêmia, fala sério – e estava atirando raios para tudo quanto é lado, alagando os túneis adjacentes no processo.

— CESC, ISSO É LOUCURA!— Tony gritou, tentando se aproximar de onde eu estava, mas um raio o desviou do caminho. Eu ri sadicamente. Infelizmente Dussel conseguiu o intento.

— Se o seu plano é ter todos nós mortos antes do jantar, está quase conseguindo. — Um raio chamuscou as cerdas da vassoura de Lia só para ilustrar a fala dele. Eu revirei os olhos, desagradado. Que saco isso! Um bando de molengas...

Comecei um Finite Incantaten, mas só consegui parar os raios e os ventos, a chuva ainda caia como se alguém tivesse aberto uma torneira gigante, regulada na temperatura mais fria, limítrofe com o congelamento. E é assim, amigos, que se encerra a minha genialidade mágica.

— Tinha sido melhor quando ele trouxe Alistair para...— A voz de Lia foi diminuindo a medida que ela ia entrando mais fundo nos túneis que davam para os vestiário.

Óbvio que trazer Alistair Midwok anteontem - o batedor do sétimo ano que fazia par com Dolman antes de Tony e eu assumirmos o cargo – para ajudar no treino foi uma ótima ideia! Tenho certeza que os reflexos dos artilheiros estão bem mais apurados agora que escaparam dos balaços errantes de três batedores!

— Ingratos...

Entrei no túnel mais próximo para me proteger da chuva e poder abrir o livro de Westhampton sem problemas, mas Dussel ainda estava por perto. Ele tomou o livro da minha mão e leu a página marcada com uma fita cor de bronze.

Turbo cessaret!— Ele disse baixo, com um floreio elegante de varinha, nem de longe tão grandioso quanto o meu feitiço da tempestade de mais cedo, mas igualmente efetivo. – De nada, garotinho.

Ele bateu com o livro do meu peito e tive que segurar rápido, porque no segundo seguinte ele rumava para os vestiários, naquela maneira arrogante dele de sempre.

— Demônio...

***

Acabou que tive que ficar esperando uma vaga nos chuveiros quentes, assim como Dussel, já que os vestiários improvisados da câmara não tinham o mesmo tamanho dos do seu irmão rico e oficial.

Lia e Heidi foram as últimas a sair e porque tinha parecido muito estúpido usar um feitiço secante, - sendo que já ia tomar banho em mais alguns minutos - minha camisa do uniforme fez um barulho irritante quando a joguei no chão de qualquer jeito.

Dane-se, os elfos cuidarão para que todas as fardas e uniformes estejam limpos e bem passados nos dormitórios na manhã seguinte. Por isso amo a magia, nada é tão difícil que não possa...

Senti uma sensação estranha, olhei para cima e dei de cara com um sorriso predador.

Levantei uma das sobrancelhas, não deixando passar em branco o fato de que eu estava sozinho no vestiário com Enrique Dussel e que ele estava me chantageando, como se as coisas não pudessem ficar pior...

Merlin, o que fiz para merecer isso?

Ele se aproximou daquela maneira aristocrática que só um sonserino de berço consegue e eu cruzei os braços, automaticamente.

— Como estamos na defensiva hoje...— Respirei fundo, para não amaldiçoar ele. Resolvi deixar tudo em pratos limpos, é melhor assumir as rédeas da situação agora, coisa que eu devia ter feito a muito tempo.

— Vamos deixar tudo bem claro, cara, não vou deixar que você mude uma vírgula no Ocaso ou que ameace os meus amigos e...

— O que eu ganharia com isso, capitão? Não me importo com o que seu jornaleco publica ou com seus amiguinhos...— Ele se aproximou ainda mais, me fazendo recuar até uma das portas fechadas do chuveiro. Dussel colocou uma das mãos na altura do meu rosto, próximo demais para me deixar confortável. – Não. Meu problema tem que ser resolvido com você, não é assim?

Eu o olhei meio desconcertado, até porque não podia se tratar do que eu estava pensando, não é? Porque... E quanto a Dominique Weasley? E todas as garotas que vi sair dos vestiários, armários de vassoura e dormitório do sétimo ano com ele? Fora que, pelo amor de Merlin, tomei Amortentia estragada e não me avisaram?

Primeiro Potter e agora isso!

Enrique continuou com seu sorriso malicioso e seja porque eu estava realmente intimidado com o fato dele saber sobre o Ocaso – o que convenhamos, no meu caso significa expulsão se ele abrir o bico – ou porque estava cogitando mesmo beijá-lo em um nível meio inconsciente, não dei a ele a resposta que ele merecia pelo seu atrevimento.

Ele se aproximou ao ponto de eu sentir o hálito quente batendo no meu rosto. Não consegui mais olha-lo nos olhos a partir daí - fecha-los estava fora de cogitação, claro, ele ia achar que eu queria realmente beijá-lo – então apenas abaixei o olhar para um ponto qualquer de seu rosto, havia muitos e todos eles pareciam igualmente interessantes.

Havia o queixo protuberante demais para ser considerado bonito, com uma sombra de barba por fazer, - que caras mais velhos como ele adoram exibir - havia também o pequeno sinal abaixo dos olhos, parecido com um que eu mesmo tenho perto da boca e... Droga, havia a boca, por que eu tinha que pensar em boca logo agora?

A dele era bonita, acho, não posso me considerar um especialista em lábios e bem, tinha aqueles pontinhos escuros de tinta, evidência do péssimo hábito que Dussel adquiriu com o tempo, suponho que na primeira vez em que segurou uma pena nas mãos e a apoiou na boca para pensar na próxima palav...

Ele me beijou.

Nunca havia beijado um cara antes, não tinha nada com o que comparar, mas nos primeiros segundos mantive os olhos bem abertos, porque estava mortificado. Tratava-se apenas de lábios com lábios, até ele tomar coragem para me puxar para perto pela nuca.

O vestiário já estava vazio há muito tempo e por isso tinha um som de algo pingando ao longe, possivelmente resquícios da minha super chuva de mais cedo, este sendo o único som ouvido atualmente, o resto era só um silêncio perturbador.

Sempre havia o risco de alguém entrar e essa era uma daquelas situações que o clássico “não é o que você está pensando” seria dito, provavelmente por mim, mas que ninguém acreditaria. Meu coração bateu mais rápido com a simples possibilidade de ser pego fazendo isso.

A linha de raciocínio que eu estava seguindo foi cortada quando ele resolver colocar a língua em minha boca. Fechei os olhos sem perceber. Enrique tinha um gosto bom, –tenho que admitir - de alguma coisa doce, mas levemente amarga que eu não saberia identificar. Quando ele me prensou na parede com um pouco de força, pareceu o gosto perfeito, no entanto.

Comecei a retribuir, sem ligar muito para quem pudesse ver agora. Minhas mãos foram parar automaticamente nas costas dele e o fato dele estar sem camisa, fez tudo parecer ainda mais... Estranho.

Tinha elementos novos no beijo, era mais áspero, mais agressivo e os músculos que eu tocava definitivamente não eram macios. Gostava de beijar garotas fortes, mas não estava acostumado a ter alguém mais forte – ou melhor, imperioso – do que eu me agarrando, então a sensação de ceder o comando, por falta de opção, também era nova, porém não era ruim de todo.

A última pessoa que eu havia tocado desse jeito - que tinha estado tão perto do meu corpo, fazendo um atrito gostoso de peles - não tinha cheiro de suor e loção pós-barba, tinha perfume de sândalo, fora Lia, já que Claire nunca...

Meu Deus.

Empurrei Dussel para longe e tendo em vista que o surpreendi, consegui colocar uma boa distância entre nós dois.

— O que pensa que está fazendo?— Eu falei no automático, não sei bem se pra mim ou pra ele. Ele inclinou a cabeça de um jeito engraçado, como um gato um pouco intrigado. Fez menção de dar um passo para mais perto, no que eu o contive com um quase rosnado. – Não se aproxime.

— Calma, Cesc...— Ele levantou os braços em sinal de paz, como se precisasse acalmar um garotinho assustado, o que não estava longe da verdade, se os meus batimentos cardíacos pulsando nos meus ouvidos diziam alguma coisa. Ele deu um sorriso com todos os dentes.

— O que pensa que está fazendo?— Sibilei de novo, mais para ganhar tempo para organizar meus pensamentos do que realmente para ouvir uma resposta. Tenho certeza que não vou gostar dessa resposta. Sentia o rosto quente e não é uma sensação que me agrada.

— Não vou te forçar a nada, se é disso que tem medo.— Ele disse subitamente sério. Não tinha medo. Acalmei minha respiração, mas estava tão desorientado que pensei ter visto um vulto atrás dele, na entrada arredondada dos vestiários improvisados. Fechei os olhos com força e abri novamente, só para dar de cara com um Dussel que parecia preocupado.

— O que pretende realmente fazer com a informação do Ocaso?— Ele deu de ombros, abaixando para pegar minha camisa do uniforme no chão e me entregando em um só movimento. De repente fiquei muito consciente de que eu estava sem camisa como ele. Senti o rosto esquentar mais um pouco.

— Nada.— Olhei pra ele cético e o cara de pau deu novamente um de seus sorrisos perigosos, o que me causou um calor estranho no corpo. Droga, estava muito tempo me negligenciando nesse aspecto sexual e isso porque eu tenho namorada, que patético! – Foi divertido bancar o Inominável te investigando, mas não tenho o mínimo interesse no Ocaso... Merlin sabe que eu não preciso de mais merda na minha vida!

Passei as mãos no rosto, tentando colocar as ideias no lugar: ok, ele não vai me denunciar, nem chantagear, pelo menos é o que ele diz... Senti o toque dele no ombro esquerdo, o que me fez ver o quão perto estava.

— Não falei a sério antes.— Eu desviei o olhar para o banco de madeira rústica no meio do lugar bagunçado, perto da entrada. – Gostei do que aconteceu aqui, mas não preciso chantagear ninguém pra conseguir companhia.

Eu tive que rir com o tom arrogante, típico de um sonserino, mas isso pareceu dar a ele alguma impressão errada de que eu tinha me acalmado, porque ele subiu a mão do meu ombro para a nuca, me puxando para perto novamente. Falei quase dentro de sua boca dessa vez.

— Eu tenho namorada!— Praticamente cuspi as palavras, meio ofegante, apenas porque senti a necessidade de informar a ele. E de me lembrar. – Você sabe... Eu tenho namorada.

— Ouvi da primeira vez, eu havia esquecido desse detalhe. — Ele fez uma careta divertida, mas depois deu um sorriso mais tranquilo. – Sabe, isso me faz sentir quase culpado. Quase.

Ele seguiu para o chuveiro sem dizer mais nada, assobiando como um bruxo sem grandes preocupações – o que ele provavelmente era, até onde eu sabia -  e eu aproveitei que ele estava fora de meu campo de visão, para catar minhas coisas, vestir a camisa do uniforme de qualquer jeito e cair fora daquele ambiente sufocante. Segui pelos túneis da câmara, pegando a saída que dava no campo de Quadribol.

Coincidentemente a Grifinória estava fazendo o último treino da temporada, mas que saco! Havia uma chuva fina – bem diferente da minha - que deixava a paisagem embaçada, então sabia que as chances deles me verem lá de cima eram pequenas. Me sentei na grama, encostando em uma das vigas de sustentação da tribuna dos professores.

Fechei os olhos e deixei a garoa me molhar um pouco, grudar ainda mais meu uniforme no corpo. Era refrescante depois de um treino pesado - mesmo que debaixo d’água - e Merlin sabe o quanto estou precisando disso por outros motivos agora.

Mas é claro que minha paz não duraria muito. Nunca dura.

— Não sei se te informaram, mas precisa estar de olhos abertos para espionar o adversário.— Continuei de olhos fechados, sabendo muito bem de quem era a voz. O toque irritante na ponta do meu sapato continuou e eu soltei um suspiro exasperado. – Há algo que eu possa fazer pra ajudar?

— O que, em nome de Morgana, você poderia fazer pra me ajudar, idiota?— Falei mais ríspido do que deveria, então quando abri os olhos, vi Potter me encarando como um filhote chutado na chuva. Respirei fundo, meu Deus, mas que bosta de dia! – Desculpe, não era pra você isso.

Era pra mim.

Ele apoiou o corpo na lateral da viga em frente à minha. Ainda pude ouvir o time da Grifinória sendo espalhafatoso como sempre, muito perto para meu gosto, mas os testrálios seguiram seu caminho para os vestiários oficiais, sem notar nós dois.

Na verdade, estava em um lugar muito bom, escondido pelo ângulo correto, mas é claro que um apanhador estúpido me encontraria, era trabalho dele, afinal de contas, estar atento a todos os detalhes do campo.

Estou cansado de apanhadores.

— Agora estou preocupado de verdade, você pediu desculpas. Isso tudo é por causa do Haardy?— Ele não completou com um “porque não devia se preocupar, estou trabalhando nisso” ou um “ainda acho que ele é inocente”, pelo que agradeci. Fiz que sim com a cabeça, aproveitando a desculpa que ele havia me dado.

Usaria meu estado de espírito confuso para meu próprio benefício, nenhuma novidade aí.

— Sei que não acredita em mim, mas toda vez que o nome dele é mencionado eu sinto...— Notei meus lábios subitamente ressecados, mesmo que ainda estivesse sentindo a chuva, – agora um pouco mais grossa – escorrendo pela pele. Pensar em Haardy era a pior das minhas agonias, sem dúvida, como se eu não devesse pensar nem sequer no nome dele, como se houvesse uma parede me empurrando para trás de uma linha que eu não conseguia... — É como se tivesse algo na borda da minha mente querendo me forçar a...

— Acredito em você.— Levantei a cabeça para encara-lo, mas ele estava olhando para o horizonte. Abaixou o olhar para mim, quando me percebeu encarando. Potter me deu um sorriso cansado. – Merlin me ajude, mas eu acredito.

E estranhamente aquilo foi o suficiente para me fazer sentir um pouco melhor, mesmo que não mudasse merda nenhuma as circunstâncias em que eu me encontrava. Minha mente estava confusa nesse tanto, que triste.

***

No dia seguinte, já quase no final da tarde e hora do treino, tomei vergonha na cara e fui finalmente falar com minha namorada. A última vez que havia falado com a sardenta fora na fatídica aula de Lupin, quando eu joguei um dos seus colegas de Casa pelos ares, o que a deixou irritada.

Tudo muito injusto, porque é de John Westhampton que estamos falando!

Claire estava sentada em sua árvore de estimação perto do lago, lendo um livro. Me joguei ao lado dela, a assustando, mas antes que ela começasse a falar qualquer coisa em meio ao riso de reconhecimento, eu a beijei.

Dessa vez eu não fui delicado, cuidadoso e cheio de restrições como sempre. A puxei bem para perto e comecei o beijo já com lábios, língua, dentes, tudo. Claire, a princípio, foi praticamente uma participante passiva, recebendo o beijo sem nenhuma reação, mas depois ela começou a retribuir a altura.

Deixei que ela passasse as mãos timidamente pelos meus ombros e subisse um pouco no meu colo, mas ela não foi muito mais longe do que isso. Afastei o rosto dela do meu e a encarei, estávamos tão perto agora que as sardas e os olhões verdes dela eram tudo que eu podia ver.

— Uou, o que foi isso?— Continuei a olhando. Limpei um pouco do batom clarinho que estava borrado em sua boca. Ela estava corada e me encarava com curiosidade. Droga, droga, DROGA!

— Foi... Foi só um teste.— Ela deve ter percebido que eu estava meio estranho, porque desceu do meu colo e se sentou ao meu lado. – Soou mais interessante do que realmente é. Foi só uma... Sei lá.

Dei de ombros, sem encará-la. Comecei a brincar com um fio desfiado do meu uniforme e Claire ficou calada por alguns instantes, mas foi a primeira a quebrar o silêncio.

— Ainda está chateado comigo por causa do que falei no outro dia? — Não estava... Quero dizer, estava, mas não era realmente a razão do meu comportamento atípico. – Sinto muito se te chateei, mas eu tinha que falar...

— Não gosto quando faz isso.— Ela suspirou.

— Não gosto de ter que fazer, mas se eu não fizer, quem o fará?— Eu a olhei ainda com a cabeça meio baixa e ela me deu um sorriso cansado. — Queria que se visse como eu te vejo...

Consegui a muito custo evitar um revirar de olhos, mas o riso seco foi inevitável. Ela me encarou séria. Essa frase dela já deu o que tinha que dar.

— Eu tenho mãe e pai, Claire, eu não preciso ser educado.— Os lábios dela se transformaram em uma linha severa, mas eu ignorei. — Odeio quando faz isso.

— Então não ceda ao seus impulsos de...— Ela gesticulou amplamente com as mãos, sem encontrar a palavra certa para o que quer que ela acredite que seja execrável em minha personalidade. – Já vi você fazer, não é impossível! Você pode deixar de aprontar, de ficar em detenção, de machucar as pessoas, de mentir...

Levantei a cabeça e a encarei, acho que pela primeira vez, sem medo de analisar o que ela realmente estava falando. Havia uma parte de mim com a qual ela não podia conviver e ela na verdade gosta quando eu me contenho. Claire segurou meu rosto, me dando um sorriso tranquilo.

— Eu confio em você, Cesc, confio que você pode ser melhor do q...

Segurei a mão dela, tirando-a do meu rosto. Não a encarei e ficamos naquela estranha posição, eu olhando aquela mão pequena, de unhas curtas, com uma cicatriz ínfima no polegar e ela me encarando.

Eu conhecia a dona daquela mão, era Claire, a garota que me salvou no trem no meu primeiro dia de Hogwarts, que sempre parecia ver mais do que qualquer outro e que nunca perdia a serenidade, mesmo quando estava triste ou decepcionada.

Mas eu conhecia a mim mesmo também e toda vez que eu me continha, - como ela parecia querer sempre que eu fizesse - não me sentia como eu mesmo. O mais triste de tudo não era achar que não valia a pena mutilar minha personalidade por ela – é só a boa e velha Claire afinal de contas, ela me conhece e sabe o que é o melhor para mim, não é? – e sim o fato de que quando eu a beijei, eu não senti nada.

E venhamos e convenhamos, ironicamente ela é a única pessoa com quem eu me sinto assim, vazio.

— Eu passei no seu teste? - Ela me perguntou, me fazendo voltar daquele breve, mas definitivo devaneio. A voz quebrada e baixa como nunca havia soado antes fez o meu coração apertar no peito, mas havia chegado a hora de encarar a realidade.

— Não passou.


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Notas finais do capítulo

Vão me dizer que esperavam por isso? Quero saber o que acharam, não me deixem curiosa!